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Resenha: A Invenção de Hugo Cabret
Por Ulisses da Motta Costa
A INVENÇÃO DE HUGO CABRET (Hugo, EUA, 2011). Direção de Martin Scorsese.
Roteiro de John Logan, baseado no livro de Brian Selznick. Com Asa Butterfield,
Chloë Grace Moretz, Ben Kingsley, Sacha Baron Cohen, Jude Law.

Quando os irmãos Auguste e Louis Lumière inventaram um aparelho que registrava imagens
em movimento -- o cinematógrafo -- no distante ano de 1895, na França, não imaginavam
que estavam criando uma nova forma de arte. Segundo eles mesmos, a sua traquitana teria
um interesse técnico passageiro, nada além. Serviria como uma forma de divulgação da sua
fábrica de fotografia.

Foi preciso outro francês, Georges Méliès, para dar um sentido artístico àquela descoberta.
Filmando encenações teatrais e truques de mágica -- e usando as próprias possibilidades
técnicas do cinema para realçar seus números de ilusionismo--, Méliès foi o primeiro
cineasta da história. A ele é debitada a descoberta que o cinema poderia recriar sonhos e
mostrá-los ao espectador.

O novo filme do celebrado Martin Scorsese é exatamente um resgate da figura na Méliès, na
forma de um filme infanto-juvenil. Não é a primeira homenagem de Scorsese ao cinema -- já
tinha feito isso em O Aviador. Mas em A Invenção de Hugo Cabret, Scorsese de desamarra
da sua seriedade habitual e brinca de fazer cinema. E leva a sua celebração ao nível
totalmente emocional.

Aliás, é difícil para um apaixonado por cinema analisar A Invenção de Hugo Cabret de
forma fria. Eu mesmo quase chorei umas cinco vezes durante a projeção, mesmo vendo
problemas de desenvolvimento em dadas passagens da narrativa. É estabelecida uma relação
de amor entre o espectador cinéfilo e o filme, como se este fosse um ser amado: sim, ele tem
seus defeitos, mas é tão apaixonante!

A história é baseada num livro, em que um menino órfão (Butterfield) vive nos relógios de
estação de trem parisiense, nos anos 1930. Sempre fugindo do guarda da estação (Sacha
Baron Cohen, o Borat), comete pequenos roubos para sobreviver -- e para obter peças para
consertar um enigmático boneco mecânico, herança de seu pai. Capturado num dos seus
furtos por Papa George (Ben Kingsley), ele é obrigado a trabalhar -- mas ganha a amizade da
prolixa Isabelle (Chloë Grace Moretz, sempre ótima desde Kick Ass). Os dois acabam
descobrindo que o autômato tem uma ligação com o antigo cineasta Georges Méliès, que se
acredita estar morto.

Bem, Scorsese dirigindo um filme infanto-juvenil não é algo que se imaginaria até um tempo
atrás -- afinal, a filmografia (magnífica) do cineasta é de obras violentas e densas, como Taxi
Driver,Touro Indomável, Os Bons Companheiros e, mais recentemente, Os Infiltrados e A
Ilha do Medo. Em Hugo, temos sim um Scorsese diferente, com outra cor e outro sabor, que
resolve se deixar levar pelo uso do 3D como se fosse um brinquedo novo.

Sim, A Invenção de Hugo Cabret é em 3D, mas não é só isso: é a melhor utilização de 3D
até agora num filme. Deixa Avatar para trás, muito para trás. Planejando (ainda que
brincando) os seus enquadramentos com cuidado, o diretor consegue utilizar o efeito
tridimensional não aqui e ali, mas sim em todas as tomadas de câmera. O plano normalmente
está emoldurado por limites laterais, como corredores, túneis e escadarias, que ressaltam
imensas profundidades de campo -- no que tem grande participação o designer italiano Dante
Ferretti, colaborador costumeiro do diretor.

Por outro lado, Scorecese tem o cuidado de incluir elementos etéreos que dancem pelo plano,
em frente ao espectador: fumaça, vapor, neve ou simplesmente poeira (sempre visível na loja
de brinquedos, por exemplo). Além disso, o diretor não tem medo de avançar objetos e
mesmo os atores em direção à platéia -- fazendo várias piadas com a famosa lenda de que as
pessoas saltaram das cadeiras ao assistirem A Chegada do Trem à Estação, um dos primeiros
filmes feitos pelos irmãos Lumière.

Por falar nisso, o filme tem dúzias de citações aos filmes mudos, de Luzes da Cidade de
Chaplin aHomem com uma Câmera (na cena em que Isabelle é quase pisoteada na
plataforma do trem). Em alguns momentos, não basta citar: Scorsese mostra algumas dessas
fitas -- como a clássica cena de Harold Lloyd pendurado no relógio em Safety Last!. Ah, sim:
mesmo os filmes mudos foram delicadamente transpostos para o 3D, num efeito
simplesmente sensacional que vira um dos grandes trunfos da obra (em especial quando
vemos a exibição de Viagem à Lua, o clássico maior de Méliès).

O filme é ainda devidamente engrandecido pela ótima trilha de Howard Shore e pela
montagem sempre precisa da maior colaboradora de Scorsese, a genial Thelma
Schoonmaker. O problema está no roteiro de John Logan, de Gladiador e O Último Samurai.
A narrativa não se define como um filme para adultos ou para crianças, às vezes investindo
em belas sutilezas e em outros sendo extremamente didático (algumas cenas parecem mais
preocupadas em contar a história do cinema do que a história do filme). A verdadeira função
do autômato nunca é de fato revelada e há personagens que não fazem diferença na narrativa
(como os coadjuvantes da estação de trem).

Entretanto, é visível em cada fotograma que Hugo é um dos projetos mais pessoais de
Scorsese. Podemos notar isso na ponta que o próprio diretor faz como um fotógrafo, ou no
discurso sobre a necessidade da preservação dos filmes. Esse amor que o artista tem pelo seu
próprio assunto é o que contagia. Sem contar que a vida de Méliès mostrada no filme não
tem quase nada de fictícia: encarado como um gênio, ele foi à falência e praticamente
desapareceu em seguida. Por isso a beleza das cenas em que Scorsese mostra como
possivelmente Méliès fazia seus filmes, com mais jeito de artesanato do que arte.

No terceiro ato da projeção, os realizadores não escondem muito que fizeram o filme para
outros realizadores ("magos, sereias, viajantes, aventureiros"). Mas o convite feito por um
dos personagens é um resumo do sentimento que todo o cineasta tem em relação ao seu
trabalho, ou àquela faísca inicial que o fez entrar nessa profissão: "Venham e sonhem
comigo". Eu, pelo menos obedeci.

Em suma, Hugo não é perfeito, mas ainda assim é brilhante. É um filme para os que amam o
cinema -- e para os que amam simplesmente sonhar.

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Resenha do filme hugo cabret

  • 1. Resenha: A Invenção de Hugo Cabret Por Ulisses da Motta Costa A INVENÇÃO DE HUGO CABRET (Hugo, EUA, 2011). Direção de Martin Scorsese. Roteiro de John Logan, baseado no livro de Brian Selznick. Com Asa Butterfield, Chloë Grace Moretz, Ben Kingsley, Sacha Baron Cohen, Jude Law. Quando os irmãos Auguste e Louis Lumière inventaram um aparelho que registrava imagens em movimento -- o cinematógrafo -- no distante ano de 1895, na França, não imaginavam que estavam criando uma nova forma de arte. Segundo eles mesmos, a sua traquitana teria um interesse técnico passageiro, nada além. Serviria como uma forma de divulgação da sua fábrica de fotografia. Foi preciso outro francês, Georges Méliès, para dar um sentido artístico àquela descoberta. Filmando encenações teatrais e truques de mágica -- e usando as próprias possibilidades técnicas do cinema para realçar seus números de ilusionismo--, Méliès foi o primeiro cineasta da história. A ele é debitada a descoberta que o cinema poderia recriar sonhos e mostrá-los ao espectador. O novo filme do celebrado Martin Scorsese é exatamente um resgate da figura na Méliès, na forma de um filme infanto-juvenil. Não é a primeira homenagem de Scorsese ao cinema -- já tinha feito isso em O Aviador. Mas em A Invenção de Hugo Cabret, Scorsese de desamarra da sua seriedade habitual e brinca de fazer cinema. E leva a sua celebração ao nível totalmente emocional. Aliás, é difícil para um apaixonado por cinema analisar A Invenção de Hugo Cabret de forma fria. Eu mesmo quase chorei umas cinco vezes durante a projeção, mesmo vendo problemas de desenvolvimento em dadas passagens da narrativa. É estabelecida uma relação de amor entre o espectador cinéfilo e o filme, como se este fosse um ser amado: sim, ele tem seus defeitos, mas é tão apaixonante! A história é baseada num livro, em que um menino órfão (Butterfield) vive nos relógios de estação de trem parisiense, nos anos 1930. Sempre fugindo do guarda da estação (Sacha Baron Cohen, o Borat), comete pequenos roubos para sobreviver -- e para obter peças para consertar um enigmático boneco mecânico, herança de seu pai. Capturado num dos seus furtos por Papa George (Ben Kingsley), ele é obrigado a trabalhar -- mas ganha a amizade da prolixa Isabelle (Chloë Grace Moretz, sempre ótima desde Kick Ass). Os dois acabam descobrindo que o autômato tem uma ligação com o antigo cineasta Georges Méliès, que se acredita estar morto. Bem, Scorsese dirigindo um filme infanto-juvenil não é algo que se imaginaria até um tempo atrás -- afinal, a filmografia (magnífica) do cineasta é de obras violentas e densas, como Taxi Driver,Touro Indomável, Os Bons Companheiros e, mais recentemente, Os Infiltrados e A Ilha do Medo. Em Hugo, temos sim um Scorsese diferente, com outra cor e outro sabor, que resolve se deixar levar pelo uso do 3D como se fosse um brinquedo novo. Sim, A Invenção de Hugo Cabret é em 3D, mas não é só isso: é a melhor utilização de 3D até agora num filme. Deixa Avatar para trás, muito para trás. Planejando (ainda que
  • 2. brincando) os seus enquadramentos com cuidado, o diretor consegue utilizar o efeito tridimensional não aqui e ali, mas sim em todas as tomadas de câmera. O plano normalmente está emoldurado por limites laterais, como corredores, túneis e escadarias, que ressaltam imensas profundidades de campo -- no que tem grande participação o designer italiano Dante Ferretti, colaborador costumeiro do diretor. Por outro lado, Scorecese tem o cuidado de incluir elementos etéreos que dancem pelo plano, em frente ao espectador: fumaça, vapor, neve ou simplesmente poeira (sempre visível na loja de brinquedos, por exemplo). Além disso, o diretor não tem medo de avançar objetos e mesmo os atores em direção à platéia -- fazendo várias piadas com a famosa lenda de que as pessoas saltaram das cadeiras ao assistirem A Chegada do Trem à Estação, um dos primeiros filmes feitos pelos irmãos Lumière. Por falar nisso, o filme tem dúzias de citações aos filmes mudos, de Luzes da Cidade de Chaplin aHomem com uma Câmera (na cena em que Isabelle é quase pisoteada na plataforma do trem). Em alguns momentos, não basta citar: Scorsese mostra algumas dessas fitas -- como a clássica cena de Harold Lloyd pendurado no relógio em Safety Last!. Ah, sim: mesmo os filmes mudos foram delicadamente transpostos para o 3D, num efeito simplesmente sensacional que vira um dos grandes trunfos da obra (em especial quando vemos a exibição de Viagem à Lua, o clássico maior de Méliès). O filme é ainda devidamente engrandecido pela ótima trilha de Howard Shore e pela montagem sempre precisa da maior colaboradora de Scorsese, a genial Thelma Schoonmaker. O problema está no roteiro de John Logan, de Gladiador e O Último Samurai. A narrativa não se define como um filme para adultos ou para crianças, às vezes investindo em belas sutilezas e em outros sendo extremamente didático (algumas cenas parecem mais preocupadas em contar a história do cinema do que a história do filme). A verdadeira função do autômato nunca é de fato revelada e há personagens que não fazem diferença na narrativa (como os coadjuvantes da estação de trem). Entretanto, é visível em cada fotograma que Hugo é um dos projetos mais pessoais de Scorsese. Podemos notar isso na ponta que o próprio diretor faz como um fotógrafo, ou no discurso sobre a necessidade da preservação dos filmes. Esse amor que o artista tem pelo seu próprio assunto é o que contagia. Sem contar que a vida de Méliès mostrada no filme não tem quase nada de fictícia: encarado como um gênio, ele foi à falência e praticamente desapareceu em seguida. Por isso a beleza das cenas em que Scorsese mostra como possivelmente Méliès fazia seus filmes, com mais jeito de artesanato do que arte. No terceiro ato da projeção, os realizadores não escondem muito que fizeram o filme para outros realizadores ("magos, sereias, viajantes, aventureiros"). Mas o convite feito por um dos personagens é um resumo do sentimento que todo o cineasta tem em relação ao seu trabalho, ou àquela faísca inicial que o fez entrar nessa profissão: "Venham e sonhem comigo". Eu, pelo menos obedeci. Em suma, Hugo não é perfeito, mas ainda assim é brilhante. É um filme para os que amam o cinema -- e para os que amam simplesmente sonhar.