O documento discute os perigos dos oligopólios bancários globais para a economia mundial. Segundo o autor, 28 bancos formam um oligopólio que controla a criação de moeda e manipula taxas de câmbio e juros para seu próprio benefício, colocando o mundo em risco de nova crise financeira. Esses bancos são comparados a uma "Hidra" devoradora que mina a soberania nacional dos estados e ameaça a estabilidade global.
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
Os males dos oligopólios bancários sobre a sociedade
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OS MALES DOS OLIGOPÓLIOS BANCÁRIOS SOBRE A SOCIEDADE
Fernando Alcoforado*
Fernand Braudel afirmou que o capitalismo é constituído por uma estrutura em três
patamares: a camada inferior, a mais ampla, de uma economia extremamente elementar
e basicamente autossuficiente, que denominou de vida material, a camada da não-
economia, o solo em que o capitalismo crava suas raízes, mas na qual nunca consegue
penetrar. Acima dessa camada, vem o campo da economia de mercado, com suas
muitas comunicações horizontais entre os diferentes mercados em que há uma
coordenação automática que liga a oferta, a demanda e os preços. Depois dessa camada
e acima dela, vem a zona do antimercado onde circulam os grandes predadores e
vigora a lei das selvas. Esse — hoje como no passado, antes e depois da revolução
industrial — é o verdadeiro lar do capitalismo (BRAUDEL, Fernand. Civilisation
matérielle, économie et capitalism- Vol. 1, 2, 3. Paris: Librairie Armand Colin, 1979).
A zona de antimercado citada por Braudel é o verdadeiro lar dos monopólios e
oligopólios onde vigora a lei das selvas. Monopólio (do grego "monos", um, e "polein",
vender, significa "um para vender") significa a ausência de concorrentes em
determinado setor da economia, resultando na existência de apenas um fornecedor. Este
único fornecedor tem em suas mãos a vantagem de impor o preço de suas mercadorias
no mercado. Além de forçar uma alta nos preços de seus produtos para elevar seus
lucros, o monopolista pode, também, baixar o preço de seus produtos para evitar a
entrada de um concorrente na mesma faixa de mercado que domina. Enfim, o
monopolista tem, salvo casos específicos, um domínio de tal maneira do setor em que a
atua tornando-se o "dono" do mercado.
Já no oligopólio (do grego "oligoi", poucos, e "polein", vender, significa "poucos para
vender") são poucos os fornecedores, cada um detendo uma grande parcela do mercado,
e sendo sensíveis a mudanças de preço no mercado, representando uma estrutura de
mercado de concorrência imperfeita. No oligopólio, há uma tendência de formação de
cartéis ou de divisão de mercado entre os oligopolistas. É através de práticas
monopolistas e oligopolistas que as empresas maximizam ao extremo seus lucros. Um
dos setores onde há uma flagrante prática oligopolista é o bancário no Brasil e no
mundo.
O economista François Morin, professor emérito da Universidade de Toulouse e
membro do conselho do Banco Central francês, afirma em sua obra L’Hydre Mondiale-
L'oligopole bancaire (A Hidra mundial- O oligopólio bancário), que 28 bancos de
porte mundial constituem um oligopólio totalmente distanciado do interesse público.
Para colocar a humanidade a salvo de desastres financeiros futuros, François Morin
considera que é necessário destruir esses bancos, que ele compara a uma hidra, e
resgatar a moeda para o domínio da esfera pública (MORIN, François. L’Hydre
Mondiale- L'oligopole bancaire. Montréal: Lux Editeur, 2015).
É importante observar que a hidra é um animal da mitologia grega com várias
cabeças de serpente, sendo uma delas imortal, e corpo de dragão. Foi criada por Juno e
era um dos doze trabalhos de Hércules. Era conhecida como "Hidra de Lerna". O seu
sangue assim como o seu hálito era venenoso. Se suas cabeças fossem cortadas, elas
voltavam a nascer. Enquanto a hidra não for dominada, as cabeças continuam crescendo
cada vez mais.
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Como um punhado de bancos tomou a forma de hidra mundial? François Morin afirma
que após a liberalização da esfera financeira iniciada na década de 1970 (quando as
taxas de câmbio e de juros passam a ser definidas pelo mercado e não pelos Estados
nacionais e são liberalizados os movimentos de capitais), os mercados monetários e
financeiros tornaram-se globais em meados da década de 1990. Os maiores bancos
tiveram então de adaptar sua dimensão a esse novo espaço de intercâmbio, por meio de
fusões e reestruturações. Reuniram-se as condições para o surgimento de um oligopólio
à escala global, que rapidamente se torna gigantesca: o balanço total dos 28 bancos
oligopolizados (50,341 bilhões de dólares) era superior, em 2012, à dívida pública
global (48,957 bilhões de dólares).
Segundo François Morin, esses bancos muito grandes se entenderam entre si de forma
fraudulenta a partir de meados dos anos 2000 constituindo um cartel. Desde então o
oligopólio bancário se transformou numa hidra devastadora para a economia mundial.
Estes 28 bancos foram declarados «sistêmicos» na reunião do G20 de Cannes, em 2011.
A análise das causas da crise financeira iniciada em 2007-2008 não deixava qualquer
dúvida sobre a responsabilidade desses bancos no desencadeamento do processo. Estão
em causa os «produtos financeiros derivados», que se tornaram comuns nessa época e
continuam a ser difundidos em todo o mundo. Lembremo-nos que os derivativos são
produtos que visam oferecer garantias aos seus detentores e que alguns deles são
altamente especulativos. A sua ativação (conversão em dinheiro) pode tornar-se
catastrófica, em caso de uma crise. Cabe destacar que apenas 14 bancos sistêmicos
«fabricam» estes produtos cujo valor é mais de 10 vezes o PIB mundial.
Múltiplas análises demonstraram que esses bancos ocupam posições dominantes em
vários grandes mercados (de câmbio, de títulos de dívida e de produtos derivados). É
característica de um oligopólio. Mas desde 2012 as autoridades judiciais norte-
americanas, britânicas e a Comissão Europeia aumentaram investigações e aplicaram
multas que demonstram que muitos desses bancos – sobretudo 11 entre eles (Bank of
America, BNP-Paribas, Barclays, Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank, Goldman
Sachs, HSBC, JP Morgan Chase, Royal Bank of Scotland, UBS) – montaram
sistematicamente «burlas em bando organizado». Já foram aplicadas multas no valor de
muitos bilhões de dólares, por manipulação do mercado de câmbios ou do Libor (taxa
de juros interbancários de referência estabelecida em Londres).
François Morin afirma em seu livro que o mundo está sentado sobre uma montanha de
bombas-relógio financeiras montadas unicamente por este punhado de bancos. É
bastante evidente que existem muitas bolhas financeiras que podem arrebentar a
qualquer momento. As bolhas do mercado de ações só podem ser explicadas pelas
enormes injeções de liquidez, por parte dos bancos centrais. Mas, acima de tudo, há a
bolha da dívida pública que atingiu todas as grandes economias. As dívidas privadas
tóxicas do oligopólio bancário foram massivamente transferidas para os Estados
nacionais na última crise financeira. O sobreendividamento público, devido
exclusivamente à crise e a esses bancos, explica as políticas de austeridade praticadas
em cada vez mais países. Este sobreendividamento é a ameaça principal, como se vê na
Grécia e, potencialmente, no Brasil.
Segundo François Morin, desde a década de 1970 os Estados nacionais perderam toda a
soberania monetária porque a moeda agora é criada pelos bancos na proporção de cerca
de 90%, e pelos bancos centrais (que passaram a ser independentes dos governos
nacionais) para os restantes 10%. Além disso, a gestão da moeda através de seus dois
preços fundamentais (as taxas de câmbio e as taxas de juros) está inteiramente nas mãos
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do oligopólio bancário, que tem todas as condições para manipulá-los. Assim, os
grandes bancos têm nas mãos as condições monetárias necessárias ao financiamento dos
investimentos, mas também, e, sobretudo, o domínio do financiamento dos déficits
públicos. Os Estados nacionais não só são disciplinados pelos mercados, mas são,
sobretudo, reféns da hidra mundial, segundo François Morin.
A relação entre os bancos e os Estados nacionais é, de fato, devastadora. A democracia
representativa esvazia-se progressivamente porque o oligopólio bancário
instrumentaliza os poderes dos Estados em seu próprio benefício como está ocorrendo
no momento no Brasil com a aprovação da PEC 241/2016 (Projeto de Emenda à
Constituição que estabelece limite para o gasto público). Tudo indica que as condições
estão maduras para um novo terremoto financeiro no mundo, agora que os Estados
nacionais estão à beira da falência e incapacitados de intervir em seus sistemas
econômicos. O próximo terremoto será ainda mais grave do que o ocorrido em 2008
cujos efeitos econômicos e financeiros serão desastrosos e suas consequências políticas
e sociais poderão ser dramáticas.
A centralização do capital lança as bases da dominação dos monopólios e dos
oligopólios no campo político. Em todos os países, os monopólios e oligopólios
capitalistas controlam a atividade dos governantes. Na época atual são as grandes
sociedades financeiras que controlam os governos. Em nenhuma potência capitalista
pode ser formado um governo contra a vontade dos grandes lobos financeiros. Esse é o
verdadeiro controle do Governo, o controle por parte dos bancos, e não o suposto
controle por parte dos parlamentos. Os presidentes dos Estados Unidos, por exemplo,
são, em regra geral, os instrumentos de um pequeno grupo de monopolistas. É
impossível entrar na Casa Branca e governar o Brasil sem o consentimento dos
monopólios e oligopólios. Mesmo que os Estados nacionais fortaleçam os bancos
estatais de sua propriedade não terão capacidade suficiente para enfrentar os poderosos
oligopólios bancários nacionais e internacionais. Diante deste fato só resta aos povos do
mundo inteiro atuar politicamente para destruir os oligopólios bancários ou aguardar
que as bolhas financeiras arrebentem para erigir uma nova ordem mundial sobre os
escombros da débâcle da ditadura financeira dos oligopólios bancários globais.
*Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos
Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the
Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e
combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011),
Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012),
Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV,
Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo
(Editora CRV, Curitiba, 2016). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail:
falcoforado@uol.com.br.