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Esta é uma obra de ficção, sem
nenhuma relação com pessoas,
entidades e/ou eventos reais.
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INTRODUÇÃO
ORESTES
Contam as lendas gregas que foi na famosa Acrópole que
aconteceu a disputa entre a deusa Atena e Poseidon, o
deus dos mares, pelas terras da Ática.
Atena teria sido escolhida pelo povo como sua protetora
depois de fazer nascer uma oliveira na pedra nua. Em sua
homenagem, os atenienses construíram um enorme santuário
de mármore, originalmente pintado em cores vibrantes em
uma rocha de 800 metros de diâmetro. A Acrópole, ou “cidade
alta”, ergue-se a uma altura de 70 metros da capital grega.
Mesmo desbotadas pelo tempo e castigadas por séculos
de história, as construções da Acrópole continuam a ser
admiradas e reconhecidas até os dias de hoje como um dos
maiores feitos da humanidade.
É noite.
- Está fazendo menos calor agora, não é? - os cabelos
cor de linho de Shun balançam com o vento no teatro a céu
aberto. Ele faz o comentário bem baixinho, virando-se para
trás, desviando seu olhar do palco para avistar a Acrópole.
É verão. O Sol custa a se pôr em Atenas.
Nessa época do ano, só começa a escurecer depois das
oito da noite, quando um tom de azul profundo se espalha
lentamente pela cidade. Intensas luzes douradas se acendem
na Acrópole, iluminando as colunas do Partenon, os baixos-
relevos e cada detalhe desfigurado pelo tempo.
- Senhor Nikol, obrigado por me acompanhar.
- Não por isso - diz Nikol, sorrindo. - É sempre bom vir
ao teatro.
Nikol está sentado ao lado de Shun na platéia. É um
homem elegante e simpático, apesar de sua roupa toda preta
16
parecer um pouco pesada demais para o verão do Mar Egeu.
Com cabelos castanhos e um olhar tranqüilo, é o que podemos
chamar de um verdadeiro “intelectual”.
- Na verdade eu convidei o Seiya... Mas ele disse que ia
morrer de tédio.
- Ora, trazer um moleque como ele a uma peça de
teatro clássico seria jogar o ingresso fora.
Shun sorri e seu rosto adolescente brilha na luz refletida
pela pedra. Apesar de muito jovem, ele não tem o ar infantil
da maioria dos garotos de sua idade.
Os dois estão sentados lado a lado no ponto mais alto
do auditório.
- O que você sabe sobre o Odeon? - pergunta Nikol.
- Não muito.
Construído em 161a.C., o enorme teatro tem
capacidade para 6 mil espectadores e uma acústica
impressionante.
- Dá até pra escutar o som de uma moeda caindo no
palco - explica Nikol. - Também é chamado de Odeon de
Herodes Atticus, em homenagem ao político romano que doou
os recursos para sua construção.
Foi reformado depois da Segunda Guerra Mundial e hoje
recebe artistas do mundo inteiro.
- Parece que o gosto dos gregos pelo teatro é o mesmo
desde a Antigüidade até os dias de hoje... -comenta Shun.
- Aqui nós vamos ao teatro como se vai a um jogo de
futebol.
Peças clássicas, como a de hoje, são geralmente
apresentadas em teatros a céu aberto, sem correr muito risco
de cancelamento por causa de chuva: na Grécia cerca de
trezentos dias por ano são ensolarados.
- Mas elas só podem começar quando as luzes se
acendem, depois do pôr-do-sol, e por isso acabam bem tarde.
- Este espetáculo tem cinco horas de duração... - A
noite vai longe! - diz Nikol, sorrindo. - Todos os gregos, até
mesmo as crianças, dormem muito, muito tarde.
Este é o intervalo entre a primeira e a segunda parte
da Trilogia Orestéia, de Ésquilo. Nikol quer saber o que Shun,
um garoto japonês, acha do teatro clássico grego.
- Muito interessante - diz Shun.
- Acha mesmo? As obras de Ésquilo são grandiosas, sem
dúvida, mas também podem ser bastante cansativas...
Ésquilo viveu no século 5a.C. e foi um dos três grandes
autores de tragédias. Suas peças continuam a ser encenadas,
não apenas na forma clássica, mas também nas mais diversas
interpretações contemporâneas.
A Orestéia se passa um pouco depois da Guerra de Tróia,
aquela de Ulisses, Heitor e Helena. O conflito é desencadeado
por uma maçã de ouro dedicada “à mais bela”, atirada entre
as divindades por Éris, a deusa da discórdia - e acaba de fato
envolvendo a mulher mais bela do mundo, Helena de Tróia.
A primeira parte da trilogia se chama “Agamenon”.
Nela, o personagem-título, comandante-chefe dos gregos e
rei de Micenas, oferece sua filha Ifigênia em sacrifício. A rainha
Clitenestra fica indignada e arma um plano para assassinar
Agamenon, com a ajuda de seu amante, Egisto.
- O Seiya teria dormido só de ouvir essa explicação -
diz Shun.
- Da próxima vez tente levá-Io a uma comédia, daquelas
bem vulgares. É o tipo de coisa que as crianças da idade dele
gostam – Nikol já tinha ouvido falar muito de Seiya, e se referia
ao garoto de um jeito inocente e brincalhão.
Depois do intervalo, começa a segunda parte da peça:
“Coéforas”.
Nove anos se passaram desde a morte de Agamenon.
Seu filho Orestes, que havia sido enviado secretamente a um
país vizinho, jura ao Oráculo de Delfos que irá vingar a morte
do pai.
O estilo da apresentação é fiel ao teatro clássico, com
atores mascarados e os mesmos efeitos de palco da
Antigüidade.
Orestes retorna ao seu país às escondidas para eliminar
Egisto, com ajuda da irmã Electra, e acaba encontrando a
verdadeira assassina de seu pai: sua mãe, Clitenestra.
Clitenestra suplica pela própria vida. Orestes fica
dividido por alguns momentos, mas não abandona a convicção
de vingar a morte do pai, conforme ordenado pelo Oráculo.
18
- Dei à luz uma serpente - diz a desesperada Clitenestra.
- Você matou quem nunca poderia ter matado. Por isso
será condenada a um sofrimento que não deveria existir -
Orestes golpeia Clitenestra com a espada, dizendo que ela
não está sendo assassinada por seu filho, e sim por si mesma.
A rainha Clitenestra cai morta, espalhando o vermelho
do sangue pelo palco. Matricídio. Todos os olhares da platéia
se voltam para o Orestes mascarado, ainda segurando a espada
com a qual matou a mãe. A notícia de seu ato hediondo chegará
aos ouvidos das três Erínias, as deusas da vingança, que o
levarão à loucura na terceira parte da Orestéia.
Mas tem algo de muito errado na apresentação de hoje.
Nikol se levanta abruptamente, perplexo.
No teatro clássico grego, um assassinato nunca pode
ser encenado abertamente diante do público. É um tabu. A
cena deve ficar implícita na narrativa ou acontecer fora do
campo de visão da platéia. Pode se ouvir o grito da vítima,
por exemplo, mas é terminantemente proibido encenar a
morte, os detalhes do crime. Nikol sabe que trair essa regra
numa peça clássica seria algo inconcebível para uma
companhia teatral grega, ainda mais numa apresentação no
Odeon. E as coisas ficam cada vez mais estranhas.
- São dois? - sussurra Nikol, incrédulo.
No palco agora estão dois Orestes, usando a mesma
máscara. Desde quando o outro estava lá? De onde ele surgiu?
O ator que interpretava Orestes até agora parece
congelado pelo assassinato que acaba de presenciar. Mal
consegue gritar quando seu outro “eu” vira a espada em sua
direção e arranca sua cabeça, com máscara e tudo, num golpe
preciso.
O teatro vem abaixo. Não é mais uma peça, a tragédia
hoje é pra valer. O público desperta da comoção causada pela
apresentação, passando da ilusão para a realidade em
segundos.
O falso Orestes pula do palco e corre pela platéia
agitando a espada suja de sangue. Shun sente que aquela
energia mortífera é dirigida a ele. De fato, o homem por trás
da máscara se aproxima rapidamente do ponto mais alto do
anfiteatro.
A espada do assassino solta faíscas diante dos olhos de
Shun, que se defende do golpe mortal com uma corrente que
ninguém parece saber de onde surgiu. Ninguém entende,
também, como um garoto franzino consegue conter todo o
peso e a força do agressor.
- Quem é você? - pergunta o falso Orestes, com seus
braços musculosos e poderosíssimos saltando do traje de palco.
O odor sutil que chega às narinas de Shun é o de uma
fera faminta. Ele estica um pouco mais a fina corrente, que,
neste momento, contrariando toda a lógica e surpreendendo
a todos, acaba reduzindo a pó a pesada espada de bronze.
O assassino não parece se intimidar, e passa a lutar
com as próprias mãos. Shun é o único que consegue
acompanhar seus movimentos ultra-rápidos. Apenas Shun
percebe quando ele se vira para Nikol e suspende o corpo do
grego no ar, atirando-o com uma força sobre-humana contra
uma parede de pedra. Mas nem mesmo Shun sabe onde está o
agressor alguns segundos depois, em meio à confusão e ao
caos generalizado do anfiteatro.
- Para onde ele foi?
O garoto, alerta, mantém a posição de luta com suas
correntes enquanto protege Nikol. Nem sinal do Orestes
mascarado, que já sumiu na escuridão da noite de verão em
Atenas.
As Vontades dos Deuses, liberadas pelo Universo no
momento de seu nascimento, chocaram-se contra as fagulhas
de vida espalhadas por toda a tarde, e se abrigaram nas
Estrelas.
Em Uranus - o Céu - refugiaram-se as estrelas.
Em Pontus - o Oceano - teve início a vida.
Ao som e ao ritmo suave do Tempo, o Mundo se
desenvolveu - e nele todas as pessoas nasciam, morriam e
tinham seu destino determinado pelas Estrelas.
E seguiram as estrelas o seu fluxo pela vida, e a vida,
pelo fluxo das estrelas.
20
Antes que as próprias pessoas se dessem conta, foram
surgindo aqueles que traziam em seus corpos as Vontades dos
Deuses. Eram receptáculos de suas Almas Imortais, seus
Profetas, ou os próprios Deuses adquirindo existência terrena.
Quando surgiam essas encarnações dos Deuses, elas
procuravam guiar o “Mundo” de acordo com suas vontades,
confrontando-se e lutando entre si. Apareceram então
guerreiros para proteger os Deuses, também escolhidos pelas
constelações.
Havia também Atena, e os Sagrados Guerreiros de
Atena.
O embate mortal entre os Deuses pela supremacia no
Mundo se estendeu por espaços temporais inconcebíveis para
a mente humana.
Nos campos de batalha, Atena estava sempre cercada
de jovens guerreiros que vinham de todos os cantos da Terra
para protegê-la. Eram jovens verdadeiramente dotados de
Coragem e Força. Seus golpes cortavam o ar, seus chutes
rachavam o solo. Esses Guerreiros da Esperança surgiam
sempre que o Mal ameaçava se espalhar pelo Mundo.
Mas seus nomes se perderam no Tempo e são ignorados
até mesmo pela Mitologia Grega. Esses jovens lendários e es-
quecidos... Os Sagrados Cavaleiros de Atena.
22
I
OS SANTOS
DE ATENA
1
A “Mitologia” é a própria sistematização da cultura e
de suas ramificações desde o surgimento da
humanidade. É, por definição, algo tão vasto que
nem o mais dedicado poeta épico poderia narrar
cada uma de suas histórias, e com certeza seria
impossível reunir todos os relatos em um mesmo
livro. Por estar em evolução constante, nela
coexistem teorias díspares e até contraditórias, e
qualquer esforço em discutir ou alinhar as diferentes
versões não seria mais do que um divertido
passatempo.
Na Antigüidade, os gregos eram chamados de “helenos”,
ou “povo de Hellas”, forma como se referiam à sua terra
natal. Até os dias de hoje, a Grécia se intitula “República
Helênica” cada vez que sua delegação de atletas lidera o desfile
de abertura dos Jogos olímpicos.
O nome que usamos tem origem latina e foi adotado
inicialmente por estrangeiros. Na verdade. a palavra “Grécia”
só existe na língua portuguesa, sendo “traduzida” de diferentes
formas em outros idiomas, como Greece, em inglês. Essa
confusão é mais comum do que se pode imaginar. Os
japoneses, por exemplo, chamam sua terra de Nippon, ou
Nihon, e não de Japão (e suas variações, dependendo da
língua, como o país é conhecido no resto do planeta.
Conta a Mitologia que o mundo como nós o conhecemos
teve início quando Zeus provocou um dilúvio para destruir a
humanidade. Ele era o mais poderoso dos deuses gregos, e
considerava a espécie humana cruel e medíocre.
Apenas um casal conseguiu escapar dessa catástrofe:
Deucalião, filho do sábio titã Prometeu - aquele que dera aos
24
homens o fogo, até então um dom exclusivo dos seres imortais
- e Pirra, filha de Pandora - a primeira mulher, que recebera
dos deuses inúmeros presentes. O primogênito desses
sobreviventes recebeu o nome Heleno, e se tornou o lendário
pai do povo grego.
O Santuário.
A morada da deusa Atena não fica muito longe de
Atenas, a maior cidade da Grécia, mas não aparece em
nenhum mapa conhecido dos homens. É uma montanha
sagrada, completamente isolada do resto do universo,
separada do nosso mundo por estrelas e grossas camadas de
nuvens.
Nem mesmo os mais avançados e precisos satélites de
espionagem seriam capazes de encontrar esse lugar,
inteiramente coberto pela Vontade Superior dos Deuses e
protegido por barreiras divinas que repelem qualquer tipo de
interferência externa.
Esse é o Santuário, cuja existência está além da lógica
e da compreensão humanas. Procurar por ele é o mesmo que
buscar a Deus, e duvidar de sua existência algo tão perigoso
quanto questionar o criador.
Anoitece.
- Por que as estrelas estão tão agitadas? - sussurra Yuuri,
balançando levemente seus cabelos prateados.
Sua pergunta fica sem resposta: ela está sozinha no
observatório astronômico, um espaço circular ao ar livre
localizado no cume da montanha. O céu noturno lembra um
planetário, límpido e povoado de estrelas, como se a terrível
poluição urbana de Atenas não existisse. No piso sob seus pés,
há o mosaico delicadíssimo de um mapa duo decimal indicando
os quatro pontos cardeais.
Áries, Touro, Gêmeos, Câncer...
- É como se as estrelas estivessem caindo da Via
Láctea...
Yuuri está em pé no posto de observadora estelar. Seu
traje lembra os usados pelos antigos gregos: um quitão branco
sobre o qual descansa uma túnica escarlate, presa por um
broche na altura do ombro direito. Sobre seu rosto há uma
máscara, mas muito diferente daquelas que vemos em festivais
ou no teatro. É uma máscara de silêncio, feita unicamente
para esconder qualquer expressão de sentimento humano.
-... De novo! - outra estrela “cai” rumo ao oeste.
Todos os seres humanos nascem, morrem e reencarnam
de acordo com os desígnios das estrelas.
Observá-las é uma forma de enxergar melhor o nosso
mundo. Em nenhum momento Yuuri desvia seu olhar atento
do céu.
- O mestre Nikol bem que poderia estar aqui, mas foi
ao teatro com aquele garoto bonitinho...
No alto do firmamento está o triângulo de pontos
brilhantes formado por Deneb, Vega e Altair, estrelas das
constelações de Cisne, Lira, e Águia, respectivamente. Há
um espaço opaco no mapa estelar, logo abaixo da constelação
de Virgem, que está perto de se esconder no horizonte. É
nesse pedaço de céu esvaziado que Yuuri vê estrelas caindo
em frangalhos, formando uma calda em chamas.
- Preciso avisar Atena - ela é oficiante auxiliar do
Santuário, e essa é sua missão. Yuuri chama a deusa dizendo
seu nome em voz alta.
Atena existe em carne e osso, assim como seus
cavaleiros. É a deusa protetora do Amor e da Paz na Terra, e
se faz presente nesta região sagrada.
Num sobressalto, Yuuri sente a chegada de um instinto
assassino. Um arrepio percorre sua espinha, uma sensação
real como a lâmina de uma faca contra sua nuca. Um inimigo:
e ela está bem na mira dele.
“Mas como? Eu nem percebi...”, pensa transtornada.
- Você é uma amazona - diz o invasor.
- Sim. Sou Yuuri do Sextante - paralisada, ela não tem
alternativa senão falar com o estranho às suas costas. - Você
tem consciência de que invadiu o Santuário de Atena?
O invasor não responde. Yuuri se sente ainda mais
acuada, sabendo que fez uma pergunta idiota. Ninguém
26
penetraria a região sagrada “por acaso”. Seria
impossível ultrapassar suas redomas espirituais “sem querer”.
- Quem enviou você...?
- Toda mulher deve usar a máscara para poder se juntar
aos Cavaleiros, abandonando completamente sua
feminilidade. Essa é a regra...
Yuuri está cada vez mais confusa. Um ruído abafado e
sua máscara de silêncio cai no chão, partindo-se ao meio.
-... E esse é o seu rosto.
Ela levanta as mãos para cobrir o próprio rosto, num
movimento instintivo. Seu oponente aproveita a oportunidade
e atinge com um soco seu abdome desprotegido, erguendo
seu corpo e atirando-o com tanta força no chão que Yuuri
perde os sentidos.
O invasor olha para o mosaico no chão com desdém,
soltando um riso de deboche.
- Ha! - o grito produz uma onda de energia que lembra
o impacto de um meteorito, destruindo o piso do observatório,
até o mapa zodiacal desaparecer numa nuvem de pó.
2
Ohomem acorda de sua soneca com um chute que o
lança mais de dez degraus escada abaixo:
- Levanta, cara!
- Nossa, essa doeu! E eu estava dormindo tão bem... -
uma pausa. Seu tom de voz muda completamente ao perceber
quem o acordou. - Ai, ai, ai...!
- Quantas vezes eu tenho que acordar vocês? Parecem
macacos! - diz, sem cerimônia, o garoto japonês de corpo
delgado.
- B-boa noite, senhor Seiya. - responde o homem na
escada, enquanto sacode rapidamente seus dois colegas, que
também cochilavam. Os três vestem armaduras de couro, o
uniforme dos soldados defensores do Santuário de Atena.
Se freqüentasse a escola, Seiya estaria cursando o
ginásio. O aspecto franzino e seus menos de 1,70m de altura
não lembram em nada os imponentes e musculosos lutadores
profissionais. Seus cabelos formam ondas que dão impressão
de intenso dinamismo e seu olhar penetrante transborda
aquela energia típica dos jovens. Com seu traje e protetores
de couro, parece pronto para uma festa à fantasia.
- Ô moçada! Vocês são a guarda noturna, têm que vigiar
o Santuário sem dormir.
- C-claro, senhor. A gente sabe.
- Então por que ficam cochilando? - continua o garoto.
- Vocês andam muito moles! Não é porque ultimamente está
tudo em paz que nunca mais vai aparecer um inimigo!
Seiya fala com autoridade, como se fosse um sargento
comandando sua tropa.
- É por essas e outras que vocês nunca deixam de ser
soldados rasos - completa ao se afastar do grupo, deixando
28
para trás os soldados, assustados até o último fio dos cabelos.
- Se bem que esta noite de verão está mesmo perfeita para
uma soneca
Seiya também está em serviço, mas sua vigilância é
solitária. Foi muito azar ter sido escalado para a patrulha
noturna neste calor. Talvez tivesse sido melhor aceitar o
convite de Shun, com certeza seria divertido passear em
Atenas. “Mas assistir uma peça de teatro fedendo de tão velha?
Que graça o Shun vê nisso?”
Parecendo se esquecer da bronca que deu nos soldados
ainda há pouco, Seiya solta um bocejo sossegado e tranqüilo.
No céu, uma imensidão de estrelas.
Este sempre foi o Santuário de Atena.
Os doze templos da abóbada celeste compõem uma
trilha íngreme ao redor da montanha rochosa. São as chamadas
Casas Zodiacais: Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem,
Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes. Esse
caminho tortuoso leva à Sala do Mestre e ao Templo de Atena,
o mais sagrado de todos.
O Odeon fica ao pé da montanha, ao lado de outras
construções comuns, como casas e a torre do relógio. Assim
como acontece em Delfos, famosa por seu oráculo, a cidade
parece se erguer em torno do monumento sagrado. Neste
mesmo espaço convivem diferentes estilos arquitetônicos,
alguns de períodos separados por milênios. As ruínas de
edificações antigas são testemunhas do uso contínuo desta
região ao longo de muitas e muitas eras. Esta é a Sé dos
cavaleiros que defendem a Terra.
Desde os mais antigos mitos e fábulas, Atena saiu
sempre vencedora dos combates entre deuses em fúria. Todos
os relatos dão conta de que a deusa guerreira nunca falhou
em sua luta pela defesa da paz. E em nenhuma ocasião o
Santuário caiu diante de forças maléficas.
Seiya interrompe abruptamente sua caminhada
vigilante.
. “Que sensação é essa?” Um pressentimento
desagradável. O jovem volta seu olhar na direção do
observatório celeste, no cume da montanha.
- Aaaaahhhhh!
Os gritos pegam Seiya de surpresa.
- Mas o que... - alarmado, ele sobe a escadaria o mais
rápido que pode, pulando quatro ou cinco degraus a cada
passo. Um odor penetrante e espesso de sangue faz com que
prenda a respiração por um instante. O cheiro é tão forte que
parece vir de sua própria boca.
- Mais um rato - diz uma voz vindo das sombras,
enquanto são atirados na direção de Seiya os pobres coitados
responsáveis pelos berros horripilantes.
- Esses caras são os...
O primeiro tem todos os ossos em pedaços,
aparentemente esmagados por uma força devastadora. O
segundo está todo perfurado, cada centímetro de seu corpo
atravessado por agulhas. O terceiro é um cadáver desfigurado,
com a pele arrancada como a casca de uma romã.
São os três guardas que há pouco cochilavam. Mortos.
Soldados de Atena, derrotados em seu santuário!
- Quem está aí?! - grita Seiya na direção dos inimigos,
até agora ocultos nas sombras. Só então consegue enxergar
dois dos invasores que ousaram sujar de sangue a região
sagrada.
- Ágrios, a força brutal - apresenta-se com uma voz
grossa o gigante de dois metros e meio, tão grande que chega
a encobrir as estrelas.
- Toas, o relâmpago célere - diz o outro, também alto,
mas não como o primeiro.
- Quirri! Eu sou Pallas, o parvo - a terceira voz é
esganiçada, e a mais aterrorizante de todas. Seiya engole
seco diante da última criatura a ser revelada pela luz das
estrelas. Trata se de um demônio.
Pallas tem braços desproporcionalmente compridos e
costas curvadas como as dos corcundas em fábulas européias.
O torso distorcido está tão dobrado para frente que o rosto
minúsculo e esquelético fica na altura da cintura de Seiya,
fazendo com que a criatura lance seu olhar doentio de baixo
para cima. O monstro parece exercer uma atração terrível,
30
talvez pela paixão que os seres humanos têm por tudo o que
é bizarro, a mesma fascinação que nos atraiu à Quimera.
- Essa armadura? - balbucia Seiya.
- Eis o traje de Adamas! Quirri! A Armadura da Grã-
Terra que protege os Gigas! - responde Pallas, abrindo
ameaçadoramente os braços compridos como os de uma
aranha.
É a armadura de diamante, que também poderia ser
chamada de “armadura de cristal”. Um traje composto de
polígonos de cristal com um brilho hipnotizante. Seiya percebe
que os outros dois invasores vestem a mesma armadura.
- Os Gigas? - pergunta o garoto, perplexo. - O que são
os Gigas?
A ignorância de Seiya a respeito dos Gigas provoca em
Ágrios uma reação encolerizada.
- Atena! E os cavaleiros! Como ousam esquecer o nome
dos Gigas?!
- Contenha-se, Ágrios.
- Mas, Toas...!
- Parece-me de certa forma inevitável - continua o
segundo gigante. - Nós, os Gigas, fomos aprisionados por Atena
na Gigantomaquia de tempos longínquos. Imagine quantas eras
percorreu o mundo enquanto vagávamos por nosso cativeiro
mortal, no vão entre Gaia e o Tártaro. Basta olhar para o
céu. Até mesmo a Estrela Polar mudou de lugar desde que
partimos. Inúmeros astros já extinguiram sua chama e se
perderam no firmamento...
- Quirri! Chega de bancar o poeta, Toas - interrompe
PalIas, ao mesmo tempo em que aponta suas garras afiadas
na direção de Seiya.
Os dedos do monstro são absurdamente longos, muito
maiores que os de uma pessoa, e cada movimento produz um
agudo som metálico gerado pelo atrito de uns com os outros.
A armadura de diamante brilha num aterrorizante tom
vermelho-escuro, fazendo com que a mão da criatura se
assemelhe a uma aranha venenosa.
- Você usou essas garras contra eles! - protesta o
menino.
- Sabe, pele de moleque é fácil de arrancar! -responde
a criatura, soltando então um grito maníaco. - Quirri! Garras
marionetes!
Seiya escapa por um triz da primeira investida de PalIas,
que chega a arranhar seu nariz e cortar alguns fios de seu
cabelo. Sem a menor chance de se recompor, o garoto é quase
imediatamente atingido por Ágrios, que se atira contra ele
como uma fera gigantesca, lançando-o ao ar.
- Ohhhhhhhhh! - o corpo de Seiya cai no chão com força.
- Que força incrível tem esse Ágrios! E pensar que ele só me
pegou de raspão...
- Vejo que suportou bem o ataque! Você parece ser um
pouco menos molenga que esses mortos aí no chão.
- Pode calar a boca, grandalhão - responde Seiya,
enquanto se levanta com um olhar de deboche. - Você não
está me comparando com soldados rasos, não é?
- Seu macaquinho!
- Seiya! - o bate-boca é interrompido por uma nova voz
surgindo na noite.
- Kiki? É você?
Um garoto de cabelos curtos e eriçados olha os invasores
com uma expressão assustada. Deve ser uns cinco anos mais
novo que Seiya. Suas sobrancelhas foram raspadas, talvez por
algum significado cerimonial, e em seu lugar há um desenho
curioso e peculiar.
- Vim porque senti presenças suspeitas... Quem são
esses caras? - seu rosto parece combinar a originalidade de
diversos povos, podendo ser considerado tanto oriental quanto
ocidental. Em japonês, o nome Kiki quer dizer “demônio
honrado”.
Incrivelmente, o menino paira no ar sem qualquer
apoio, depois de ter surgido do nada no céu.
- Teletransporte? Quirri! Esse tampinha é pára normal?
- Nem precisa dizer, Seiya. Usa a minha telecinese! -
grita Kiki, antes que o amigo possa falar qualquer coisa.
Nesse instante, uma espécie de baú rompe o espaço,
surgindo numa esfera de luz sobre a cabeça de Seiya. A
32
claridade faz com que os Gigas cubram seus olhos ofuscados.
É uma caixa feita de bronze, decorada com imagens de um
cavalo alado em baixo relevo. De sua tampa entreaberta
escapa um brilho ainda mais forte.
Os invasores assistem, estupefatos, à aparição no céu
de uma enorme estátua na forma de um cavalo alado, coberta
por uma aura flamejante de raios azuis e brancos. Um
verdadeiro legado da era dos mitos... a prova da existência
dos Cavaleiros. A mais poderosa fonte de energia do mundo.
- Pégaso!
Com isso a estátua ganha vida e relincha, atendendo
ao chamado de Seiya, para então se dividir em várias partes
que aderem ao corpo do rapaz.
Cabeça. Ombros. Peito. Braços. Cinturão. Pernas. - Rá!
- o gigantesco corpo de Ágrios é atirado contra a montanha,
num impacto tão poderoso que por pouco não abre uma fenda
na rocha. Ele tosse e comprime o abdome com força entre os
braços, tentando impedir que o conteúdo de seu estômago
seja regurgitado.
- Não é possível! Um soco invisível?
- Eu não disse, grandalhão?
Nem o melhor praticante de luta ou arte marcial, seja
caratê, boxe ou muay thai, é capaz de derrotar numa única
investida um oponente que tenha o triplo do seu peso.
Mas Sejya é diferente: ele domina a luta de Atena.
Quando seu punho cortou o vazio, passando bem perto da
cabeça de Ágrios, o movimento enviou uma onda de choque -
sinal de que o soco fora desferido a uma velocidade superior
à do som.
O golpe prova que ele é um guerreiro escolhido pelas
constelações espalhadas pela abóbada celeste.
- Ah, é assim? É assim, moleque? - Ágrios se levanta
furioso, expulsando com força o ar dos pulmões. Apesar da
queda ele está inteiro. Na verdade, seus músculos parecem
ter se expandido e seu corpo, crescido ainda mais.
- Você é um cavaleiro.
- Seiya! Meu nome é Seiya, da Constelação de Pégaso.
Esse é um jovem de poder lendário. Sua força vem da
estátua de Pégaso, que sai de sua caixa dourada e se rompe
em pedaços para formar uma impenetrável armadura
protetora.
As asas do cavalo se dobram magistralmente como um
leque, encaixando-se em suas costas. Sua cabeça toma a forma
de um elmo e seu corpo se transforma num escudo peitoral:
O que era o pescoço do animal agora cobre o braço direito de
Seiya, enquanto a cauda adere ao braço esquerdo e o peito é
um cinturão. As patas dianteiras e traseiras se mesclam de
forma complexa, protegendo as pernas do jovem das unhas
dos pés até os quadris. A poeira estelar se espalha, cintilando
no ar.
O traje celestial de Seiya está completo. É sua a
armadura sagrada permitida apenas aos cavaleiros escolhidos
de Atena.
- É bom que vocês saibam - grita o garoto. - Eu estou
MUITO bravo!
O traje branco-azulado de Pégaso provoca em Seiya
uma explosão de energia.
- Meteoro de Pégaso! .
- Como?! Os punhos se multiplicaram? - pergunta-se a
besta enquanto fachos de luz se espalham por todos os lados.
De repente um ruído abafado interrompe o golpe
supersônico do punho de Seiya. O movimento é contido pela
armadura de Toas, “o relâmpago célere”, que até então se
limitava a assistir à luta.
- Esfrie a cabeça, Ágrios. - diz o segundo gigante,
colocando-se diante de Seiya. - Você nem percebe como esse
ataque é limitado! Punhos multiplicados que nada! A mim
pareceu que cada soco se arrastava como uma lesma.
- Como esse cara pode ser tão veloz...? - Seiya está
surpreso e confuso. Toas fora capaz de repelir todo o fluxo de
golpes e ainda segurar seu punho.
- É verdade que não se deve subestimar o poder de um
cavaleiro em seu traje sagrado - continua Toas, apertando
com mais força ainda o punho do garoto. - Você vai ver uma
coisa, moleque!
- Quirri! Analise bem a situação... - provoca Pallas. -
Você acha que um cavaleiro tem chance contra três de nós?
- Droga! - Seiya está cercado.
34
Os três Gigas começam a exercer uma pressão invisível
que faz com que Kiki perca a concentração e caia com tudo
no chão.
- Ai! O que foi essa telepatia?! - antes de conseguir se
recompor, o menino assiste, perplexo, à chegada de mais um
invasor, que aparece trazendo nos ombros Yuuri do Sextante,
desmaiada.
- Senhorita Yuuri?! - reconhece a garota por seu cabelo
prateado e a túnica escarlate dos oficiantes do Santuário,
mas ela está inconsciente e não reage à menção de seu nome.
Seiya não entende por que não detectou de antemão a
presença deste quarto inimigo. É realmente difícil de
acreditar. Somente se tivesse uma força avassaladora alguém
conseguiria se aproximar de um cavaleiro sem ser percebido.
O novo invasor desaparece logo em seguida, rápida e
silenciosamente, levando Yuuri consigo.
- Sumiu! Como? - Seiya não sabe o que pensar.
- Bom, agora Ágrios, Pallas, a nossa brincadeira fica
por aqui - diz Toas a seus companheiros. -Esqueceram-se do
nosso objetivo original?
- Saco!
- Quirrirri... Tem razão.
Os gigantes recolhem seus punhos, para grande surpresa
de Seiya.
- Moleque... Vai ter volta...
- Quirrirri! Você escapou desta vez, mas por pouco
tempo.
Ágrios e Pallas se cobrem novamente de sombras e
desaparecem na noite.
Toas se detém por mais alguns segundos.
- Seiya de Pégaso. Vamos deixar que você viva para
que leve o nosso nome a Atena. - diz. - Diga a ela que vá à
Sicília se quiser a menina de volta. Nós, os Gigas, estaremos
lá. Nós, a descendência dos Deuses Antigos, nascidos da Grã-
Terra, aprisionados nas profundezas do vazio fantasma.
Com isso a imagem do último invasor penetra a
escuridão, para sumir completamente.
- Mas que droga! O que vocês...? - a voz de Seiya ecoa
em vão. Não há mais sinal algum dos inimigos. O garoto parece
despertar de um pesadelo. Não fosse pelos cadáveres dos
soldados rasos e pelo odor hostil deixado pelas criaturas,
poderia jurar que nada daquilo tinha acontecido.
- Gigas... Das profundezas do navio fantasma...
36
3
ASala do Mestre fica logo na entrada do Templo de
Atena, além das Doze Casas Zodiacais. O Mestre é o
líder supremo dos Cavaleiros, o servo mais importante de
Atena.
- A senhora Yuuri foi seqüestrada? - Shun voltou ao
Santuário logo após a confusão no teatro da Acrópole,
apresentando-se imediatamente com sua armadura de
Andrômeda. O traje tem um brilho cor-de-rosa que lembra
mais um vestido de donzela do que a armadura de um
guerreiro.
- Droga! Eu estava lá e não pude fazer nada! -Seiya
cerra os punhos, inconformado por ter deixado os inimigos
escaparem. Ele também está vestido com seu traje celestial,
que é essencialmente um uniforme de combate. O fato de os
Cavaleiros estarem usando suas armaduras significa que esta
é uma reunião de guerra. - O senhor não está ferido, Sr. Nikol?
- Está tudo bem comigo. Foi mais um susto, o ataque
me pegou de surpresa.
Assim como Shun e Seiya, Nikol é um Cavaleiro de Atena.
A Sala do Mestre é cercada por colunas dóricas e
adornada com cortinas. No centro do recinto existe um
patamar mais alto, coberto por um tapete, onde fica o assento
do Mestre. Mas não tem ninguém sentado ali.
O cargo de Mestre está vago. Nikol, chefe dos oficiantes,
é quem tem cuidado da administração do Santuário.
Você, leitor; saberia dizer quantas constelações existem
no céu? Segundo os astrônomos, são 88.
Mas esse não é um fator absoluto, cientificamente
falando, assim como não existe uma opinião predominante
sobre a descrição de cada constelação. Na verdade, o número
“88” foi uma padronização adotada pela União Astronômica
Internacional em sua Assembléia Geral de 1930, e se baseia
no modelo do astrônomo clássico Ptolomeu. Essa contagem
“oficial” mantém aquilo que já era conhecido das civilizações
antigas, ao mesmo tempo em que acrescenta descobertas mais
recentes, especialmente no que diz respeito às constelações
meridionais.
De qualquer forma, não faz muito sentido usar esse
dado para contar a história das Armaduras, uma tradição
que remonta à Era dos Deuses.
Uma pessoa se torna um Cavaleiro ao ser escolhida
como representante de uma constelação específica. O tempo
todo esses guerreiros enfrentam batalhas mortais para
proteger nosso mundo do Mal. Quando sua própria força não
é suficiente, eles recorrem à Graça Divina, através de suas
armadurassagradas-porissocadaCavaleirotemsuaprópria
constelação padroeira, seja ela Boreal, Austral ou Zodiacal
(teoricamente seriam 24, 48 e 12 de cada tipo,
respectivamente).
Existem três gradações entre os Cavaleiros: Ouro, Prata
e Bronze.
Os Cavaleiros de Ouro estão acima de todos os outros e
são representados pelas doze casas zodiacais as constelações
da astrologia, que também representam os signos, como Áries,
Touro e Gêmeos. Os Cavaleiros de Prata são os próximos na
ordem hierárquica, seguidos dos Cavaleiros de Bronze. Ainda
mais abaixo estão os soldados rasos.
O Mestre é responsável pelo comando de todos esses
níveis - portanto é sempre um Cavaleiro de Ouro, geralmente
escolhido por seu antecessor no cargo. Já os Oficiantes podem
ser Cavaleiros de Prata ou de Bronze. Suas responsabilidades
incluem prever a trajetória das estrelas, monitorar sinais de
atividade maligna, registrar a história e transmitir o legado
dos segredos místicos do Santuário para gerações futuras.
Alguns acreditam que existem 24 Cavaleiros de Bronze
e 48 Cavaleiros de Prata, mas, com exceção dos doze
Cavaleiros de Ouro, não se sabe exatamente quantos são os
38
guerreiros de cada estirpe. Aparentemente nem mesmos os
Mestres conhecem o número total de trajes sagrados
existentes.
OHistóricodoSantuário,cujosdadossãorelativamente
novos, também não oferecem uma resposta exata. Segundo
um relato recente, a quantidade máxima possível de
Guerreiros Sagrados seria 78. Em outro registro, esse número
pula para 88. Há quem diga que os astrônomos se basearam
de alguma forma indireta nessa anotação para estabelecer a
contagem “oficial” de constelações, mas não existem provas.
Além disso, essas teorias se contradizem: por exemplo, sabe-
se que existiu até muito pouco tempo atrás um Cavaleiro de
Cérbero, embora essa constelação não esteja na lista “oficial”
dos astrônomos. O único ponto em comum entre as diferentes
versões é a crença de que em nenhum momento todas as
armaduras foram utilizadas simultaneamente.
Também não podemos nos esquecer de que o universo
não é algo estático. O mapa celeste está em constante
transformação: muitas estrelas se incendeiam e se perdem
como Novas, e nem mesmo a Estrela Polar permanece imóvel
num período de milhões, ou mesmo milhares, de anos.
Todas as pessoas nascem e morrem sob o destino das
estrelas. O firmamento e o mundo em que vivemos refletem
um ao outro. Se o mundo muda, mudam as estrelas e seu
desenho no céu, ou seja, mudam as constelações que
determinam os trajes sagrados. Com isso, a própria natureza
das armaduras dos Cavaleiros é mutante. e os Guerreiros
Sagrados sabem disso.
Apesar de tudo isso, o número “88” se tornou a resposta
padrão para a quantidade de constelações e Cavaleiros
existentes. Mas, nos dias de hoje, período em que se passa a
nossa história, não existe nem mesmo a metade desses
guerreiros com Atena na Terra.
- Pelo que o Seiya está dizendo, pode haver uma relação
entre a pessoa que me atacou no teatro e os invasores que
seqüestraram Yuuri - diz Nikol, que ainda sente alguma dor e
por isso vez por outra comprime os músculos do rosto.
- Mas você é um Cavaleiro de Prata, como ficou em
desvantagem?
- Seiya, nem sei o que dizer - Nikol ainda está confuso
e envergonhado. - Sinto muito... Por Yuuri também.
Yuuri é uma Amazona de Bronze, equiparando-se a Shun
em hierarquia e poder de combate, mesmo sendo mulher.
Como demonstrado no golpe que Seiya acertou em Ágrios, a
essência divina das técnicas de luta dos Guerreiros Sagrados
não tem relação alguma com força bruta ou capacidade
muscular.
- o que está acontecendo? Qual é o objetivo desses
inimigos?
- Pelo menos nada aconteceu a nossaAtena. Felizmente.
- Como você pode dizer a palavra “felizmente” numa
hora dessas, Nikol? - a voz suave inunda a sala com uma carga
de afeto e bondade.
As cortinas se abrem, revelando a figura de uma
menina-moça. É a deusa da guerra e da sabedoria. A eterna
virgem.
Zeus, deus dos céus; Poseidon, senhor dos mares; Hades,
mestre do inferno. Atena, protetora da Terra - com poder
equiparado ao dessas três entidades supremas.
- Atena - Nikol dobra o joelho na reverência que se
acostumou há muito a fazer.
- Não se pode falar em algo “feliz” quando a vida de
um dos meus amados Cavaleiros está em perigo. - continua
Atena, mantendo uma postura altiva.
A figura feminina da deusa é de uma beleza singular.
Aparenta mais ou menos a mesma idade de Seiya e Shun, tem
longos cabelos castanhos na altura da cintura e veste um
gracioso vestido branco. Não é nada diferente de uma garota
comum, mesmo considerando sua extraordinária beleza.
- Foram palavras impensadas. Perdoe-me, Atena -
desculpa-se Nikol, curvando-se ainda mais.
- Não se culpe. Por favor, levante a cabeça.
A deusa transmite sua autoridade no modo como
estende a mão a Nikol, um homem aparentemente muito mais
velho que ela (o que não poderia estar mais distante da
realidade, como se sabe).
40
- Os Gigas...
- Sim, eu já sei. - Sua voz envolvente também transmite
uma característica divina, manifestando sua vontade de deusa
a cada palavra pronunciada. Afinal, a jovem é a própria Atena,
a encarnação dessa divindade nos dias de hoje.
- Quem são esses tais Gigas?
- São os gigantes das fábulas gregas, Seiya - responde
Nikol.
- Ah... Fábulas...
- Qualquer dia você vem comigo até a biblioteca para
aprender a história da criação do céu e da terra.
- Ããã... Acho que não vai dar - responde Seiya, tocando
o próprio rosto num gesto meio constrangido.
- Os Gigas são a própria origem etimológica da palavra
“gigante” - explica Nikol com sua paciência inabalável.
- Gigantes como os das histórias para crianças? Tudo
bem, os caras que vieram aqui são grandes, mas dizer que
são gigantes é exagero.
- Deixe-me contar a história dos Gigas - continua Nikol,
como se fosse um professor. - Ela começa na longínqua Era
dos Deuses, algum tempo depois do surgimento dos Cavaleiros
e de sua primeira luta, a batalha contra o exército de Poseidon,
travada nas terras da Ática.
Na sala agora se ouve apenas a voz de Nikol, enquanto
os outros escutam com atenção.
- Foi nessa época que os Gigas declararam guerra contra
os Cavaleiros, com o objetivo de dominar o mundo. Esses
antigos deuses malignos eram diferentes das entidades
olímpicas como Poseidon e Hades. Chamavam a si mesmos de
“Filhos da Grã-Terra” e se protegiam com armaduras de
Adamas, material ainda mais resistente que o Oricalco. Eram
seres dotados de uma força avassaladora, e a batalha entre
eles e os Cavaleiros teve proporções épicas. Nossa vitória foi
conquistada com muito custo, e apenas graças à presença da
própria Atena nos campos de batalha. Quase nenhum Cavaleiro
sobreviveu.
- Nem consigo imaginar uma guerra tão difícil.
- Mesmo tendo saído vencedora,Atena não pôde destruir
os seres malignos, que eram deuses, portanto, imortais. Ela
não teve escolha senão exilá-los nas profundezas além do
Tártaro, para que sua vontade diabólica jamais invadisse Gaia
novamente. Essa é a história da Gigantomaquia.
- Gigantomaquia?
- É o nome da guerra contra os Gigas na mitologia -
responde Nikol, solenemente. - Segundo o historiador grego
Apolodoro, durante a Gigantomaquia, Atena atirou sobre os
Gigas o Monte Etna, que fica na Sicília, para aprisioná-Ios.
- Peraí, você disse Sicília? - pergunta Seiya. -Atena...
Os invasores do Santuário, esses Gigas de que vocês estão
falando, eles disseram que estavam levando a Yuuri para a
Sicília.
- Mas eu não entendo - neste momento, a voz da deusa
carrega o peso de sua dor pelo que pode estar acontecendo a
Yuuri. - Por que não me atacaram diretamente?
- Estamos todos preocupados com a segurança de Yuuri,
mas, antes de qualquer coisa, precisamos descobrir por que
os Gigas estão de volta justo agora, eles que estavam
aprisionados desde tempos imemoriais.
- Vamos até a Sicília - diz Atena em um tom subitamente
confiante.
- Você quer ir pessoalmente, deusa?! Nunca
permitiríamos uma coisa dessas.
- Nikol... - a voz da jovem transborda compaixão. -
Fico feliz que você se preocupe comigo, mas não posso
abandonar meus Cavaleiros. Que espécie de mãe deixaria seus
filhos para trás?
A imagem da garota se referindo aos Guerreiros Sagrados
como seus filhos é muito poética, e demonstra sua inabalável
determinação em protegê-los. Uma deusa disposta a lutar
por aqueles que ama.
- É o seguinte...! - o tom mais alto de Seiya interrompe
o momento solene. - Ainda não saquei qual é a desses Gigas
aí, mas não dá pra ficar sentado aqui sabendo exatamente
onde os caras estão. Eu vou até lá!
- Eu também - concorda Shun.
Ainda temendo pela segurança de Atena, Nikol decide
tomar as rédeas da situação, usando sua autoridade como
Mestre interino.
42
- Então vão os dois - e com isso a missão é oficialmente
transferida a Seiya e Shun, que a aceitam com vigor. - O
primeiro passo é investigar as forças inimigas - acrescenta
Nikol. - Só então submeteremos a decisão ao juízo de Atena.
-Mas...
-Já está tudo decidido e providenciado, senhora. -
completa, ignorando a tentativa de protesto da deusa.
- Chegueeeei! - uma voz estridente do lado de fora. Kiki
se junta aos outros na Sala do Mestre.
- Bom trabalho, Kiki.
- Nossa, senhor Nikol, você gosta de abusar da gente,
hein? - diz o menino em seu tom infantil e animado. - Tudo
bem que a Sicília fica a meros 800 quilômetros daqui, mas
deu um trabalho danado atravessar duas vezes o Mar Iônico e
a Península Italiana!
- Você já foi e voltou da Sicília, Kiki?
- Pois é! - Kiki lança uma piscadela para Seiya. - Você
parece estar muito bem - diz Nikol, sorrindo. - Tem energia
de sobra para reclamar...
O teletransporte provoca um enorme cansaço espiritual,
especialmente em uma jornada de ida e volta sem descanso
como essa.
- Eu pedi a Kiki que trouxesse um guia de lá. - explica
Nikol.
- E eu vou falar uma coisa, teletransportar alguém cansa
duas vezes mais! - Kiki não pára de tagarelar, sentando-se no
chão. - Não, cansa quatro vezes mais!
- Um guia? - Seiya ainda está bastante confuso.
- Vocês vão precisar de alguém para mostrar o caminho.
- a resposta é dada por uma nova voz. - A Sicília é a maior ilha
do Mediterrâneo. Você não quer ficar perdido por lá, né Seiya?
O garoto recém-chegado fala com ironia e dá um tapinha
no ombro de Seiya, demonstrando intimidade. Mas o Cavaleiro
de Pégaso parece não ter a menor idéia de quem se trata. O
“estranho” é uns 10 centímetros mais alto que ele e aparenta
ser dois ou três anos mais velho. Tem uma tatuagem no braço
e usa roupas esfarrapadas que poderiam pertencer a um
menino de rua. Seu cabelo comprido e tingido de prateado
está penteado para trás, fazendo com que sua expressão
lembre a de um lobo.
- Quem é você?
- Ha! Ha! Não faz essa cara feia! Você continua igualzinho
a quando era moleque, já vem querendo arrumar briga logo
de cara. - O jovem caçoa de Seiya num tom amigável e
nitidamente saudoso.
- Quando eu era moleque...? Ei, você é o Mei! A
constatação faz com que Seiya, Shun e até mesmo Atena
voltem no tempo por alguns instantes. A presença do amigo
de infância traz lembranças antigas que iluminam e
transformam o rosto de todos. A encarnação da deusa, tão
imponente até há pouco, parece se tornar a garotinha de
poucos anos atrás.
- É você mesmo, Mei?
- Você continua o mesmo, Seiya. E você, Shun, nossa,
como você era chorão! E... - o jovem de cabelos prateados
fica mais sério ao se virar na direção de Atena. - É um enorme
prazer reencontrá-la, Senhorita Saori.
44
II
SICÍLIA
1
- Nem acredito que você está vivo, Mei! - diz, retornando
seu lugar no avião depois de ter ido buscar algo para
beber.
Estamos em pleno vôo. Este avião não tem janelas,
nem poltronas. Os assentos são lonas esticadas, suspensas por
tubos fixos nos dois lados da cabine. O espaço é apertado: se
Seiya estivesse sentado de frente para os amigos, estaria
praticamente batendo seus joelhos nos deles. Pela decoração,
parece mais uma aeronave militar do que um avião de
passageiros.
- Não tem nada que ficar surpreso não, cara. Você e o
Shun não estão vivos? O mais normal era mesmo eu sobreviver.
- Normal, você? Aaiii! - grita Seiya quando Mei aperta
com alguma força o punho contra sua bochecha.
- Pensa bem, Seiya! Alguma vez você já ganhou de mim
numa briga?
- Isso foi quando eu tinha 7 anos! Você é dois anos mais
velho, e naquela idade isso faz muita diferença!
- Ha! Mas você continua sendo um pirralho.
Shun não resiste e dá uma risadinha ao ver a cara
emburrada de Seiya. Os dois Cavaleiros estão usando seus
trajes sagrados, e levam as caixas de Pégaso e Andrômeda no
compartimento de carga, na traseira da aeronave. Trata-se
de um Tiltrotor, com capacidade para cerca de dez
passageiros. Suas asas possuem rotores móveis, e do lado de
fora lê-se a inscrição “Fundação Graad”. Falta menos de meia
hora para o pouso na Sicília.
- Só que se eu chamasse vocês pra briga hoje em dia ia
perder com certeza. Mesmo do Shun, que vivia chorando...
Vocês agora são Cavaleiros. Eu não consegui.
46
- Não conseguiu?
- Eu sobrevivi, mas não recebi a armadura - continua
Mei, num tom ligeiramente sarcástico. - Não passo de um
soldado raso. Uma estrela anã - e então, olhando de relance
para Shun, de um jeito surpreendentemente sério: -
Quantos...? - pergunta, cabisbaixo - Quantos sobreviveram?
- Dez.
- Com você, onze. - diz Shun, bem baixinho.
- Nossa, só dez...
Neste ponto se faz necessário interromper a nossa
história e fazer uma pequena jornada ao passado.
As lutas travadas entre Atena e outros deuses pela posse
da Terra são as chamadas “Guerras Santas”. A última desse
tipo aconteceu pouco mais de dez anos atrás, quando a nova
reencarnação de Atena desceu sobre o Santuário. A deusa era
apenas um bebê, e de cara teve que enfrentar um ataque.
A sombra do Mal dominou a Região Sagrada quando
Saga de Gêmeos, um dos Cavaleiros de Ouro, foi tomado por
sentimentos perversos, querendo se tornar o senhor da Terra.
Possuído pela ambição, Saga assassinou secretamente o
Mestre daquela época, voltando-se depois contra a indefesa
Atena.
Felizmente, o Cavaleiro de Ouro Aiolos de Sagitário
conseguiu salvar a deusa antes que ela se tornasse vítima da
lâmina afiada de Saga. Atena foi confiada a um senhor
chamado Mitsumasa Kido, que a levou para o distante Japão,
batizou-a de Saori Kido e a criou como sua neta.
Mitsumasa Kido, criador da Fundação Graad, era um
dos homens mais ricos e poderosos do mundo. Depois de
colocar Atena sob sua proteção, Kido ofereceu os cem filhos
que tivera com amantes em sacrifício, pedindo em troca que
fossem consagrados como Cavaleiros da deusa e retornassem
com as Armaduras Sagradas. O velho jamais reconheceu a
paternidade desses meninos, tratando-os como órfãos e
lançando-os à própria sorte pelos quatro cantos da Terra.
As táticas de treinamento nas artes de combate de Atena
superam o absurdo. Fraquejar é sinônimo de morte na busca
de se juntar aos mais poderosos guerreiros da Terra. Os
aspirantes foram submetidos a florestas povoadas de animais
selvagens, desertos impiedosos, montanhas onde respirar é
um suplício, planícies gélidas onde o frio leva uma pessoa à
morte em menos de cinco minutos, ilhas vulcânicas com calor
infernal e gases tóxicos.
Praticamente todos os filhos de Mitsumasa Kido
morreram nesse processo, enviados ao inferno pelo próprio
pai. Apenas dez deles conseguiram completar esse treinamento
extremo e, eleitos pelas Constelaçôes, retornaram
milagrosamente com os trajes sagrados. Entre esses poucos
estão Seiya e Shun.
Não há espaço aqui para descrever em detalhes o
conflito que aconteceu no Santuário e ficou conhecido como
“a Revolta de Saga”. O leitor interessado pode procurar se
informar numa biblioteca, onde certamente encontrará
registros dessa série de batalhas. Foram treze anos, desde o
encontro do herói Aiolos com o velho Kido, passando pelo
Despertar de Atena (Saori Kido) e culminando na derrota de
Saga, quando finalmente a deusa conseguiu retornar à Região
Sagrada.
Entre os aspectos mais dramáticos desse período está
a descoberta, por parte dos dez órfãos sobreviventes, de que
a neta do velho Kido, a quem alguns chegaram a odiar, era na
verdade a deusa Atena. Ou a consciência de que seu pai os
oferecera em sacrifício para criar os Santos Guerreiros que
viriam a defendê-la.
Ao reconhecerem Saori como a verdadeira Atena, Seiya
e seus companheiros conseguiram superar a própria infância
infeliz e, o mais importante, derrotaram o maligno Saga,
tirando o Santuário de seu poder.
Não podemos esquecer que é a custo de inúmeros
sacrifícios e incontáveis perdas, e graças ao grandioso amor
de Atena, que a paz na Terra vem sendo preservada.
- Seiya, você foi mandado para a Grécia, certo?
E Shun. você foi para... a ilha de Andrômeda, é isso?
- E você foi parar na Sicilia.
48
- Isso. Mas eu não fui chamado de volta pela Fundação
Graad depois do treinamento. O que eles disseram que tinha
acontecido comigo?
- Acho que fizeram um atestado de óbito em seu nome.
Quem quer ser Cavaleiro tem que conquistar a Armadura de
qualquer jeito. As outras alternativas são fugir, morrer, ou
viver totalmente isolado, como um soldado anônimo.
- Sei, entendi - os olhos de Mei parecem perder-se no
vazio. - Meu mestre foi morto na Revolta de Saga e eu não
tinha ninguém para me treinar. - O jovem faz uma breve pausa
para respirar. - Acabei ficando na Sicília, servindo como uma
espécie de espião do Santuário. O que hoje eles chamam de
“agente operacional de campo”, eu acho.
- O mais importante é que você está vivo, Mei. Cara,
eu estou muito feliz com isso, de verdade.
- Valeu.
A empatia que os três meninos sentem um pelo outro
tem raízes ainda mais profundas que a camaradagem
conquistada por terem sobrevivido ao treinamento para se
tornarem Cavaleiros. Apesar de terem mães diferentes, são
todos irmãos.
- Você sabia sobre o nosso pai? - pergunta Shun,
cuidadosamente.
- Eu sempre soube. Desde quando estava num dos
orfanatos da Fundação Graad. - Mei continua, agora abrindo
um sorriso. - Mas que a senhorita Saori era a reencarnação
viva da Atena, isso eu não sabia! - completa, soltando uma
risada insolente.
- Nossa, essa aí pegou todo mundo de surpresa!
- Olha o respeito, Seiya - diz Shun, num tom bastante
sério.
- Até parece, Shun! Fala sério, você lembra muito bem
que ela era uma menina mimada, arrogante e cheia das
vontades!
De fato, a Saori Kido de hoje é a imagem perfeita da
grande deusa Atena, símbolo de amor e confiança absolutos,
mas ela não foi sempre assim. Quando criança, chamava a
atenção apenas pela beleza física, causando impressão de
grande soberba. O Despertar da Vontade deAtena só aconteceu
depois de seu desenvolvimento físico. Antes disso, para órfãos
como Seiya e os outros, Saori - que recebia amor e mimo de
Mitsumasa Kido - não passava de alvo de ciúme e de rancor.
- Não foi com você, Seiya, aquela história do “seja o
meu cavalo”?
- Se liga, foi o Jabu! Nem se ela me chicoteasse eu
fingiria que era um cavalo!
- Jabu... É, eu lembro de um cara com esse nome... -
Mei está cabisbaixo, os olhos virados na direção dos braços,
dobrados sobre os joelhos. Só depois de fazer uma pequena
pausa, cria coragem para fazer a pergunta mais difícil: - Quem
são os outros oito que sobreviveram?
- Você não sabe?
- Eu nunca saí da Sicília, não sei quase nada sobre os
Cavaleiros do Santuário. Eu nem sabia que vocês estavam
bem até nos encontrarmos agora há pouco.
De fato, nem todos têm acesso ao nome dos Cavaleiros.
É uma espécie de segredo militar, como muitas das
informações sobre a Região Sagrada. Soldados de hierarquia
inferior, como Mei, em geral conhecem um número mínimo
de Cavaleiros.
Shun diz os nomes dos seus irmãos sobreviventes, um
por um:
- Shiryu, Hyoga, Ikki.
- O seu irmão? - pergunta Mei, lembrando que Ikki é
irmão de pai e de mãe de Shun - e também que os dois não
são nada parecidos em termos de temperamento, muito pelo
contrário: enquanto Shun tem maneiras delicadas, chegando
a lembrar uma menina, Ikki é o seu oposto perfeito, um rapaz
bruto e durão, grande apreciador de artes marciais.
Mei se emociona com a lista de Cavaleiros
sobreviventes. Consegue se lembrar direitinho do rosto de
cada um deles.
- ... e o Jabu. Dez no total - é Seiya quem conclui a
contagem.
- Qual é a estrela dele?
- Unicórnio.
50
- Haha! - Mei não consegue conter o riso. - Não é
perfeito? - concorda Seiya.
- Com certeza! Unicórnio é o bicho que só aceita ser
cavalgado por donzelas, né? E aquele cara sempre ficava
abanando o rabo para a Saori, até corria pra brincar de
cavalinho com ela.
- E continua o mesmo até hoje. Não mudou nadinha.
- Nem vocês - completa Mei - Conseguiram virar
Cavaleiros, mas não mudaram nem um pouco!
- Nem você, Mei - confirma Shun.
- O Jabu está na Argélia - conta Seiya. - O Shiryu está
nos Cinco Picos Antigos de Rozan, na China, e o Hyoga, na
Sibéria Oriental. A maioria dos outros também continua
cumprindo seu papel de Cavaleiro nos lugares onde foram
treinados.
- Só não conseguimos descobrir onde está o meu irmão
Ikki.
- Bom, desde moleque ele gosta de bancar o lobo
solitário...
Neste momento, o alto-falante anuncia que já estão
sobrevoando espaço aéreo siciliano. O vôo da Grécia até ali
foi curto demais para matar saudades.
Seiya e Shun correm em direção a suas armaduras,
enquanto Nikol, que não participou da conversa por estar
pilotando o avião, anuncia secamente:
- Vamos abrir a porta traseira e diminuir a altitude.
Vocês três vão pular.
- É brincadeira, né? - Seiya faz uma careta. Mas a coisa
é séria:
- Este bichinho bebe muito combustível a cada
aterrissagem e decolagem - explica Nikol. - Temos medo de
que não tenhamos o suficiente para voltar ao Santuário.
- Mas você só pensa em si mesmo, Nikol? Quem vai
garantir a nossa segurança? - resmunga Seiya.
Talvez o leitor esteja surpreso como que um Cavaleiro
como Nikol, da Constelação de Altar, seja capaz de pilotar
uma aeronave de tecnologia avançada como este Tiltrotor.
Mas, embora os Guerreiros de Atena sejam entidades
completamente isoladas do cotidiano mundano, isso não
significa que não se relacionem com ele. Sua missão não é
proteger um universo fantasioso de conto de fadas, e sim o
planeta onde vivemos. Os Cavaleiros também são mutantes,
assim como o céu e a Terra, e evoluem com eles.
Mais conformado com a idéia de mergulhar no vazio,
Seiya avança com Shun para a porta traseira, que está aberta
e deixa entrar na cabine intensas correntes de ar. Estão a dez
metros do chão, por isso não adiantaria tentar usar pára-
quedas.
- Prontos? - pergunta Mei, sua voz abafada pelo som do
vento cortante, e então: - Fui! - e salta do avião.
- Que Atena os proteja. - diz Nikol, enquanto Seiya e
Shun se atiram atrás de Mei no escuro mar da Sicília.
52
2
Se pensarmos na Península Italiana com seu formato de
bota, a ilha de Sicília fica a poucos quilômetros do bico do
sapato, separada do continente pelo Estreito de Messina. É
uma localização privilegiada no Mar Mediterrâneo: do seu
extremo oeste, é possível enxergar o continente africano.
Essa é a maior ilha da região, com mais ou menos a
mesma área do estado de Sergipe, no Brasil. Seu formato
triangular lhe valeu a alcunha Trinacria (“ilha de três
pontas”). A Sicília tem clima ameno e solo fértil, o que,
juntamente com sua posição estratégica no mapa europeu,
fez com que fosse objeto de inúmeras disputas e guerras ao
longo da história.
Na Antigüidade, prosperavam aqui colônias gregas.
Anos mais tarde, a região ficou conhecida como “Celeiro de
Roma”, Depois houve as invasões bárbaras e a dominação pelo
Império Bizantino. Na Idade Média, a ilha foi conquistada por
árabes vindos da África, e, no século XI, os normandos,
descendentes de vikings nórdicos, aliaram-se às forças
islâmicas para estabelecer o Reino da Sicília, que em certo
ponto chegou até mesmo a dominar o sul da Itália.
O trono siciliano passou por várias famílias e tradições
monárquicas: o Sacro Império Romano Germânico; a casa
deAnjou,francesa;osdeArasão,espanhóis;eadeHabsburgo.
No século XIX fundiu-se à região Nápoles, tendo origem o que
ficou conhecido como “O Reino das Duas Sicílias”. Finalmente,
em 1861, a Sicília foi anexada à Itália, país do qual ainda faz
parte nos dias de hoje, apesar de sua cultura e trajetória
histórica completamente independentes.
Habitada por povos de múltiplas origens e línguas, a
Sicília é diversificada, colorida, e freqüentemente complexa
como um mosaico. Seu próprio nome já teve inúmeras
variações, como Siquéria, adotado quando era uma colônia
grega, ou Siquília, na época da dominação romana. Da mesma
forma, a cidade de Siracusa, ao sudeste da ilha e famosa por
ser a terra de Arquimedes, recebeu diferentes denominações
ao longo de sua história, como surakusai, Siragosa, Siracuza.
A arquitetura siciliana é um de seus grandes destaques,
uma combinação harmoniosa das culturas mediterrâneas
medievais - bizantina, islâmica e gótica - e do casario barroco,
adotado a partir da Idade Moderna. Ao mesmo tempo, poucos
lugares conservam tantos traços da Grécia Antiga. Espalham-
se pela ilha ruínas de monumentos erguidos em honra aos
deuses do Olimpo, como os templos encontrados no vale de
Agrigento, além de inúmeros e grandiosos teatros e arenas.
Vários episódios da mitologia grega têm a Sicília como
cenário, como a já mencionada Gigantomaquia. Por exemplo,
diz a lenda que Odisseu, um dos maiores heróis dos poemas
épicos gregos, travou uma batalha dificílima com o monstro
marinho Scylla bem aqui no estreito de Messina.
- O que vem à sua mente quando ouve falar na Sicília?
- pergunta Mei. Os amigos se refugiaram em uma ilhota
pequena e escura, de onde Mei observa o antigo teatro de
Taormina. Chegaram ali nadando depois do arriscado salto: o
que seria suicídio para as pessoas comuns não era nada se
comparado ao treinamento a que os três tinham se submetido
para se tornarem Cavaleiros.
Seiya pensa um pouco e diz:
- Máfia.
- Por causa de O Poderoso Chefão, né? - brinca Mei. -
Na verdade esse assunto é tabu por aqui! Mas a Sicilia é muito
mais segura do que o continente, sabia?
Taormina fica na costa leste da ilha, com população de
cerca de 10 mil habitantes. Incrustada em um declive no Monte
Tauro, a 400 metros de altitude, a cidade tem uma magnífica
vista para o mar. Sua beleza natural já lhe valeu inclusão
como cenário de muitos filmes, e fez da região um centro
turístico mundialmente famoso.
54
A área urbana de Taormina é antiga e, como acontece
com muitas cidades européias, predominam calçadas e ruas
estreitas. O calçamento é todo feito de pedra e cheio de
degraus, completamente inadequado para os automóveis de
hoje em dia, e praticamente não existem estacionamentos
ali. Da estrada número 114, à beira-mar, partem gôndolas
levando turistas que visitam a cidade.
- Tem uma frase legal sobre a Sicília - conta Mei -, “Nas
terras ocupadas pelas oliveiras e pelos deuses do Olimpo,
podem nascer estúpidos e gênios, mas jamais verdadeiros
criminosos”. É algo que o meu falecido mestre dizia.
- Olha... Mei. Nós não viemos aqui fazer turismo -
suspira Shun.
- Eu sei, cara.
Os Cavaleiros foram mandados para a Sicília depois do
ataque ao Santuário, mas não têm idéia do paradeiro dos
invasores.
- Você sabe onde podemos encontrar esses Gigas?
- Shun, se eu não soubesse, não teria sido chamado à
Região Sagrada. Não um mero soldado raso como eu - Mei
aponta na direção da fachada do teatro. Através da parede
de arcos é possível ver o Mar Iônico à esquerda e Taormina à
direita, separados pela faixa litorânea que se estende na
direção sudoeste. Ainda mais adiante nesta espetacular
paisagem está uma montanha que passa impressão de intensa
personalidade.
- O Monte Etna - sussurra Shun.
Trata-se do maior vulcão ativo de toda a Europa, com
3.340 metros de altura. Por suas muitas erupções e grande
quantidade de lava derramada, o monte tem um aclive muito
suave e não exageradamente inclinado. Do seu cume brota
uma intensa fumaça cinzenta.
- Segundo as lendas gregas - explica Mei - os Gigas
soterrados por Atena sob o Etna sofrem tanto que cospem
chamas e fumaça.
- Nossa, como está escuro - interrompe Seiya. - Já era
para ter amanhecido, ou não?
O Sol é pouco mais do que um círculo apagado no céu,
e toda a ilha está coberta por uma espécie de meia-luz. Apesar
de estarmos no auge do verão, não tem quase ninguém em
Taormina, e o lugar parece mais uma cidade fantasma.
- O Etna está numa fase de intensa atividade, eu vi na
TV - explica Mei. - A terra treme a toda hora, o aeroporto
está fechado por causa das cinzas vulcânicas e a corrente de
lava já chegou à beira da cidade, que declarou estado de
emergência. Isso explica por que Taormina está tão deserta
neste verão, sendo que normalmente é um agitadíssimo centro
turístico.
- A população foi evacuada da área?
- Exatamente. Normalmente poderíamos subir uma
parte do Etna de carro, mas hoje as estradas estão bloqueadas
pelo Exército.
- Droga - reclama Seiya, coçando a cabeça.
- Então a gente vai ter que ir a pé.
- Primeiro, um banho de mar. Agora, caminhada pela
montanha. Suas férias de verão estão ficando completas,
Seiya! - brinca Mei.
- É até melhor... Podemos agir sem termos que nos
preocupar com os moradores ou turistas.
- Se os Gigas realmente estão de volta, a primeira coisa
é verificar se os laços de Atena estão atados.
- Como, aliás, o senhor Nikol ordenou.
- Segundo o meu mestre - diz Mei, com o olhar na
direção da cratera - os laços de Atena estão nas profundezas
do Etna.
- Falou! Então vamos? - mas, antes que Shun e Mei
possam responder...
- Bem-vindos, cachorros de Atena!
Com o susto, os garotos se levantam em posição de
alerta. Sombras saltam de diferentes pontos do teatro a céu
aberto.
- Preciso parabenizá-lo por ter vindo tão rápido ao
encontro da morte, Pégaso!
- Ágrios! - Seiya reconhece o gigante com quem lutou
no Santuário. E ele não está sozinho.
- Só mandaram três pessoas? Os Cavaleiros devem estar
56
com falta de pessoal.
- E esses menininhos ainda! Mamãe mandou fazer
compras, foi? Quirrirri...
No palco estão Ágrios, “a força brutal”; Toas, “o
relâmpago célere”, e Pallas, “o parvo”, armado com as “garras
marionetes”. Seus trajes de Adamas refletem um brilho turvo
sob o céu escurecido.
- Shun, são Gigas que invadiram o Santuário ontem! -
mais uma vez Seiya é interrompido, agora por uma nova
presença que surge do poço no centro do palco.
- O quê? Argh, que cheiro horrível! - Seiya cobre sua
boca instintivamente, sentindo uma terrível ânsia de vômito.
É como se estivessem empurrando seu rosto para dentro de
um saco de carniça e excrementos.
- Espera aí...! - diz Shun - Minha corrente está reagindo
a esta presença...
A corrente amarrada ao traje sagrado de Andrômeda
treme como se tivesse sido atingida por um relâmpago.
- É ele! É o cara que me atacou no teatro!
A sombra do quarto Giga aparece de repente em meio
a um redemoinho de fumaça negra. Seu vozeirão poderosíssimo
reverbera na arena e faz com que todo o lugar trema com a
vibração:
- Meu nome é Encélado, o “brado de combate”.
3
Sou Encélado! o sumo sacerdote dos Gigas!- com isso,
ondas vibratórias percorreram o ar, chocando-se contra as
ruínas e causando várias explosões concêntricas.
A força inacreditável dessa voz arremessa Seiya, Shun
e Mei até o último degrau da arquibancada.
- Que raio de voz é essa? Meu corpo está formigando...
- Ele é o chefe dos Gigas?
Neste momento, Mei é arremessado novamente, agora
contra a parede, e seu corpo cai pesadamente no chão.
- De onde está vindo essa pressão...? - pergunta o jovem,
cuspindo uma mistura de saliva e sangue.
Mei está particularmente vulnerável por não ter um
traje sagrado para protegê-lo, como Shun e Seiya, que vestem
as armaduras mais poderosas da Terra, feitas de uma liga de
supermetais hoje desconhecidos da humanidade, como
Oricalco, Gamanion e Poeira Estelar.
- Onde está a vadia da Atena? - Encélado carrega uma
bengala esculpida com imagens de monstros de terras
desconhecidas. Seu rosto se esconde atrás de uma máscara
com as feições de Orga, o demônio devorador de pessoas. Sua
armadura de Adamas, ricamente adornada, tem cor
amarelada, como um topázio eclipsado, e é comprida como
uma batina de padre. - Aquela burra mandou Bronze para nos
atacar! A hierarquia mais baixa! Pelo jeito, ela ainda não
acredita que nós, os Gigas, retornamos!
- Ei, pode xingar a gente, mas deixa a Atena fora disso!
- Seiya sente o sangue subir à cabeça.
- Há! Uma meretriz ordinária posando de protetora da
Terra. E vocês são piores ainda, meros cachorrinhos dela! O
Deus primordial que honramos nem sequer reconhece a sua
58
laia! - Encéfalo está claramente tentando irritar os Cavaleiros
com essas ofensas. - Atena nos trancafiou nas profundezas do
Vazio... Imperdoável! Agora queremos vingança! - o monstro
continua seu jogo de provocações: - Arrancaremos as vestes
de Atena e a humilharemos como uma filha comum de homens
mortais!
- Como pode... - mesmo o olhar de Shun, normalmente
calmo e sereno, arma-se de uma forte animosidade.
- Então os Gigas estão mesmo de volta... - diz Mei,
levantando-se e limpando o sangue do rosto. - Isso significa
que o Selo de Atena foi rompido!
- Como conseguiram quebrar o selo da antiga
Gigantomaquia?
- O que vocês fizeram com a senhorita Yuuri? - Seiya
faz a pergunta olhando fixamente para o sumo sacerdote dos
Gigas.
- Aquela criança...?
- Quirrirri! Medíocre, medíocre, medíocre, medíocre,
medíocre! Os pretensos protetores da Terra são meros covardes
que se apavoram com uma refém? Faça-me rir - intromete-se
Pallas, “o parvo”.
- Não a matamos. Aquela criança está numa caverna
subterrânea - Encélado aponta com a bengala para o Monte
Etna. - Se querem salvá-Ia, é melhor que sejam rápidos. Mesmo
sendo uma Amazona, logo morrerá se continuar aspirando aos
gases venenosos do vulcão. Isso se as cavernas não forem para
os ares em uma erupção.
Mei percebe que não podem continuar ali, precisam ir
em busca de Yuuri imediatamente:
- Seiya, Shun! Sigam-me!
É difícil dar as costas a Encélado depois de todas as
provocações, mas esta luta tem que ficar para depois. Os
meninos correm em direção ao Monte Etna, evitando a zona
urbana de Taormina, numa velocidade tão incrível que não
deixam nem sombras no chão. Mesmo sem poderes extra-
sensoriais como o teletransporte, a agilidade e os saltos de
um Cavaleiro são imensamente superiores aos de um ser
humano comum.
A cidade fica para trás rapidamente, dando lugar a
colinas com plantações cercadas de muros de pedra e arbustos.
Tudo ali está coberto por cinzas do vulcão.
- Não tenham tanta pressa, garotos. - Para surpresa
dos três, os Gigas os seguem de perto.
- Mas como?! - pergunta-se Shun, enquanto Toas, “o
relâmpago célere”, vem atrás dele, como uma sombra. Pallas,
por sua vez, está na cola de Mei.
- Ainda não terminamos a explicação... Se quiserem
salvar aquela garota...
- Nem precisa dizer. Precisamos derrotar vocês, não
é?!
- Você sabe conversar, garoto! - Ágrios, “a força brutal”,
arranca em um só golpe uma enorme quantidade de terra,
cavando assim uma vasta cratera.
- Agora, o seu adversário, obviamente, serei eu, Pégaso!
Seiya não está a fim de conversa e salta na direção dos
Gigas. Se quiserem lutar agora, que sejam breves, para que
possam finalmente salvar a senhorita Yuuri.
O brilho dos trajes de Adamas é de um azul tenebroso.
A pesada armadura, com cravos expostos por toda a sua
superfície, sinaliza claramente a natureza agressiva das
criaturas. Sob o elmo ornado com chifres, Ágrios encara Seiya
com um sorriso malicioso.
- Pois venha.
- Meteoro de Pégaso! - o grito do Cavaleiro faz com
que surja um ofuscante facho de luz. É o seu golpe mais
poderoso. Nenhum oponente resiste em pé aos mais de cem
socos por segundo, cada um com a força de Pégaso, caindo
sobre seu corpo como uma chuva de estrelas cadentes...
- É só isso? - Ágrios pergunta, sem se mostrar
minimamente abalado pelo Meteoro de Pégaso. Cada vez mais
fica claro que os Gigas despertaram para um poder equivalente
ao dos Cavaleiros.
O Adamas da armadura de Ágrios não tem sequer um
arranhão. Seiya engole seco diante da dor aguda que atravessa
seu punho. Por mais poderoso que seja, nenhum corpo
consegue resistir ao soco de um Guerreiro sagrado - a essência
60
da destruição, capaz de romper átomos. A única forma de
barrar um ataque como esse é com uma força igual ou superior
à dos Cavaleiros. Estamos falando da força interior, o chamado
Cosmo.
- Eu senti na Região Sagrada - balbucia Seiya, erguendo
os braços numa posição defensiva -, mas o Cosmo dele é ainda
maior e mais agressivo do que eu imaginava.
Neste momento, Ágrios se inclina para baixo, expirando
vigorosamente. Coloca uma das mãos na terra, agachando-
se. Seiya assiste horrorizado enquanto explosões internas de
força fazem os músculos de aço do Giga se expandir ainda
mais.
- Sinta a diferença de forças entre os Cavaleiros... e os
Gigas - Ágrios diz, antes de gritar: - Pressão de Penhascos!
O Giga salta na direção de Seiya, chutando o chão para
impulsionar seu impetuoso avanço. Seu golpe acerta em cheio
o Cavaleiro, que só consegue soltar uma espécie de espasmo
abafado.
4
De volta ao Santuário, na Sala do Mestre. Ao retornar da
Sicília, Nikol de Altar encontra Saori Kido - ou seja, Atena
- em pé, na mesma posição em que estava quando ele partiu.
- Obrigada pelo seu empenho - diz a deusa. - Como
estão Seiya e os outros?
- Levei-os a salvo até a ilha - responde Nikol. - Estão
verificando a integridade do Selo de Atena no Monte Etna.
- Parece que o monte está em erupção, com muitos
danos.
- É verdade, deusa.
- Será que não é muito perigoso? Fiquei sabendo que a
população foi evacuada por causa da lava e dos gases
vulcânicos.
- Os Cavaleiros de Atena não temem nenhum perigo ou
dificuldade. Além disso, a Fundação Graad já está trabalhando
em conjunto com o Exército italiano. A região está isolada
num raio de dez quilômetros, certamente não teremos
distúrbios desnecessários.
- Muito obrigada, Nikol. O senhor foi muito rápido e
prestimoso.
- É o papel do Mestre Substituto - agradece, curvando-
se diante da garota. - Pediremos que Kiki nos traga notícias
dos acontecimentos na Sicília.
- Sinto muito - diz Atena, ligeiramente cabisbaixa. -
Dei outras ordens a Kiki - e continua, depois de uma pausa: -
Se os Gigas realmente retornaram, são inimigos terríveis. Por
mais que Seiya e Shun sejam Guerreiros Sagrados de inúmeras
batalhas, enfrentá-los sozinhos seria...
- Compreendo - interrompe Nikol - Apenas gostaria que
tivesse me consultado a respeito antes.
62
- Acho que sou sentimental demais. - diz a deusa - Não
quero que ninguém se machuque... e com isso se derrama
sempre o sangue de um grande número de Cavaleiros...
Saori Kido pode parecer emotiva demais para ser uma
divindade, mas é exatamente essa a “vontade” de Atena.
- Justamente por serdes assim, Atena, é que nós,
Cavaleiros, vos seguimos e vos protegemos - responde Nikol,
com a mais absoluta sinceridade e lealdade.
- Que as estrelas os protejam - Atena faz uma prece
com seu grandioso Cosmo, desejando aos seus amados
Cavaleiros um retorno rápido e seguro.
5
Não é fácil explicar em palavras a natureza do Cosmo, uma
vez que se trata do Sétimo Sentido. Palavras são a própria
expressão da sabedoria humana, e estamos lidando com algo
completamente alheio à humanidade nos dias de hoje.
O ser humano comum possui basicamente cinco
sentidos: visão, audição, paladar, olfato e tato. Existe um sexto
sentido, que costuma ser chamado de intuição ou capacidade
de premonição, mas apenas aqueles considerados
paranormais têm essa dimensão mais desenvolvida.
Em um passado longínquo, todas as pessoas eram
dotadas do Sétimo Sentido - estávamos na era dos mitos,
quando ainda não havia fronteiras nítidas entre os deuses e
ossereshumanos.Emboraestejapresenteaindahoje,deforma
sutil, na própria fonte da vida na Terra, o desenvolvimento
da civilização fez com que os homens acabassem perdendo essa
maravilhosa capacidade.
O Sétimo Sentido é a origem dos poderes sobre-
humanos dos Cavaleiros de Atena.
Através dele, os Guerreiros sagrados dominam a
técnica de despedaçar átomos, sendo capazes de manipular,
queimar e explodir a energia da origem da vida - e por isso
são tão poderosos. É dessa incrível habilidade que nasce o
Cosmo, uma força grandiosa e ímpar.
No Monte Etna, as plantas da paisagem se tornam cada
vez mais esparsas à medida que avançamos em direção ao
cume do vulcão. Aqui terremotos ocorrem com freqüência.
As encostas negras estão cobertas de cinzas, cascalhos,
pedregulhos e pedaços de lava endurecidos.
- Chega de brincar de pega-pega, garoto de Bronze -
64
Toas, “o relâmpago célere”, coloca-se à frente de Shun,
bloqueando seu caminho.
O Adamas de sua armadura é de malaquita escura, com
pedras incrustadas que lembravam olhos esverdeados. O traje
é estranhamente belo e elegante, contrastando com as formas
agressivas dotadas de garras e cravos que adornam as
armaduras dos demais Gigas.
A expressão de Toas também é diferente da dos outros
Gigas. Com longos cabelos pretos e pele extremamente
branca, seu semblante se mantém geralmente sereno. Seu
olhar, emoldurado por sobrancelhas marcantes e escuras, pode
até mesmo ser considerado tranqüilo. Com certeza - e isso
vale para todos os Gigas - sua aparência não lembra em nada
a dos gigantes de pinturas inspiradas na mitologia grega,
comumente retratados como assustadores demônios de
cabelos brancos.
- Este ser possui um Cosmo impressionante - pensa Shun,
assustado. Os Cavaleiros se valem mais do Sétimo Sentido do
que dos olhos, ouvidos, nariz, pele ou intuição. É através do
Cosmo que sua sensibilidade alcança o ponto máximo.
- Será que o Seiya e o Mei estão bem?
- Preocupado com seus companheiros? - Toas lê os
pensamentos de Shun com facilidade, usando principalmente
o Sétimo Sentido. - Que tranqüilidade a sua, ficar pensando
nos outros... - continua o gigante. - É melhor se preocupar
primeiro com a própria vida.
- Por que vocês estão provocando este conflito? São
responsáveis também pela erupção do Monte Etna?
- E se formos?
- Muitas pessoas vivem aqui! As vítimas das batalhas
são sempre pessoas que não têm como se defender. Por que
querem destruir tantos inocentes? Querem conquistar a Terra?
Toas responde com outra pergunta:
- Rapaz, você está falando da Guerra Santa?
- Sim, estou.
- O esquecimento é o pior dos crimes, Santo Guerreiro
de Atena. Você parece disposto a nos enfrentar sem mesmo
saber o motivo. - Giga solta um riso maldoso e começa sua
explicação tortuosa. - Antes da Gigantomaquia, antes de
sermos exilados nas profundezas do além-Tártaro, já havia
Atena na terra, Poseidon no mar e Hades no reino dos mortos.
Mais poderoso que eles havia apenas Zeus, nos céus, e os
deuses do Olimpo reinavam sobre os três mundos. Poseidon e
Hades declararam guerra a Atena inúmeras vezes, como
objetivo de dominar a terra... Vocês, Cavaleiros, expulsaram
os inimigos e chamaram esses conflitos de Guerras Santas.
- Os Cavaleiros sempre lutaram contra “vontades”
malignas e viciadas para proteger o amor e a paz na Terra -
Shun não entende aonde Toas quer chegar com tudo isso.
- Sem dúvida, Atena é a guerreira protetora da terra,
isso todos admitem. Agora me diga... quem Atena e os
Cavaleiros defendem?
- Os seres humanos. - responde Shun.
- Tem razão. Os seres humanos, as pessoas da Terra. -
faz uma pausa breve. - Rapaz, lute e me mate.
- Como?
- E eu lutarei, e o matarei. Arrancaremos a carne dos
ossos um do outro. Basta sobreviver sugando o sangue do
inimigo. Não precisa de pretextos edificantes e de linguagem
difícil para se justificar.
- O quê...?
- Porém, lembre-se que seremos nós, os Gigas, os
vencedores desta batalha. - depois disso, Toas atira o corpo
de Shun pelo ar. O Cavaleiro cai no chão escorregadio de
cascalho e cinza vulcânica, deslizando pela encosta.
- O que aconteceu? - Shun está cada vez mais confuso.
Simplesmente não percebeu o movimento do ataque de Toas.
- Vou matá-Io. - Toas golpeia o Cavaleiro no pescoço
antes que ele possa se levantar. Neste momento, um som
estridente de metal reverbera enquanto faíscas saltam pelo
ar. Toas recua, protegendo o pulso ferido na corrente de Shun,
que agora rodeia o cavaleiro em uma espiral frenética que
lembra um ciclone. - Essa corrente é uma excelente defesa,
garoto.
O leitor que conhece o mapa das constelações celestes
deve saber que Andrômeda, que por sinal compartilha uma
66
estrela com a constelação de Pégaso, é representada por uma
donzela com as mãos acorrentadas.
Contam as lendas gregas que a rainha Cassiopéia da
Etiópia provocara a ira de Poseidon, que passou a devastar o
seu país com maremotos e inundações. O rei Cefeus consultou
então um oráculo procurando uma forma de apaziguar o
poderoso deus dos mares, e o oráculo lhe respondeu que devia
oferecer ao grande Poseidon a princesa Andrômeda em
sacrifício. Com isso, Cefeus ordenou que a princesa fosse
acorrentada a um rochedo, na beira do mar. Andrômeda foi
salva pelo herói Perseu, que a resgatou montado em seu cavalo
Pégaso. Todos os personagens citados nessa história foram
alçados ao céu e transformados em constelações.
- Meu nome é Shun... Shun de Andrômeda. Não é
“garoto”.
- Ah, isso explica a corrente. Mesmo as flores mais
frágeis se vestem de espinhos para se defender. Sua armadura
acabou de salvar sua vida.
- Lamento informar que a corrente de Andrômeda não
é apenas para defesa. - o Cosmo interior de Shun aumenta a
cada palavra. - Ela pode atravessar qualquer espaço para
atacar um inimigo, não importa a quantos anos-luz esteja.
Foi essa mesma corrente que suportou a pesada espada
do Orestes mascarado na Acrópole. Ela atende à elevação do
Cosmo daquele que a possui, rompendo o espaço por si só
para protegê-lo. Os trajes sagrados dos Cavaleiros são mais
do que armaduras feitas de supermetais. Eles possuem mistério
divino, vida e vontade próprias.
- Corrente de Andrômeda! - lançada ao chão, a corrente
se arrasta pelo solo vulcânico, levantando as cinzas e formando
um redemoinho brilhante. - Esta é a minha Nebulosa de
Andrômeda - explica Shun.
A imagem da galáxia formada na penumbra da
montanha amplia infinitamente seu alcance, com poder
proveniente de uma dimensão desconhecida.
- De fato, não podemos menosprezar Cavaleiros com o
traje sagrado - apesar de toda a demonstração de força de
Shun, Toas mantém um tom misteriosamente calmo e em
nenhum momento assume qualquer posição de combate. -
Melhor assim. É preciso que seja assim! Do contrário, não
haveria razão para trazê-los até o Etna... Jovem e belo
Andrômeda, mostre seu Cosmo para Toas, o “relâmpago
célere”.
- Nós realmente precisamos lutar? - como sempre, Shun
resiste ao combate.
- Ou você me mata, ou eu mato você.
Forças internas estalam. Os Cosmos de Shun e Toas se
chocam com violência na luta, envolvendo a corrente de
Andrômeda.
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6
Ao recuperar os sentidos, Yuuri de Sextante não tem idéia
de onde esteja. Sente-se tonta, com uma dor aguda na
cabeça, e tem uma tremenda dificuldade de respirar. É como
se seus pulmões estivessem queimando.
-... É gás? - pergunta-se, baixinho.
De fato, o interior da caverna está repleto de gases
vulcânicos com um acentuado odor de enxofre. Ao tentar levar
as mãos ao rosto para cobrir a boca, Yuuri percebe que seus
braços estão acorrentados a uma rocha.
Normalmente ela não teria dificuldade alguma em
romper essas correntes de ferro, mas seu corpo está
entorpecido, talvez por efeito dos gases. Yuuri olha ao seu
redor, voltando a si gradativamente. Não sabe onde está, mas
percebe que é uma espécie de gruta. Apesar de não encontrar
em seu campo de visão nenhuma tocha ou fonte de luz,
consegue enxergar claramente dentro da caverna. “Por que
não está escuro aqui?”, pensa a garota.
- Porque esta é a Terra Santa dos Gigas - a voz faz com
que Yuuri estremeça de pavor, como se fosse uma mulher
comum. Volta seu olhar na direção dela: um demônio. Não,
uma máscara. Um homem vestindo uma máscara diabólica
como um Ouga.
É Encélado, “o brado de combate”, em sua longa
armadura, que tem o brilho dourado do topázio, e ele observa
atentamente sua prisioneira.
- Quem é você? Onde estamos? - Yuuri se esforça para
aparentar tranqüilidade e firmeza, mas está seriamente
transtornada. Sendo uma Amazona, não se assustaria com a
fachada rasteira de uma máscra: consegue reconhecer e
identificar com precisão o incrível poder do inimigo.
- Da mesma forma que Atena tem o seu Santuário, nós
temos esta terra, protegida pela vontade do Deus dos Gigas.
- Gigas...? - Yuuri mal consegue falar e nem sequer
tem certeza de que sua pronúncia é inteligível. Até seus lábios
estão entorpecidos. Vasculhando seus conhecimentos de
Oficiante auxiliar, lembra-se de que os Gigas são seres malignos
de morada desconhecida, exilados por Atena na longínqua
Gigantomaquia. É a história de uma guerra distante, da qual
praticamente não restam registros, nem mesmo no próprio
Santuário.
Mais uma vez Yuuri olha ao seu redor, sem entender de
onde vem a sutil luminosidade do ambiente. Seria a própria
rocha brilhando como uma parede luminosa, ou estaria o ar
saturado de partículas de luz? De qualquer forma, não é uma
luz compreensível pela lógica humana. Certamente está em
uma região sagrada, mas a vontade que a preenche é de
natureza completamente diferente da de Atena.
- O que você pretende me raptando? - pergunta,
tossindo.
Também não entende como o gigante à sua frente pode
estar imune ao efeito dos gases. Lembra-se de que as máscaras
das Amazonas têm efeito neutralizador de tóxicos, talvez a
máscara de Orga tenha a mesma função. Só então Yuuri se
lembra de que sua máscara foi quebrada na luta no
Observatório. Seu rosto está exposto, desprotegido. Para uma
Amazona, estar sem máscara é como estar nua.
- Os Cavaleiros têm uns dogmas esquisitos - diz
Encélado, demonstrando que pode ler os pensamentos de
Yuuri. - As Amazonas usam máscaras para abandonar sua
feminilidade - continua, erguendo com sua bengala o queixo
da jovem, forçando-a a olhar para a frente, o que faz com
que o espírito dela seja invadido por humilhação e
constrangimento. - Você é uma presa, uma isca, um chamariz.
Este será o túmulo dos Cavaleiros.
Mesmo estando enfraquecida, Yuuri não consegue
conter o riso.
- Eu sou sua refém? O que o faz pensar que uma reles
Amazona de Bronze como eu teria tanto valor?
70
- Não acho que tenha valor algum. Mas Atena não pensa
assim. Dizem que seu espírito se contorce de dor cada vez
que há uma chance dos seus protetores se ferirem. A prova é
que ela enviou Cavaleiros aqui ao Etna para salvá-Ia.
- O quê? - Yuuri não entende por que o Oficiante-mor
Nikol colocou outros defensores de Atena em perigo. Em
contraste com sua atitude pacata no dia-a-dia, quando se
trata de zelar pela proteção da deusa, Nikol é severo e
totalmente insensível às necessidades individuais dos
Cavaleiros e Amazonas. “Isso quer dizer duas coisas”, conclui,
em pensamento. “Que esta situação é muito séria, e que,
mais uma vez, Atena agiu de acordo com seu enorme coração.”
- Sim, com seu enorme coração a sua deusa mandou os
Cavaleiros para a morte nas mãos dos Guerreiros Gigas.
Hahaha! - Encélado solta uma gargalhada terrível.
- Você não pode ser um Giga, um daqueles monstros
que cultuavam deuses viciados do passado... - antes que
conseguisse terminar, Yuuri é atingida no rosto pela bengala
do gigante, cortando o interior de sua boca.
- Como ousa chamar meu deus de viciado? - diz, puxando
a Amazona pelos cabelos prateados. - Comporte-se, cadela
de Atena! Estamos diante da presença divina.
Um palpitar. Yuuri consegue sentir o ritmo de um
coração batendo. Seu Sétimo Sentido lhe diz que, muito além
desta caverna, nos confins perdidos do vão entre Gaita e
Tártaro, um Cosmo de escalas nunca antes imaginadas está
em gestação. Em algum templo subterrâneo está sendo nutrido
um mal de dimensões desconhecidas.
- Quando ele ressurgir sobre a Terra, não teremos
motivos para ter medo de Atena! - Encélado parece satisfeito
pelo fato de a Amazona perceber o poder divino.
- Um deus maligno do passado...? - são as últimas
palavras de Yuuri. O golpe da bengala diabólica a atinge com
um som surdo. AAmazona desmaia, com os cabelos e o quitam
manchados de sangue.
72
III
RESSURREIÇÃO
1
Terremotos fazem a ilha tremer de forma assustadora, como
se estivessem expressando o ódio acumulado dos Gigas
sob o Etna. Seiya está soterrado sob cinzas recentes que
cobrem a encosta do vulcão. Foi arremessado contra a lateral
da montanha pelo impacto do corpo de Ágrios, “a força
brutal”. O sangue que escorre de sua testa é absorvido
rapidamente pelo solo esponjoso.
- Como é incrível o poder dos Gigas - pensa o Cavaleiro,
percebendo uma fissura em sua armadura de Pégaso, na altura
do peito. - Pelo jeito a história de que quase todos os
Cavaleiros foram derrotados não é balela, não...
Seiya sabe que só alguém capaz de exteriorizar o seu
Cosmo, alguém que domine uma técnica de luta capaz de
quebrar átomos, seria capaz de afetar seu traje sagrado, mais
resistente que qualquer metal do universo.
- Olha só aonde você veio parar, Pégaso. - Ágrios se
aproxima do garoto em sua Adamas azul, pisando nas cinzas,
lentamente. - Se não tivesse batido na montanha, você teria
cruzado o Mediterrâneo até a África.
- Mas que exagero - diz Seiya, erguendo-se. Seu rosto
está cheio de fuligem.
- Ainda consegue falar asneiras depois de receber a
Pressão de Penhascos? Estou impressionado.
Seiya e Ágrios se encaram sobre o declive escorregadio,
a dez metros um do outro. Enquanto nenhum ataque de luta
ou artes marciais poderia ser travado a essa distância, para
os Cavaleiros, que lutam a velocidades supersônicas, esse é
um espaço mínimo.
- Meteoro!
74
- É inútil! - sorri Ágrios, enquanto os dois se cruzam no
ar, envoltos em ondas de impacto. - Para mim, isso é como
uma picada de pernilongo.
De fato, mesmo atingido por centenas de meteoros, o
Giga não esboça qualquer reação, permanecendo
praticamente imóvel o tempo todo.
- Como é que pode?! - pensa Seiya, perplexo. - Por
mais que o Adamas seja resistente, não existe nada que não
possa ser destruído por...
- Você não tem como me vencer - diz o gigante,
interrompendo os pensamentos do Cavaleiro. - Conforme-se
com a derrota, Pégaso. É o fim!
Mais uma vez, Ágrios toca o chão com uma de suas
mãos, curvando-se para ganhar impulso. Para esse temível
gigante, artimanhas técnicas são desnecessárias. Basta-lhe
lançar sobre o oponente sua duríssima armadura e o peso
sobre-humano de seu corpo.
- Pressão de Penhascos!
O chão parece explodir com o avanço de Ágrios,
erguendo uma enorme coluna de cinzas. Seiya não consegue
se desviar e o gigante agarra seus pés como num jogo de
futebol americano, jogando o Cavaleiro no chão com todo o
peso de seu corpo e uma velocidade avassaladora.
- Ah! - Seiya cospe involuntariamente um jato de
sangue, formando uma espécie de neblina avermelhada no
ar. Sua nuca atinge o solo com um baque surdo.
Ágrios contempla por alguns segundos a eficácia de seu
golpe, soltando então lentamente o corpo imóvel de Seiya,
com uma expressão satisfeita de trabalho cumprido.
- Será que quebrei todos os ossos? - pergunta-se,
olhando com desprezo para Seiya, que está praticamente
soterrado nas cinzas, muito mais machucado do que quando
foi arremessado pelo gigante agora há pouco. O corpo do
garoto absorveu toda a energia destrutiva da armadura e da
impressionante massa corpórea de Ágrios.
- Poderia matá-lo se quisesse - continua, erguendo com
uma só mão o corpo de Seiya, já envolto nas cinzas que se
acumulam incansavelmente. - Mas aí não haveria sentido em
atrair os Cavaleiros para o Etna. Sem falar que, se eu o
matasse, teria que escutar os maçantes sermões de Toas e do
Mestre Encélado. Então, me faz um favor? - sua voz se enche
de um sarcasmo maldoso. - Fica vivo só mais um pouco. Depois
que o nosso assunto acabar, eu termino de matar você, certo?
Um facho de luz se espalha pelo ar repentinamente.
Ágrios é pego de surpresa pelo chute meteoro de Seiya, que
até agora parecia moribundo. Os inimigos voltam a abrir
distância entre si, enquanto um vento forte arrasta as cinzas
no chão.
- Se liga! Fica falando coisa sem nexo aí... - provoca o
Cavaleiro.
- Moleque! - Ágrios treme de raiva, ainda cambaleando
um pouco por causa do golpe. - Você está pedindo isso! - seu
elmo de Adamas foi arrancado, revelando um rosto de traços
altivos e marcantes, que contrasta com suas maneiras
grosseiras.
- Perdeu a cabeça junto com a máscara, é? - continua
Seiya. - Acontece que eu também perdi a paciência com você.
- É este o Cosmo de Pégaso? - o gigante parece se dar
conta pela primeira vez do enorme poder do Cavaleiro.
- Não vou morrer num lugar destes - diz Seiya. - Me
levanto toda vez que cair! E no final vou derrotar você.
- Já disse para não empinar demais o nariz! - uma
terceira vez Ágrios encosta a mão no chão, gritando, enquanto
seus olhos transbordando de ódio encaram Seiya fixamente: -
Queime meu Cosmo... Queime! Pressão de Penhascos!
E novamente o solo parece explodir. Os dois colidem
em pleno ar com um som pesado, que põe fim ao movimento.
Uma quantidade tremenda de sangue tinge o chão coberto
de cinzas. Ágrios tem um enorme corte na testa e geme de
dor com sua voz gutural.
- Um Cavaleiro nunca recebe o mesmo golpe duas vezes
- diz Seiya, interceptando com o joelho mais uma tentativa
de ataque do gigante.
- Agora você enxergou o Pressão de Penhascos?
- O meu Cosmo me mostrou.
Seiya suspende pelas costas o corpo cambaleante de
Ágrios. Seu Cosmo provoca uma explosão avassaladora,
76
projetando o garoto em um salto, quase um vôo no céu,
levando consigo o Giga num fluxo ardente de sangue.
- Não é possível... O meu corpo enorme? Um reles
Cavaleiro...!
De posse da aura alada de Pégaso, Seiya mergulha na
direção da terra, fazendo com que o inimigo caia de cabeça
no chão.
- Turbilhão de Pégaso! - com isso uma estrela colossal
cai dos céus. O impacto estremece a terra com força
comparável à do choque de um asteróide, abrindo uma enorme
cratera na montanha. A figura de Seiya emerge da nuvem de
cinzas gigantesca.
O Cavaleiro cambaleia ligeiramente e dobra o joelho.
“Essa foi por pouco”, diz para si mesmo. Seiya está em um
estado de excitação tamanho que não sabe se ri ou cai para
trás de susto. Ele tem consciência de que não teria vencido a
luta se não tivesse arriscado a própria vida. Ter a habilidade
de dominar a essência da destruição significa que cada batalha
de um Cavaleiro contra um oponente à sua altura é uma visita
ao domínio da morte.
Seiya não sente mais o Cosmo de Ágrios, até pouco
tempo atrás tão agressivo e brutal.
- Cadê o Shun? E o Mei...? - Ainda se movendo com
dificuldade, parte em busca do Cosmo de seus companheiros.
2
Acorrente estelar treme na penumbra, formando uma
galáxia espiralada.
- Esta é a minha Nebulosa de Andrômeda - repete Shun,
envolto pela barreira intransponível. - Agora você não tem
mais como se aproximar sequer um passo de mim diz,
encarando Toas, o “relâmpago célere”. A arma se movimenta
com vida própria, levantando vigorosamente as cinzas do chão.
- Não me diga... - a confiança do gigante permanece
inabalável.
- Se pretende atravessar esta corrente, lembre-se de
que correrá risco de vida - avisa Shun. No entanto, Toas ainda
lança um golpe rápido como uma lança elétrica. - Proteja-
me, corrente circular!
O metal gira no ar como vagalhões agitados, repelindo
com sucesso o relâmpago. Toas recua depois de duas investidas
bloqueadas pela corrente.
- Nesse caso, então... - o gigante se movimenta ao redor
de Shun em uma velocidade várias vezes superior à do som,
cercando o Cavaleiro de inúmeras imagens residuais de si
mesmo. É impossível acompanhar com os olhos esse
deslocamento supersônico, e Shun não consegue em momento
algum identificar a verdadeira localização de Toas.
Mas a corrente de Andrômeda é imune a ilusões desse
tipo. Quando o gigante tenta lançar um golpe na direção do
Cavaleiro, ela localiza precisamente sua posição e o atinge
numa explosão que faz com que a cinza vulcânica acumulada
se erga no ar. Com o choque, a máscara de Adamas de Toas
cai no chão.
- Eu disse que não poderia se aproximar de mim - Shun
de Andrômeda permanece intocado no campo de batalha
78
enevoado pelas cinzas. Sua “tropa” - a corrente - mantém-se
em formação, formando uma nuvem de estrelas.
- Pois bem - Toas leva as mãos ao rosto recém revelado.
- Você tem motivos para ser tão confiante. Sua corrente tem
uma capacidade impressionante - continua, alinhando os
longos cabelos negros. - Realmente não oferece nenhuma
brecha, serve como olhos, ouvidos... mais do que isso, vai
além dos cinco ou seis sentidos, deve perceber o inimigo
através daquilo que vocês, Guerreiros Sagrados, chamam de
Cosmo.
- Ilusões não funcionam contra ela - completa Shun. -
À medida que o meu Cosmo aumenta, a corrente se torna
mais e mais capaz de reagir a qualquer golpe, por mais rápido
que seja.
Entendo - a voz de Toas mantém uma calma misteriosa.
- A Nebulosa de Andrômeda é um meio integrado de defesa e
ataque.
- Vamos acabar com esta batalha sem sentido - diz Shun,
como sempre ouvindo seu instinto pacifista. - Não quero
machucar ninguém, mesmo que seja meu inimigo.
O gigante mal acredita no que está ouvindo: - Você não
pode estar falando sério. Se está tirando sarro de mim, tem
uma personalidade bem maldosa por trás desse rosto de
donzela.
Mas Shun reforça sua posição:
- Brigar e matar sem motivo nenhum... Eu não consigo
fazer isso! - suas palavras são quase uma declaração de
fraqueza, algo impensável para um Cavaleiro que tem a guerra
como ofício.
- Sem motivo? Humm - Toas pensa por um instante. -
Ou seja, caso tenha motivos, você mataria o inimigo. Então
não consegue lutar sem o estímulo de alguém? Precisa de um
empurrãozinho, é isso? Sua auto-afirmação tem que ser
embasada por palavras alheias?
-... Bem...
- Você é omisso e medíocre. Tenho nojo disso - seu tom
de voz se torna repentinamente duro e seco. - Eu já disse:
Cavaleiros e Gigas não precisam de questões de honra ou
grandes missões para se enfrentarem até a morte. Não é
preciso dizer nada, a luta é travada em nome da justiça.
- Então devemos lutar por lutar, sem razão alguma?
Como os demônios ou como Rakshasa?
- Você procura desculpas demais para os seus atos,
Andrômeda. Não estou interessado nas suas lamúrias, seu
bebezão. Sua ladainha cheia de compaixão machuca o meu
espírito.
Shun sente que o espírito de Toas se fortalece. Como
uma espada japonesa que ganha brilho e leveza nas mãos do
artesão, o Cosmo do gigante se toma cada vez mais afiado e
límpido. O artesão que fabrica a espada não tem medo de
produzir instrumentos de morte, nem tampouco nutre
intenções homicidas enquanto aprimora a katana. As guerras,
por sua vez, não passam de embates entre armas e escudos -
desapaixonadas, completamente desprovidas de sentimentos.
- Isto é fruto da humilhação a que me expôs - diz Toas,
sobre o próprio Cosmo crescente, inesperadamente investindo
contra Shun.
Uma ferida, então duas. No início o sangue brota apenas
dos braços do Cavaleiro, mas a hemorragia vai ficando séria à
medida que novos cortes aparecem por todo o seu corpo.
- C-como é possível? Por que a barreira intransponível
da corrente não reage?!
- Não fique tão surpreso, garoto - Toas aponta o dedo
na direção de Shun, fazendo surgir um brilho agudo e mais
um sangramento.
O Cavaleiro está sendo atacado por ondas de impacto,
finas como agulhas, lançadas pela mão de Toas como projéteis.
O gigante é sua própria arma poderosíssima, e suas investidas
atravessam o corpo de Shun sem que ele precise tocá-lo.
- Você disse que a corrente de Andrômeda o defende
de ataques de inimigos conforme o seu Cosmo se eleva... -
explica o monstro, com satisfação. - Basta, então, valer-me
de um Cosmo superior ao seu, lançando um ataque a uma
velocidade superior ao instinto de defesa da corrente.
Shun percebe que o sangue não estanca, jorrando
continuamente das feridas. Mesmo o menor corte, minúsculo
A Batalha na Acrópole
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  • 8. 8
  • 9.
  • 10. 10
  • 11.
  • 12. 12 Esta é uma obra de ficção, sem nenhuma relação com pessoas, entidades e/ou eventos reais.
  • 13.
  • 15. Contam as lendas gregas que foi na famosa Acrópole que aconteceu a disputa entre a deusa Atena e Poseidon, o deus dos mares, pelas terras da Ática. Atena teria sido escolhida pelo povo como sua protetora depois de fazer nascer uma oliveira na pedra nua. Em sua homenagem, os atenienses construíram um enorme santuário de mármore, originalmente pintado em cores vibrantes em uma rocha de 800 metros de diâmetro. A Acrópole, ou “cidade alta”, ergue-se a uma altura de 70 metros da capital grega. Mesmo desbotadas pelo tempo e castigadas por séculos de história, as construções da Acrópole continuam a ser admiradas e reconhecidas até os dias de hoje como um dos maiores feitos da humanidade. É noite. - Está fazendo menos calor agora, não é? - os cabelos cor de linho de Shun balançam com o vento no teatro a céu aberto. Ele faz o comentário bem baixinho, virando-se para trás, desviando seu olhar do palco para avistar a Acrópole. É verão. O Sol custa a se pôr em Atenas. Nessa época do ano, só começa a escurecer depois das oito da noite, quando um tom de azul profundo se espalha lentamente pela cidade. Intensas luzes douradas se acendem na Acrópole, iluminando as colunas do Partenon, os baixos- relevos e cada detalhe desfigurado pelo tempo. - Senhor Nikol, obrigado por me acompanhar. - Não por isso - diz Nikol, sorrindo. - É sempre bom vir ao teatro. Nikol está sentado ao lado de Shun na platéia. É um homem elegante e simpático, apesar de sua roupa toda preta
  • 16. 16 parecer um pouco pesada demais para o verão do Mar Egeu. Com cabelos castanhos e um olhar tranqüilo, é o que podemos chamar de um verdadeiro “intelectual”. - Na verdade eu convidei o Seiya... Mas ele disse que ia morrer de tédio. - Ora, trazer um moleque como ele a uma peça de teatro clássico seria jogar o ingresso fora. Shun sorri e seu rosto adolescente brilha na luz refletida pela pedra. Apesar de muito jovem, ele não tem o ar infantil da maioria dos garotos de sua idade. Os dois estão sentados lado a lado no ponto mais alto do auditório. - O que você sabe sobre o Odeon? - pergunta Nikol. - Não muito. Construído em 161a.C., o enorme teatro tem capacidade para 6 mil espectadores e uma acústica impressionante. - Dá até pra escutar o som de uma moeda caindo no palco - explica Nikol. - Também é chamado de Odeon de Herodes Atticus, em homenagem ao político romano que doou os recursos para sua construção. Foi reformado depois da Segunda Guerra Mundial e hoje recebe artistas do mundo inteiro. - Parece que o gosto dos gregos pelo teatro é o mesmo desde a Antigüidade até os dias de hoje... -comenta Shun. - Aqui nós vamos ao teatro como se vai a um jogo de futebol. Peças clássicas, como a de hoje, são geralmente apresentadas em teatros a céu aberto, sem correr muito risco de cancelamento por causa de chuva: na Grécia cerca de trezentos dias por ano são ensolarados. - Mas elas só podem começar quando as luzes se acendem, depois do pôr-do-sol, e por isso acabam bem tarde. - Este espetáculo tem cinco horas de duração... - A noite vai longe! - diz Nikol, sorrindo. - Todos os gregos, até mesmo as crianças, dormem muito, muito tarde. Este é o intervalo entre a primeira e a segunda parte da Trilogia Orestéia, de Ésquilo. Nikol quer saber o que Shun, um garoto japonês, acha do teatro clássico grego.
  • 17. - Muito interessante - diz Shun. - Acha mesmo? As obras de Ésquilo são grandiosas, sem dúvida, mas também podem ser bastante cansativas... Ésquilo viveu no século 5a.C. e foi um dos três grandes autores de tragédias. Suas peças continuam a ser encenadas, não apenas na forma clássica, mas também nas mais diversas interpretações contemporâneas. A Orestéia se passa um pouco depois da Guerra de Tróia, aquela de Ulisses, Heitor e Helena. O conflito é desencadeado por uma maçã de ouro dedicada “à mais bela”, atirada entre as divindades por Éris, a deusa da discórdia - e acaba de fato envolvendo a mulher mais bela do mundo, Helena de Tróia. A primeira parte da trilogia se chama “Agamenon”. Nela, o personagem-título, comandante-chefe dos gregos e rei de Micenas, oferece sua filha Ifigênia em sacrifício. A rainha Clitenestra fica indignada e arma um plano para assassinar Agamenon, com a ajuda de seu amante, Egisto. - O Seiya teria dormido só de ouvir essa explicação - diz Shun. - Da próxima vez tente levá-Io a uma comédia, daquelas bem vulgares. É o tipo de coisa que as crianças da idade dele gostam – Nikol já tinha ouvido falar muito de Seiya, e se referia ao garoto de um jeito inocente e brincalhão. Depois do intervalo, começa a segunda parte da peça: “Coéforas”. Nove anos se passaram desde a morte de Agamenon. Seu filho Orestes, que havia sido enviado secretamente a um país vizinho, jura ao Oráculo de Delfos que irá vingar a morte do pai. O estilo da apresentação é fiel ao teatro clássico, com atores mascarados e os mesmos efeitos de palco da Antigüidade. Orestes retorna ao seu país às escondidas para eliminar Egisto, com ajuda da irmã Electra, e acaba encontrando a verdadeira assassina de seu pai: sua mãe, Clitenestra. Clitenestra suplica pela própria vida. Orestes fica dividido por alguns momentos, mas não abandona a convicção de vingar a morte do pai, conforme ordenado pelo Oráculo.
  • 18. 18 - Dei à luz uma serpente - diz a desesperada Clitenestra. - Você matou quem nunca poderia ter matado. Por isso será condenada a um sofrimento que não deveria existir - Orestes golpeia Clitenestra com a espada, dizendo que ela não está sendo assassinada por seu filho, e sim por si mesma. A rainha Clitenestra cai morta, espalhando o vermelho do sangue pelo palco. Matricídio. Todos os olhares da platéia se voltam para o Orestes mascarado, ainda segurando a espada com a qual matou a mãe. A notícia de seu ato hediondo chegará aos ouvidos das três Erínias, as deusas da vingança, que o levarão à loucura na terceira parte da Orestéia. Mas tem algo de muito errado na apresentação de hoje. Nikol se levanta abruptamente, perplexo. No teatro clássico grego, um assassinato nunca pode ser encenado abertamente diante do público. É um tabu. A cena deve ficar implícita na narrativa ou acontecer fora do campo de visão da platéia. Pode se ouvir o grito da vítima, por exemplo, mas é terminantemente proibido encenar a morte, os detalhes do crime. Nikol sabe que trair essa regra numa peça clássica seria algo inconcebível para uma companhia teatral grega, ainda mais numa apresentação no Odeon. E as coisas ficam cada vez mais estranhas. - São dois? - sussurra Nikol, incrédulo. No palco agora estão dois Orestes, usando a mesma máscara. Desde quando o outro estava lá? De onde ele surgiu? O ator que interpretava Orestes até agora parece congelado pelo assassinato que acaba de presenciar. Mal consegue gritar quando seu outro “eu” vira a espada em sua direção e arranca sua cabeça, com máscara e tudo, num golpe preciso. O teatro vem abaixo. Não é mais uma peça, a tragédia hoje é pra valer. O público desperta da comoção causada pela apresentação, passando da ilusão para a realidade em segundos. O falso Orestes pula do palco e corre pela platéia agitando a espada suja de sangue. Shun sente que aquela energia mortífera é dirigida a ele. De fato, o homem por trás
  • 19. da máscara se aproxima rapidamente do ponto mais alto do anfiteatro. A espada do assassino solta faíscas diante dos olhos de Shun, que se defende do golpe mortal com uma corrente que ninguém parece saber de onde surgiu. Ninguém entende, também, como um garoto franzino consegue conter todo o peso e a força do agressor. - Quem é você? - pergunta o falso Orestes, com seus braços musculosos e poderosíssimos saltando do traje de palco. O odor sutil que chega às narinas de Shun é o de uma fera faminta. Ele estica um pouco mais a fina corrente, que, neste momento, contrariando toda a lógica e surpreendendo a todos, acaba reduzindo a pó a pesada espada de bronze. O assassino não parece se intimidar, e passa a lutar com as próprias mãos. Shun é o único que consegue acompanhar seus movimentos ultra-rápidos. Apenas Shun percebe quando ele se vira para Nikol e suspende o corpo do grego no ar, atirando-o com uma força sobre-humana contra uma parede de pedra. Mas nem mesmo Shun sabe onde está o agressor alguns segundos depois, em meio à confusão e ao caos generalizado do anfiteatro. - Para onde ele foi? O garoto, alerta, mantém a posição de luta com suas correntes enquanto protege Nikol. Nem sinal do Orestes mascarado, que já sumiu na escuridão da noite de verão em Atenas. As Vontades dos Deuses, liberadas pelo Universo no momento de seu nascimento, chocaram-se contra as fagulhas de vida espalhadas por toda a tarde, e se abrigaram nas Estrelas. Em Uranus - o Céu - refugiaram-se as estrelas. Em Pontus - o Oceano - teve início a vida. Ao som e ao ritmo suave do Tempo, o Mundo se desenvolveu - e nele todas as pessoas nasciam, morriam e tinham seu destino determinado pelas Estrelas. E seguiram as estrelas o seu fluxo pela vida, e a vida, pelo fluxo das estrelas.
  • 20. 20 Antes que as próprias pessoas se dessem conta, foram surgindo aqueles que traziam em seus corpos as Vontades dos Deuses. Eram receptáculos de suas Almas Imortais, seus Profetas, ou os próprios Deuses adquirindo existência terrena. Quando surgiam essas encarnações dos Deuses, elas procuravam guiar o “Mundo” de acordo com suas vontades, confrontando-se e lutando entre si. Apareceram então guerreiros para proteger os Deuses, também escolhidos pelas constelações. Havia também Atena, e os Sagrados Guerreiros de Atena. O embate mortal entre os Deuses pela supremacia no Mundo se estendeu por espaços temporais inconcebíveis para a mente humana. Nos campos de batalha, Atena estava sempre cercada de jovens guerreiros que vinham de todos os cantos da Terra para protegê-la. Eram jovens verdadeiramente dotados de Coragem e Força. Seus golpes cortavam o ar, seus chutes rachavam o solo. Esses Guerreiros da Esperança surgiam sempre que o Mal ameaçava se espalhar pelo Mundo. Mas seus nomes se perderam no Tempo e são ignorados até mesmo pela Mitologia Grega. Esses jovens lendários e es- quecidos... Os Sagrados Cavaleiros de Atena.
  • 21.
  • 23. 1 A “Mitologia” é a própria sistematização da cultura e de suas ramificações desde o surgimento da humanidade. É, por definição, algo tão vasto que nem o mais dedicado poeta épico poderia narrar cada uma de suas histórias, e com certeza seria impossível reunir todos os relatos em um mesmo livro. Por estar em evolução constante, nela coexistem teorias díspares e até contraditórias, e qualquer esforço em discutir ou alinhar as diferentes versões não seria mais do que um divertido passatempo. Na Antigüidade, os gregos eram chamados de “helenos”, ou “povo de Hellas”, forma como se referiam à sua terra natal. Até os dias de hoje, a Grécia se intitula “República Helênica” cada vez que sua delegação de atletas lidera o desfile de abertura dos Jogos olímpicos. O nome que usamos tem origem latina e foi adotado inicialmente por estrangeiros. Na verdade. a palavra “Grécia” só existe na língua portuguesa, sendo “traduzida” de diferentes formas em outros idiomas, como Greece, em inglês. Essa confusão é mais comum do que se pode imaginar. Os japoneses, por exemplo, chamam sua terra de Nippon, ou Nihon, e não de Japão (e suas variações, dependendo da língua, como o país é conhecido no resto do planeta. Conta a Mitologia que o mundo como nós o conhecemos teve início quando Zeus provocou um dilúvio para destruir a humanidade. Ele era o mais poderoso dos deuses gregos, e considerava a espécie humana cruel e medíocre. Apenas um casal conseguiu escapar dessa catástrofe: Deucalião, filho do sábio titã Prometeu - aquele que dera aos
  • 24. 24 homens o fogo, até então um dom exclusivo dos seres imortais - e Pirra, filha de Pandora - a primeira mulher, que recebera dos deuses inúmeros presentes. O primogênito desses sobreviventes recebeu o nome Heleno, e se tornou o lendário pai do povo grego. O Santuário. A morada da deusa Atena não fica muito longe de Atenas, a maior cidade da Grécia, mas não aparece em nenhum mapa conhecido dos homens. É uma montanha sagrada, completamente isolada do resto do universo, separada do nosso mundo por estrelas e grossas camadas de nuvens. Nem mesmo os mais avançados e precisos satélites de espionagem seriam capazes de encontrar esse lugar, inteiramente coberto pela Vontade Superior dos Deuses e protegido por barreiras divinas que repelem qualquer tipo de interferência externa. Esse é o Santuário, cuja existência está além da lógica e da compreensão humanas. Procurar por ele é o mesmo que buscar a Deus, e duvidar de sua existência algo tão perigoso quanto questionar o criador. Anoitece. - Por que as estrelas estão tão agitadas? - sussurra Yuuri, balançando levemente seus cabelos prateados. Sua pergunta fica sem resposta: ela está sozinha no observatório astronômico, um espaço circular ao ar livre localizado no cume da montanha. O céu noturno lembra um planetário, límpido e povoado de estrelas, como se a terrível poluição urbana de Atenas não existisse. No piso sob seus pés, há o mosaico delicadíssimo de um mapa duo decimal indicando os quatro pontos cardeais. Áries, Touro, Gêmeos, Câncer... - É como se as estrelas estivessem caindo da Via Láctea... Yuuri está em pé no posto de observadora estelar. Seu traje lembra os usados pelos antigos gregos: um quitão branco
  • 25. sobre o qual descansa uma túnica escarlate, presa por um broche na altura do ombro direito. Sobre seu rosto há uma máscara, mas muito diferente daquelas que vemos em festivais ou no teatro. É uma máscara de silêncio, feita unicamente para esconder qualquer expressão de sentimento humano. -... De novo! - outra estrela “cai” rumo ao oeste. Todos os seres humanos nascem, morrem e reencarnam de acordo com os desígnios das estrelas. Observá-las é uma forma de enxergar melhor o nosso mundo. Em nenhum momento Yuuri desvia seu olhar atento do céu. - O mestre Nikol bem que poderia estar aqui, mas foi ao teatro com aquele garoto bonitinho... No alto do firmamento está o triângulo de pontos brilhantes formado por Deneb, Vega e Altair, estrelas das constelações de Cisne, Lira, e Águia, respectivamente. Há um espaço opaco no mapa estelar, logo abaixo da constelação de Virgem, que está perto de se esconder no horizonte. É nesse pedaço de céu esvaziado que Yuuri vê estrelas caindo em frangalhos, formando uma calda em chamas. - Preciso avisar Atena - ela é oficiante auxiliar do Santuário, e essa é sua missão. Yuuri chama a deusa dizendo seu nome em voz alta. Atena existe em carne e osso, assim como seus cavaleiros. É a deusa protetora do Amor e da Paz na Terra, e se faz presente nesta região sagrada. Num sobressalto, Yuuri sente a chegada de um instinto assassino. Um arrepio percorre sua espinha, uma sensação real como a lâmina de uma faca contra sua nuca. Um inimigo: e ela está bem na mira dele. “Mas como? Eu nem percebi...”, pensa transtornada. - Você é uma amazona - diz o invasor. - Sim. Sou Yuuri do Sextante - paralisada, ela não tem alternativa senão falar com o estranho às suas costas. - Você tem consciência de que invadiu o Santuário de Atena? O invasor não responde. Yuuri se sente ainda mais acuada, sabendo que fez uma pergunta idiota. Ninguém
  • 26. 26 penetraria a região sagrada “por acaso”. Seria impossível ultrapassar suas redomas espirituais “sem querer”. - Quem enviou você...? - Toda mulher deve usar a máscara para poder se juntar aos Cavaleiros, abandonando completamente sua feminilidade. Essa é a regra... Yuuri está cada vez mais confusa. Um ruído abafado e sua máscara de silêncio cai no chão, partindo-se ao meio. -... E esse é o seu rosto. Ela levanta as mãos para cobrir o próprio rosto, num movimento instintivo. Seu oponente aproveita a oportunidade e atinge com um soco seu abdome desprotegido, erguendo seu corpo e atirando-o com tanta força no chão que Yuuri perde os sentidos. O invasor olha para o mosaico no chão com desdém, soltando um riso de deboche. - Ha! - o grito produz uma onda de energia que lembra o impacto de um meteorito, destruindo o piso do observatório, até o mapa zodiacal desaparecer numa nuvem de pó.
  • 27. 2 Ohomem acorda de sua soneca com um chute que o lança mais de dez degraus escada abaixo: - Levanta, cara! - Nossa, essa doeu! E eu estava dormindo tão bem... - uma pausa. Seu tom de voz muda completamente ao perceber quem o acordou. - Ai, ai, ai...! - Quantas vezes eu tenho que acordar vocês? Parecem macacos! - diz, sem cerimônia, o garoto japonês de corpo delgado. - B-boa noite, senhor Seiya. - responde o homem na escada, enquanto sacode rapidamente seus dois colegas, que também cochilavam. Os três vestem armaduras de couro, o uniforme dos soldados defensores do Santuário de Atena. Se freqüentasse a escola, Seiya estaria cursando o ginásio. O aspecto franzino e seus menos de 1,70m de altura não lembram em nada os imponentes e musculosos lutadores profissionais. Seus cabelos formam ondas que dão impressão de intenso dinamismo e seu olhar penetrante transborda aquela energia típica dos jovens. Com seu traje e protetores de couro, parece pronto para uma festa à fantasia. - Ô moçada! Vocês são a guarda noturna, têm que vigiar o Santuário sem dormir. - C-claro, senhor. A gente sabe. - Então por que ficam cochilando? - continua o garoto. - Vocês andam muito moles! Não é porque ultimamente está tudo em paz que nunca mais vai aparecer um inimigo! Seiya fala com autoridade, como se fosse um sargento comandando sua tropa. - É por essas e outras que vocês nunca deixam de ser soldados rasos - completa ao se afastar do grupo, deixando
  • 28. 28 para trás os soldados, assustados até o último fio dos cabelos. - Se bem que esta noite de verão está mesmo perfeita para uma soneca Seiya também está em serviço, mas sua vigilância é solitária. Foi muito azar ter sido escalado para a patrulha noturna neste calor. Talvez tivesse sido melhor aceitar o convite de Shun, com certeza seria divertido passear em Atenas. “Mas assistir uma peça de teatro fedendo de tão velha? Que graça o Shun vê nisso?” Parecendo se esquecer da bronca que deu nos soldados ainda há pouco, Seiya solta um bocejo sossegado e tranqüilo. No céu, uma imensidão de estrelas. Este sempre foi o Santuário de Atena. Os doze templos da abóbada celeste compõem uma trilha íngreme ao redor da montanha rochosa. São as chamadas Casas Zodiacais: Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes. Esse caminho tortuoso leva à Sala do Mestre e ao Templo de Atena, o mais sagrado de todos. O Odeon fica ao pé da montanha, ao lado de outras construções comuns, como casas e a torre do relógio. Assim como acontece em Delfos, famosa por seu oráculo, a cidade parece se erguer em torno do monumento sagrado. Neste mesmo espaço convivem diferentes estilos arquitetônicos, alguns de períodos separados por milênios. As ruínas de edificações antigas são testemunhas do uso contínuo desta região ao longo de muitas e muitas eras. Esta é a Sé dos cavaleiros que defendem a Terra. Desde os mais antigos mitos e fábulas, Atena saiu sempre vencedora dos combates entre deuses em fúria. Todos os relatos dão conta de que a deusa guerreira nunca falhou em sua luta pela defesa da paz. E em nenhuma ocasião o Santuário caiu diante de forças maléficas. Seiya interrompe abruptamente sua caminhada vigilante. . “Que sensação é essa?” Um pressentimento desagradável. O jovem volta seu olhar na direção do observatório celeste, no cume da montanha.
  • 29. - Aaaaahhhhh! Os gritos pegam Seiya de surpresa. - Mas o que... - alarmado, ele sobe a escadaria o mais rápido que pode, pulando quatro ou cinco degraus a cada passo. Um odor penetrante e espesso de sangue faz com que prenda a respiração por um instante. O cheiro é tão forte que parece vir de sua própria boca. - Mais um rato - diz uma voz vindo das sombras, enquanto são atirados na direção de Seiya os pobres coitados responsáveis pelos berros horripilantes. - Esses caras são os... O primeiro tem todos os ossos em pedaços, aparentemente esmagados por uma força devastadora. O segundo está todo perfurado, cada centímetro de seu corpo atravessado por agulhas. O terceiro é um cadáver desfigurado, com a pele arrancada como a casca de uma romã. São os três guardas que há pouco cochilavam. Mortos. Soldados de Atena, derrotados em seu santuário! - Quem está aí?! - grita Seiya na direção dos inimigos, até agora ocultos nas sombras. Só então consegue enxergar dois dos invasores que ousaram sujar de sangue a região sagrada. - Ágrios, a força brutal - apresenta-se com uma voz grossa o gigante de dois metros e meio, tão grande que chega a encobrir as estrelas. - Toas, o relâmpago célere - diz o outro, também alto, mas não como o primeiro. - Quirri! Eu sou Pallas, o parvo - a terceira voz é esganiçada, e a mais aterrorizante de todas. Seiya engole seco diante da última criatura a ser revelada pela luz das estrelas. Trata se de um demônio. Pallas tem braços desproporcionalmente compridos e costas curvadas como as dos corcundas em fábulas européias. O torso distorcido está tão dobrado para frente que o rosto minúsculo e esquelético fica na altura da cintura de Seiya, fazendo com que a criatura lance seu olhar doentio de baixo para cima. O monstro parece exercer uma atração terrível,
  • 30. 30 talvez pela paixão que os seres humanos têm por tudo o que é bizarro, a mesma fascinação que nos atraiu à Quimera. - Essa armadura? - balbucia Seiya. - Eis o traje de Adamas! Quirri! A Armadura da Grã- Terra que protege os Gigas! - responde Pallas, abrindo ameaçadoramente os braços compridos como os de uma aranha. É a armadura de diamante, que também poderia ser chamada de “armadura de cristal”. Um traje composto de polígonos de cristal com um brilho hipnotizante. Seiya percebe que os outros dois invasores vestem a mesma armadura. - Os Gigas? - pergunta o garoto, perplexo. - O que são os Gigas? A ignorância de Seiya a respeito dos Gigas provoca em Ágrios uma reação encolerizada. - Atena! E os cavaleiros! Como ousam esquecer o nome dos Gigas?! - Contenha-se, Ágrios. - Mas, Toas...! - Parece-me de certa forma inevitável - continua o segundo gigante. - Nós, os Gigas, fomos aprisionados por Atena na Gigantomaquia de tempos longínquos. Imagine quantas eras percorreu o mundo enquanto vagávamos por nosso cativeiro mortal, no vão entre Gaia e o Tártaro. Basta olhar para o céu. Até mesmo a Estrela Polar mudou de lugar desde que partimos. Inúmeros astros já extinguiram sua chama e se perderam no firmamento... - Quirri! Chega de bancar o poeta, Toas - interrompe PalIas, ao mesmo tempo em que aponta suas garras afiadas na direção de Seiya. Os dedos do monstro são absurdamente longos, muito maiores que os de uma pessoa, e cada movimento produz um agudo som metálico gerado pelo atrito de uns com os outros. A armadura de diamante brilha num aterrorizante tom vermelho-escuro, fazendo com que a mão da criatura se assemelhe a uma aranha venenosa. - Você usou essas garras contra eles! - protesta o menino.
  • 31. - Sabe, pele de moleque é fácil de arrancar! -responde a criatura, soltando então um grito maníaco. - Quirri! Garras marionetes! Seiya escapa por um triz da primeira investida de PalIas, que chega a arranhar seu nariz e cortar alguns fios de seu cabelo. Sem a menor chance de se recompor, o garoto é quase imediatamente atingido por Ágrios, que se atira contra ele como uma fera gigantesca, lançando-o ao ar. - Ohhhhhhhhh! - o corpo de Seiya cai no chão com força. - Que força incrível tem esse Ágrios! E pensar que ele só me pegou de raspão... - Vejo que suportou bem o ataque! Você parece ser um pouco menos molenga que esses mortos aí no chão. - Pode calar a boca, grandalhão - responde Seiya, enquanto se levanta com um olhar de deboche. - Você não está me comparando com soldados rasos, não é? - Seu macaquinho! - Seiya! - o bate-boca é interrompido por uma nova voz surgindo na noite. - Kiki? É você? Um garoto de cabelos curtos e eriçados olha os invasores com uma expressão assustada. Deve ser uns cinco anos mais novo que Seiya. Suas sobrancelhas foram raspadas, talvez por algum significado cerimonial, e em seu lugar há um desenho curioso e peculiar. - Vim porque senti presenças suspeitas... Quem são esses caras? - seu rosto parece combinar a originalidade de diversos povos, podendo ser considerado tanto oriental quanto ocidental. Em japonês, o nome Kiki quer dizer “demônio honrado”. Incrivelmente, o menino paira no ar sem qualquer apoio, depois de ter surgido do nada no céu. - Teletransporte? Quirri! Esse tampinha é pára normal? - Nem precisa dizer, Seiya. Usa a minha telecinese! - grita Kiki, antes que o amigo possa falar qualquer coisa. Nesse instante, uma espécie de baú rompe o espaço, surgindo numa esfera de luz sobre a cabeça de Seiya. A
  • 32. 32 claridade faz com que os Gigas cubram seus olhos ofuscados. É uma caixa feita de bronze, decorada com imagens de um cavalo alado em baixo relevo. De sua tampa entreaberta escapa um brilho ainda mais forte. Os invasores assistem, estupefatos, à aparição no céu de uma enorme estátua na forma de um cavalo alado, coberta por uma aura flamejante de raios azuis e brancos. Um verdadeiro legado da era dos mitos... a prova da existência dos Cavaleiros. A mais poderosa fonte de energia do mundo. - Pégaso! Com isso a estátua ganha vida e relincha, atendendo ao chamado de Seiya, para então se dividir em várias partes que aderem ao corpo do rapaz. Cabeça. Ombros. Peito. Braços. Cinturão. Pernas. - Rá! - o gigantesco corpo de Ágrios é atirado contra a montanha, num impacto tão poderoso que por pouco não abre uma fenda na rocha. Ele tosse e comprime o abdome com força entre os braços, tentando impedir que o conteúdo de seu estômago seja regurgitado. - Não é possível! Um soco invisível? - Eu não disse, grandalhão? Nem o melhor praticante de luta ou arte marcial, seja caratê, boxe ou muay thai, é capaz de derrotar numa única investida um oponente que tenha o triplo do seu peso. Mas Sejya é diferente: ele domina a luta de Atena. Quando seu punho cortou o vazio, passando bem perto da cabeça de Ágrios, o movimento enviou uma onda de choque - sinal de que o soco fora desferido a uma velocidade superior à do som. O golpe prova que ele é um guerreiro escolhido pelas constelações espalhadas pela abóbada celeste. - Ah, é assim? É assim, moleque? - Ágrios se levanta furioso, expulsando com força o ar dos pulmões. Apesar da queda ele está inteiro. Na verdade, seus músculos parecem ter se expandido e seu corpo, crescido ainda mais. - Você é um cavaleiro. - Seiya! Meu nome é Seiya, da Constelação de Pégaso. Esse é um jovem de poder lendário. Sua força vem da estátua de Pégaso, que sai de sua caixa dourada e se rompe
  • 33. em pedaços para formar uma impenetrável armadura protetora. As asas do cavalo se dobram magistralmente como um leque, encaixando-se em suas costas. Sua cabeça toma a forma de um elmo e seu corpo se transforma num escudo peitoral: O que era o pescoço do animal agora cobre o braço direito de Seiya, enquanto a cauda adere ao braço esquerdo e o peito é um cinturão. As patas dianteiras e traseiras se mesclam de forma complexa, protegendo as pernas do jovem das unhas dos pés até os quadris. A poeira estelar se espalha, cintilando no ar. O traje celestial de Seiya está completo. É sua a armadura sagrada permitida apenas aos cavaleiros escolhidos de Atena. - É bom que vocês saibam - grita o garoto. - Eu estou MUITO bravo! O traje branco-azulado de Pégaso provoca em Seiya uma explosão de energia. - Meteoro de Pégaso! . - Como?! Os punhos se multiplicaram? - pergunta-se a besta enquanto fachos de luz se espalham por todos os lados. De repente um ruído abafado interrompe o golpe supersônico do punho de Seiya. O movimento é contido pela armadura de Toas, “o relâmpago célere”, que até então se limitava a assistir à luta. - Esfrie a cabeça, Ágrios. - diz o segundo gigante, colocando-se diante de Seiya. - Você nem percebe como esse ataque é limitado! Punhos multiplicados que nada! A mim pareceu que cada soco se arrastava como uma lesma. - Como esse cara pode ser tão veloz...? - Seiya está surpreso e confuso. Toas fora capaz de repelir todo o fluxo de golpes e ainda segurar seu punho. - É verdade que não se deve subestimar o poder de um cavaleiro em seu traje sagrado - continua Toas, apertando com mais força ainda o punho do garoto. - Você vai ver uma coisa, moleque! - Quirri! Analise bem a situação... - provoca Pallas. - Você acha que um cavaleiro tem chance contra três de nós? - Droga! - Seiya está cercado.
  • 34. 34 Os três Gigas começam a exercer uma pressão invisível que faz com que Kiki perca a concentração e caia com tudo no chão. - Ai! O que foi essa telepatia?! - antes de conseguir se recompor, o menino assiste, perplexo, à chegada de mais um invasor, que aparece trazendo nos ombros Yuuri do Sextante, desmaiada. - Senhorita Yuuri?! - reconhece a garota por seu cabelo prateado e a túnica escarlate dos oficiantes do Santuário, mas ela está inconsciente e não reage à menção de seu nome. Seiya não entende por que não detectou de antemão a presença deste quarto inimigo. É realmente difícil de acreditar. Somente se tivesse uma força avassaladora alguém conseguiria se aproximar de um cavaleiro sem ser percebido. O novo invasor desaparece logo em seguida, rápida e silenciosamente, levando Yuuri consigo. - Sumiu! Como? - Seiya não sabe o que pensar. - Bom, agora Ágrios, Pallas, a nossa brincadeira fica por aqui - diz Toas a seus companheiros. -Esqueceram-se do nosso objetivo original? - Saco! - Quirrirri... Tem razão. Os gigantes recolhem seus punhos, para grande surpresa de Seiya. - Moleque... Vai ter volta... - Quirrirri! Você escapou desta vez, mas por pouco tempo. Ágrios e Pallas se cobrem novamente de sombras e desaparecem na noite. Toas se detém por mais alguns segundos. - Seiya de Pégaso. Vamos deixar que você viva para que leve o nosso nome a Atena. - diz. - Diga a ela que vá à Sicília se quiser a menina de volta. Nós, os Gigas, estaremos lá. Nós, a descendência dos Deuses Antigos, nascidos da Grã- Terra, aprisionados nas profundezas do vazio fantasma. Com isso a imagem do último invasor penetra a escuridão, para sumir completamente.
  • 35. - Mas que droga! O que vocês...? - a voz de Seiya ecoa em vão. Não há mais sinal algum dos inimigos. O garoto parece despertar de um pesadelo. Não fosse pelos cadáveres dos soldados rasos e pelo odor hostil deixado pelas criaturas, poderia jurar que nada daquilo tinha acontecido. - Gigas... Das profundezas do navio fantasma...
  • 36. 36 3 ASala do Mestre fica logo na entrada do Templo de Atena, além das Doze Casas Zodiacais. O Mestre é o líder supremo dos Cavaleiros, o servo mais importante de Atena. - A senhora Yuuri foi seqüestrada? - Shun voltou ao Santuário logo após a confusão no teatro da Acrópole, apresentando-se imediatamente com sua armadura de Andrômeda. O traje tem um brilho cor-de-rosa que lembra mais um vestido de donzela do que a armadura de um guerreiro. - Droga! Eu estava lá e não pude fazer nada! -Seiya cerra os punhos, inconformado por ter deixado os inimigos escaparem. Ele também está vestido com seu traje celestial, que é essencialmente um uniforme de combate. O fato de os Cavaleiros estarem usando suas armaduras significa que esta é uma reunião de guerra. - O senhor não está ferido, Sr. Nikol? - Está tudo bem comigo. Foi mais um susto, o ataque me pegou de surpresa. Assim como Shun e Seiya, Nikol é um Cavaleiro de Atena. A Sala do Mestre é cercada por colunas dóricas e adornada com cortinas. No centro do recinto existe um patamar mais alto, coberto por um tapete, onde fica o assento do Mestre. Mas não tem ninguém sentado ali. O cargo de Mestre está vago. Nikol, chefe dos oficiantes, é quem tem cuidado da administração do Santuário. Você, leitor; saberia dizer quantas constelações existem no céu? Segundo os astrônomos, são 88. Mas esse não é um fator absoluto, cientificamente falando, assim como não existe uma opinião predominante
  • 37. sobre a descrição de cada constelação. Na verdade, o número “88” foi uma padronização adotada pela União Astronômica Internacional em sua Assembléia Geral de 1930, e se baseia no modelo do astrônomo clássico Ptolomeu. Essa contagem “oficial” mantém aquilo que já era conhecido das civilizações antigas, ao mesmo tempo em que acrescenta descobertas mais recentes, especialmente no que diz respeito às constelações meridionais. De qualquer forma, não faz muito sentido usar esse dado para contar a história das Armaduras, uma tradição que remonta à Era dos Deuses. Uma pessoa se torna um Cavaleiro ao ser escolhida como representante de uma constelação específica. O tempo todo esses guerreiros enfrentam batalhas mortais para proteger nosso mundo do Mal. Quando sua própria força não é suficiente, eles recorrem à Graça Divina, através de suas armadurassagradas-porissocadaCavaleirotemsuaprópria constelação padroeira, seja ela Boreal, Austral ou Zodiacal (teoricamente seriam 24, 48 e 12 de cada tipo, respectivamente). Existem três gradações entre os Cavaleiros: Ouro, Prata e Bronze. Os Cavaleiros de Ouro estão acima de todos os outros e são representados pelas doze casas zodiacais as constelações da astrologia, que também representam os signos, como Áries, Touro e Gêmeos. Os Cavaleiros de Prata são os próximos na ordem hierárquica, seguidos dos Cavaleiros de Bronze. Ainda mais abaixo estão os soldados rasos. O Mestre é responsável pelo comando de todos esses níveis - portanto é sempre um Cavaleiro de Ouro, geralmente escolhido por seu antecessor no cargo. Já os Oficiantes podem ser Cavaleiros de Prata ou de Bronze. Suas responsabilidades incluem prever a trajetória das estrelas, monitorar sinais de atividade maligna, registrar a história e transmitir o legado dos segredos místicos do Santuário para gerações futuras. Alguns acreditam que existem 24 Cavaleiros de Bronze e 48 Cavaleiros de Prata, mas, com exceção dos doze Cavaleiros de Ouro, não se sabe exatamente quantos são os
  • 38. 38 guerreiros de cada estirpe. Aparentemente nem mesmos os Mestres conhecem o número total de trajes sagrados existentes. OHistóricodoSantuário,cujosdadossãorelativamente novos, também não oferecem uma resposta exata. Segundo um relato recente, a quantidade máxima possível de Guerreiros Sagrados seria 78. Em outro registro, esse número pula para 88. Há quem diga que os astrônomos se basearam de alguma forma indireta nessa anotação para estabelecer a contagem “oficial” de constelações, mas não existem provas. Além disso, essas teorias se contradizem: por exemplo, sabe- se que existiu até muito pouco tempo atrás um Cavaleiro de Cérbero, embora essa constelação não esteja na lista “oficial” dos astrônomos. O único ponto em comum entre as diferentes versões é a crença de que em nenhum momento todas as armaduras foram utilizadas simultaneamente. Também não podemos nos esquecer de que o universo não é algo estático. O mapa celeste está em constante transformação: muitas estrelas se incendeiam e se perdem como Novas, e nem mesmo a Estrela Polar permanece imóvel num período de milhões, ou mesmo milhares, de anos. Todas as pessoas nascem e morrem sob o destino das estrelas. O firmamento e o mundo em que vivemos refletem um ao outro. Se o mundo muda, mudam as estrelas e seu desenho no céu, ou seja, mudam as constelações que determinam os trajes sagrados. Com isso, a própria natureza das armaduras dos Cavaleiros é mutante. e os Guerreiros Sagrados sabem disso. Apesar de tudo isso, o número “88” se tornou a resposta padrão para a quantidade de constelações e Cavaleiros existentes. Mas, nos dias de hoje, período em que se passa a nossa história, não existe nem mesmo a metade desses guerreiros com Atena na Terra. - Pelo que o Seiya está dizendo, pode haver uma relação entre a pessoa que me atacou no teatro e os invasores que seqüestraram Yuuri - diz Nikol, que ainda sente alguma dor e por isso vez por outra comprime os músculos do rosto.
  • 39. - Mas você é um Cavaleiro de Prata, como ficou em desvantagem? - Seiya, nem sei o que dizer - Nikol ainda está confuso e envergonhado. - Sinto muito... Por Yuuri também. Yuuri é uma Amazona de Bronze, equiparando-se a Shun em hierarquia e poder de combate, mesmo sendo mulher. Como demonstrado no golpe que Seiya acertou em Ágrios, a essência divina das técnicas de luta dos Guerreiros Sagrados não tem relação alguma com força bruta ou capacidade muscular. - o que está acontecendo? Qual é o objetivo desses inimigos? - Pelo menos nada aconteceu a nossaAtena. Felizmente. - Como você pode dizer a palavra “felizmente” numa hora dessas, Nikol? - a voz suave inunda a sala com uma carga de afeto e bondade. As cortinas se abrem, revelando a figura de uma menina-moça. É a deusa da guerra e da sabedoria. A eterna virgem. Zeus, deus dos céus; Poseidon, senhor dos mares; Hades, mestre do inferno. Atena, protetora da Terra - com poder equiparado ao dessas três entidades supremas. - Atena - Nikol dobra o joelho na reverência que se acostumou há muito a fazer. - Não se pode falar em algo “feliz” quando a vida de um dos meus amados Cavaleiros está em perigo. - continua Atena, mantendo uma postura altiva. A figura feminina da deusa é de uma beleza singular. Aparenta mais ou menos a mesma idade de Seiya e Shun, tem longos cabelos castanhos na altura da cintura e veste um gracioso vestido branco. Não é nada diferente de uma garota comum, mesmo considerando sua extraordinária beleza. - Foram palavras impensadas. Perdoe-me, Atena - desculpa-se Nikol, curvando-se ainda mais. - Não se culpe. Por favor, levante a cabeça. A deusa transmite sua autoridade no modo como estende a mão a Nikol, um homem aparentemente muito mais velho que ela (o que não poderia estar mais distante da realidade, como se sabe).
  • 40. 40 - Os Gigas... - Sim, eu já sei. - Sua voz envolvente também transmite uma característica divina, manifestando sua vontade de deusa a cada palavra pronunciada. Afinal, a jovem é a própria Atena, a encarnação dessa divindade nos dias de hoje. - Quem são esses tais Gigas? - São os gigantes das fábulas gregas, Seiya - responde Nikol. - Ah... Fábulas... - Qualquer dia você vem comigo até a biblioteca para aprender a história da criação do céu e da terra. - Ããã... Acho que não vai dar - responde Seiya, tocando o próprio rosto num gesto meio constrangido. - Os Gigas são a própria origem etimológica da palavra “gigante” - explica Nikol com sua paciência inabalável. - Gigantes como os das histórias para crianças? Tudo bem, os caras que vieram aqui são grandes, mas dizer que são gigantes é exagero. - Deixe-me contar a história dos Gigas - continua Nikol, como se fosse um professor. - Ela começa na longínqua Era dos Deuses, algum tempo depois do surgimento dos Cavaleiros e de sua primeira luta, a batalha contra o exército de Poseidon, travada nas terras da Ática. Na sala agora se ouve apenas a voz de Nikol, enquanto os outros escutam com atenção. - Foi nessa época que os Gigas declararam guerra contra os Cavaleiros, com o objetivo de dominar o mundo. Esses antigos deuses malignos eram diferentes das entidades olímpicas como Poseidon e Hades. Chamavam a si mesmos de “Filhos da Grã-Terra” e se protegiam com armaduras de Adamas, material ainda mais resistente que o Oricalco. Eram seres dotados de uma força avassaladora, e a batalha entre eles e os Cavaleiros teve proporções épicas. Nossa vitória foi conquistada com muito custo, e apenas graças à presença da própria Atena nos campos de batalha. Quase nenhum Cavaleiro sobreviveu. - Nem consigo imaginar uma guerra tão difícil. - Mesmo tendo saído vencedora,Atena não pôde destruir os seres malignos, que eram deuses, portanto, imortais. Ela
  • 41. não teve escolha senão exilá-los nas profundezas além do Tártaro, para que sua vontade diabólica jamais invadisse Gaia novamente. Essa é a história da Gigantomaquia. - Gigantomaquia? - É o nome da guerra contra os Gigas na mitologia - responde Nikol, solenemente. - Segundo o historiador grego Apolodoro, durante a Gigantomaquia, Atena atirou sobre os Gigas o Monte Etna, que fica na Sicília, para aprisioná-Ios. - Peraí, você disse Sicília? - pergunta Seiya. -Atena... Os invasores do Santuário, esses Gigas de que vocês estão falando, eles disseram que estavam levando a Yuuri para a Sicília. - Mas eu não entendo - neste momento, a voz da deusa carrega o peso de sua dor pelo que pode estar acontecendo a Yuuri. - Por que não me atacaram diretamente? - Estamos todos preocupados com a segurança de Yuuri, mas, antes de qualquer coisa, precisamos descobrir por que os Gigas estão de volta justo agora, eles que estavam aprisionados desde tempos imemoriais. - Vamos até a Sicília - diz Atena em um tom subitamente confiante. - Você quer ir pessoalmente, deusa?! Nunca permitiríamos uma coisa dessas. - Nikol... - a voz da jovem transborda compaixão. - Fico feliz que você se preocupe comigo, mas não posso abandonar meus Cavaleiros. Que espécie de mãe deixaria seus filhos para trás? A imagem da garota se referindo aos Guerreiros Sagrados como seus filhos é muito poética, e demonstra sua inabalável determinação em protegê-los. Uma deusa disposta a lutar por aqueles que ama. - É o seguinte...! - o tom mais alto de Seiya interrompe o momento solene. - Ainda não saquei qual é a desses Gigas aí, mas não dá pra ficar sentado aqui sabendo exatamente onde os caras estão. Eu vou até lá! - Eu também - concorda Shun. Ainda temendo pela segurança de Atena, Nikol decide tomar as rédeas da situação, usando sua autoridade como Mestre interino.
  • 42. 42 - Então vão os dois - e com isso a missão é oficialmente transferida a Seiya e Shun, que a aceitam com vigor. - O primeiro passo é investigar as forças inimigas - acrescenta Nikol. - Só então submeteremos a decisão ao juízo de Atena. -Mas... -Já está tudo decidido e providenciado, senhora. - completa, ignorando a tentativa de protesto da deusa. - Chegueeeei! - uma voz estridente do lado de fora. Kiki se junta aos outros na Sala do Mestre. - Bom trabalho, Kiki. - Nossa, senhor Nikol, você gosta de abusar da gente, hein? - diz o menino em seu tom infantil e animado. - Tudo bem que a Sicília fica a meros 800 quilômetros daqui, mas deu um trabalho danado atravessar duas vezes o Mar Iônico e a Península Italiana! - Você já foi e voltou da Sicília, Kiki? - Pois é! - Kiki lança uma piscadela para Seiya. - Você parece estar muito bem - diz Nikol, sorrindo. - Tem energia de sobra para reclamar... O teletransporte provoca um enorme cansaço espiritual, especialmente em uma jornada de ida e volta sem descanso como essa. - Eu pedi a Kiki que trouxesse um guia de lá. - explica Nikol. - E eu vou falar uma coisa, teletransportar alguém cansa duas vezes mais! - Kiki não pára de tagarelar, sentando-se no chão. - Não, cansa quatro vezes mais! - Um guia? - Seiya ainda está bastante confuso. - Vocês vão precisar de alguém para mostrar o caminho. - a resposta é dada por uma nova voz. - A Sicília é a maior ilha do Mediterrâneo. Você não quer ficar perdido por lá, né Seiya? O garoto recém-chegado fala com ironia e dá um tapinha no ombro de Seiya, demonstrando intimidade. Mas o Cavaleiro de Pégaso parece não ter a menor idéia de quem se trata. O “estranho” é uns 10 centímetros mais alto que ele e aparenta ser dois ou três anos mais velho. Tem uma tatuagem no braço e usa roupas esfarrapadas que poderiam pertencer a um
  • 43. menino de rua. Seu cabelo comprido e tingido de prateado está penteado para trás, fazendo com que sua expressão lembre a de um lobo. - Quem é você? - Ha! Ha! Não faz essa cara feia! Você continua igualzinho a quando era moleque, já vem querendo arrumar briga logo de cara. - O jovem caçoa de Seiya num tom amigável e nitidamente saudoso. - Quando eu era moleque...? Ei, você é o Mei! A constatação faz com que Seiya, Shun e até mesmo Atena voltem no tempo por alguns instantes. A presença do amigo de infância traz lembranças antigas que iluminam e transformam o rosto de todos. A encarnação da deusa, tão imponente até há pouco, parece se tornar a garotinha de poucos anos atrás. - É você mesmo, Mei? - Você continua o mesmo, Seiya. E você, Shun, nossa, como você era chorão! E... - o jovem de cabelos prateados fica mais sério ao se virar na direção de Atena. - É um enorme prazer reencontrá-la, Senhorita Saori.
  • 45. 1 - Nem acredito que você está vivo, Mei! - diz, retornando seu lugar no avião depois de ter ido buscar algo para beber. Estamos em pleno vôo. Este avião não tem janelas, nem poltronas. Os assentos são lonas esticadas, suspensas por tubos fixos nos dois lados da cabine. O espaço é apertado: se Seiya estivesse sentado de frente para os amigos, estaria praticamente batendo seus joelhos nos deles. Pela decoração, parece mais uma aeronave militar do que um avião de passageiros. - Não tem nada que ficar surpreso não, cara. Você e o Shun não estão vivos? O mais normal era mesmo eu sobreviver. - Normal, você? Aaiii! - grita Seiya quando Mei aperta com alguma força o punho contra sua bochecha. - Pensa bem, Seiya! Alguma vez você já ganhou de mim numa briga? - Isso foi quando eu tinha 7 anos! Você é dois anos mais velho, e naquela idade isso faz muita diferença! - Ha! Mas você continua sendo um pirralho. Shun não resiste e dá uma risadinha ao ver a cara emburrada de Seiya. Os dois Cavaleiros estão usando seus trajes sagrados, e levam as caixas de Pégaso e Andrômeda no compartimento de carga, na traseira da aeronave. Trata-se de um Tiltrotor, com capacidade para cerca de dez passageiros. Suas asas possuem rotores móveis, e do lado de fora lê-se a inscrição “Fundação Graad”. Falta menos de meia hora para o pouso na Sicília. - Só que se eu chamasse vocês pra briga hoje em dia ia perder com certeza. Mesmo do Shun, que vivia chorando... Vocês agora são Cavaleiros. Eu não consegui.
  • 46. 46 - Não conseguiu? - Eu sobrevivi, mas não recebi a armadura - continua Mei, num tom ligeiramente sarcástico. - Não passo de um soldado raso. Uma estrela anã - e então, olhando de relance para Shun, de um jeito surpreendentemente sério: - Quantos...? - pergunta, cabisbaixo - Quantos sobreviveram? - Dez. - Com você, onze. - diz Shun, bem baixinho. - Nossa, só dez... Neste ponto se faz necessário interromper a nossa história e fazer uma pequena jornada ao passado. As lutas travadas entre Atena e outros deuses pela posse da Terra são as chamadas “Guerras Santas”. A última desse tipo aconteceu pouco mais de dez anos atrás, quando a nova reencarnação de Atena desceu sobre o Santuário. A deusa era apenas um bebê, e de cara teve que enfrentar um ataque. A sombra do Mal dominou a Região Sagrada quando Saga de Gêmeos, um dos Cavaleiros de Ouro, foi tomado por sentimentos perversos, querendo se tornar o senhor da Terra. Possuído pela ambição, Saga assassinou secretamente o Mestre daquela época, voltando-se depois contra a indefesa Atena. Felizmente, o Cavaleiro de Ouro Aiolos de Sagitário conseguiu salvar a deusa antes que ela se tornasse vítima da lâmina afiada de Saga. Atena foi confiada a um senhor chamado Mitsumasa Kido, que a levou para o distante Japão, batizou-a de Saori Kido e a criou como sua neta. Mitsumasa Kido, criador da Fundação Graad, era um dos homens mais ricos e poderosos do mundo. Depois de colocar Atena sob sua proteção, Kido ofereceu os cem filhos que tivera com amantes em sacrifício, pedindo em troca que fossem consagrados como Cavaleiros da deusa e retornassem com as Armaduras Sagradas. O velho jamais reconheceu a paternidade desses meninos, tratando-os como órfãos e lançando-os à própria sorte pelos quatro cantos da Terra. As táticas de treinamento nas artes de combate de Atena superam o absurdo. Fraquejar é sinônimo de morte na busca
  • 47. de se juntar aos mais poderosos guerreiros da Terra. Os aspirantes foram submetidos a florestas povoadas de animais selvagens, desertos impiedosos, montanhas onde respirar é um suplício, planícies gélidas onde o frio leva uma pessoa à morte em menos de cinco minutos, ilhas vulcânicas com calor infernal e gases tóxicos. Praticamente todos os filhos de Mitsumasa Kido morreram nesse processo, enviados ao inferno pelo próprio pai. Apenas dez deles conseguiram completar esse treinamento extremo e, eleitos pelas Constelaçôes, retornaram milagrosamente com os trajes sagrados. Entre esses poucos estão Seiya e Shun. Não há espaço aqui para descrever em detalhes o conflito que aconteceu no Santuário e ficou conhecido como “a Revolta de Saga”. O leitor interessado pode procurar se informar numa biblioteca, onde certamente encontrará registros dessa série de batalhas. Foram treze anos, desde o encontro do herói Aiolos com o velho Kido, passando pelo Despertar de Atena (Saori Kido) e culminando na derrota de Saga, quando finalmente a deusa conseguiu retornar à Região Sagrada. Entre os aspectos mais dramáticos desse período está a descoberta, por parte dos dez órfãos sobreviventes, de que a neta do velho Kido, a quem alguns chegaram a odiar, era na verdade a deusa Atena. Ou a consciência de que seu pai os oferecera em sacrifício para criar os Santos Guerreiros que viriam a defendê-la. Ao reconhecerem Saori como a verdadeira Atena, Seiya e seus companheiros conseguiram superar a própria infância infeliz e, o mais importante, derrotaram o maligno Saga, tirando o Santuário de seu poder. Não podemos esquecer que é a custo de inúmeros sacrifícios e incontáveis perdas, e graças ao grandioso amor de Atena, que a paz na Terra vem sendo preservada. - Seiya, você foi mandado para a Grécia, certo? E Shun. você foi para... a ilha de Andrômeda, é isso? - E você foi parar na Sicilia.
  • 48. 48 - Isso. Mas eu não fui chamado de volta pela Fundação Graad depois do treinamento. O que eles disseram que tinha acontecido comigo? - Acho que fizeram um atestado de óbito em seu nome. Quem quer ser Cavaleiro tem que conquistar a Armadura de qualquer jeito. As outras alternativas são fugir, morrer, ou viver totalmente isolado, como um soldado anônimo. - Sei, entendi - os olhos de Mei parecem perder-se no vazio. - Meu mestre foi morto na Revolta de Saga e eu não tinha ninguém para me treinar. - O jovem faz uma breve pausa para respirar. - Acabei ficando na Sicília, servindo como uma espécie de espião do Santuário. O que hoje eles chamam de “agente operacional de campo”, eu acho. - O mais importante é que você está vivo, Mei. Cara, eu estou muito feliz com isso, de verdade. - Valeu. A empatia que os três meninos sentem um pelo outro tem raízes ainda mais profundas que a camaradagem conquistada por terem sobrevivido ao treinamento para se tornarem Cavaleiros. Apesar de terem mães diferentes, são todos irmãos. - Você sabia sobre o nosso pai? - pergunta Shun, cuidadosamente. - Eu sempre soube. Desde quando estava num dos orfanatos da Fundação Graad. - Mei continua, agora abrindo um sorriso. - Mas que a senhorita Saori era a reencarnação viva da Atena, isso eu não sabia! - completa, soltando uma risada insolente. - Nossa, essa aí pegou todo mundo de surpresa! - Olha o respeito, Seiya - diz Shun, num tom bastante sério. - Até parece, Shun! Fala sério, você lembra muito bem que ela era uma menina mimada, arrogante e cheia das vontades! De fato, a Saori Kido de hoje é a imagem perfeita da grande deusa Atena, símbolo de amor e confiança absolutos, mas ela não foi sempre assim. Quando criança, chamava a atenção apenas pela beleza física, causando impressão de
  • 49. grande soberba. O Despertar da Vontade deAtena só aconteceu depois de seu desenvolvimento físico. Antes disso, para órfãos como Seiya e os outros, Saori - que recebia amor e mimo de Mitsumasa Kido - não passava de alvo de ciúme e de rancor. - Não foi com você, Seiya, aquela história do “seja o meu cavalo”? - Se liga, foi o Jabu! Nem se ela me chicoteasse eu fingiria que era um cavalo! - Jabu... É, eu lembro de um cara com esse nome... - Mei está cabisbaixo, os olhos virados na direção dos braços, dobrados sobre os joelhos. Só depois de fazer uma pequena pausa, cria coragem para fazer a pergunta mais difícil: - Quem são os outros oito que sobreviveram? - Você não sabe? - Eu nunca saí da Sicília, não sei quase nada sobre os Cavaleiros do Santuário. Eu nem sabia que vocês estavam bem até nos encontrarmos agora há pouco. De fato, nem todos têm acesso ao nome dos Cavaleiros. É uma espécie de segredo militar, como muitas das informações sobre a Região Sagrada. Soldados de hierarquia inferior, como Mei, em geral conhecem um número mínimo de Cavaleiros. Shun diz os nomes dos seus irmãos sobreviventes, um por um: - Shiryu, Hyoga, Ikki. - O seu irmão? - pergunta Mei, lembrando que Ikki é irmão de pai e de mãe de Shun - e também que os dois não são nada parecidos em termos de temperamento, muito pelo contrário: enquanto Shun tem maneiras delicadas, chegando a lembrar uma menina, Ikki é o seu oposto perfeito, um rapaz bruto e durão, grande apreciador de artes marciais. Mei se emociona com a lista de Cavaleiros sobreviventes. Consegue se lembrar direitinho do rosto de cada um deles. - ... e o Jabu. Dez no total - é Seiya quem conclui a contagem. - Qual é a estrela dele? - Unicórnio.
  • 50. 50 - Haha! - Mei não consegue conter o riso. - Não é perfeito? - concorda Seiya. - Com certeza! Unicórnio é o bicho que só aceita ser cavalgado por donzelas, né? E aquele cara sempre ficava abanando o rabo para a Saori, até corria pra brincar de cavalinho com ela. - E continua o mesmo até hoje. Não mudou nadinha. - Nem vocês - completa Mei - Conseguiram virar Cavaleiros, mas não mudaram nem um pouco! - Nem você, Mei - confirma Shun. - O Jabu está na Argélia - conta Seiya. - O Shiryu está nos Cinco Picos Antigos de Rozan, na China, e o Hyoga, na Sibéria Oriental. A maioria dos outros também continua cumprindo seu papel de Cavaleiro nos lugares onde foram treinados. - Só não conseguimos descobrir onde está o meu irmão Ikki. - Bom, desde moleque ele gosta de bancar o lobo solitário... Neste momento, o alto-falante anuncia que já estão sobrevoando espaço aéreo siciliano. O vôo da Grécia até ali foi curto demais para matar saudades. Seiya e Shun correm em direção a suas armaduras, enquanto Nikol, que não participou da conversa por estar pilotando o avião, anuncia secamente: - Vamos abrir a porta traseira e diminuir a altitude. Vocês três vão pular. - É brincadeira, né? - Seiya faz uma careta. Mas a coisa é séria: - Este bichinho bebe muito combustível a cada aterrissagem e decolagem - explica Nikol. - Temos medo de que não tenhamos o suficiente para voltar ao Santuário. - Mas você só pensa em si mesmo, Nikol? Quem vai garantir a nossa segurança? - resmunga Seiya. Talvez o leitor esteja surpreso como que um Cavaleiro como Nikol, da Constelação de Altar, seja capaz de pilotar uma aeronave de tecnologia avançada como este Tiltrotor. Mas, embora os Guerreiros de Atena sejam entidades
  • 51. completamente isoladas do cotidiano mundano, isso não significa que não se relacionem com ele. Sua missão não é proteger um universo fantasioso de conto de fadas, e sim o planeta onde vivemos. Os Cavaleiros também são mutantes, assim como o céu e a Terra, e evoluem com eles. Mais conformado com a idéia de mergulhar no vazio, Seiya avança com Shun para a porta traseira, que está aberta e deixa entrar na cabine intensas correntes de ar. Estão a dez metros do chão, por isso não adiantaria tentar usar pára- quedas. - Prontos? - pergunta Mei, sua voz abafada pelo som do vento cortante, e então: - Fui! - e salta do avião. - Que Atena os proteja. - diz Nikol, enquanto Seiya e Shun se atiram atrás de Mei no escuro mar da Sicília.
  • 52. 52 2 Se pensarmos na Península Italiana com seu formato de bota, a ilha de Sicília fica a poucos quilômetros do bico do sapato, separada do continente pelo Estreito de Messina. É uma localização privilegiada no Mar Mediterrâneo: do seu extremo oeste, é possível enxergar o continente africano. Essa é a maior ilha da região, com mais ou menos a mesma área do estado de Sergipe, no Brasil. Seu formato triangular lhe valeu a alcunha Trinacria (“ilha de três pontas”). A Sicília tem clima ameno e solo fértil, o que, juntamente com sua posição estratégica no mapa europeu, fez com que fosse objeto de inúmeras disputas e guerras ao longo da história. Na Antigüidade, prosperavam aqui colônias gregas. Anos mais tarde, a região ficou conhecida como “Celeiro de Roma”, Depois houve as invasões bárbaras e a dominação pelo Império Bizantino. Na Idade Média, a ilha foi conquistada por árabes vindos da África, e, no século XI, os normandos, descendentes de vikings nórdicos, aliaram-se às forças islâmicas para estabelecer o Reino da Sicília, que em certo ponto chegou até mesmo a dominar o sul da Itália. O trono siciliano passou por várias famílias e tradições monárquicas: o Sacro Império Romano Germânico; a casa deAnjou,francesa;osdeArasão,espanhóis;eadeHabsburgo. No século XIX fundiu-se à região Nápoles, tendo origem o que ficou conhecido como “O Reino das Duas Sicílias”. Finalmente, em 1861, a Sicília foi anexada à Itália, país do qual ainda faz parte nos dias de hoje, apesar de sua cultura e trajetória histórica completamente independentes. Habitada por povos de múltiplas origens e línguas, a Sicília é diversificada, colorida, e freqüentemente complexa
  • 53. como um mosaico. Seu próprio nome já teve inúmeras variações, como Siquéria, adotado quando era uma colônia grega, ou Siquília, na época da dominação romana. Da mesma forma, a cidade de Siracusa, ao sudeste da ilha e famosa por ser a terra de Arquimedes, recebeu diferentes denominações ao longo de sua história, como surakusai, Siragosa, Siracuza. A arquitetura siciliana é um de seus grandes destaques, uma combinação harmoniosa das culturas mediterrâneas medievais - bizantina, islâmica e gótica - e do casario barroco, adotado a partir da Idade Moderna. Ao mesmo tempo, poucos lugares conservam tantos traços da Grécia Antiga. Espalham- se pela ilha ruínas de monumentos erguidos em honra aos deuses do Olimpo, como os templos encontrados no vale de Agrigento, além de inúmeros e grandiosos teatros e arenas. Vários episódios da mitologia grega têm a Sicília como cenário, como a já mencionada Gigantomaquia. Por exemplo, diz a lenda que Odisseu, um dos maiores heróis dos poemas épicos gregos, travou uma batalha dificílima com o monstro marinho Scylla bem aqui no estreito de Messina. - O que vem à sua mente quando ouve falar na Sicília? - pergunta Mei. Os amigos se refugiaram em uma ilhota pequena e escura, de onde Mei observa o antigo teatro de Taormina. Chegaram ali nadando depois do arriscado salto: o que seria suicídio para as pessoas comuns não era nada se comparado ao treinamento a que os três tinham se submetido para se tornarem Cavaleiros. Seiya pensa um pouco e diz: - Máfia. - Por causa de O Poderoso Chefão, né? - brinca Mei. - Na verdade esse assunto é tabu por aqui! Mas a Sicilia é muito mais segura do que o continente, sabia? Taormina fica na costa leste da ilha, com população de cerca de 10 mil habitantes. Incrustada em um declive no Monte Tauro, a 400 metros de altitude, a cidade tem uma magnífica vista para o mar. Sua beleza natural já lhe valeu inclusão como cenário de muitos filmes, e fez da região um centro turístico mundialmente famoso.
  • 54. 54 A área urbana de Taormina é antiga e, como acontece com muitas cidades européias, predominam calçadas e ruas estreitas. O calçamento é todo feito de pedra e cheio de degraus, completamente inadequado para os automóveis de hoje em dia, e praticamente não existem estacionamentos ali. Da estrada número 114, à beira-mar, partem gôndolas levando turistas que visitam a cidade. - Tem uma frase legal sobre a Sicília - conta Mei -, “Nas terras ocupadas pelas oliveiras e pelos deuses do Olimpo, podem nascer estúpidos e gênios, mas jamais verdadeiros criminosos”. É algo que o meu falecido mestre dizia. - Olha... Mei. Nós não viemos aqui fazer turismo - suspira Shun. - Eu sei, cara. Os Cavaleiros foram mandados para a Sicília depois do ataque ao Santuário, mas não têm idéia do paradeiro dos invasores. - Você sabe onde podemos encontrar esses Gigas? - Shun, se eu não soubesse, não teria sido chamado à Região Sagrada. Não um mero soldado raso como eu - Mei aponta na direção da fachada do teatro. Através da parede de arcos é possível ver o Mar Iônico à esquerda e Taormina à direita, separados pela faixa litorânea que se estende na direção sudoeste. Ainda mais adiante nesta espetacular paisagem está uma montanha que passa impressão de intensa personalidade. - O Monte Etna - sussurra Shun. Trata-se do maior vulcão ativo de toda a Europa, com 3.340 metros de altura. Por suas muitas erupções e grande quantidade de lava derramada, o monte tem um aclive muito suave e não exageradamente inclinado. Do seu cume brota uma intensa fumaça cinzenta. - Segundo as lendas gregas - explica Mei - os Gigas soterrados por Atena sob o Etna sofrem tanto que cospem chamas e fumaça. - Nossa, como está escuro - interrompe Seiya. - Já era para ter amanhecido, ou não? O Sol é pouco mais do que um círculo apagado no céu,
  • 55. e toda a ilha está coberta por uma espécie de meia-luz. Apesar de estarmos no auge do verão, não tem quase ninguém em Taormina, e o lugar parece mais uma cidade fantasma. - O Etna está numa fase de intensa atividade, eu vi na TV - explica Mei. - A terra treme a toda hora, o aeroporto está fechado por causa das cinzas vulcânicas e a corrente de lava já chegou à beira da cidade, que declarou estado de emergência. Isso explica por que Taormina está tão deserta neste verão, sendo que normalmente é um agitadíssimo centro turístico. - A população foi evacuada da área? - Exatamente. Normalmente poderíamos subir uma parte do Etna de carro, mas hoje as estradas estão bloqueadas pelo Exército. - Droga - reclama Seiya, coçando a cabeça. - Então a gente vai ter que ir a pé. - Primeiro, um banho de mar. Agora, caminhada pela montanha. Suas férias de verão estão ficando completas, Seiya! - brinca Mei. - É até melhor... Podemos agir sem termos que nos preocupar com os moradores ou turistas. - Se os Gigas realmente estão de volta, a primeira coisa é verificar se os laços de Atena estão atados. - Como, aliás, o senhor Nikol ordenou. - Segundo o meu mestre - diz Mei, com o olhar na direção da cratera - os laços de Atena estão nas profundezas do Etna. - Falou! Então vamos? - mas, antes que Shun e Mei possam responder... - Bem-vindos, cachorros de Atena! Com o susto, os garotos se levantam em posição de alerta. Sombras saltam de diferentes pontos do teatro a céu aberto. - Preciso parabenizá-lo por ter vindo tão rápido ao encontro da morte, Pégaso! - Ágrios! - Seiya reconhece o gigante com quem lutou no Santuário. E ele não está sozinho. - Só mandaram três pessoas? Os Cavaleiros devem estar
  • 56. 56 com falta de pessoal. - E esses menininhos ainda! Mamãe mandou fazer compras, foi? Quirrirri... No palco estão Ágrios, “a força brutal”; Toas, “o relâmpago célere”, e Pallas, “o parvo”, armado com as “garras marionetes”. Seus trajes de Adamas refletem um brilho turvo sob o céu escurecido. - Shun, são Gigas que invadiram o Santuário ontem! - mais uma vez Seiya é interrompido, agora por uma nova presença que surge do poço no centro do palco. - O quê? Argh, que cheiro horrível! - Seiya cobre sua boca instintivamente, sentindo uma terrível ânsia de vômito. É como se estivessem empurrando seu rosto para dentro de um saco de carniça e excrementos. - Espera aí...! - diz Shun - Minha corrente está reagindo a esta presença... A corrente amarrada ao traje sagrado de Andrômeda treme como se tivesse sido atingida por um relâmpago. - É ele! É o cara que me atacou no teatro! A sombra do quarto Giga aparece de repente em meio a um redemoinho de fumaça negra. Seu vozeirão poderosíssimo reverbera na arena e faz com que todo o lugar trema com a vibração: - Meu nome é Encélado, o “brado de combate”.
  • 57. 3 Sou Encélado! o sumo sacerdote dos Gigas!- com isso, ondas vibratórias percorreram o ar, chocando-se contra as ruínas e causando várias explosões concêntricas. A força inacreditável dessa voz arremessa Seiya, Shun e Mei até o último degrau da arquibancada. - Que raio de voz é essa? Meu corpo está formigando... - Ele é o chefe dos Gigas? Neste momento, Mei é arremessado novamente, agora contra a parede, e seu corpo cai pesadamente no chão. - De onde está vindo essa pressão...? - pergunta o jovem, cuspindo uma mistura de saliva e sangue. Mei está particularmente vulnerável por não ter um traje sagrado para protegê-lo, como Shun e Seiya, que vestem as armaduras mais poderosas da Terra, feitas de uma liga de supermetais hoje desconhecidos da humanidade, como Oricalco, Gamanion e Poeira Estelar. - Onde está a vadia da Atena? - Encélado carrega uma bengala esculpida com imagens de monstros de terras desconhecidas. Seu rosto se esconde atrás de uma máscara com as feições de Orga, o demônio devorador de pessoas. Sua armadura de Adamas, ricamente adornada, tem cor amarelada, como um topázio eclipsado, e é comprida como uma batina de padre. - Aquela burra mandou Bronze para nos atacar! A hierarquia mais baixa! Pelo jeito, ela ainda não acredita que nós, os Gigas, retornamos! - Ei, pode xingar a gente, mas deixa a Atena fora disso! - Seiya sente o sangue subir à cabeça. - Há! Uma meretriz ordinária posando de protetora da Terra. E vocês são piores ainda, meros cachorrinhos dela! O Deus primordial que honramos nem sequer reconhece a sua
  • 58. 58 laia! - Encéfalo está claramente tentando irritar os Cavaleiros com essas ofensas. - Atena nos trancafiou nas profundezas do Vazio... Imperdoável! Agora queremos vingança! - o monstro continua seu jogo de provocações: - Arrancaremos as vestes de Atena e a humilharemos como uma filha comum de homens mortais! - Como pode... - mesmo o olhar de Shun, normalmente calmo e sereno, arma-se de uma forte animosidade. - Então os Gigas estão mesmo de volta... - diz Mei, levantando-se e limpando o sangue do rosto. - Isso significa que o Selo de Atena foi rompido! - Como conseguiram quebrar o selo da antiga Gigantomaquia? - O que vocês fizeram com a senhorita Yuuri? - Seiya faz a pergunta olhando fixamente para o sumo sacerdote dos Gigas. - Aquela criança...? - Quirrirri! Medíocre, medíocre, medíocre, medíocre, medíocre! Os pretensos protetores da Terra são meros covardes que se apavoram com uma refém? Faça-me rir - intromete-se Pallas, “o parvo”. - Não a matamos. Aquela criança está numa caverna subterrânea - Encélado aponta com a bengala para o Monte Etna. - Se querem salvá-Ia, é melhor que sejam rápidos. Mesmo sendo uma Amazona, logo morrerá se continuar aspirando aos gases venenosos do vulcão. Isso se as cavernas não forem para os ares em uma erupção. Mei percebe que não podem continuar ali, precisam ir em busca de Yuuri imediatamente: - Seiya, Shun! Sigam-me! É difícil dar as costas a Encélado depois de todas as provocações, mas esta luta tem que ficar para depois. Os meninos correm em direção ao Monte Etna, evitando a zona urbana de Taormina, numa velocidade tão incrível que não deixam nem sombras no chão. Mesmo sem poderes extra- sensoriais como o teletransporte, a agilidade e os saltos de um Cavaleiro são imensamente superiores aos de um ser humano comum.
  • 59. A cidade fica para trás rapidamente, dando lugar a colinas com plantações cercadas de muros de pedra e arbustos. Tudo ali está coberto por cinzas do vulcão. - Não tenham tanta pressa, garotos. - Para surpresa dos três, os Gigas os seguem de perto. - Mas como?! - pergunta-se Shun, enquanto Toas, “o relâmpago célere”, vem atrás dele, como uma sombra. Pallas, por sua vez, está na cola de Mei. - Ainda não terminamos a explicação... Se quiserem salvar aquela garota... - Nem precisa dizer. Precisamos derrotar vocês, não é?! - Você sabe conversar, garoto! - Ágrios, “a força brutal”, arranca em um só golpe uma enorme quantidade de terra, cavando assim uma vasta cratera. - Agora, o seu adversário, obviamente, serei eu, Pégaso! Seiya não está a fim de conversa e salta na direção dos Gigas. Se quiserem lutar agora, que sejam breves, para que possam finalmente salvar a senhorita Yuuri. O brilho dos trajes de Adamas é de um azul tenebroso. A pesada armadura, com cravos expostos por toda a sua superfície, sinaliza claramente a natureza agressiva das criaturas. Sob o elmo ornado com chifres, Ágrios encara Seiya com um sorriso malicioso. - Pois venha. - Meteoro de Pégaso! - o grito do Cavaleiro faz com que surja um ofuscante facho de luz. É o seu golpe mais poderoso. Nenhum oponente resiste em pé aos mais de cem socos por segundo, cada um com a força de Pégaso, caindo sobre seu corpo como uma chuva de estrelas cadentes... - É só isso? - Ágrios pergunta, sem se mostrar minimamente abalado pelo Meteoro de Pégaso. Cada vez mais fica claro que os Gigas despertaram para um poder equivalente ao dos Cavaleiros. O Adamas da armadura de Ágrios não tem sequer um arranhão. Seiya engole seco diante da dor aguda que atravessa seu punho. Por mais poderoso que seja, nenhum corpo consegue resistir ao soco de um Guerreiro sagrado - a essência
  • 60. 60 da destruição, capaz de romper átomos. A única forma de barrar um ataque como esse é com uma força igual ou superior à dos Cavaleiros. Estamos falando da força interior, o chamado Cosmo. - Eu senti na Região Sagrada - balbucia Seiya, erguendo os braços numa posição defensiva -, mas o Cosmo dele é ainda maior e mais agressivo do que eu imaginava. Neste momento, Ágrios se inclina para baixo, expirando vigorosamente. Coloca uma das mãos na terra, agachando- se. Seiya assiste horrorizado enquanto explosões internas de força fazem os músculos de aço do Giga se expandir ainda mais. - Sinta a diferença de forças entre os Cavaleiros... e os Gigas - Ágrios diz, antes de gritar: - Pressão de Penhascos! O Giga salta na direção de Seiya, chutando o chão para impulsionar seu impetuoso avanço. Seu golpe acerta em cheio o Cavaleiro, que só consegue soltar uma espécie de espasmo abafado.
  • 61. 4 De volta ao Santuário, na Sala do Mestre. Ao retornar da Sicília, Nikol de Altar encontra Saori Kido - ou seja, Atena - em pé, na mesma posição em que estava quando ele partiu. - Obrigada pelo seu empenho - diz a deusa. - Como estão Seiya e os outros? - Levei-os a salvo até a ilha - responde Nikol. - Estão verificando a integridade do Selo de Atena no Monte Etna. - Parece que o monte está em erupção, com muitos danos. - É verdade, deusa. - Será que não é muito perigoso? Fiquei sabendo que a população foi evacuada por causa da lava e dos gases vulcânicos. - Os Cavaleiros de Atena não temem nenhum perigo ou dificuldade. Além disso, a Fundação Graad já está trabalhando em conjunto com o Exército italiano. A região está isolada num raio de dez quilômetros, certamente não teremos distúrbios desnecessários. - Muito obrigada, Nikol. O senhor foi muito rápido e prestimoso. - É o papel do Mestre Substituto - agradece, curvando- se diante da garota. - Pediremos que Kiki nos traga notícias dos acontecimentos na Sicília. - Sinto muito - diz Atena, ligeiramente cabisbaixa. - Dei outras ordens a Kiki - e continua, depois de uma pausa: - Se os Gigas realmente retornaram, são inimigos terríveis. Por mais que Seiya e Shun sejam Guerreiros Sagrados de inúmeras batalhas, enfrentá-los sozinhos seria... - Compreendo - interrompe Nikol - Apenas gostaria que tivesse me consultado a respeito antes.
  • 62. 62 - Acho que sou sentimental demais. - diz a deusa - Não quero que ninguém se machuque... e com isso se derrama sempre o sangue de um grande número de Cavaleiros... Saori Kido pode parecer emotiva demais para ser uma divindade, mas é exatamente essa a “vontade” de Atena. - Justamente por serdes assim, Atena, é que nós, Cavaleiros, vos seguimos e vos protegemos - responde Nikol, com a mais absoluta sinceridade e lealdade. - Que as estrelas os protejam - Atena faz uma prece com seu grandioso Cosmo, desejando aos seus amados Cavaleiros um retorno rápido e seguro.
  • 63. 5 Não é fácil explicar em palavras a natureza do Cosmo, uma vez que se trata do Sétimo Sentido. Palavras são a própria expressão da sabedoria humana, e estamos lidando com algo completamente alheio à humanidade nos dias de hoje. O ser humano comum possui basicamente cinco sentidos: visão, audição, paladar, olfato e tato. Existe um sexto sentido, que costuma ser chamado de intuição ou capacidade de premonição, mas apenas aqueles considerados paranormais têm essa dimensão mais desenvolvida. Em um passado longínquo, todas as pessoas eram dotadas do Sétimo Sentido - estávamos na era dos mitos, quando ainda não havia fronteiras nítidas entre os deuses e ossereshumanos.Emboraestejapresenteaindahoje,deforma sutil, na própria fonte da vida na Terra, o desenvolvimento da civilização fez com que os homens acabassem perdendo essa maravilhosa capacidade. O Sétimo Sentido é a origem dos poderes sobre- humanos dos Cavaleiros de Atena. Através dele, os Guerreiros sagrados dominam a técnica de despedaçar átomos, sendo capazes de manipular, queimar e explodir a energia da origem da vida - e por isso são tão poderosos. É dessa incrível habilidade que nasce o Cosmo, uma força grandiosa e ímpar. No Monte Etna, as plantas da paisagem se tornam cada vez mais esparsas à medida que avançamos em direção ao cume do vulcão. Aqui terremotos ocorrem com freqüência. As encostas negras estão cobertas de cinzas, cascalhos, pedregulhos e pedaços de lava endurecidos. - Chega de brincar de pega-pega, garoto de Bronze -
  • 64. 64 Toas, “o relâmpago célere”, coloca-se à frente de Shun, bloqueando seu caminho. O Adamas de sua armadura é de malaquita escura, com pedras incrustadas que lembravam olhos esverdeados. O traje é estranhamente belo e elegante, contrastando com as formas agressivas dotadas de garras e cravos que adornam as armaduras dos demais Gigas. A expressão de Toas também é diferente da dos outros Gigas. Com longos cabelos pretos e pele extremamente branca, seu semblante se mantém geralmente sereno. Seu olhar, emoldurado por sobrancelhas marcantes e escuras, pode até mesmo ser considerado tranqüilo. Com certeza - e isso vale para todos os Gigas - sua aparência não lembra em nada a dos gigantes de pinturas inspiradas na mitologia grega, comumente retratados como assustadores demônios de cabelos brancos. - Este ser possui um Cosmo impressionante - pensa Shun, assustado. Os Cavaleiros se valem mais do Sétimo Sentido do que dos olhos, ouvidos, nariz, pele ou intuição. É através do Cosmo que sua sensibilidade alcança o ponto máximo. - Será que o Seiya e o Mei estão bem? - Preocupado com seus companheiros? - Toas lê os pensamentos de Shun com facilidade, usando principalmente o Sétimo Sentido. - Que tranqüilidade a sua, ficar pensando nos outros... - continua o gigante. - É melhor se preocupar primeiro com a própria vida. - Por que vocês estão provocando este conflito? São responsáveis também pela erupção do Monte Etna? - E se formos? - Muitas pessoas vivem aqui! As vítimas das batalhas são sempre pessoas que não têm como se defender. Por que querem destruir tantos inocentes? Querem conquistar a Terra? Toas responde com outra pergunta: - Rapaz, você está falando da Guerra Santa? - Sim, estou. - O esquecimento é o pior dos crimes, Santo Guerreiro de Atena. Você parece disposto a nos enfrentar sem mesmo saber o motivo. - Giga solta um riso maldoso e começa sua
  • 65. explicação tortuosa. - Antes da Gigantomaquia, antes de sermos exilados nas profundezas do além-Tártaro, já havia Atena na terra, Poseidon no mar e Hades no reino dos mortos. Mais poderoso que eles havia apenas Zeus, nos céus, e os deuses do Olimpo reinavam sobre os três mundos. Poseidon e Hades declararam guerra a Atena inúmeras vezes, como objetivo de dominar a terra... Vocês, Cavaleiros, expulsaram os inimigos e chamaram esses conflitos de Guerras Santas. - Os Cavaleiros sempre lutaram contra “vontades” malignas e viciadas para proteger o amor e a paz na Terra - Shun não entende aonde Toas quer chegar com tudo isso. - Sem dúvida, Atena é a guerreira protetora da terra, isso todos admitem. Agora me diga... quem Atena e os Cavaleiros defendem? - Os seres humanos. - responde Shun. - Tem razão. Os seres humanos, as pessoas da Terra. - faz uma pausa breve. - Rapaz, lute e me mate. - Como? - E eu lutarei, e o matarei. Arrancaremos a carne dos ossos um do outro. Basta sobreviver sugando o sangue do inimigo. Não precisa de pretextos edificantes e de linguagem difícil para se justificar. - O quê...? - Porém, lembre-se que seremos nós, os Gigas, os vencedores desta batalha. - depois disso, Toas atira o corpo de Shun pelo ar. O Cavaleiro cai no chão escorregadio de cascalho e cinza vulcânica, deslizando pela encosta. - O que aconteceu? - Shun está cada vez mais confuso. Simplesmente não percebeu o movimento do ataque de Toas. - Vou matá-Io. - Toas golpeia o Cavaleiro no pescoço antes que ele possa se levantar. Neste momento, um som estridente de metal reverbera enquanto faíscas saltam pelo ar. Toas recua, protegendo o pulso ferido na corrente de Shun, que agora rodeia o cavaleiro em uma espiral frenética que lembra um ciclone. - Essa corrente é uma excelente defesa, garoto. O leitor que conhece o mapa das constelações celestes deve saber que Andrômeda, que por sinal compartilha uma
  • 66. 66 estrela com a constelação de Pégaso, é representada por uma donzela com as mãos acorrentadas. Contam as lendas gregas que a rainha Cassiopéia da Etiópia provocara a ira de Poseidon, que passou a devastar o seu país com maremotos e inundações. O rei Cefeus consultou então um oráculo procurando uma forma de apaziguar o poderoso deus dos mares, e o oráculo lhe respondeu que devia oferecer ao grande Poseidon a princesa Andrômeda em sacrifício. Com isso, Cefeus ordenou que a princesa fosse acorrentada a um rochedo, na beira do mar. Andrômeda foi salva pelo herói Perseu, que a resgatou montado em seu cavalo Pégaso. Todos os personagens citados nessa história foram alçados ao céu e transformados em constelações. - Meu nome é Shun... Shun de Andrômeda. Não é “garoto”. - Ah, isso explica a corrente. Mesmo as flores mais frágeis se vestem de espinhos para se defender. Sua armadura acabou de salvar sua vida. - Lamento informar que a corrente de Andrômeda não é apenas para defesa. - o Cosmo interior de Shun aumenta a cada palavra. - Ela pode atravessar qualquer espaço para atacar um inimigo, não importa a quantos anos-luz esteja. Foi essa mesma corrente que suportou a pesada espada do Orestes mascarado na Acrópole. Ela atende à elevação do Cosmo daquele que a possui, rompendo o espaço por si só para protegê-lo. Os trajes sagrados dos Cavaleiros são mais do que armaduras feitas de supermetais. Eles possuem mistério divino, vida e vontade próprias. - Corrente de Andrômeda! - lançada ao chão, a corrente se arrasta pelo solo vulcânico, levantando as cinzas e formando um redemoinho brilhante. - Esta é a minha Nebulosa de Andrômeda - explica Shun. A imagem da galáxia formada na penumbra da montanha amplia infinitamente seu alcance, com poder proveniente de uma dimensão desconhecida. - De fato, não podemos menosprezar Cavaleiros com o traje sagrado - apesar de toda a demonstração de força de
  • 67. Shun, Toas mantém um tom misteriosamente calmo e em nenhum momento assume qualquer posição de combate. - Melhor assim. É preciso que seja assim! Do contrário, não haveria razão para trazê-los até o Etna... Jovem e belo Andrômeda, mostre seu Cosmo para Toas, o “relâmpago célere”. - Nós realmente precisamos lutar? - como sempre, Shun resiste ao combate. - Ou você me mata, ou eu mato você. Forças internas estalam. Os Cosmos de Shun e Toas se chocam com violência na luta, envolvendo a corrente de Andrômeda.
  • 68. 68 6 Ao recuperar os sentidos, Yuuri de Sextante não tem idéia de onde esteja. Sente-se tonta, com uma dor aguda na cabeça, e tem uma tremenda dificuldade de respirar. É como se seus pulmões estivessem queimando. -... É gás? - pergunta-se, baixinho. De fato, o interior da caverna está repleto de gases vulcânicos com um acentuado odor de enxofre. Ao tentar levar as mãos ao rosto para cobrir a boca, Yuuri percebe que seus braços estão acorrentados a uma rocha. Normalmente ela não teria dificuldade alguma em romper essas correntes de ferro, mas seu corpo está entorpecido, talvez por efeito dos gases. Yuuri olha ao seu redor, voltando a si gradativamente. Não sabe onde está, mas percebe que é uma espécie de gruta. Apesar de não encontrar em seu campo de visão nenhuma tocha ou fonte de luz, consegue enxergar claramente dentro da caverna. “Por que não está escuro aqui?”, pensa a garota. - Porque esta é a Terra Santa dos Gigas - a voz faz com que Yuuri estremeça de pavor, como se fosse uma mulher comum. Volta seu olhar na direção dela: um demônio. Não, uma máscara. Um homem vestindo uma máscara diabólica como um Ouga. É Encélado, “o brado de combate”, em sua longa armadura, que tem o brilho dourado do topázio, e ele observa atentamente sua prisioneira. - Quem é você? Onde estamos? - Yuuri se esforça para aparentar tranqüilidade e firmeza, mas está seriamente transtornada. Sendo uma Amazona, não se assustaria com a fachada rasteira de uma máscra: consegue reconhecer e identificar com precisão o incrível poder do inimigo.
  • 69. - Da mesma forma que Atena tem o seu Santuário, nós temos esta terra, protegida pela vontade do Deus dos Gigas. - Gigas...? - Yuuri mal consegue falar e nem sequer tem certeza de que sua pronúncia é inteligível. Até seus lábios estão entorpecidos. Vasculhando seus conhecimentos de Oficiante auxiliar, lembra-se de que os Gigas são seres malignos de morada desconhecida, exilados por Atena na longínqua Gigantomaquia. É a história de uma guerra distante, da qual praticamente não restam registros, nem mesmo no próprio Santuário. Mais uma vez Yuuri olha ao seu redor, sem entender de onde vem a sutil luminosidade do ambiente. Seria a própria rocha brilhando como uma parede luminosa, ou estaria o ar saturado de partículas de luz? De qualquer forma, não é uma luz compreensível pela lógica humana. Certamente está em uma região sagrada, mas a vontade que a preenche é de natureza completamente diferente da de Atena. - O que você pretende me raptando? - pergunta, tossindo. Também não entende como o gigante à sua frente pode estar imune ao efeito dos gases. Lembra-se de que as máscaras das Amazonas têm efeito neutralizador de tóxicos, talvez a máscara de Orga tenha a mesma função. Só então Yuuri se lembra de que sua máscara foi quebrada na luta no Observatório. Seu rosto está exposto, desprotegido. Para uma Amazona, estar sem máscara é como estar nua. - Os Cavaleiros têm uns dogmas esquisitos - diz Encélado, demonstrando que pode ler os pensamentos de Yuuri. - As Amazonas usam máscaras para abandonar sua feminilidade - continua, erguendo com sua bengala o queixo da jovem, forçando-a a olhar para a frente, o que faz com que o espírito dela seja invadido por humilhação e constrangimento. - Você é uma presa, uma isca, um chamariz. Este será o túmulo dos Cavaleiros. Mesmo estando enfraquecida, Yuuri não consegue conter o riso. - Eu sou sua refém? O que o faz pensar que uma reles Amazona de Bronze como eu teria tanto valor?
  • 70. 70 - Não acho que tenha valor algum. Mas Atena não pensa assim. Dizem que seu espírito se contorce de dor cada vez que há uma chance dos seus protetores se ferirem. A prova é que ela enviou Cavaleiros aqui ao Etna para salvá-Ia. - O quê? - Yuuri não entende por que o Oficiante-mor Nikol colocou outros defensores de Atena em perigo. Em contraste com sua atitude pacata no dia-a-dia, quando se trata de zelar pela proteção da deusa, Nikol é severo e totalmente insensível às necessidades individuais dos Cavaleiros e Amazonas. “Isso quer dizer duas coisas”, conclui, em pensamento. “Que esta situação é muito séria, e que, mais uma vez, Atena agiu de acordo com seu enorme coração.” - Sim, com seu enorme coração a sua deusa mandou os Cavaleiros para a morte nas mãos dos Guerreiros Gigas. Hahaha! - Encélado solta uma gargalhada terrível. - Você não pode ser um Giga, um daqueles monstros que cultuavam deuses viciados do passado... - antes que conseguisse terminar, Yuuri é atingida no rosto pela bengala do gigante, cortando o interior de sua boca. - Como ousa chamar meu deus de viciado? - diz, puxando a Amazona pelos cabelos prateados. - Comporte-se, cadela de Atena! Estamos diante da presença divina. Um palpitar. Yuuri consegue sentir o ritmo de um coração batendo. Seu Sétimo Sentido lhe diz que, muito além desta caverna, nos confins perdidos do vão entre Gaita e Tártaro, um Cosmo de escalas nunca antes imaginadas está em gestação. Em algum templo subterrâneo está sendo nutrido um mal de dimensões desconhecidas. - Quando ele ressurgir sobre a Terra, não teremos motivos para ter medo de Atena! - Encélado parece satisfeito pelo fato de a Amazona perceber o poder divino. - Um deus maligno do passado...? - são as últimas palavras de Yuuri. O golpe da bengala diabólica a atinge com um som surdo. AAmazona desmaia, com os cabelos e o quitam manchados de sangue.
  • 71.
  • 73. 1 Terremotos fazem a ilha tremer de forma assustadora, como se estivessem expressando o ódio acumulado dos Gigas sob o Etna. Seiya está soterrado sob cinzas recentes que cobrem a encosta do vulcão. Foi arremessado contra a lateral da montanha pelo impacto do corpo de Ágrios, “a força brutal”. O sangue que escorre de sua testa é absorvido rapidamente pelo solo esponjoso. - Como é incrível o poder dos Gigas - pensa o Cavaleiro, percebendo uma fissura em sua armadura de Pégaso, na altura do peito. - Pelo jeito a história de que quase todos os Cavaleiros foram derrotados não é balela, não... Seiya sabe que só alguém capaz de exteriorizar o seu Cosmo, alguém que domine uma técnica de luta capaz de quebrar átomos, seria capaz de afetar seu traje sagrado, mais resistente que qualquer metal do universo. - Olha só aonde você veio parar, Pégaso. - Ágrios se aproxima do garoto em sua Adamas azul, pisando nas cinzas, lentamente. - Se não tivesse batido na montanha, você teria cruzado o Mediterrâneo até a África. - Mas que exagero - diz Seiya, erguendo-se. Seu rosto está cheio de fuligem. - Ainda consegue falar asneiras depois de receber a Pressão de Penhascos? Estou impressionado. Seiya e Ágrios se encaram sobre o declive escorregadio, a dez metros um do outro. Enquanto nenhum ataque de luta ou artes marciais poderia ser travado a essa distância, para os Cavaleiros, que lutam a velocidades supersônicas, esse é um espaço mínimo. - Meteoro!
  • 74. 74 - É inútil! - sorri Ágrios, enquanto os dois se cruzam no ar, envoltos em ondas de impacto. - Para mim, isso é como uma picada de pernilongo. De fato, mesmo atingido por centenas de meteoros, o Giga não esboça qualquer reação, permanecendo praticamente imóvel o tempo todo. - Como é que pode?! - pensa Seiya, perplexo. - Por mais que o Adamas seja resistente, não existe nada que não possa ser destruído por... - Você não tem como me vencer - diz o gigante, interrompendo os pensamentos do Cavaleiro. - Conforme-se com a derrota, Pégaso. É o fim! Mais uma vez, Ágrios toca o chão com uma de suas mãos, curvando-se para ganhar impulso. Para esse temível gigante, artimanhas técnicas são desnecessárias. Basta-lhe lançar sobre o oponente sua duríssima armadura e o peso sobre-humano de seu corpo. - Pressão de Penhascos! O chão parece explodir com o avanço de Ágrios, erguendo uma enorme coluna de cinzas. Seiya não consegue se desviar e o gigante agarra seus pés como num jogo de futebol americano, jogando o Cavaleiro no chão com todo o peso de seu corpo e uma velocidade avassaladora. - Ah! - Seiya cospe involuntariamente um jato de sangue, formando uma espécie de neblina avermelhada no ar. Sua nuca atinge o solo com um baque surdo. Ágrios contempla por alguns segundos a eficácia de seu golpe, soltando então lentamente o corpo imóvel de Seiya, com uma expressão satisfeita de trabalho cumprido. - Será que quebrei todos os ossos? - pergunta-se, olhando com desprezo para Seiya, que está praticamente soterrado nas cinzas, muito mais machucado do que quando foi arremessado pelo gigante agora há pouco. O corpo do garoto absorveu toda a energia destrutiva da armadura e da impressionante massa corpórea de Ágrios. - Poderia matá-lo se quisesse - continua, erguendo com uma só mão o corpo de Seiya, já envolto nas cinzas que se acumulam incansavelmente. - Mas aí não haveria sentido em
  • 75. atrair os Cavaleiros para o Etna. Sem falar que, se eu o matasse, teria que escutar os maçantes sermões de Toas e do Mestre Encélado. Então, me faz um favor? - sua voz se enche de um sarcasmo maldoso. - Fica vivo só mais um pouco. Depois que o nosso assunto acabar, eu termino de matar você, certo? Um facho de luz se espalha pelo ar repentinamente. Ágrios é pego de surpresa pelo chute meteoro de Seiya, que até agora parecia moribundo. Os inimigos voltam a abrir distância entre si, enquanto um vento forte arrasta as cinzas no chão. - Se liga! Fica falando coisa sem nexo aí... - provoca o Cavaleiro. - Moleque! - Ágrios treme de raiva, ainda cambaleando um pouco por causa do golpe. - Você está pedindo isso! - seu elmo de Adamas foi arrancado, revelando um rosto de traços altivos e marcantes, que contrasta com suas maneiras grosseiras. - Perdeu a cabeça junto com a máscara, é? - continua Seiya. - Acontece que eu também perdi a paciência com você. - É este o Cosmo de Pégaso? - o gigante parece se dar conta pela primeira vez do enorme poder do Cavaleiro. - Não vou morrer num lugar destes - diz Seiya. - Me levanto toda vez que cair! E no final vou derrotar você. - Já disse para não empinar demais o nariz! - uma terceira vez Ágrios encosta a mão no chão, gritando, enquanto seus olhos transbordando de ódio encaram Seiya fixamente: - Queime meu Cosmo... Queime! Pressão de Penhascos! E novamente o solo parece explodir. Os dois colidem em pleno ar com um som pesado, que põe fim ao movimento. Uma quantidade tremenda de sangue tinge o chão coberto de cinzas. Ágrios tem um enorme corte na testa e geme de dor com sua voz gutural. - Um Cavaleiro nunca recebe o mesmo golpe duas vezes - diz Seiya, interceptando com o joelho mais uma tentativa de ataque do gigante. - Agora você enxergou o Pressão de Penhascos? - O meu Cosmo me mostrou. Seiya suspende pelas costas o corpo cambaleante de Ágrios. Seu Cosmo provoca uma explosão avassaladora,
  • 76. 76 projetando o garoto em um salto, quase um vôo no céu, levando consigo o Giga num fluxo ardente de sangue. - Não é possível... O meu corpo enorme? Um reles Cavaleiro...! De posse da aura alada de Pégaso, Seiya mergulha na direção da terra, fazendo com que o inimigo caia de cabeça no chão. - Turbilhão de Pégaso! - com isso uma estrela colossal cai dos céus. O impacto estremece a terra com força comparável à do choque de um asteróide, abrindo uma enorme cratera na montanha. A figura de Seiya emerge da nuvem de cinzas gigantesca. O Cavaleiro cambaleia ligeiramente e dobra o joelho. “Essa foi por pouco”, diz para si mesmo. Seiya está em um estado de excitação tamanho que não sabe se ri ou cai para trás de susto. Ele tem consciência de que não teria vencido a luta se não tivesse arriscado a própria vida. Ter a habilidade de dominar a essência da destruição significa que cada batalha de um Cavaleiro contra um oponente à sua altura é uma visita ao domínio da morte. Seiya não sente mais o Cosmo de Ágrios, até pouco tempo atrás tão agressivo e brutal. - Cadê o Shun? E o Mei...? - Ainda se movendo com dificuldade, parte em busca do Cosmo de seus companheiros.
  • 77. 2 Acorrente estelar treme na penumbra, formando uma galáxia espiralada. - Esta é a minha Nebulosa de Andrômeda - repete Shun, envolto pela barreira intransponível. - Agora você não tem mais como se aproximar sequer um passo de mim diz, encarando Toas, o “relâmpago célere”. A arma se movimenta com vida própria, levantando vigorosamente as cinzas do chão. - Não me diga... - a confiança do gigante permanece inabalável. - Se pretende atravessar esta corrente, lembre-se de que correrá risco de vida - avisa Shun. No entanto, Toas ainda lança um golpe rápido como uma lança elétrica. - Proteja- me, corrente circular! O metal gira no ar como vagalhões agitados, repelindo com sucesso o relâmpago. Toas recua depois de duas investidas bloqueadas pela corrente. - Nesse caso, então... - o gigante se movimenta ao redor de Shun em uma velocidade várias vezes superior à do som, cercando o Cavaleiro de inúmeras imagens residuais de si mesmo. É impossível acompanhar com os olhos esse deslocamento supersônico, e Shun não consegue em momento algum identificar a verdadeira localização de Toas. Mas a corrente de Andrômeda é imune a ilusões desse tipo. Quando o gigante tenta lançar um golpe na direção do Cavaleiro, ela localiza precisamente sua posição e o atinge numa explosão que faz com que a cinza vulcânica acumulada se erga no ar. Com o choque, a máscara de Adamas de Toas cai no chão. - Eu disse que não poderia se aproximar de mim - Shun de Andrômeda permanece intocado no campo de batalha
  • 78. 78 enevoado pelas cinzas. Sua “tropa” - a corrente - mantém-se em formação, formando uma nuvem de estrelas. - Pois bem - Toas leva as mãos ao rosto recém revelado. - Você tem motivos para ser tão confiante. Sua corrente tem uma capacidade impressionante - continua, alinhando os longos cabelos negros. - Realmente não oferece nenhuma brecha, serve como olhos, ouvidos... mais do que isso, vai além dos cinco ou seis sentidos, deve perceber o inimigo através daquilo que vocês, Guerreiros Sagrados, chamam de Cosmo. - Ilusões não funcionam contra ela - completa Shun. - À medida que o meu Cosmo aumenta, a corrente se torna mais e mais capaz de reagir a qualquer golpe, por mais rápido que seja. Entendo - a voz de Toas mantém uma calma misteriosa. - A Nebulosa de Andrômeda é um meio integrado de defesa e ataque. - Vamos acabar com esta batalha sem sentido - diz Shun, como sempre ouvindo seu instinto pacifista. - Não quero machucar ninguém, mesmo que seja meu inimigo. O gigante mal acredita no que está ouvindo: - Você não pode estar falando sério. Se está tirando sarro de mim, tem uma personalidade bem maldosa por trás desse rosto de donzela. Mas Shun reforça sua posição: - Brigar e matar sem motivo nenhum... Eu não consigo fazer isso! - suas palavras são quase uma declaração de fraqueza, algo impensável para um Cavaleiro que tem a guerra como ofício. - Sem motivo? Humm - Toas pensa por um instante. - Ou seja, caso tenha motivos, você mataria o inimigo. Então não consegue lutar sem o estímulo de alguém? Precisa de um empurrãozinho, é isso? Sua auto-afirmação tem que ser embasada por palavras alheias? -... Bem... - Você é omisso e medíocre. Tenho nojo disso - seu tom de voz se torna repentinamente duro e seco. - Eu já disse: Cavaleiros e Gigas não precisam de questões de honra ou
  • 79. grandes missões para se enfrentarem até a morte. Não é preciso dizer nada, a luta é travada em nome da justiça. - Então devemos lutar por lutar, sem razão alguma? Como os demônios ou como Rakshasa? - Você procura desculpas demais para os seus atos, Andrômeda. Não estou interessado nas suas lamúrias, seu bebezão. Sua ladainha cheia de compaixão machuca o meu espírito. Shun sente que o espírito de Toas se fortalece. Como uma espada japonesa que ganha brilho e leveza nas mãos do artesão, o Cosmo do gigante se toma cada vez mais afiado e límpido. O artesão que fabrica a espada não tem medo de produzir instrumentos de morte, nem tampouco nutre intenções homicidas enquanto aprimora a katana. As guerras, por sua vez, não passam de embates entre armas e escudos - desapaixonadas, completamente desprovidas de sentimentos. - Isto é fruto da humilhação a que me expôs - diz Toas, sobre o próprio Cosmo crescente, inesperadamente investindo contra Shun. Uma ferida, então duas. No início o sangue brota apenas dos braços do Cavaleiro, mas a hemorragia vai ficando séria à medida que novos cortes aparecem por todo o seu corpo. - C-como é possível? Por que a barreira intransponível da corrente não reage?! - Não fique tão surpreso, garoto - Toas aponta o dedo na direção de Shun, fazendo surgir um brilho agudo e mais um sangramento. O Cavaleiro está sendo atacado por ondas de impacto, finas como agulhas, lançadas pela mão de Toas como projéteis. O gigante é sua própria arma poderosíssima, e suas investidas atravessam o corpo de Shun sem que ele precise tocá-lo. - Você disse que a corrente de Andrômeda o defende de ataques de inimigos conforme o seu Cosmo se eleva... - explica o monstro, com satisfação. - Basta, então, valer-me de um Cosmo superior ao seu, lançando um ataque a uma velocidade superior ao instinto de defesa da corrente. Shun percebe que o sangue não estanca, jorrando continuamente das feridas. Mesmo o menor corte, minúsculo