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Os direitos do antivalor
U F F - N Ú C L E O D E D O C U M E N T A Ç Ã O
B IB L IO T E C A : _ S£ £ -----------------------------
Autor: 01 iveira «Franciscc* de ♦
Título:Os direi-tos do antivalo r: a econo»
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N ° C h a m a d a * - " ■ ‘ 3 3 0 , 1 2 2 0 4 8 d 1 9 9 8'
N ° R e g istro & E E l/O S _______________
Coleção Zero à Esquerda
Coordenadores: Paulo Eduardo Arantes e Iná Camargo Costa
- Desafortunados
D avid Snow e Leon Anderson
- Diccionario de bolso do almanaque philosophico zero à esquerda
Paulo E duardo A rantes
- Os direitos do antivalor
Francisco de O liveira
- Em defesa do socialismo
Fernando H ad d ad
- Geopolítica do caos
Ignacio R am on et
- Globalização em questão
Paul H irsí e G rabam e Thom pson
- A ilusão do desenvolvimento
G iovani Arrighi
- Os moedeiros falsos
Jo sé Luís Fiori
-As metamorfoses da questão social
Robert C astel
-Poder e dinheiro: Uma economia política da globalização
M aria da C onceição Tavares e Jo sé Luís Fiori (O rgs.)
- Terrenos vulcânicos
D o lf O ehler
- Os últimos combates
Robert Kurz
Conselho E ditorial da C oleção Zero à Esquerda:
Otília Beatriz Fiori Arantes
Roberto Schwarz
Modesto Carone
Fernando Haddad
Maria Elisa Cevasco
Ismail Xavier
José Luís Fiori
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Oliveira, Francisco de, 1933 -
Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita /
Francisco de Oliveira. -Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
ISBN 85-326-1996-7
1. Capitalismo 2. Social-democracia 3. Valor (Economia) I. Título.
98-0906 CDD-338.521
índices para catálogo sistemático:
1. Antivalor: Teorias: Economia 338.521
I
Francisco de Oliveira
Os direitos do antivalor
A economia política da hegemonia imperfeita
111
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%fá EDITORA
Y VOZES
Petrópolis
1998
© 1997, Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689-900 Petrópolis, RJ
Internet: http://www.vozes.com.br
Brasil
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser
reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer
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PRESIDENTE
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DIRETOR EDITORIAL
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EDITOR
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DIRETOR INDUSTRIAL
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EDITOR DE ARTE
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EDITORAÇÃO
Editoração e organização literária: Otaviano M. Cunha
Revisão gráfica: A. Tavares
Capa e projeto gráfico: Maríana Fix e Pedro Fiori Arantes
Supervisão gráfica: Valderes Rodrigues
| ® FICHA TÉCNICA DA VOZES
ISBN 85-326-1996-7
- i>rlr
LC - divisão tio Satvlç®» Tóaulw*
. 9 ?
Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda. em abril de 1998.
À minha mãe, Joventina: Todas as gerações te
chamarão Jovem, Joventina.
Às minhas irmãs: Etelvina, Isabel, Iraci (in memoriam),
Conceição, Assunção, Tercina, Auxiliadora.
Aos meus irmãos: José (in memoriam), Antonio
(in memoriam), Luis (in memoriam), Guido, Tadeu
Para Victor Hugo, alegria.
SUMÁRIO
í w e *
lB W otoi* ** tcoM nnt Jfcdmntstt
ttaçàa I
9 Introdução
1 7 PARTE I - DO MERCADO AOS DIREITOS
19 O surgimento do antivalor
49 A economia política da social-democrada
63 Políticas do antivalor, e outras políticas
77 PARTE II-A QUASE HEGEMONIA
79 A metamorfose da arribaçã
121 Crise e concentração
159 A quase-hegemonia
1 6 3 PARTE III - SUAVE É O TERROR
165 Quem tem medo da governabilidade?
197 Além da hegemonia, aquém da democracia
205 A vanguarda do atraso e o atraso da vanguarda
223 Dominantes e dominados na perspectiva do milênio
INTRODUÇÃO
Devo à generosa insistência de Paulo Arantes, amigo e co­
lega da FFLCH-USIJ um dos coordenadores da Coleção Zero
à Esquerda, a sugestão para organizar e publicar este livro que,
além disso, deve-lhe também o título completo, recebido na
pia batismal de Paulo, sacerdote dos “zero à esquerda” pois,
como todos sabem, somos uma seita. Este livro se inscreve,
orgulhosamente, na linha imprimida à coleção , tentando so-
mar-se aos esforços dos que, no Brasil (e não apenas os que
têm seus trabalhos publicados nesta coleção), buscam manter-
se no terreno crítico de uma produção intelectual que recusa
o “pensamento único”, o conformismo bem remunerado e os
álibis para transitarem da esquerda para a direita, pretextos
bem pensantes por trás dos quais esconde-se uma nova posição
de classe, “et pour cause” quando proclamam a inexistência
das classes no capitalismo contemporâneo.
Este livro está organizado em três partes. A primeira, Do
mercado aos direitos, contém dois artigos que tratam do tema
da regulação do capitalismo - nada aver com achamada Escola
da Regulação, outrora capitaneada por Michel Aglietta - cons­
truída através do conflito e cuja característica básica consti­
tuiu-se , segundo a interpretação adotada, em um trânsito da
produção de mercadorias regulada sobretudo pelo mercado
para aquela cuja regulação dependeu basicamente dos direitos
da cidadania, alicerçados sobretudo nos novos direitos sociais
e do trabalho; é a regulação que o neolíberalismo especifica­
mente combate e trata de destruir. No dizer de um François
9
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
Ewald, em seu L’État-Providence, trata-se de um trânsito do
paradigma do contrato mercantil, estruturado nos códigos na-
poleônicos, ao paradigma da segurança, estruturado pelo Wel-
fare State. Ao lado deles comparece uma entrevista à revista
Teoria & Debate, editada pelo Partido dos Trabalhadores, na
qual, pela boa organização e consistência das questões propos­
tas por Fernando Haddad, volto aos temas do antivalor, me­
lhorando, penso eu, a exposição de algumas de suas principais
proposições. Faltaria, para completar essa parte, um capítulo
que dialogasse com as críticas que “O surgimento do antivalor”
e “A economia política da social-democracia” receberam desde
que foram publicados. Menos que contestar, tratar-se-ia de
contrapor argumentos às críticas feitas por Francisco Paulo
Cipolla, em artigo publicado também na Noivos Estudos Ce-
brap, que remarca, por meio de uma rigorosa sistematizaçao
dos esquemas da produção da mais-valia e da reprodução do
capital em Marx, o impasse das proposições do “antivalor”.
A segunda crítica foi elaborada por Roseli Martins Coelho em
sua tese de doutorado “Social-democracia: A chantagem do
capitalismo”, defendida no Departamento de Filosofia da
FFLCH-US1? de cuja banca tive a honra de participar, e que
contesta a tese da desmercantilização da força de trabalho, um
dos elementos estruturantes do antivalor ou das antimercado-
rias, porque, segundo sua argumentação, os recursos fiscais
que constituem os fundos públicos, suportes do antivalor na
minha interpretação, são derivados de impostos pagos pela
população em geral e particularmente pelos trabalhadores.
Não havería, pois, a pretendida desmercantilização, mas, ao
invés, um aumento da exploração e da mais-valia por vias
indiretas. Infelizmente, a tese de Roseli Martins Coelho ainda
não foi publicada, e portanto assumo os riscos de fazer sua
síntese. A terceira crítica recebida partiu de Francisco José
Soares Teixeira, colega da Universidade Federal do Ceará, co­
nhecido do público por seu Pensando com Marx, Editora En­
saio, que em correspondência pessoal transmitiu-me o teor de
sua argumentação; creio que Soares Teixeira ainda não publi­
cou o trabalho. A meu modo de ver, Teixeira critica o uso
10
INTRODUÇÃO
abusivo e incoerente das categorias e conceitos de Marx em o
Antivalor e emA economia política da social-democracia, que
me levaria, inapelaveImente, a juntar-me a Habermas, Offe,
Gorz e outros, esvaziando os conceitos de classe social, de luta
de classes e, por conseqüência, da mais-valia, tornando meu
esquema, portanto, insustentável em si mesmo. São três críticas
poderosas, bem estruturadas, com as quais tentarei dialogar
em artigo em preparo, que possivelmente poderá vir a integrar
este Os direitos do antivalor em alguma segunda edição, se a
recepção desta primeira assim aconselhar. Confesso antecipa­
damente - com a liberdade do diálogo que me permite a gran­
deza dos meus críticos, mas sem me estender, posto que não
apenas ainda não elaborei completamente as possíveis respos­
tas aos mesmos, e, ainda, por decoro intelectual, já que duas
das críticas citadas ainda não são de um domínio público mais
amplo - que a crítica de Teixeira Soares me parece mais exe-
gética, do tipo “não foi assim que Marx escreveu e pensou” ;
decididamente, não sou marxista para manter-me nos limites
estritos, ainda que formidavelmente amplos, do que Marx pen­
sou. Na melhor tradição do próprio Marx, ele próprio discí­
pulo de algumas das mais importantes vertentes do
pensamento ocidental, e nas pistas de Antonio Negri, num de
seus mais importantes livros, sou marxista - eis o jurássico -
para ir “au-delá de Marx” . Além disso, não me incomoda, e
pelo contrário, muito me honra, estar na companhia dos cita­
dos por Teixeira Soares. Faltaria fazer a pergunta de Garrincha,
isto é, se Habermas, Offe, Gorz eoutros se sentem confortáveis
com essa companhia? Penso que Teixeira Soares esqueceu-se
de juntar ao grupo Robert Kurz, mas talvez este esteja excluído
do grupo excomungado porque Kurz faz praça da mais rigo­
rosa dialética, embora seja bastante claro que ele, sim, aban­
donou e rejeita explicitamente o Marx da luta de classes.
Acontece, para adiantar um pouco o argumento anti-Teixeira
Soares, que não me considero fazendo parte do honorável
grupo porque, para mim, a perda da centralidade, para aceitar
o argumento de Teixeira Soares, ela própria é produto do con­
flito. Em outras palavras, a perda da centralidade é uma luta
11
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
ideológica, produzida no centro do conflito, claríssima nos
tempos de neoliberalismo e globalização, que se dá pela ten­
tativa de destruição do fundo público como mecanismo regu­
lador do capitalism o. Para tanto, faz-se necessário
“desproletarizar” a sociedade, isto é, borrar o projeto de classe
da face da terra. Não se trata, pois, nem de determinismo
tecnológico, que, de algum modo, mesmo atenuadamente, en­
contra abrigo no argumento dos autores citados, nem do con­
flito entre o mundo da vida e o mundo sistêmico, ao modo de
Habermas, nem de uma desproíetarização pelo deslocamento
da divisão social do trabalho para os serviços, como em Offe
e em Gorz. Nem muito menos da predominância exclusiva do
“sujeito autônomo” de Kurz, uma espécie de piloto automático
do capitalismo. Este não percebe que a contradição latente na
obra de Marx , que não permite a resolução do problema que
.ele propõe, é entre o “sujeito autônomo” hegeliano e a luta
de classes empírica; esta, como realidade dos homens, perturba
a marcha do espírito, que no fundo é o “sujeito autônomo”
de Kurz, construção inteiramente idealista, por mais que ele
brinque de materialista dialético, como volta a fazê-lo em ar­
tigo no Caderno Mais, Folha de S.Paulo, I o de fevereiro de
1998, sobre os cento e cinqüenta anos do O manifesto do
Partido Comunista, de Marx e Engels.
A primeira parte deveria conter, também, uma revisita ao
antivalor, para reavaliá-lo do ponto de vista da hegemonia
neoliberal e dos processos da globalização, que parecem, em
tudo e por tudo, ser o mais cabal desmentido às proposições
centrais do antivalor. Aqui também não terminei ainda esse
tipo de trabalho, que fica prometido também para uma pos­
sível segunda edição deste livro, e faz-se necessária e urgente
mesmo se não houver essa segunda chance. A meu modo de
ver, abusando ainda desta introdução, o processo da globali­
zação acentua as contradições da forma-valor ao limite do
quase-intransponível, e as sucessivas crises das quais não con­
segue sair esse sistema vitorioso, hegemônico e aparentemente
sem negatividade, são as mostras mais aparentes de como a
tentativa neoliberal de desregulação e de destruição das anti-
12
INTRODUÇÃO
mercadorias requerem - hélas - o concurso de recursos pú­
blicos cujo crivo não é o valor. Em outras palavras, para cons-
truir-se o pretenso mercado auto-regulado, que dispensaria
tudo o mais a não ser os próprios critérios da lucratividade,
faz-se necessário muito Estado, muitos recursos públicos. Tan­
to no nível internacional quanto no nível nacional, essa con­
tradição salta, cotidianamente, para as páginas dos jornais!
Mas, é evidente que essa antecipação não dá conta de tudo,
questão que pretendemos abordar num futuro bem próximo.
A segunda parte, intitulada A quase-hegemonia muda o
registro do plano mais geral para o plano brasileiro. Ela é
constituída de material sobre as bases materiais e sociais da
dominação burguesa no Brasil, um artigo já antigo sobre os
novos poderes econômicos no Nordeste pós-Sudene, e outro
sobre concentração e centralização industrial em São Paulo.
Os dois foram publicados na Novos Estudos Cebrap, e são
artigos em colaboração com antigos colegas de pesquisa no
Cebrap. Em “A metaformose da arribaçã”, que se refere ao
Nordeste, eu sou o autor principal, enquanto em “ Quem é
quem na indústria paulista”, o autor principal é Alexandre
Comin. Mas, sem roubar nenhuma autoria, não apenas sou
também co-autor do referido artigo, como ele saiu de um pro­
jeto desenvolvido no Cebrap sob minha coordenação e, sem
desmedro dos meus colegas, todos reconhecem minha respon­
sabilidade na inspiração teórica do projeto de pesquisa e do
artigo. Por isso, o utilizo dentro desta coletânea.
A formação dessas bases sociais que, a meu ver, rompem
com a antiga segmentação das burguesias no Brasil, dariam
lugar à constituição de uma hegemonia burguesa, ausência que
pontua os formidáveis conflitos dos últimos sessenta anos de
desenvolvimento capitalista no Brasil, marcados por 35 anos
de ditadura, e uma freqüência de um golpe, dois bem-sucedi­
dos, e os demais não evitados pela reação de forças populares
ou frustrados pela mesma incompletude das rivalidades intra-
burguesas, a cada três anos da história brasileira desde a Re­
volução de Trinta. Essa é a história do país “cordial” ! Assumi
durante algum tempo essa hipótese, gramsciana, evidentemen­
13
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
te, face ao sucesso da ampla coalizão política liderada por
Fernando Henrique Cardoso, unificando do centro para a di­
reita, do Amazonas ao Rio Grande do Sul, cuja base estaria no
“senso comum” das vantagens da estabilidade monetária al­
cançada desde a “Regência” Fernando Henrique - na síndrome
de abstinência de Itamar - e que catapultou o presidente de
um quase provável limbo político até a presidência (imperial)
da República. Em outras palavras, em termos gramscianos, a
estabilidade monetária havia construído um amplo consenso
que entre dominantes e dominados, e seria esse consenso que
teria soldado, sobre as bases materiais da ampliação da domi­
nação de classe no Brasil, matéria dos dois primeiros artigos-
capítulos, as antigas clivagens burguesas setoriais e regionais.
Essa hipótese é esboçada em entrevista à Folha de S. Paulo,
que é aqui utilizada.
A terceira parte do livro, “Suave é o terror: O neolibera-
lismo termidoriano no Brasil”, diz logo a que vem. Ela é aberta
com artigo publicado também na Novos Estudos Cebrap, ela­
borado ainda antes da posse de Fernando Henrique Cardoso
na presidência, em que trato de esboçar o que me parecia,
segundo as indicações fornecidas pelos discursos políticos do
então candidato, pelo confronto durante a campanha eleitoral,
em que a cínica utilização da antiga prepotência de classe foi
ostensiva, pelas medidas já tomadas desde sua “regência” no
Ministério da Fazenda, pelas alianças políticas até a extrema
direita - sim, porque é comum considerar no Brasil a extrema
direita como sendo atributo exclusivo de Paulo Maluf, enquan­
to a “ternura” de Antônio Carlos Magalhães o tem posto a
salvo de ser também incluído no lugar que, talvez mais que a
Paulo Maluf, de direito e de fato lhe pertence -, os rumos do
futuro governo. Parece que os fatos não desmentiram as con­
jecturas discutidas no artigo. Enfim, trata-se, ao incluí-lo aqui,
não de mostrar quaisquer dotes proféticos, mas de procurar
encontrar a coerência do governo, em lugar de permanecermos
surpresos com a conversão de um antigo intelectual e militante
de esquerda.
14
INTRODUÇÃO
Em “Além da hegemonia, aquém da democracia” prepa­
rado para um seminário sobre Gramsci no Instituto de Estudos
Avançados da USI^ rebato minha própria entrevista, que consta
da segunda parte, sobre o governo Fernando Henrique Car­
doso como expressão da hegemonia burguesa, síntese de um
longo processo de ajustes de contas no interior do bloco do­
minante. Minha hipótese, francamente frankfurtiana, é a de
que a burguesia já não trata de integrar os dominados ao seu
próprio campo de significados, mas, ao contrário, o processo
de destituição dos direitos sociais em curso nada tem a ver
com hegemonia, mas com exclusão. Esta tem um sentido forte,
e não apenas economicista, o de inclusão ou exclusão no mer­
cado, um feito que, afinal de contas, a burguesia, mesmo que
se pretenda divina, não pode fazer. Porque mesmo o mendigo
mais miserável consome mercadorias. Mas é no campo dos
direitos, do conflito pelos direitos, da negação dos direitos,
que se plasma o que chamei o totalitarismo neoliberal.
“A vanguarda do atraso e o atraso da vanguarda” texto-
base da conferência magistral proferida, por obra e graça da
generosidade do meu amigo Emir Sader, no XXI Congresso
da Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS) e pu­
blicado na revista Praga, elabora o que se anuncia no capítulo
anterior. Na verdade, como acontece comumente na elabora­
ção de coletâneas, o texto da ALAS e revista Praga é anterior
ao do Instituto de Estudos Avançados, que procurou justificar
teoricamente o abandono da hipótese de hegemonia.
A terceira parte se fecha com um texto publicado em O
livro da profecia, editado pelo Senado Federal sob a presidência
do Senador José Sarney, intitulado “Dominantes e dominados
na perspectiva do milênio: Do Iluminismo para a reação”, no
qual procuro caracterizar o sentido da grande mudança, isto
é, o sentido da história brasileira, desde a Colônia, por sobre
as misérias que o escravismo perpetrou atualizadas, parcial­
mente rompidas ou simplesmente reiteradas, num processo
profundamente contraditório, violento, cruel e sangrento, era
conduzido, apesar de tudo, sob o signo do Iluminismo, com
todas as contradições da modernidade fundamente denuncia­
15
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
das e trabalhadas pela Escola de Frankfurt. “A marca da mal­
dade” orsonwelliana é a mudança do sentido da história para
o signo da reação, do conservadorismo. No Brasil, como no
mundo, o que está em jogo é o próprio sentido da civilização.
Este livro, portanto, desde seu título, quer marcar essa
tentativa de ruptura que se opera à nossa vista e que, como
nos sugeriu Bergman, é como o ovo da serpente. Processa-se
transparentemente e, por isso, parece inofensivo. Dá-se pelos
mesmos mecanismos instituticionais formalmente democráti­
cos: eleições diretas, alternância, poderes constitucionais in­
dependentes. Mas, “suave é o terror” : essa transparência e essa
formalização mascaram o mais formidável ataque às próprias
instituições e aos direitos de que tem notícia a história brasi­
leira. Digamos, para insistir no refrão do exagero e, assim, não
decepcionar meus críticos, que ele é mais letal do que o próprio
escravísmo: enquanto este foi a forma pela qual a construção
da mercadoria se elaborava sob as chicotadas mercantis, ins­
tituindo regras pelas quais o escravo poderia ultrapassar o es­
tatuto da “peça” para ingressar no mundo da mercadoria, ou
coletivamente, pela Abolição, ou individualmente, pelas di­
versas formas de alforria, o “suave terror” neoliberal instaura
uma espécie de sociedade de castas, onde os “intocáveis” não
serão os personagens de Brian de Palma, mas todos os desti­
tuídos dos direitos. Eles serão “intocáveis” pelos direitos.
Este livro, com toda sua heterogeneidade , incompletude
e mal-balanceamento, sabendo-se “zero à esquerda”, quer ser
parte da luta dos que pretendem barrar o caminho do “suave
terror” e construir uma alternativa democrática, imperfeita.
5. Paulo, fevereiro de 1998.
16
PARTE I
DO M ERCA D O AOS DIREITOS
O Surgimento do Antivalor
Capital, força de trabalho e fundo público*
Introdução: A crise do Estado-providência
Nas últimas cinco décadas, acelerada e abrangentemente,
o que se chama Welfare State, como conseqüência das políticas
originalmente anticíclicas de teorização keynesiana, consti­
tuiu-se no padrão de financiamento público da economia ca­
pitalista. Este pode ser sintetizado na sistematização de uma
esfera pública onde, a partir de regras universais e pactadas,
o fundo público, em suas diversas formas, passou a ser o pres­
suposto do financiamento da acumulação de capital, de um
lado, e, de outro, do financiamento da reprodução da força
* Publicado em Novos Estudos Cebrap, n° 22, outubro de 1988. Sem a
acolhida, quem sabe até entusiasmada demais, e a crítica de Rodrigo Naves,
José Arthur Giannotti, Roberto Schwarz, Luiz Felipe de Alencastro, Geraldo
Müller, Otacílio Nunes, Carlos Alberto Bello, Elson Luciano Pires e Hélio
Correia Lino, este ensaio não aparecería agora, permanecendo, talvez, numa
longa ruminação, que vem desde uma bolsa de pós-doutoramento patroci­
nada pelo CNPq e CNRS em Paris. Para além dos agradecimentos formais
de praxe, meu reconhecimento não pode deixar de ancorar-se nos amigos e
instituições, particularmente, neste caso, minha casa -o CEBRAP-, dispostos
a patrocinar uma discussão que rema contra a maré montante do Moíoch
privatista neoíiberal, o “ai-jesus” de hoje no Brasil, que uma vez mais mostra
como as “idéias podem estar fora do lugar”.
19
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio
dos gastos sociais.
A medicina socializada, a educação universal gratuita e
obrigatória, a previdência social, o seguro-desemprego, os sub­
sídios para transporte, os benefícios familiares (quotas para
auxílio-habitação, salário família) e, no extremo desse espec­
tro, subsídios para o lazer, favorecendo desde as classes médias
até o assalariado de nível mais baixo, são seus exemplos. A
descrição das diversas formas de financiamento para a acumu­
lação de capital seria muito mais longa: inclui desde os recursos
para ciência e tecnologia, passa pelos diversos subsídios para
a produção, sustentando a competitividade das exportações,
vai através dos juros subsidiados para setores de ponta, toma
em muitos países a forma de vastos e poderosos setores estatais
produtivos, cristaliza-se numa ampla militarização (as indús­
trias e os gastos em armamentos), sustenta a agricultura (o
financiamento dos excedentes agrícolas dos Estados Unidos e
a chamada “Europa Verde” da CEE), e o mercado financeiro
e de capitais através de bancos e/ou fundos estatais, pela uti­
lização de ações de empresas estatais como blue chips, intervém
na circulação monetária de excedentes pelo open market, man­
tém a valorização dos capitais pela via da dívida pública etc.
A descrição anterior pode ser refutada com a afirmação
de que toda a vasta gama de subsídios e auxílios públicos é
constitutiva do próprio capitalismo, não sendo marca especí­
fica do Estado-providência. Mas essa objeção não capta a di­
ferença de natureza entre esses dois momentos. De fato, a
formação do sistema capitalista é impensável sem a utilização
de recursos públicos, que em certos casos funcionaram quase
como uma “acumulação primitiva” desde o casamento dos
tesouros reais ou imperiais com banqueiros e mercadores na
expansão colonial até a despossessão das terras dos índios para
cedê-las às grandes ferrovias particulares nos Estados Unidos,
a privatização de bens e propriedades da Igreja desde Henrique
VIII até a Revolução Francesa; e, do outro lado, as diversas
medidas de caráter caritativo para populações pobres, de que
as “Poors Houses” são bem o exemplo no caso inglês. Contra
20
O SURGIMENTO 1)0 ANTIVAI.OK
esse caráter pontual, que dependia ocasionalmente da força e
da pressão de grupos específicos, o financiamento público con­
temporâneo tornou-se abrangente, estável e marcado por re­
gras assentidas pelos principais grupos sociais e políticos.
Criou-se, como já se assinalou, uma esfera pública ou um mer­
cado institucionalmente regulado.
Entretanto, a mudança mais recente das relações do fundo
público com os capitais particulares e com a reprodução da
força de trabalho representa uma “revolução copernicana”.
Para resumir uma tese que se desdobrará ao longo deste ensaio,
o fundo público é agora um ex-ante das condições de repro­
dução de cada capital particular e das condições de vida, em
lugar de seu caráter ex-post, típico do capitalismo concorren­
cial. Ele é a referência pressuposta principal, que no jargão de
hoje sinaliza as possibilidades da reprodução. Ele existe “ em
abstrato” -antes de existir de fato: essa “revolução copernicana”
foi antecipada por Keynes, ainda que a teorização keynesiana
se dirigisse à conjuntura. A per-equação da formação da taxa
de lucro passa pelo fundo público, o que o torna um compo­
nente estrutural insubstituível.
Do lado da reprodução da força de trabalho, a ascensão
do financiamento público não foi menos importante. “As des­
pesas públicas, destinadas à educação, à saúde, pensões e ou­
tros programas de garantia de recursos aumentaram, durante
os vinte últimos anos no conjunto dos países da OCDE, quase
duas vezes mais rapidamente do que o PIB, e elas foram o
elemento dominante no crescimento das despesas públicas to­
tais: desde 1960, elas passaram, no conjunto dos sete maiores
países da OCDE, de cerca de 14% a mais de 24% do PIB”
(“Dépenses sociales: érosion ou evolution?”, UObservateur de
1’OCDE, n° 126, janvier 1984, OCDE, Paris, trad. do autor).
Essa média resultou de evoluções, país por país, de 19% para
26% na República Federal da Alemanha, de 16% para 25%
na França, de 16% para 23% na Itália, de 16% para 30% na
Holanda, de 16% para 28% na Bélgica; entre 1969 e 1981,
de 18% para 27% na Dinamarca e de 15% para 22% na In­
glaterra. Entre 1965 e 1981, as despesas sociais públicas, como
21
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
porcentagem da renda disponível domiciliar, passaram de 28%
para 46% na República Federal da Alemanha, de 24% para
42% na Holanda, de 25% para 33% na França, de 22% para
27% na Itália, de 22% para 33% na Bélgica e, na Inglaterra,
entre 1969 e 1981, de 24% para 33%. Quer dizer que em sete
grandes países industrializados, nata do Primeiro Mundo, com
exceção dos Estados Unidos e do Japão, o salário indireto tem
uma importância, em relação ao salário direto (assimilando a
renda domiciliar a este conceito), que vai de um mínimo de
33% ao máximo de 45%, até o último ano para o qual se
dispõe de dados (Ch. André, “Les evolutions spécifiques des
diverses composants du salaire indirect à travers de la crise”,
Critiques de EÉconomie Politique, h. 26-27, janvier-juin, 1984,
Paris). Aliás, a transferência para o financiamento público de
parcelas da reprodução da força de trabalho é uma tendência
histórica de longo prazo no sistema capitalista; a expulsão
desses custos do “custo interno de produção” e sua transfor­
mação em socialização dos custos foi mesmo, em algumas so­
ciedades nacionais, uma parte do percurso necessário para a
constituição do trabalho abstrato; nas grandes economias e
sociedades capitalistas contemporâneas, o Japão parece ser a
única exceção a esse respeito, no momento de decolagem da
industrialização japonesa, e, pelo menos, até há muito pouco
tempo: o específico “exército cativo de mão-de-obra” ligado
a cada empresa - pelo menos às grandes empresas - parece
um caso insólito na tradição capitalista.
O crescimento do salário indireto, nas proporções assina­
ladas, transformou-se em liberação do salário direto ou da
renda domiciliar disponível para alimentar o consumo de mas­
sa. O crescimento dos mercados, especialmente do de bens de
consumo duráveis, teve, portanto, como uma de suas alavancas
importantes, o comportamento já assinalado das despesas so­
ciais públicas ou do salário indireto. Modificações dessa monta
no rapport salariel são, pois, como tem sido repetidamente
assinalado pelos autores da corrente teórica da regulação (MÍ-
chel Aglietta, Robert Boyer, Alain Lipietz, entre outros), fato­
res dos mais importantes no longo período de expansão, que
22
O SURGIMENTO DO ANTIVALOR
vai desde os fins da II Guerra Mundial até hoje. Noutras pa­
lavras, para a ascensão do consumo de massa, combinaram-se
de uma forma extraordinária o progresso técnico, a organiza­
ção fordista da produção, os enormes ganhos de produtividade
e o salário indireto, estes dois últimos fatores compondo o
rapport salariel. A presença dos fundos públicos, pelo lado,
desta vez, da reprodução da força de trabalho e dos gastos
sociais públicos gérais, é estrutural ao capitalismo contempo­
râneo, e, até prova em contrário, insubstituível.
O padrão de financiamento público do Estado-providên-
cia é o responsável pelo continuado déficit público nos grandes
países industrializados. E este padrão que está em crise, e o
termo “padrão de financiamento público” é preferível aos ter­
mos usualmente utilizados no debate, tais como “estatização”
e “ intervenção estatal” . O primeiro destes últimos leva a supor
que a propriedade é crescentemente estatal, o que está muito
longe do real, e o segundo induz a pensar-se numa intervenção
de fora para dentro, escamoteando o lugar estrutural e insubs­
tituível dos fundos públicos na articulação dos vetores da ex­
pansão econômica. Uma série de 1971 a 1985 (International
Financial Statistics - Yearbook 1987. International Monetary
Fund, Washington) mostra que o déficit público nos países
industrializados (incluindo EUA, Canadá, Austrália, Japão,
Nova Zelândia, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Fran­
ça, Alemanha Federal, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda,
Noruega, Espanha, Suécia, Suíça e Inglaterra), cresceu, média
desses países, de 2,07% do PIB em 1972 para 4,93% do PIB
em 1984. Os Estados Unidos situaram-se na média, enquanto
outros países, como Canadá, Nova Zelândia, Bélgica, Irlanda,
Itália, Holanda e Suécia ultrapassaram a média entre uma e
três vezes. E interessante notar que a média do déficit público
como porcentagem do PIB foi geralmente dos mesmos valores
em quase todas as partes do mundo, por grupos de países, o
que sugere que as internacionalizações produtiva e financeira
estão obrigando praticamente todos os países a adotarem o
padrão de financiamento público do Estado-providência.
23
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
A crise do Estado-providência - e o termo freqüentemente
é mais associado à produção de bens sociais públicos e menos
à presença dos fundos públicos na estruturação da reprodução
do capital, revelando pois um indisfarçável acento ideológico
na crítica à crise - tem levado à “crise fiscal do Estado” nos
termos de James 0 ’Connor (The Fiscal Crisis of the State. St.
Martin’s Press, New York, 1973) devido à disputa entre fundos
públicos destinados à reprodução do capital e fundos que fi­
nanciam a produção de bens e serviços sociais públicos; ou,
na versão de Lester Thurow, a um impasse ricardiano, jogo de
soma zero, em que “o que um perde é o que o outro ganha”
(The Zero-Sum Society. Basic Books, New York, 1981).
As receitas dos governos centrais como porcentagem do
PIB têm se elevado sistematicamente desde níveis de 23% em
1971 a 27% em 1984 (International Financial Statistics- Year-
book 1987, IMF) para o conjunto dos países industrializados,
com os níveis máximos de 45,1% na Bélgica, 42,23% na Fran­
ça, 43,1% na Irlanda, 40,8% na Itália, 52,2% na Holanda,
42,8% na Noruega e 41,4% na Suécia. Paradoxalmente, paí­
ses mais potentes como os Estados Unidos estão num nível
de 30%, a Alemanha Federal situa-se em 29% e a Inglaterra
em 38,1% , esses últimos dados referindo-se a 1984. Os gas­
tos dos governos centrais situam-se, média do conjunto dos
países mais industrializados, acima de 1/3 do PIB, de novo
com uma grande heterogeneidade, ressaltando-se que os Es­
tados Unidos mantêm-se em torno da média. Não há dados
para o Japão, tanto no que se refere às receitas governamen­
tais quanto às despesas.
Ao lado do déficit público e das receitas e despesas estatais
como proporção do PIB - pelo menos 1/3 dos PlBs mais im­
portantes transitam pelos tesouros nacionais -, as proporções
e o lugar da dívida pública dos principais países confirmam o
lugar estrutural do fundo público na sociabilidade geral. Nos
últimos anos, de 1982 a 1986, variando de país a país, segundo
o último dado disponível nas International Financial Statistics
(1987, IMF), nos níveis mais baixos da dívida pública interna
e externa como porcentagem do PIB agrupavam-se países
24
O SURGIMENTO DO ANTIVAI.OK
como Bélgica (10,2%) e Suíça (11,6% ); no patamar imediata­
mente posterior, países como a Alemanha Federal (20,6%) e
França (22,7%); no patamar posterior, países como Suécia
(56,6%), Flolanda (55,5%), EUA (43,4%), Inglaterra (47,8%)
e Japão (53,8%); nos níveis máximos, países como Nova Ze­
lândia (73,1%) e Itália (81,2%), Flá, pois, uma razoável dis­
persão, mas importa notar que países da talha dos EUA, Japão,
Inglaterra, Holanda e Suécia situaram-se num patamar em que
a dívida pública corresponde à metade de seus produtos inter­
nos brutos. Salvo Alemanha Federal, França e Suíça, que se
situam nos segundo e primeiro níveis anteriormente descritos,
os países em que a dívida é metade do PIB são, indiscutivel­
mente, as mais notáveis lideranças industriais, tecnológicas e
financeiras do capitalismo contemporâneo. A Suíça é reconhe­
cidamente uma exceção, pela concentração de recursos finan­
ceiros de outros países no seu sistema bancário e financeiro.
Ainda que não perfeita, há uma indisfarçáveí relação entre a
dívida pública dos países mais importantes, suas posições no
sistema capitalista e suas dinâmicas.
O argumento da direita é que essa estatização dos resulta­
dos da produção social levaria a uma espécie de socialismo
burocrático e estacionário, diminuindo, de um lado, os recur­
sos privados destinados ao investimento e, de outro, pela ele­
vação da carga fiscal sobre pessoas e famílias, diminuindo a
propensão para o consumo; utilizando-se o esquema keyne-
siano da depressão da demanda efetiva tanto por parte das
empresas quanto das famílias, a estatização dos resultados da
produção social teria tudo para conduzir o capitalismo a um
estado estacionário, congruente com a previsão estagnacionis-
ta da maioria dos clássicos da economia, sobretudo Smith,
mais resolutamente Ricardo e secundariamente Stuart Mill.
O coração do impasse ricardiano de Thurow ou da “crise
fiscal” de 0 ’Connor - e as versões da direita são menos teo­
rizadas, salvo Hayek - não é de nenhum modo uma tendência
estagnacionista. E apenas e esse apenas é muito forte, a ex­
pressão da abrangência da socialização da produção, num sis­
tema que continua tendo como pedra angular a apropriação
25
OS DIREITOS DO ANT1VALOR
privada dos resultados da produção social. Mas, de certo
modo, ela expressa também a retração da base social da ex­
ploração, em termos marxistas, questão que será desdobrada
mais adiante.
O rompimento do círculo perfeito do Estado-providência,
em termos keynesianos, é devido, em primeira instância, à
internacionalização produtiva e financeira da economia capi­
talista. A regulação keynesiana funcionou enquanto a repro­
dução do capital, os aumentos de produtividade, a elevação
do salário real, se circunscreveram aos limites - relativos, por
certo da territorialidade nacional dos processos de interação
daqueles componentes da renda e do produto. Deve-se assi­
nalar, desde logo, que aquela circuiàridade foi possível graças
ao padrão de financiamento público do Welfare State, um dos
fatores, entre outros aliás, que levaram à crescente internacio­
nalização. Ultrapassados certos limites, a internacionalização
produtiva e financeira dissolveu relativamente a circularidade
nacional dos processos de retro-alimentação. Pois des-territo-
rializam-se o investimento, e a renda, mas o padrão de finan­
ciamento público do Welfare State não pôde - nem pode, até
agora - des-territorializar-se. Em outras palavras, a circulari­
dade anterior pressupunha ganhos fiscais correspondentes ao
investimento e à renda que o fundo público articulava e finan­
ciava; a crescente internacionalização retirou parte dos ganhos
fiscais, mas deixou aos fundos públicos nacionais a tarefa de
continuar articulando e financiando a reprodução do capital
e da força de trabalho. Daí que, nos limites nacionais de cada
uma das principais potências industriais desenvolvidas, a crise
fiscal ou “o que um ganha é o que o outro perde” emergiu na
deterioração das receitas fiscais e parafiscais (previdência so­
cial, por exemplo), levando ao déficit público. O anterior fica
muito claro quando se pensa numa multinacional com antenas
em vários países: o país-sede original não é contemplado com
retornos fiscais e parafiscais proporcionais ao investimento e
renda (inclusive salários) gerados alhures por filiais das mul­
tinacionais, enquanto o financiamento público que tenta arti­
cular a demanda efetiva continua circunscrito a sua territo-
26
O SURGIMENTO DO ANTIVALOR
rialidade. Em países como os Estados Unidos, certas atividades
das multinacionais, substituindo suas próprias produções in­
ternas, deixam ao fundo público nacional os encargos de fi­
nanciar a reprodução do capital e da força de trabalho (y
compris o seguro-desemprego), o que gera uma crescente in­
compatibilidade entre o padrão de financiamento público e a
internacionalização produtiva e financeira. Nasceu exatamen­
te dos países em que essa performance de suas próprias mul­
tinacionais é mais acabada, Estados Unidos e Inglaterra, a
reação conservadora contra o Estado-providência, pondo o
acento nos gastos estatais para a produção de bens e serviços
sociais públicos. A reação Thatcher e Reagan, que, procurando
cortar ou diminuir a carga fiscal e parafiscai (impostos e pre­
vidência social), fiou-se num comportamento neovitoriano de
empresas e famílias, utilizando - presumia-se - o alívio daque­
las cargas para fazer voltar à tona o impulso de investimento
e o consumo privados.
O fundo teórico da crise
O padrão de financiamento público do Welfare State
operou uma verdadeira “ revolução copernicana” nos fun­
damentos da categoria do valor como nervo central tanto
da reprodução do capital quanto da força de trabalho. No
fundo, levado às últimas conseqüências, o padrão do finan­
ciamento público “implodiu” o valor como único pressu­
posto da reprodução ampliada do capital, desfazendo-o
parcialmente enquanto medida da atividade econômica e da
sociabilidade em geral.
Na medida em que o padrão de financiamento público
constituiu-se em uma verdadeira esfera pública, as regras da
reprodução tornaram-se mais estáveis porque previsíveis, e da
competição anárquica emergiu uma competição segmentada.
Por certo, não deixou de haver competição no capitalismo,
mas essa se dá dentro de regras preestabeleddas e consensuais.
Essa universalização tem efeitos paradoxais, segmentando a
27
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
competição em pelo menos dois níveis; o primeiro, o circuito
dos oligopólios, e o segundo, o circuito dos capitais competi­
tivos. A rigor, o fundo público é um Ersatz do capital finan­
ceiro, indo além da teorização proposta por Hilferding.
Na forma dos títulos públicos e dos vários tipos de incen­
tivos e subsídios, é o fundo público que agiliza a circulação
do capital, e em muitos casos cumpre o papel da famosa
ponte invisível keynesiana entre quem poupa e quem inves­
te. Essa função demarca um setor oligopolista e um setor
concorrencial “ primitivo” (que não tem acesso ao fundo
público) na tradição teórica de Labini. Do ponto de vista da
teoria marxista, dissolveu-se a tendência à formação de uma
taxa média de lucro, para dar lugar, no mínimo, a duas taxas
médias: a do setor oligopolista e a do setor concorrencial
“ primitivo” . E o fundo público é decisivo na formação da
taxa média de lucro do setor oligopolista, e pelo negativo,
pela sua ausência, na manutenção de capitais e capitalistas
no circuito do setor concorrencial “primitivo” .
Imbricando-se diretamente na determinação da taxa mé­
dia de lucro do setor oligopolista, o fundo público influi de­
cisivamente, através de outros recortes, sobre a taxa de lucro
de setores inteiros e até de ramos especiais da reprodução no
interior do setor oligopolista. Recortes como “prioridades na­
cionais de segurança”, “pesquisa de ponta”, “ programas espe­
ciais de produção”, e inúmeros outros, tais como a sustentação
de produções agrícolas excedentárias, transformaram mais
uma vez a competição segmentada. O papel do fundo público
como pressuposto especial dessa segmentação retirou o capital
constante e o variável da função de parâmetro-pressuposto, e
colocou em seu lugar a relação de cada capital em particular
com o próprio fundo público. Em outras palavras, a taxa de
lucro de setores de ponta como a aeronáutica, as atividades
industriais espaciais, a informática, tem que se referir simul­
taneamente aos seus próprios capitais e à fração dos fundos
públicos utilizados para sua reprodução; isto tem um efeito
paradoxal, pois enquanto aumenta a taxa de lucro de cada
capital em particular (pois na equação particular a fração do
28
O SURGIMENTO DO ANTIVALOR
fundo público utilizada não tem remuneração ou quando a
tem é francamente subestimada) diminui a taxa de excedente
global da economia.
A rigor, trata-se de uma relação ad hoc entre o fundo pú­
blico e cada capital em particular. Essa relação ad hoc leva o
fundo público a comportar-se como um anticapital num sen­
tido muito importante: essa contradição entre um fundo pú­
blico que não é valor e sua função de sustentação do capital
destrói o caráter auto-reflexivo do valor, central na constitui­
ção do sistema capitalista enquanto sistema de valorização do
valor. O valor, não somente enquanto categoria central, mas
práxis do sistema, não pode, agora, reportar-se apenas a si
mesmo: ele tem que necessariamente reportar-se a outros com­
ponentes; no caso, o fundo público, sem o que ele perde a
capacidade de proceder à sua própria valorização. O fato de
que, finalmente, a mesma expressão monetária recubra o in­
terior dessa contradição, apresentando-a externamente como
uma unidade, não deve levar a enganos: trata-se, no caso, da
“indiferença da moeda do banco central”, que expressa apenas
uma relação entre devedores e credores, subsumindo nesta a
moeda como expressão do tempo de trabalho médio social­
mente necessário.
Do lado da reprodução da força de trabalho, que toma a
forma do financiamento público de bens e serviços sociais pú­
blicos extensivos na prática à maioria da população, as políti­
cas anticíclicas aceleradas e universalizadas - a rigor, a
social-democracia alemã e inglesa, e mesmo o Front Populaire
francês de 1936 e o New Deal rooseveltiano as precederam a
partir do fim da II Guerra Mundial foram no sentido da cres­
cente participação do salário indireto no salário total. Esses
bens e serviços funcionaram, na verdade, como antimercado-
rias sociais, pois sua finalidade não é a de gerar lucros, nem
mediante sua ação dá-se a extração da mais-valia. Dizer, como
a maior parte da crítica marxista tem dito, que contribuem
para aumentar a produtividade do trabalho, é quase um truís-
mo, posto que qualquer gasto de bem-estar deve potencial­
mente melhorar as condições de vida.
29
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
A questão teórica que se põe vai mais longe: recuperan­
do-se Sraffa (Production of Commodities by Means of Com-
modities) é possível dizer que o salário - mercadoria-padrão
para Sraffa - agora data, determina a produção de um sem-
número de bens e serviços públicos sociais, e vai mais além,
atingindo mesmo a produção de bens e serviços explorados
privadamente. De fato, indexando os benefícios sociais ao sa­
lário, o que se está fazendo é tornar o salário o parâmetro
básico da produção de bens e serviços sociais públicos. Isto é
o oposto da extração da mais-valia e, conseqüentemente, em
sua derivação, da determinação da taxa de lucro, onde os pa­
râmetros não apenas do cálculo mas da razão da mais-valia
residem na relação capital constaiite-capital variável. Se to­
marmos qualquer dos bens e serviços financiados e/ou produ­
zidos pelo fundo público, ver-se-á que seu preço é determinado
como uma quota-parte do salário: isto é, a tarifa de um serviço
público como o metrô é calculada tendo-se como referência
uma parte do salário destinada a gastos de transporte. E, em
muitos casos, na fixação de preços de bens básicos produzidos
pelo próprio setor privado, o que se tem em vista é que seu
preço represente uma certa porcentagem dos gastos dos orça­
mentos familiares.
A dialética instaurada pela função do fundo público na
reprodução do capital e da força de trabalho levou a inusitados
desdobramentos. Há, teoricamente, uma tendência à des-mer- ,
cantilização da força de trabalho pelo fato de' que os compo­
nentes de sua reprodução representados pelo salário indireto
são antimercadortas sociais. De um lado, isto representou uma
certa homogeneização do mercado e do preço da força de
trabalho, levando à autonomização do capital constante, de
que já falava Belluzzo (“A transfiguração crítica”, in Estudos
CEBRÁP n. 24), e desatando, por sua vez, a reprodução do
capital das amarras de uma antiga dialética em que as inovações
técnicas se davam, sobretudo, como reação aos aumentos do
salário direto real. A brecha para a inovação técnica, despara-
metrizada do salário real total, posto que este agora tem no
salário indireto um componente não desprezível - no mínimo
30
O SURGIMENTO DO ANTIVALOR
um terço do salário total deslanchou um processo de ino­
vações tecnológicas sem paralelo.
E simultânea a dupla operação de presença do fundo pú­
blico na reprodução da força de trabalho e do capital; não se
pode, neste caso, buscar resolver o velho enigma da precedên­
cia “da galinha ou do ovo”, mas o fato é que houve uma dupla
des-parametrização; tanto em relação ao valor ou preço da
força de trabalho quanto em relação aos valores dos capitais
originais, o capital se move agora numa relação em que o preço
da força de trabalho é indiferente do ponto de vista das ino­
vações técnicas e o parâmetro pelo qual se mede a valorização
do capital é agora um mix, em que o fundo público não entra
como valor. A contradição, pois, é que se assiste a uma elevação
da rentabilidade, ou das taxas de retorno dos capitais, gerando
a enorme solvabilidade e liquidez dos setores privados, en­
quanto o próprio fundo público dá visíveis mostras de exaus­
tão como padrão privilegiado da forma de expansão capitalista
desde os fins da II Guerra Mundial.
Nesse rastro, inclusive as predições de pauperização, en­
tendida absoluta ou relativamente, não se confirmaram. O que
se assiste é uma expansão do consumo de todas as classes nos
países mais desenvolvidos, e uma renovada e inusitada expan­
são do investimento. É por essa razão que os esquemas key-
nesianos já não são capazes de explicar os fenômenos con­
temporâneos, comprimidos entre as tenazes de uma oposição
entre propensão para consumir e propensão para poupar (ou
investir); sem incluir o fundo público em sua autonomia rela­
tiva, o esquema keynesiano tende a perder sua capacidade
paradigmática. O que torna o fundo público estrutural e in­
substituível no processo de acumulação de capital, atuando
nas duas pontas de sua constituição, é que sua mediação é
absolutamente necessária pelo fato de que, tendo desatado o
capital de suas determinações autovalorizáveis, detonou um
agigantamento das forças produtivas de tal forma que o lucro
capitalista é absolutamente insuficiente para dar forma, con­
cretizar, as novas possibilidades de progresso técnico abertas.
Isto somente se torna possível apropriando parcelas crescentes
31
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
da riqueza pública em geral, ou mais especificamente, os re­
cursos públicos que tomam a forma estatal nas economias e
sociedades capitalistas. A massa de valor em mãos dos capita­
listas, sob a forma de lucro, de cuja abundância a circulação
monetária contemporânea é a expressão, não deve iludir: ape­
sar da enorme liquidez, essa massa de valor é absolutamente
insuficiente para plasmar as novas possibilidades abertas em
acumulação de capital concreta.
O resultado desse longo processo é que o fundo público
passou a vincular-se a finalidades determinadas aprioristica-
mente, e ainda mais, pouco tem a ver com a taxa de lucro
original de cada capital. A rigor, é a partir da alocação de uma
parcela do fundo público que a taxa de retorno ou seu equi­
valente, a taxa de lucro, é calculada. Concebido como instru­
mento anticíclico, tornado permanente e insubstituível, essa
rigidez do fundo público escapa às regulações nacionalmente
territorializadas, Ela torna relativamente inócuas as políticas
econômicas em muitos aspectos, dando lugar à soberania das
políticas monetárias - e neste caso, apenas as de alguns países
- posto que a indiferença da moeda (Aglietta e Orléans. La
violence de la monnaie. PUF, Paris) do banco central é, no
fundo, a única abrangência que cobre tanto o setor de econo­
mia de mercado quanto o setor hors marché (a economia pú­
blica de bens e serviços sociais); e cobre precisamente porque,
em não sendo mais a moeda a expressão do tempo de trabalho
socialmente necessário - erodida nessa função pelo anticapital
e pela antimercadoria -, terminou por ser apenas a expressão
monetária - mas não necessariamente de valor - de uma rela­
ção entre credores e devedores.
Um desdobramento teórico particular ao campo marxista
Em termos marxistas, a função do fundo público tende a
desfazer os conceitos e realidades do capital e da força de
trabalho, esta última enquanto mercadoria, ou nos termos de
Sraffa, a mercadoria-padrão, que determina o valor e o preço
32
0 SURGIMENTO DO ANTIVA1.0R
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de qualquer outra (relevados os problemas da conversão de
valor em preços, que aliás com o fundo público tornam-se
praticamente intraduzíveis). A equação original de Marx é a
de D-M-D’ no que se refere ao circuito do capital-dinheiro.
O fundo público funcionando como pressuposto geral de cada
capital em particular transforma essa equação em anti-D-D-
M-D!(-D), sendo que o último termo volta a repor-se no início
da equação como anti-D, isto é, uma quantidade de moeda
que não se põe como valor. O último termo é uma quantidade
de moeda que tem como oposição interna a fração do fundo
público presente nos resultados da produção social, que se
expressa em moeda, mas não é dinheiro.
Do ponto de vista do circuito da mercadoria, a equação
original de Marx era a de M-D-M, e o fundo público como
estrutura imbricante transforma a equação para anti-M-M-D-
M’ (-anti-M), na qual os dois primeiros termos significam as
antimercadorias e as mercadorias propriamente ditas, e os dòis
últimos significam a produção de mercadorias e a produção
de antimercadorias. No fundo, a segunda equação fica subsu-
mida na primeira. As conseqüências teóricas dessa transfor­
mação vão se expressar na composição do capital e na taxa de
exploração. A composição do produto, na equação C +V +M ,
sofre a seguinte transformação: -C+C+V(-V)+M , na qual a
taxa de mais-valia se reduz pela presença, na equação, das
antimercadorias sociais que funcionam como um Ersatz do
capital variável. Isto quer dizer que na equação geral do pro­
duto, a taxa de mais-valia cai, enquanto na equação de cada
capital particular ela pode, e geralmente deve, se elevar.
Essa transformação repõe o problema, clássico na teoria
marxista, da tendência declinante da taxa de lucro. De fato,
em perspectiva estatística, procurando medir-se o aumento do
capital constante e o declínio do capital variável a partir da
soma dos capitais particulares, chega-se a uma incógnita sem
solução. Porque de fato já não se pode realizar teoricamente
essa soma. Tanto o capital constante não pode ser uma soma
dos capitais particulares, pois aí existe uma oposição operada
pelo fundo público para viabilizar aacumulação de cada capital
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
em particular, quanto não se pode mais medir o capital variável
sem considerar o salário indireto como uma forma oposta ao
salário direto (por isso, na equação transformada, o segundo
V tem sinal negativo). A diferença desta postulação com a
“queima de excedentes” da formulação teórica do capitalismo
monopolista de Estado, é que o fundo público não é capital,
não podendo, senão nominalmente, senão monetariamente,
ser identificado com ele; além disso, o fundo público não opera
como tendência contrarrestante à queda da taxa de lucro: de
fato, ele é uma expressão dela, e sua necessidade estrutural
insubstituível não se dá porque o capitalismo esgotou as pos­
sibilidades de acumulação; ao contrário, o fundo público com­
parece como viabilizador da concretização das oportunidades
de expansão, em face da insuficiência do lucro frente ao avas-
salador progresso técnico. Em suma, já não se pode falar mais
de “capital social total”, mas apenas de “capital em geral”. A
conseqüência teóríca mais profunda é que a lei da tendência
declinante da taxa de lucro se afirma pela retração da base
social global de exploração, enquanto, se tomarmos a velha
fórmula em seu sentido original, a base social de exploração
se ampliaria (se somássemos as antimercadorias com o salário
real direto), o que tornaria o patadigma da tendência decli­
nante inteiramente inócuo. Nos termos de Kuhn, o poder ex­
plicativo do paradigma teria perdido toda sua potência, e por
conseqüência ameaçaria o corpo teórico marxista por inteiro
(Thornas Kuhn. A estrutura das revoluções científicas. Perspec­
tiva, São Paulo).
O caminho percorrido pelo sistema capitalista, e particu­
larmente as transformações operadas pelo Welfare State, repõe
a velha questão dos limites do sistema. A famosa previsão de
Marx do fim do sistema foi lida literalmente, e interpretada
comumente como uma catástrofe ao estilo de Sansão derru­
bando as colunas do templo. Ora, a história do desenvolvi­
mento capitalista tem mostrado, com especial ênfase depois
do Welfare State, que os limites do sistema capitalista só podem
estar na negação de suas categorias reais, o capital e a força
de trabalho. Neste sentido, a função do fundo público no tra-
34
O SURGIMENTO DO ANT1VALOR
vejamento estrutural do sistema tem muito mais a ver com os
limites do capitalismo, como um desdobramento de suas pró­
prias contradições internas. Dizendo em outras palavras, as
transformações mais importantes do sistema capitalista se
dão no coração, no núcleo duro das mais importantes eco­
nomias capitalistas. O fundo público, em resumo, é o anti-
valor, menos no sentido de que o sistema não mais produz
valor, e mais no sentido de que os pressupostos da reprodu­
ção do valor contêm, em si mesmos, os elementos mais fun­
damentais de sua negação. Afinal, o que se vislumbra com
a emergência do antivalor é a capacidade de passar-se a outra
fase, em que a produção do valor, ou de seu substituto, a
produção do excedente social, toma novas formas. E essas
novas formas, para relembrar a asserção clássica, aparecem
não como desvios do sistema capitalista, mas como necessi­
dade de sua lógica interna de expansão.
Permanece, no campo marxista, uma interrogação sobre
o fetiche da mercadoria. O percurso teórico até aqui sumari-
zado tem, como necessidade intrínseca de seu desdobramento,
a anulação do fetiche da mercadoria, se esta categoria está se
desfazendo no sistema capitalista; principalmente se a força
de trabalho está se desvestindo das determinações da merca­
doria. De fato, a des-mercantilização da força de trabalho ope­
ra no sentido da anulação do fetiche: cada vez mais, a
remuneração da força de trabalho é transparente, no sentido
de que seus componentes são não apenas conhecidos, mas
determinados politicamente. Tal é a natureza dos gastos sociais
que compõem o salário indireto, e a luta política se trava para
fazer corresponder a cada item do consumo uma partida cor­
respondente dos gastos sociais. Não há fetiche, neste sentido;
sabe-se agora exatamente do que é composta a reprodução
social. Ou, em outras palavras, a fração do trabalho não-pago,
fonte da mais-valia, se reduz socialmente. Mas, parecería iro­
nia dizer que o mundo contemporâneo é completamente des-
fetichizado, pois a sociedade de massas parece a fetichização
elevada à enésima potência. Pode-se, apenas, sugerir que no
lugar do fetiche da mercadoria colocou-se um fetiche do Es­
35
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
tado, que é finaímente o lugar onde se opera a viabilidade da
continuação da exploração da força de trabalho, por um lado,
e de sua des-mercantilizaçao, por outro, escondendo agora o
fato de que o capital é completamente social.
Importa também observar que o Estado de bem-estar e
suas,instituições não são, agora, o “horizonte intransponível” ;
para além dele bate, latente, um modo social de produção
superior. Resta resolver um problema, intacto, que é o da apro­
priação dos resultados desse modo social; por enquanto, a
capacidade de reprodução desatada pela atuação do fundo
público leva água ao moinho dos proprietários de capital,
numa situação em que este mesmo capital já é fundamental­
mente socializado. Isto posto, a constituição das classes sociais
também não atingiu nenhum umbral intransponível; não há
uma “eternização” nem das classes nem das relações sociais.
Mas, decididamente, o acesso e o manejo do fundo público
são o nec plus ultra das formas sociais do futuro.
O que de fato se transformou foi a relação social de pro­
dução; na literatura marxista, a relação social de produção foi
ganhando cada vez mais uma conotação restritiva, que termi­
nou por assumir como essência aquilo que para Marx era apa­
rência (o salário como ocultação da apropriação pelos
capitalistas do valor de uso do trabalho que a força de trabalho
tem). Dessa forma, sobretudo após a crítica leninista da so-
cial-democracia e da derrocada desta à época do fascismo, o
problema da transformação do capitalismo em socialismo ti­
nha como condição prévia a derrocada da relação social de
produção em sentido restrito, quase no sentido de relação de
fábrica.
Mas a relação social de produção não se mede apenas nem
pela presença do salário nem da propriedade privada; ela in­
clui, além disso, todas as esferas necessárias para a reprodução
do capital, como a circulação, a distribuição e o consumo,
além da esfera da produção. A “revolução copernicana” da
relação social de produção, antevista pela social-democracia
alemã de antes do nazismo - o renascimento político da so­
cial-democracia não produziu nenhuma nova perspectiva dos
36
O SURGIMENTO DO ANTIVALOR
problemas teóricos principais - é a presença do fundo público
na reprodução simultânea do capital e da força de trabalho.
O bloqueio leninista, baseado no próprio Marx - ver a Critica
ao Programa de Gotha - relegou para um segundo plano quais­
quer outras mudanças na relação gíobal-social da produção.
Ora, o desenvolvimento do Welfare State é justamente a revo­
lução nas condições de distribuição e consumo, do lado da
força de trabalho, e das condições de circulação, do lado do
capital. Os gastos sociais públicos mudaram as condições da
distribuição dentro de uma relação social de produção que
parecia ter permanecido a mesma; o fundo público como fi­
nanciador, articulador e “capital em geral” mudou as condi­
ções da circulação de capitais, Estas transformações penetram
agora a esfera da produção pela via da reposição do capital e
da força de trabalho, transformados nas outras esferas. E, no
sentido de Giannotti (Trabalho e reflexão, sobretudo o capítulo
“Formas da sociabilidade capitalista”), a sociabilidade não se
constrói, apenas, pela projeção sobre os outros setores da vida
social dos valores do mercado, mas pelo contrário, tem nos
valores antimercado um de seus traços principais. Em outras
palavras, no terreno .marcadamente da cultura, da saúde, da
educação, são critérios antimercado os que fundamentam os
direitos modernos. E verdade que nestes tempos de reação
conservadora, em que parece ser o mercado, de novo, o único
critério válido, tal posição tem tudo para parecer romântica
ou fora da realidade.
Esfera pública e democracia
Mais que uma coincidência, a construção de uma esfera
pública, que é igual à “economia de mercado sociaímente re­
gulada” (termo cunhado pela social-democracia alemã de antes
da ascensão do nazismo) identificou-se ou se ergueu sobre as
bases da regulação keynesiana. Esta esfera pública é, nos países
capitalistas, sinônimo da democracia, simultânea ou concomi­
tante, e ao longo do tempo os avanços sociais que mapeavam
37
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
o acesso e a utilização do fundo público entraram num pro­
cesso de interação com a consolidação de instituições políticas
democráticas. Para todos os efeitos, pode-se considerar a cons­
trução da esfera pública e a democracia representativa como
irmãs siamesas.
Muitos críticos do Welfare State têm observado que, no
fundo, a resultante foram bastiões corporativistas, com cada
uma das classes sociais ou grupos específicos defendendo fe­
rozmente seus interesses, que não se espraiam para os outros,
confinando a gestão do Estado e dos interesses sociais a guetos
particulares, a partir dos quais políticas de caráter geral tor­
nam-se impossíveis. A direita vai mais longe, e aponta os di­
reitos lato sensu trabalhistas como obstáculos ao investimento
e à acumulação. Trata-se de uma visão conservadora, que re­
vela a aspiração de uma des-regulação total, a volta às práticas
de uma acumulação selvagem e o retorno das classes sociais,
neste caso os assalariados, à mera condição de pura força de
trabalho. Interpretações mais ingênuas vêem nas instituições
do Welfare State a harmonia total, a desaparição das classes
sociais, enquanto as interpretações mais pessimistas, vindas
estas sobretudo da esquerda comunista, viram nas instituições
e práticas da esfera pública e nas políticas do Welfare State
apenas a cooptação de largas parcelas do operariado e a anu­
lação de seu potencial revolucionário. Um esquerdismo infan­
til impenitente julga que no fundo a educação pública, a saúde
pública, a previdência social e outras instituições estruturado-
ras das relações sociais são apenas uma ilusão e contribuem
para reproduzir o capital.
O Estado de bem-estar não deixou, por isso, de ser um
Estado classista, isto é, um instrumento poderoso para a do­
minação de classe. Mas está muito longe de repetir apenas o
Estado “comitê executivo da burguesia” da concepção original
de Marx, explorada a fundo por Lênin. Trata-se, agora, na
verdade, de um Estado que Poulantzas chamou de “conden­
sação das lutas de classe”. Utilizando-se uma metáfora entre
o jogo de xadrez e o jogo de damas, pode-se dizer que o Es-
tado-providência é um espaço de lutas de classe, onde os ter­
38
O SURGIMENTO DO ANTIVALOR
ritórios de cada peça - no caso, de cada direito - são previa­
mente mapeados e hierarquizados, isto é, não se trata de um
campo isomorfo e isônomo. Os adversários sabem que ao in­
vadirem determinada área, onde a hierarquia da dama, da torre
ou do cavalo é dada, a luta de classes consiste em buscar al­
ternativas que anulem a posição previamente hierarquizada,
e o poder de fogo, das peças mais importantes. Somente entre
neófitos é que o jogo - ou a luta de classes - pode arrasar
impunemente o poder de cada peça previamente estabelecido.
Nas palavras de Przeworski, trata-se de um jogo de “ incertezas
previsíveis” . Ao contrário, o jogo de damas, onde a hierarquia
das peças é completamente horizontal - ea obtenção de “peças
coroadas” é o corolário dessa homogeneização - qualquer peça
do mesmo valor pode varrer completamente toda a formação
dejogo do adversário. A metáfora do xadrez serve para colocar
em pé o que é característico da construção da esfera pública:
a construção e o reconhecimento da alteridade, do outro, do
terreno indevassável de seus direitos, a partir dos quais se es­
truturam as relações sociais. Enquanto em sociedades sem es­
fera pública o jogo de damas é a metáfora mais pertinente: nos
Estados de mal-estar, com uma penada, o governo pode reduzir
salários, aumentar impostos a seu bel-prazer, confiscar bens -
mesmo os da burguesia.
A estruturação da esfera pública, mesmo nos limites do
Estado classista, nega à burguesia a propriedade do Estado e
sua dominação exclusiva. Ela permite, dentro dos limites das
“incertezas previsíveis” , avanços sobre terrenos antes santuá­
rios sagrados de outras classes ou interesses, à condição de que
isto se passe através de uma re-estruturaçao da própria esfera
pública, nunca de sua destruição. Representa, de um ponto de
vista mais alto e mais abstrato, o fato de que agora “os homens
fazem a história e sabem por que a fazem” . E uma negação
dos automatismos do mercado e de sua perversa tendência à
concentração e à exclusão. E, apesar da descrença teórica nas
ciências sociais da existência de sujeitos - o que é, na verdade,
uma pobre confusão nascida da multiplicidade de sujeitos que
a própria estruturação da esfera pública permite e requer -, o
39
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
resultado surpreendente é que a esfera pública e a democracia
contemporânea afirmam, de forma mais peremptória que em
qualquer outra época da história, a existência dos sujeitos po­
líticos e a prevalência de seus interesses sobre a pura lógica do
mercado e do capital.
A construção de uma esfera pública confunde-se com a
plenitude da democracia representativa nas sociedades mais
desenvolvidas, não só porque ela mapeia todas as áreas con-
flitivas da reprodução social; isto equivalería apenas a estender
ou projetar as regras das relações privadas aumaárea soi-disant
pública. O que é fundamental na constituição da esfera pública
e na consolidação democrática que lhe é simultânea, é que esse
mapeamento decorre do imbricamento do fundo público na
reprodução social em todos os sentidos, mas sobretudo crian­
do medidas que medem o próprio imbricamento acima das
relações privadas. A tarefa da esfera pública é, pois, a de criar
medidas, tendo como pressupostos as diversas necessidades da
reprodução social, em todos os sentidos. Não é mais a valori­
zação do valor per se: é a necessidade, por exemplo, da repro­
dução do capital em setores que, por sua própria lógica, talvez
não tivessem capacidade de reproduzir-se. Necessidades que
podem ser de vários tipos, como já foi citado anteriormente:
desenvolvimento científico e tecnológico, defesa nacional, são
das mais comuns, ou, tal como nos oferece hoje o exemplo da
luta contra a Aids, necessidades sociais em escala mais ampla
que não podem depender unicamente da autocapacidade de
nenhum capital especial. Na área da reprodução da força de
trabalho, tais necessidades também se impõem: não se trata
agora de prover educação apenas para transformar a popula­
ção em força de trabalho; são necessidades que são definidas
aprioristicamente como relevantes em si mesmas; que elas ter­
minem servindo, direta ou indiretamente, para o aumento da
produtividade não dissolve o fato principal, que é o de que,
agora, aquele aumento da produtividade que pode ser seu re­
sultado não é mais seu pressuposto.
Qual é a relação dessa esfera pública assim constituída com
a democracia representativa? Existe nessa constituição uma
40
O SURGIMENTO DO ANTIVALOR
transformação das relações entre as classes sociais; não é que
agora as classes sociais se subsumam no Estado, anulando a
velha irredutibilidade entre Estado e sociedade civil, que, des­
de Hegel, é a grande revolução burguesa. O ponto essencial é
que as relações entre as classes sociais não são mais relações
que buscam a anulação da alteridade, mas somente se perfazem
numa perequação - mediada pelo fundo público -, em que a
possibilidade da defesa de interesses privados requer desde o
início o reconhecimento de que os outros interesses não apenas
são legítimos, mas necessários para a reprodução social em
escala ampla. A democracia representativa é o espaço institu­
cional no qual, além das classes e grupos diretamente interes­
sados, intervém outras classes e grupos, constituindo o terreno
do público, do que estkacima do privado. São, pois, condições
necessárias e suficientes. Neste sentido, longe da desaparição
das classes sociais, tanto a esfera pública como seu corolário,
a democracia representativa, afirmam as classes sociais como
expressões coletivas e sujeitos da história. Para tomar um caso
concreto, quando alguma necessidade mais alta se coloca,
como no caso de desativar certos setores industriais, as em­
presas não podem simplesmente despedir seus trabalhadores
e empregados: essa operação é necessariamente precedida de
negociações que visam a responder à pergunta de como salva­
guardar os empregos e a renda daqueles que estão nos setores
a serem desativados. O exemplo recente da Itália, onde fortes
centrais sindicais consentiram em desindexar a curva dos sa­
lários da curva da inflação, mostra bem esse caso. "
Assim redefinidas as relações entre as classes, a capacidade
ile representação elevou-se notavelmente, e como seqüência,
<
>papel e a função dos partidos políticos. Não émais necessário
que os partidos se identifiquem, pelas suas origens sociais, com
terras classes sociais: o que é absolutamente necessário é que
des se identifiquem com tais ou quais modos de processar essa
relação social de preservação da alteridade. Por este processo,
e possível pois falar tanto de partidos de esquerda quanto de
direita, sem que isso remeta apenas a uma base social marca-
damcnte classista; mesmo assim, na história ocidental, os par­
41
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
tidos que melhor processam a gestão dessa relação são noto­
riamente partidos cuja origem foi marcadamente classista.
Tanto na organização da esfera pública quanto na da de­
mocracia representativa, a função intermediadora do fundo
público alterou as relações entre as classes e deu lugar à am­
pliação e fixação das funções das classes médias. E notável que
estas, contemporaneamente, são radicalmente novas, tendo
apenas um longínquo parentesco com a pequeno-burguesia,
sua matriz original. Como classe social, sua inserção geral na
matriz das relações sociais de produção do sistema capitalista
abrange uma série infindável de posições, que seria fastidioso
enumerar. Mas sua natureza de classe se demarca em relação
às outras, o operariado e a burguesia, pela fundação de sua
irredutibiíidade na relação social de produção; isto é, ela não
pode ser substituída nem técnica nem socialmente por nenhu­
ma outra; ela não é intercambiável, o que é característico,
também, das outras classes sociais. Emergindo ao longo de um
imenso pano de fundo histórico, tendo como matriz original
a clássica separação entre produtores e meios de produção, ela
se especificou no decorrer dos processos do Welfare State
como a classe cuja “propriedade” reside na gestão da articula­
ção entre o público e o privado; seus interesses não têm cor­
respondência com os das outras classes sociais, mas nem por
isso deixam de ser reais. O processo de constituição da esfera
pública especificou essas funções de forma ainda mais radical:
para operar a articulação entre o público e o privado, foi ne­
cessária a constituição de um grupo social especial, que se
converte em classe exatamente sem interesses dos tipos que
caracterizam as classes sociais clássicas, o proletariado e a bur­
guesia. Isto não as torna “classes bonapartistas”, pois a cons­
tituição da esfera pública exatamente demarca também seu
campo de atuação.
Esse longo processo instaurou novos modos de repre­
sentação. Agora não se trata de uma representação que se arma
a partirapenas de interesses como pressupostos, mas sobretudo
como resultados. Em termos rousseaunianos, não éda vontade
geral que se trata, mas da articulação de pontos específicos
42
O SURGIMENTO DO ANTIVA1.0R
capazes de traçar a trajetória do resultado a ser obtido. E as
classes médias se constituem num desses pontos, ou em mais
de um, sem o que o resultado a ser obtido não tem condições
de ser projetado. Daí sua enorme importância nos partidos
políticos modernos. Essas classes médias modernas superam,
inclusive, o antigo lugar da burocracia. Esta sempre foi um
agente técnico da razão de Estado; as condições da regulação
contemporânea, fundamentalmente perpassada e estruturada
pelo fundo público, diluem uma única razão de Estado, subs­
tituindo-a pelas razões particulares que ligam o fundo público
a cada movimento ou a cada capital, ou a cada condição es­
pecífica da reprodução social, incluindo-se aí a reprodução da
força de trabalho e a sociabilidade geral. A burocracia continua
a existir, por certo, mas ela não mais constitui um agente téc­
nico à parte, senão que se inclui por inteiro nas classes médias.
A crise da crise
A formalização das novas relações sociais de produção nas
instituições do Welfare State politizou a relação do fundo pú­
blico com cada segmento da reprodução social. Trata-se, em
concreto, de uma relação adboc, cujo único pressuposto geral
é o fundo público em “abstrato”. Transportado para a esfera
pública, esse ad boc parece-se com um super-Estado ou Estado
máximo; a rigor, bem observado, o que há é uma miríade de
arenas de confronto e negociação, onde o aparente Estado
máximo se converte num Estado mínimo, emaranhado no pró­
prio tecido das novas relações; se bem que, para a determina­
ção abstrata do resultado geral, o fundo público seja aquele
pressuposto unificador, a obtenção dos resultados particulares
tem no mesmo fundo público apenas uma dentre outras de­
terminações. Num terreno assim mapeado e esquadrinhado,
a autonomia do Estado relativiza-se cada vez mais, e está a
léguas de distância do suposto Estado Moloch, denunciado
pela direita.
43
I
L L
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
A crítica da direita e a passagem à ação, na linha das po­
líticas thatcheristas e reaganianas, dirige-se aparentemente ao
Estado Moloch, mas seu objetivo é dissolver as arenas especí­
ficas de confronto e negociação, para deixar o espaço aberto
a um Estado mínimo, livre de todas as peias estabelecidas a
nível de cada arena específica da reprodução social. Trata-se
de uma verdadeira regressão, pois o que é tentado é a manu­
tenção do fundo público como pressuposto apenas para o ca­
pital: não se trata, como o discurso da díreita pretende
difundir, de reduzir o Estado em todas as arenas, mas apenas
naquelas onde a institucionalização da alteridade se opõe a
uma progressão do tipo “mal infinito” do capital. E típico da
reação thatcherista e reaganiana o ataque aos gastos sociais
públicos que intervém na nova determinação das relações so­
ciais de produção, enquanto o fundo público aprofunda seu
lugar como pressuposto do capital; veja-se a irredutibilidade
da dívida pública nos grandes países capitalistas, financiando
as frentes de ponta da terceira revolução industrial.
A nova dinâmica da economia parte dessa nova situação.
Sem controles institucionais, a nova dinâmica pode exacerbar
o que é uma das características do oligopólio: a ereção de
barreiras à competição, entre as quais se inclui a não-difusão
como “mancha-de-óleo” do progresso técnico (Sylos Labini.
Oligopólio e progresso técnico. Forense - José Arthur Gian-
notti. Trabalho e reflexão. Brasiliense). Essas barreiras não ape­
nas impedirão a regulação da concorrência entre os capitais,
mas em última análise podem seccionar o mercado de força
de trabalho em duas áreas irremediavelmente separadas, cru­
zando-se como navios em silêncio. O efeito mais perverso se
dará, finalmente, na estrutura de rendas e salários, restabele­
cendo uma dualidade que o próprio sistema capitalista há mui­
to dissolveu.
O dramático é que essa possibilidade está inscrita na pró­
pria forma mediante a qual o fundo público modificou o mer­
cado de força de trabalho. Pois, pela relação salários dire-
tos/salários indiretos, a ação do fundo público homogeneizou
a estrutura do próprio salário direto num leque muito estreito.
44
O SURGIMENTO DO ANTIVALOR
Esta é a base que permitirá, por exemplo, a unificação quase
total do Mercado Comum Europeu, pois, tanto em nível do
salário indireto (gastos sociais públicos como porcentagem do
PIB e gastos sociais públicos como porcentagem da renda fa­
miliar disponível) quanto em nível do próprio salário direto,
a estrutura de rendas e salários é mais homogênea do que em
qualquer dos outros grandes blocos econômico-sociais mun­
diais. Isto não deve levar a pensar que o desenvolvimento ca­
pitalista realizou a promessa igualitária. E inegável que o leque
de rendas e salários estreitou-se, mas assim mesmo as diferen­
ças permanecem enormes: os dados disponíveis no Compen-
dium ofIncoming Distribution Statistics, ONU, 1985, mostram
que em 1979 a distância entre os 20% mais pobres da popu­
lação e os 20% mais ricos, na Inglaterra, era de 5,67 vezes;
para a Bélgica, em 1979, era de 4,56 vezes; para a Itália, em
1977, de 7,08 vezes; para a Suíça, em 1978, de 5,76 vezes;
para a Holanda, em 1981, de 4,36 vezes; para a Suécia, em
1981, de 5,64 vezes; para o Japão, em 1979, de 4,31 vezes;
para os EUA, em 1980, de 7,53 vezes; para o Canadá, em
198 1, de 7,55 vezes; e, finalmente, para a França, em 1985,
de 7,67 vezes (Denis Clerc. “Première des injustices: Les
disparités de revenus” , Le Monde Diplomatique, juiílet
1988, Paris). Resta considerar ainda que a complexa articu­
lação entre salários diretos e salários indiretos, tendo em
conta especialmente aqui o seguro-desemprego, tornou in-
compresstvel para baixo, ou inelástico à oferta de emprego,
o próprio salário direto. A nova dinâmica pode tomar essa
nova estrutura como um dado, um patamar a partir do-qual
tenta estabelecer novas diferenciações.
A baixa generalizada da taxa de sindicalização nos EUA e
na Europa parece que, entre os países mais importantes, a
Suécia é uma importante exceção -, um efeito não previsto da
nova estrutura de renda e salários pode desguarnecer os fronts
onde se trava, permanentemente, o conflito pela regulação
institucional do fundo público. A desestruturação dos grandes
sindicatos de trabalhadores é um dado tomado em conta pela
ofensiva da direita thatcherista e reaganiana. Isto pode levar
45
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
à desarticulação da alteridade, que é a condição primordial
para aquela regulação.
O ataque da direita aos gastos sociais públicos propõe,
outra vez, em lugar do Welfare State, o Estado caritativo ou
assistencialista. Tentando destruir a relação do fundo público
com a estrutura de salários, a correção das desigualdades e dos
bolsões de pobreza - que nos EUA já são imensos - será deixada
à caridade pública ou a uma ação estatal evasiva e eventual.
Isto é o melhor dos panoramas, pois convém não deixar de
pensar no pior, que seria uma mescla altamente perigosa de
assistencialismo e repressão.
Na crise atual, que re-define a própria crise do Welfare
State, a direita não propõe o desmantelamento total da função
do fundo público como antivalor. O que ela propõe é a des­
truição da regulação institucional com a supressão das alteri-
dades entre os sujeitos sócio-econômico-políticos. A
privatização que ocorre na Inglaterra e a reprivatização ocor­
rida na França durante o predomínio da direita, não são equi­
valentes à desmontagem do suporte do fundo público à
acumulação de capital; pois essa relação estrutural não pode
ser desfeita, à condição de completa anulação da possibilidade
de reprodução ampliada do capital. Não se retirou o fundo
público como fundo geral para pesquisa e desenvolvimento
tecnológico; não se retirou o Estado como comprador quase
oligopsônico da indústria armamentista; sequer se retiraram
os andaimes da relação do fundo público com a estrutura de
rendas e salários. Apesar de toda a retórica, as políticas that-
cherista e reaganiana continuam a seguir os passos, de forma
tatibitate, de uma política keynesiana emsentido amplo. Quase
toda a política fiscal, e mais ainda, a política monetária, não
se libertou daquela ampla moldagem. Que o digam a persis­
tência dos enormes déficits da economia norte-americana.
Dois pontos estão em xeque nessa ampla conjuntura. A
tese neoliberal é que, nesse passo, a ultrafiscalidade do Estado,
mantidos os controles institucionais do Welfare State, pode
ter chegado a limites que ameacem a acumulação de capital,
tolhendo as possibilidades de crescimento. O que está emjogo,
46
O SURGIMENTO DO ANTIVALOR
na aparência da ultrafiscalidade, é que o capitalismo pós-Wel-
fare State, por meio do fundo público, desatou umacapacidade
de inovações que não podem ser postas a serviço da produção
financiadas apenas pelo lucro; exigem e puncionam parcelas
crescentes do fundo público. Neste sentido, se reatualiza o
limite previsto por Marx para o sistema capitalista:o limite do
capital é o próprio capital. Mas essa voracidade não pode ser
deixada entregue a si mesma, sem controles públicos, sob pena
de transformar-se numa tormenta selvagem na qual sucumbi-
riam juntos a democracia e o sentido de igualdade nela inscrito
desde os tempos modernos. Não deve escapar à observação
que, em países como os EUA, o tamanho crescente da pobreza
já é um risco real nesse sentido.
A crise abala os fundamentos da democracia moderna. O
sistema representativo corre o risco de ser transformado numa
democracia de interesses, com mandato imperativo. Em mui­
tas condições, a democracia de interesses já atua no interior
do sistema representativo mais amplo. A profusão de lobbies
é sua expressão. Levado à sua expressão ultramontana, o Es­
tado pode se converter, realmente, num Estado completamen­
te subordinado ao capital, o que seria uma homenagem a
Marx, vinda de seus mais ferrenhos adversários e detratores.
Por esse caminho, as relações se inverteríam: em lugar do Es­
tado como organizador da incerteza da base, da infra-estrutura
em linguagem marxista, haveria uma base organizando o Es­
tado, que se transformaria na mais brutal imagem-espelho do
banquete dos ricos e do despojo de todos os não-proprietários.
Nao existe fórmula feita nem acabada para solucionar a
crise. Não se trata de uma mera crise conjuntural. Trata-se, na
verdade, de levar às últimas conseqüências a verdadeira “re­
volução copernicana” operada nas relações sociais de produ­
ção neste século, sobretudo depois da II Grande Guerra. Ao
contrário das teses da direita, o pós-Welfare State consiste em
demarcar, de maneira cada vez mais clara e pertinente, os lu­
gares de utilização e distribuição da riqueza pública, tornada
possível pelo próprio desenvolvimento do capitalismo sob
condições de uma forma transformada de luta de classes.
47
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
Quando todas as formas de utilização do fundo público esti­
verem demarcadas e submetidas a controles institucionais, que
não é o equivalente ao superior-Estado ou ao Estado máximo,
então o Estado realmente se transformará no Estado mínimo.
Trata-se da estrutura de um novo modo de produção em sen­
tido amplo, de uma forma de produção do excedente que não
tem mais o valor como estruturante. Mas os valores de cada
grupo social, dialogando soberanamente. Na tradição clássica,
é a porta para o socialismo.
48
A Economia Política da social-democracia*
O fundo público é um conceito construído para a investi­
gação dos processos peíos quais o capitalismo perdeu sua ca­
pacidade auto-regulatória; ao mesmo tempo, ele tem a
pretensão de sintetizar o complexo que tomou o lugar da auto-
regulação. No período mais recente da história das tentativas
de explicar essa perda, nas mãos e pela ótica liberal e neolibe-
ral, ela decorrería de uma “intervenção” estatal, que geralmen­
te não ultrapassa o estágio descritivo, e não se alça, pois, a um
estatuto teórico-conceituai. A esquerda, mais precisamente a
marxista, deu muito mais importância à questão, procurando
teorizar num nível mais alto; o que não quer dizer que os
resultados tenham sido satisfatórios. O termo composto “in­
tervenção estatal” é um pseudoconceito, que funciona como
panacéia. A sua simples enundação, tudo parece revelar-se, e
um processo dos mais complexos é acometido de reducionis-
*Artigo publicado na Revista USP, n. 17, mar-mai. 1993, p. 136-143. Este
texto corresponde à aula preparada como prova de erudição no Concurso
para Professor-titular da cadeira de Sociologia, do Departamento de Socio­
logia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, prestado pelo autor em 19 de outubro de 1992. Ele se beneficia
tias críticas e observações dos eminentes professores membros da banca,
Manoel Corrêa de Andrade, Roberto Schwarz, Fernando Henrique Cardoso,
Paul Singer e José Reginaldo Prandi, aos quais este artigo é dedicado. Nunca
será demais agradecer suas presenças.
49
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
mo empobrecedor que, de resto, denuncia sua matriz ideoló­
gica. Pois postula imediatamente um estatuto de exterioridade
entre o Estado e a economia, que não é o reconhecimento da
radical separação entre o Estado e sociedade, metodologica-
mente correto e ideologicamente salutar. A proposição de ex­
terioridade funciona desde logo no sentido de atribuir ao
Estado intencionalidade efinalidade econômicas próprias, ine­
rentes e imanentes (uma formulação insolitamente estranha à
própria doutrina liberal). Em seu favor, poder-se-Ía pensar es­
tar-se em presença de uma radical atualização do liberalismo,
o que significaria que as evidências sobre as transformações
do Estado não teriam atravessado o território da doutrina li­
beral, deixando-a incólume, ao custo de deixá-la incapaz.
Mas a crítica neoliberal significa que o Estado transfor­
mou-se num agente econômico com a mesma racionalidade
dos agentes privados, com o que a diferença qualitativa da
“ intervenção” perde todo sentido e eficácia. De que serviria
uma “intervenção” de um agente igual aos outros? Como con­
seguiría ele escapar seja às determinações ou aos azares dos
ciclos de negócios? Apenas pelo tamanho? Mas existem em­
presas que têm o tamanho “econômico” de Estados, e as maio­
res empresas multinacionais manejam recursos superiores aos
da grande maioria dos Estados latino-americanos, asiáticos e
africanos. Mas mesmo Estados fracos são qualitativamente di­
ferentes de uma empresa. A “intervenção” é eficaz, em pri­
meiro lugar, porque em que pese a extraordinária trans­
formação do Estado no século XX, sua radical separação com
relação à sociedade permanece (sendo o contrário também
verdadeiro of coursé) e é isso que a torna qualitativamente
diferente e imune aos azares dos negócios privados; sua racio­
nalidade é de outro nível, formada por outros elementos e
sujeita a outras determinações e contradições. Este é o núcleo
da proposição keynesiana, que a tornou revolucionária.
O processo real que se dá não é de uma “intervenção”,
posto que não é tópico nem casual? Trata-se da extrapolação
dos espaços privados ou, dizendo de outro modo, da insufi­
ciência da esfera privada para tramitar e processar novas rela-
50
A ECONOMIA POLÍTICA DA SOCIAL-DEMOCRACIA
ÇÕes sociais que, por essa razão, vê-se metamorfoseada em
esfera pública. A dialética do processo resulta em que ele é
urdido para assegurar os interesses privados, mas só o pode
fazer, somente se torna eficaz, se éles se transformam em in­
teresses gerais, públicos. Não há, portanto, ao contrário do
que afirma a denúncia liberal e neoliberal, interesse do Estado
senão na medida em que este aparece como uma instância
necessária da publicização.
Por outro lado, a crítica de esquerda, particularmente a
crítica marxista ortodoxa, tampouco foi muito feliz ao inter­
pretar a nova relação entre o Estado e a economia no capita­
lismo contemporâneo, A esquerda não-marxista não logrou
sequer pensar a questão; sobretudo a sodal-democracia, na
verdade a grande parteira prática da nova relação, não a ela­
borou teoricamente. Mais recentemente os trabalhos na linha
de Offe, Przerworski, Wallerstein, Gosta Esping-Andersen, tal­
vez Habermas, para citar um pequeno e brilhante conjunto de
tóricos que se têm debruçado sobre o Welfare State (apenas
exemplares de uma vasta bibliografia, e discordantes entre si),
voltaram-se decididamente para preencher a lacuna que o va­
zio social-democrata estava deixando quase irreparável. Mas
a maioria deles, como Offe e Habermas, talvez demasiada­
mente tarde, assinala mais os limites do Welfare e anuncia uma
sociabilidade não estruturada sobre o trabalho, a morte do
trabalho, do que teoriza, propriamente, sobre a social-demo-
cracia. Przerworski, Wallerstein e Esping-Andersen, por outro
lado, pertencem a outra linhagem. Dedícam-se a uma cuida­
dosa análise do Welfare e da social-democracia, estabelecem
tipologias, vêem seus limites, mas não os teorizam como for­
mas diferentes do capitalismo; é isto que diz até o título do
conhecido livro de Przerworski.
Voltando à crítica do marxismo ortodoxo, este cometeu
equívocos mais ou menos simétricos aos da crítica liberal à
nova relação entre o Estado e o capitalismo. A mais articulada
foi proposta na forma da teoria do capitalismo monopolista
de Estado, que é um desdobramento, uma atualização e um
avanço sobre a teoria do imperialismo de Lênin. Resumida-
S1
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
mente, a crítica do CME incidiu num erro similar ao dos li­
berais - mas com sinal trocado quando atribuiu ao Estado,
na fusão do capitalismo monopolista, o mesmo sentido, a mes­
ma direção e a mesma lógica que a dos capitais privados, anu­
lando, pois, a radical diferença entre Estado e economia e, no
fundo, entre Estado e sociedade. Em lugar da “intervenção”
liberal, a crítica marxista construiu o paradigma da unicidade
monolítica entre Estado e capitais monopolistas, isto é, a su­
bordinação total do Estado ou, teoricamente, uma estranha
desnecessidade de um Estado que se fazia necessário para com­
portar-se exatamente como os capitais privados.
Essa fusão entre Estado e capitais monopolistas não resiste
tanto à crítica sobre a indiferença que estabelece quanto àquela
voltada ao próprio conceito de monopólio. Este dificilmente
se sustenta no terreno do marxismo, pelas dificuldades que
cria no terreno da teoria da taxa média de lucro. A escola do
Capitalismo monopolista de Estado não pôde ultrapassar, nem
abandonar, o teorema da taxa média, porque permaneceu -
ou melhor, tinha necessidade de - no terreno da mercadoria,
sem o que sua própria teorização sobre a fusão entre Estado
e capitais monopolistas perderia todo e qualquer sentido. O
conceito de monopólio, se pretende dizer mais do que a evi­
dência do crescimento do tamanho das empresas e do controle
por poucos grupos de ramos inteiros da produção, esbarra
definitivamente com o teorema da taxa média de lucro, que é
central para a dinâmica do capitalismo enquanto modo de
produção a partir da mercadoria. A literatura sobre a matéria
é abundante, e mais recentemente um excelente artigo de Alt-
vater na História do Marxismo a resumiu de forma exemplar.
Mas o CME não pôde superar o teorema da taxa média, que
requer, para tanto, uma superação da própria teoria do fetiche
da mercadoria, porque a teoria do CME necessitava dela para
demonstrar que o sistema seguia sendo capitalista, explorador
de mais-valia, portanto de uma parte de trabalho nao-pago,
cuja “ magia” reside na utilização ilimitada do valor de uso da
própria mercadoria força de trabalho.
)
A ECONOMIA POLÍTICA DA SOCIAL-DEMOCRACIA
O conceito de fundo público tenta trabalhar essa nova
relação na sua contraditoriedade. Ele não é, portanto, a ex­
pressão apenas de recursos estatais destinados a sustentar ou
financiar a acumulação de capital; ele é um mix que se forma
dialetícamente e representa na mesma unidade, contém na
mesma unidade, no mesmo movimento, a razão do Estado,
que é sociopolítica, ou pública, se quisermos, e a razão dos
capitais, que é privada. O fundo público, portanto, busca ex­
plicar a constituição, a formação de uma nova sustentação da
produção e da reprodução do valor, introduzindo, mixando,
na mesma unidade, a forma valor e o antivalor, isto é, um valor
que busca a mais-valia e o lucro, euma outra fração, que chamo
antivalor, que por não buscar valorizar-se per se, pois não é
capital, ao juntar-se ao capital, sustenta o processo de valori­
zação do valor. Mas só pode fazer isso com a condição de que
ele mesmo não seja capital, para escapar, por sua vez, às de­
terminações da forma mercadoria e às insuficiências do lucro
enquanto sustentação da reprodução ampliada. A metáfora
que usaria vem da física: o antivalor é uma partícula de carga
oposta que, no movimento de colisão com a outra partícula,
o valor, produz o átomo, isto é, o novo' excedente social.
O processo de produção desse movimento, que busco con­
ceituar no fundo público, é o processo da luta de classes. Mas
é também o de seu deslocamento da esfera das relações priva­
das para uma esfera pública ou, dizendo de outra forma, o da
transformação das classes sociais de privadas para classes so­
ciais públicas. O que se quer dizer com isso? Seria mais fácil
dizer que há um deslocamento da luta de classes da esfera da
produção, do chão da fábrica ou das oficinas ou ainda dos
escritórios, para o orçamento do Estado. Mas, não apenas de
fato, mas teoricamente, não é isso que se passa, pois tanto para
que exista o fundo público quanto para que o processo de
publicização das classes sociais se dê, é absolutamente neces­
sário que também continue a luta de classe na esfera da pro­
dução ou, se quisermos dizer, no confronto imediato e direto
entre empregado e patrão, O fundo público só existe esomente
se sustenta como conseqüência da publicização das classes so­
53
OS DIREITOS DO ANTIVALOR
ciais, do deslocamento da luta de classes da esfera das relações
privadas para a das relações públicas: ele é uma espécie de
suma de todas essas transformações, as quais têm que ser re­
novadas quotidianamente, sob pena de ele perder sua eficácia.
Evidentemente, a publicização, ou o processo desse desloca­
mento, não é aleatória, conjuntural, e construiu suas institui­
ções, as quais são, na maior parte dos casos, as instituições do
Estado de bem-estar.
Entretanto, as classes sociais, seus contornos, parecem de­
saparecer. Offe, Habermas ou Giannotti (para citar os mais
rigorosos de uma vasta bibliografia, que incluiria também os
que deram “adeus”ao proletariado) anunciam o fim da socie­
dade do trabalho, o que quer dizer o fim da sociedade de
classes. Ou, fukuianamente, embora os desagrade, o fim da
história, Minha interpretação é que ocorre, de fato, que, pa­
rodiando Habermas, o máximo de publicização possível pa­
rece privatizar tudo. Mas esta é uma ilusão da aparência, posto
que as classes sociais saíram de seus invólucros anteriores, pri­
vados, e não são percebidas como públicas. Mas, quanto mais
parecem desaparecer do campo da visibilidade do confronto
privado, tanto mais são requeridas como atores da regulação
publica. Isto não é um paradoxo, mas a contradição das classes
sociais hodiernas, que é, também, a mesma do fundo público.
As conseqüências ou, dizendo de outro modo, as transfor­
mações na esfera pública e no Estado, ao mesmo tempo causa
e efeito do mesmo processo, são extremamente relevantes. A
esfera pública aqui não é mais uma esfera pública burguesa:
mas, da mesma forma como a entrada da classe trabalhadora
na disputa eleitoral redefiniu a democracia, com o que as an­
tigas desconfianças marxistas em relação à democracia perde­
ram todo o sentido, também uma esfera pública burguesa,
penetrada por um fundo público que é o espaço do desloca­
mento das relações privadas, deixa de ser apenas uma esfera
pública burguesa. Assim, de novo parafraseando Habermas,
no máximo de intransparência é possível distinguir, nitida­
mente, a esfera pública, redefinida dessa forma, da esfera pri­
vada. E isso, por exemplo, que torna possível uma campanha
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Os direitos do antivalor na UFF
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Os direitos do antivalor na UFF

  • 1. UFF/MEC/SESU , - 98NE o - ' A ÍTEM: b à VL.UN1T.:R$ °l f l X MOISÉS LIMQNAD N° EXEMPLAR: 3 EM: '^3 ! 1 1o ) 'í ^ r, VOLUME: NOTA FISCAL N°:L[ U °) DESTINO: P>/; H Os direitos do antivalor U F F - N Ú C L E O D E D O C U M E N T A Ç Ã O B IB L IO T E C A : _ S£ £ ----------------------------- Autor: 01 iveira «Franciscc* de ♦ Título:Os direi-tos do antivalo r: a econo» t ni .a . . ------------— ---------- : ------ N ° C h a m a d a * - " ■ ‘ 3 3 0 , 1 2 2 0 4 8 d 1 9 9 8' N ° R e g istro & E E l/O S _______________
  • 2. Coleção Zero à Esquerda Coordenadores: Paulo Eduardo Arantes e Iná Camargo Costa - Desafortunados D avid Snow e Leon Anderson - Diccionario de bolso do almanaque philosophico zero à esquerda Paulo E duardo A rantes - Os direitos do antivalor Francisco de O liveira - Em defesa do socialismo Fernando H ad d ad - Geopolítica do caos Ignacio R am on et - Globalização em questão Paul H irsí e G rabam e Thom pson - A ilusão do desenvolvimento G iovani Arrighi - Os moedeiros falsos Jo sé Luís Fiori -As metamorfoses da questão social Robert C astel -Poder e dinheiro: Uma economia política da globalização M aria da C onceição Tavares e Jo sé Luís Fiori (O rgs.) - Terrenos vulcânicos D o lf O ehler - Os últimos combates Robert Kurz Conselho E ditorial da C oleção Zero à Esquerda: Otília Beatriz Fiori Arantes Roberto Schwarz Modesto Carone Fernando Haddad Maria Elisa Cevasco Ismail Xavier José Luís Fiori Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Oliveira, Francisco de, 1933 - Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita / Francisco de Oliveira. -Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. ISBN 85-326-1996-7 1. Capitalismo 2. Social-democracia 3. Valor (Economia) I. Título. 98-0906 CDD-338.521 índices para catálogo sistemático: 1. Antivalor: Teorias: Economia 338.521
  • 3. I Francisco de Oliveira Os direitos do antivalor A economia política da hegemonia imperfeita 111 tJ v í ) ’ , f- ' %fá EDITORA Y VOZES Petrópolis 1998
  • 4. © 1997, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ Internet: http://www.vozes.com.br Brasil Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. PRESIDENTE Gilberto M.S. Piscitelli, OFM DIRETOR EDITORIAL Avelino Grassi EDITOR Lídio Perettí Edgar Orth DIRETOR INDUSTRIAL José Luiz Castro EDITOR DE ARTE Omar Santos EDITORAÇÃO Editoração e organização literária: Otaviano M. Cunha Revisão gráfica: A. Tavares Capa e projeto gráfico: Maríana Fix e Pedro Fiori Arantes Supervisão gráfica: Valderes Rodrigues | ® FICHA TÉCNICA DA VOZES ISBN 85-326-1996-7 - i>rlr LC - divisão tio Satvlç®» Tóaulw* . 9 ? Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda. em abril de 1998.
  • 5. À minha mãe, Joventina: Todas as gerações te chamarão Jovem, Joventina. Às minhas irmãs: Etelvina, Isabel, Iraci (in memoriam), Conceição, Assunção, Tercina, Auxiliadora. Aos meus irmãos: José (in memoriam), Antonio (in memoriam), Luis (in memoriam), Guido, Tadeu Para Victor Hugo, alegria.
  • 6.
  • 7. SUMÁRIO í w e * lB W otoi* ** tcoM nnt Jfcdmntstt ttaçàa I 9 Introdução 1 7 PARTE I - DO MERCADO AOS DIREITOS 19 O surgimento do antivalor 49 A economia política da social-democrada 63 Políticas do antivalor, e outras políticas 77 PARTE II-A QUASE HEGEMONIA 79 A metamorfose da arribaçã 121 Crise e concentração 159 A quase-hegemonia 1 6 3 PARTE III - SUAVE É O TERROR 165 Quem tem medo da governabilidade? 197 Além da hegemonia, aquém da democracia 205 A vanguarda do atraso e o atraso da vanguarda 223 Dominantes e dominados na perspectiva do milênio
  • 8.
  • 9. INTRODUÇÃO Devo à generosa insistência de Paulo Arantes, amigo e co­ lega da FFLCH-USIJ um dos coordenadores da Coleção Zero à Esquerda, a sugestão para organizar e publicar este livro que, além disso, deve-lhe também o título completo, recebido na pia batismal de Paulo, sacerdote dos “zero à esquerda” pois, como todos sabem, somos uma seita. Este livro se inscreve, orgulhosamente, na linha imprimida à coleção , tentando so- mar-se aos esforços dos que, no Brasil (e não apenas os que têm seus trabalhos publicados nesta coleção), buscam manter- se no terreno crítico de uma produção intelectual que recusa o “pensamento único”, o conformismo bem remunerado e os álibis para transitarem da esquerda para a direita, pretextos bem pensantes por trás dos quais esconde-se uma nova posição de classe, “et pour cause” quando proclamam a inexistência das classes no capitalismo contemporâneo. Este livro está organizado em três partes. A primeira, Do mercado aos direitos, contém dois artigos que tratam do tema da regulação do capitalismo - nada aver com achamada Escola da Regulação, outrora capitaneada por Michel Aglietta - cons­ truída através do conflito e cuja característica básica consti­ tuiu-se , segundo a interpretação adotada, em um trânsito da produção de mercadorias regulada sobretudo pelo mercado para aquela cuja regulação dependeu basicamente dos direitos da cidadania, alicerçados sobretudo nos novos direitos sociais e do trabalho; é a regulação que o neolíberalismo especifica­ mente combate e trata de destruir. No dizer de um François 9
  • 10. OS DIREITOS DO ANTIVALOR Ewald, em seu L’État-Providence, trata-se de um trânsito do paradigma do contrato mercantil, estruturado nos códigos na- poleônicos, ao paradigma da segurança, estruturado pelo Wel- fare State. Ao lado deles comparece uma entrevista à revista Teoria & Debate, editada pelo Partido dos Trabalhadores, na qual, pela boa organização e consistência das questões propos­ tas por Fernando Haddad, volto aos temas do antivalor, me­ lhorando, penso eu, a exposição de algumas de suas principais proposições. Faltaria, para completar essa parte, um capítulo que dialogasse com as críticas que “O surgimento do antivalor” e “A economia política da social-democracia” receberam desde que foram publicados. Menos que contestar, tratar-se-ia de contrapor argumentos às críticas feitas por Francisco Paulo Cipolla, em artigo publicado também na Noivos Estudos Ce- brap, que remarca, por meio de uma rigorosa sistematizaçao dos esquemas da produção da mais-valia e da reprodução do capital em Marx, o impasse das proposições do “antivalor”. A segunda crítica foi elaborada por Roseli Martins Coelho em sua tese de doutorado “Social-democracia: A chantagem do capitalismo”, defendida no Departamento de Filosofia da FFLCH-US1? de cuja banca tive a honra de participar, e que contesta a tese da desmercantilização da força de trabalho, um dos elementos estruturantes do antivalor ou das antimercado- rias, porque, segundo sua argumentação, os recursos fiscais que constituem os fundos públicos, suportes do antivalor na minha interpretação, são derivados de impostos pagos pela população em geral e particularmente pelos trabalhadores. Não havería, pois, a pretendida desmercantilização, mas, ao invés, um aumento da exploração e da mais-valia por vias indiretas. Infelizmente, a tese de Roseli Martins Coelho ainda não foi publicada, e portanto assumo os riscos de fazer sua síntese. A terceira crítica recebida partiu de Francisco José Soares Teixeira, colega da Universidade Federal do Ceará, co­ nhecido do público por seu Pensando com Marx, Editora En­ saio, que em correspondência pessoal transmitiu-me o teor de sua argumentação; creio que Soares Teixeira ainda não publi­ cou o trabalho. A meu modo de ver, Teixeira critica o uso 10
  • 11. INTRODUÇÃO abusivo e incoerente das categorias e conceitos de Marx em o Antivalor e emA economia política da social-democracia, que me levaria, inapelaveImente, a juntar-me a Habermas, Offe, Gorz e outros, esvaziando os conceitos de classe social, de luta de classes e, por conseqüência, da mais-valia, tornando meu esquema, portanto, insustentável em si mesmo. São três críticas poderosas, bem estruturadas, com as quais tentarei dialogar em artigo em preparo, que possivelmente poderá vir a integrar este Os direitos do antivalor em alguma segunda edição, se a recepção desta primeira assim aconselhar. Confesso antecipa­ damente - com a liberdade do diálogo que me permite a gran­ deza dos meus críticos, mas sem me estender, posto que não apenas ainda não elaborei completamente as possíveis respos­ tas aos mesmos, e, ainda, por decoro intelectual, já que duas das críticas citadas ainda não são de um domínio público mais amplo - que a crítica de Teixeira Soares me parece mais exe- gética, do tipo “não foi assim que Marx escreveu e pensou” ; decididamente, não sou marxista para manter-me nos limites estritos, ainda que formidavelmente amplos, do que Marx pen­ sou. Na melhor tradição do próprio Marx, ele próprio discí­ pulo de algumas das mais importantes vertentes do pensamento ocidental, e nas pistas de Antonio Negri, num de seus mais importantes livros, sou marxista - eis o jurássico - para ir “au-delá de Marx” . Além disso, não me incomoda, e pelo contrário, muito me honra, estar na companhia dos cita­ dos por Teixeira Soares. Faltaria fazer a pergunta de Garrincha, isto é, se Habermas, Offe, Gorz eoutros se sentem confortáveis com essa companhia? Penso que Teixeira Soares esqueceu-se de juntar ao grupo Robert Kurz, mas talvez este esteja excluído do grupo excomungado porque Kurz faz praça da mais rigo­ rosa dialética, embora seja bastante claro que ele, sim, aban­ donou e rejeita explicitamente o Marx da luta de classes. Acontece, para adiantar um pouco o argumento anti-Teixeira Soares, que não me considero fazendo parte do honorável grupo porque, para mim, a perda da centralidade, para aceitar o argumento de Teixeira Soares, ela própria é produto do con­ flito. Em outras palavras, a perda da centralidade é uma luta 11
  • 12. OS DIREITOS DO ANTIVALOR ideológica, produzida no centro do conflito, claríssima nos tempos de neoliberalismo e globalização, que se dá pela ten­ tativa de destruição do fundo público como mecanismo regu­ lador do capitalism o. Para tanto, faz-se necessário “desproletarizar” a sociedade, isto é, borrar o projeto de classe da face da terra. Não se trata, pois, nem de determinismo tecnológico, que, de algum modo, mesmo atenuadamente, en­ contra abrigo no argumento dos autores citados, nem do con­ flito entre o mundo da vida e o mundo sistêmico, ao modo de Habermas, nem de uma desproíetarização pelo deslocamento da divisão social do trabalho para os serviços, como em Offe e em Gorz. Nem muito menos da predominância exclusiva do “sujeito autônomo” de Kurz, uma espécie de piloto automático do capitalismo. Este não percebe que a contradição latente na obra de Marx , que não permite a resolução do problema que .ele propõe, é entre o “sujeito autônomo” hegeliano e a luta de classes empírica; esta, como realidade dos homens, perturba a marcha do espírito, que no fundo é o “sujeito autônomo” de Kurz, construção inteiramente idealista, por mais que ele brinque de materialista dialético, como volta a fazê-lo em ar­ tigo no Caderno Mais, Folha de S.Paulo, I o de fevereiro de 1998, sobre os cento e cinqüenta anos do O manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels. A primeira parte deveria conter, também, uma revisita ao antivalor, para reavaliá-lo do ponto de vista da hegemonia neoliberal e dos processos da globalização, que parecem, em tudo e por tudo, ser o mais cabal desmentido às proposições centrais do antivalor. Aqui também não terminei ainda esse tipo de trabalho, que fica prometido também para uma pos­ sível segunda edição deste livro, e faz-se necessária e urgente mesmo se não houver essa segunda chance. A meu modo de ver, abusando ainda desta introdução, o processo da globali­ zação acentua as contradições da forma-valor ao limite do quase-intransponível, e as sucessivas crises das quais não con­ segue sair esse sistema vitorioso, hegemônico e aparentemente sem negatividade, são as mostras mais aparentes de como a tentativa neoliberal de desregulação e de destruição das anti- 12
  • 13. INTRODUÇÃO mercadorias requerem - hélas - o concurso de recursos pú­ blicos cujo crivo não é o valor. Em outras palavras, para cons- truir-se o pretenso mercado auto-regulado, que dispensaria tudo o mais a não ser os próprios critérios da lucratividade, faz-se necessário muito Estado, muitos recursos públicos. Tan­ to no nível internacional quanto no nível nacional, essa con­ tradição salta, cotidianamente, para as páginas dos jornais! Mas, é evidente que essa antecipação não dá conta de tudo, questão que pretendemos abordar num futuro bem próximo. A segunda parte, intitulada A quase-hegemonia muda o registro do plano mais geral para o plano brasileiro. Ela é constituída de material sobre as bases materiais e sociais da dominação burguesa no Brasil, um artigo já antigo sobre os novos poderes econômicos no Nordeste pós-Sudene, e outro sobre concentração e centralização industrial em São Paulo. Os dois foram publicados na Novos Estudos Cebrap, e são artigos em colaboração com antigos colegas de pesquisa no Cebrap. Em “A metaformose da arribaçã”, que se refere ao Nordeste, eu sou o autor principal, enquanto em “ Quem é quem na indústria paulista”, o autor principal é Alexandre Comin. Mas, sem roubar nenhuma autoria, não apenas sou também co-autor do referido artigo, como ele saiu de um pro­ jeto desenvolvido no Cebrap sob minha coordenação e, sem desmedro dos meus colegas, todos reconhecem minha respon­ sabilidade na inspiração teórica do projeto de pesquisa e do artigo. Por isso, o utilizo dentro desta coletânea. A formação dessas bases sociais que, a meu ver, rompem com a antiga segmentação das burguesias no Brasil, dariam lugar à constituição de uma hegemonia burguesa, ausência que pontua os formidáveis conflitos dos últimos sessenta anos de desenvolvimento capitalista no Brasil, marcados por 35 anos de ditadura, e uma freqüência de um golpe, dois bem-sucedi­ dos, e os demais não evitados pela reação de forças populares ou frustrados pela mesma incompletude das rivalidades intra- burguesas, a cada três anos da história brasileira desde a Re­ volução de Trinta. Essa é a história do país “cordial” ! Assumi durante algum tempo essa hipótese, gramsciana, evidentemen­ 13
  • 14. OS DIREITOS DO ANTIVALOR te, face ao sucesso da ampla coalizão política liderada por Fernando Henrique Cardoso, unificando do centro para a di­ reita, do Amazonas ao Rio Grande do Sul, cuja base estaria no “senso comum” das vantagens da estabilidade monetária al­ cançada desde a “Regência” Fernando Henrique - na síndrome de abstinência de Itamar - e que catapultou o presidente de um quase provável limbo político até a presidência (imperial) da República. Em outras palavras, em termos gramscianos, a estabilidade monetária havia construído um amplo consenso que entre dominantes e dominados, e seria esse consenso que teria soldado, sobre as bases materiais da ampliação da domi­ nação de classe no Brasil, matéria dos dois primeiros artigos- capítulos, as antigas clivagens burguesas setoriais e regionais. Essa hipótese é esboçada em entrevista à Folha de S. Paulo, que é aqui utilizada. A terceira parte do livro, “Suave é o terror: O neolibera- lismo termidoriano no Brasil”, diz logo a que vem. Ela é aberta com artigo publicado também na Novos Estudos Cebrap, ela­ borado ainda antes da posse de Fernando Henrique Cardoso na presidência, em que trato de esboçar o que me parecia, segundo as indicações fornecidas pelos discursos políticos do então candidato, pelo confronto durante a campanha eleitoral, em que a cínica utilização da antiga prepotência de classe foi ostensiva, pelas medidas já tomadas desde sua “regência” no Ministério da Fazenda, pelas alianças políticas até a extrema direita - sim, porque é comum considerar no Brasil a extrema direita como sendo atributo exclusivo de Paulo Maluf, enquan­ to a “ternura” de Antônio Carlos Magalhães o tem posto a salvo de ser também incluído no lugar que, talvez mais que a Paulo Maluf, de direito e de fato lhe pertence -, os rumos do futuro governo. Parece que os fatos não desmentiram as con­ jecturas discutidas no artigo. Enfim, trata-se, ao incluí-lo aqui, não de mostrar quaisquer dotes proféticos, mas de procurar encontrar a coerência do governo, em lugar de permanecermos surpresos com a conversão de um antigo intelectual e militante de esquerda. 14
  • 15. INTRODUÇÃO Em “Além da hegemonia, aquém da democracia” prepa­ rado para um seminário sobre Gramsci no Instituto de Estudos Avançados da USI^ rebato minha própria entrevista, que consta da segunda parte, sobre o governo Fernando Henrique Car­ doso como expressão da hegemonia burguesa, síntese de um longo processo de ajustes de contas no interior do bloco do­ minante. Minha hipótese, francamente frankfurtiana, é a de que a burguesia já não trata de integrar os dominados ao seu próprio campo de significados, mas, ao contrário, o processo de destituição dos direitos sociais em curso nada tem a ver com hegemonia, mas com exclusão. Esta tem um sentido forte, e não apenas economicista, o de inclusão ou exclusão no mer­ cado, um feito que, afinal de contas, a burguesia, mesmo que se pretenda divina, não pode fazer. Porque mesmo o mendigo mais miserável consome mercadorias. Mas é no campo dos direitos, do conflito pelos direitos, da negação dos direitos, que se plasma o que chamei o totalitarismo neoliberal. “A vanguarda do atraso e o atraso da vanguarda” texto- base da conferência magistral proferida, por obra e graça da generosidade do meu amigo Emir Sader, no XXI Congresso da Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS) e pu­ blicado na revista Praga, elabora o que se anuncia no capítulo anterior. Na verdade, como acontece comumente na elabora­ ção de coletâneas, o texto da ALAS e revista Praga é anterior ao do Instituto de Estudos Avançados, que procurou justificar teoricamente o abandono da hipótese de hegemonia. A terceira parte se fecha com um texto publicado em O livro da profecia, editado pelo Senado Federal sob a presidência do Senador José Sarney, intitulado “Dominantes e dominados na perspectiva do milênio: Do Iluminismo para a reação”, no qual procuro caracterizar o sentido da grande mudança, isto é, o sentido da história brasileira, desde a Colônia, por sobre as misérias que o escravismo perpetrou atualizadas, parcial­ mente rompidas ou simplesmente reiteradas, num processo profundamente contraditório, violento, cruel e sangrento, era conduzido, apesar de tudo, sob o signo do Iluminismo, com todas as contradições da modernidade fundamente denuncia­ 15
  • 16. OS DIREITOS DO ANTIVALOR das e trabalhadas pela Escola de Frankfurt. “A marca da mal­ dade” orsonwelliana é a mudança do sentido da história para o signo da reação, do conservadorismo. No Brasil, como no mundo, o que está em jogo é o próprio sentido da civilização. Este livro, portanto, desde seu título, quer marcar essa tentativa de ruptura que se opera à nossa vista e que, como nos sugeriu Bergman, é como o ovo da serpente. Processa-se transparentemente e, por isso, parece inofensivo. Dá-se pelos mesmos mecanismos instituticionais formalmente democráti­ cos: eleições diretas, alternância, poderes constitucionais in­ dependentes. Mas, “suave é o terror” : essa transparência e essa formalização mascaram o mais formidável ataque às próprias instituições e aos direitos de que tem notícia a história brasi­ leira. Digamos, para insistir no refrão do exagero e, assim, não decepcionar meus críticos, que ele é mais letal do que o próprio escravísmo: enquanto este foi a forma pela qual a construção da mercadoria se elaborava sob as chicotadas mercantis, ins­ tituindo regras pelas quais o escravo poderia ultrapassar o es­ tatuto da “peça” para ingressar no mundo da mercadoria, ou coletivamente, pela Abolição, ou individualmente, pelas di­ versas formas de alforria, o “suave terror” neoliberal instaura uma espécie de sociedade de castas, onde os “intocáveis” não serão os personagens de Brian de Palma, mas todos os desti­ tuídos dos direitos. Eles serão “intocáveis” pelos direitos. Este livro, com toda sua heterogeneidade , incompletude e mal-balanceamento, sabendo-se “zero à esquerda”, quer ser parte da luta dos que pretendem barrar o caminho do “suave terror” e construir uma alternativa democrática, imperfeita. 5. Paulo, fevereiro de 1998. 16
  • 17. PARTE I DO M ERCA D O AOS DIREITOS
  • 18.
  • 19. O Surgimento do Antivalor Capital, força de trabalho e fundo público* Introdução: A crise do Estado-providência Nas últimas cinco décadas, acelerada e abrangentemente, o que se chama Welfare State, como conseqüência das políticas originalmente anticíclicas de teorização keynesiana, consti­ tuiu-se no padrão de financiamento público da economia ca­ pitalista. Este pode ser sintetizado na sistematização de uma esfera pública onde, a partir de regras universais e pactadas, o fundo público, em suas diversas formas, passou a ser o pres­ suposto do financiamento da acumulação de capital, de um lado, e, de outro, do financiamento da reprodução da força * Publicado em Novos Estudos Cebrap, n° 22, outubro de 1988. Sem a acolhida, quem sabe até entusiasmada demais, e a crítica de Rodrigo Naves, José Arthur Giannotti, Roberto Schwarz, Luiz Felipe de Alencastro, Geraldo Müller, Otacílio Nunes, Carlos Alberto Bello, Elson Luciano Pires e Hélio Correia Lino, este ensaio não aparecería agora, permanecendo, talvez, numa longa ruminação, que vem desde uma bolsa de pós-doutoramento patroci­ nada pelo CNPq e CNRS em Paris. Para além dos agradecimentos formais de praxe, meu reconhecimento não pode deixar de ancorar-se nos amigos e instituições, particularmente, neste caso, minha casa -o CEBRAP-, dispostos a patrocinar uma discussão que rema contra a maré montante do Moíoch privatista neoíiberal, o “ai-jesus” de hoje no Brasil, que uma vez mais mostra como as “idéias podem estar fora do lugar”. 19
  • 20. OS DIREITOS DO ANTIVALOR de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos gastos sociais. A medicina socializada, a educação universal gratuita e obrigatória, a previdência social, o seguro-desemprego, os sub­ sídios para transporte, os benefícios familiares (quotas para auxílio-habitação, salário família) e, no extremo desse espec­ tro, subsídios para o lazer, favorecendo desde as classes médias até o assalariado de nível mais baixo, são seus exemplos. A descrição das diversas formas de financiamento para a acumu­ lação de capital seria muito mais longa: inclui desde os recursos para ciência e tecnologia, passa pelos diversos subsídios para a produção, sustentando a competitividade das exportações, vai através dos juros subsidiados para setores de ponta, toma em muitos países a forma de vastos e poderosos setores estatais produtivos, cristaliza-se numa ampla militarização (as indús­ trias e os gastos em armamentos), sustenta a agricultura (o financiamento dos excedentes agrícolas dos Estados Unidos e a chamada “Europa Verde” da CEE), e o mercado financeiro e de capitais através de bancos e/ou fundos estatais, pela uti­ lização de ações de empresas estatais como blue chips, intervém na circulação monetária de excedentes pelo open market, man­ tém a valorização dos capitais pela via da dívida pública etc. A descrição anterior pode ser refutada com a afirmação de que toda a vasta gama de subsídios e auxílios públicos é constitutiva do próprio capitalismo, não sendo marca especí­ fica do Estado-providência. Mas essa objeção não capta a di­ ferença de natureza entre esses dois momentos. De fato, a formação do sistema capitalista é impensável sem a utilização de recursos públicos, que em certos casos funcionaram quase como uma “acumulação primitiva” desde o casamento dos tesouros reais ou imperiais com banqueiros e mercadores na expansão colonial até a despossessão das terras dos índios para cedê-las às grandes ferrovias particulares nos Estados Unidos, a privatização de bens e propriedades da Igreja desde Henrique VIII até a Revolução Francesa; e, do outro lado, as diversas medidas de caráter caritativo para populações pobres, de que as “Poors Houses” são bem o exemplo no caso inglês. Contra 20
  • 21. O SURGIMENTO 1)0 ANTIVAI.OK esse caráter pontual, que dependia ocasionalmente da força e da pressão de grupos específicos, o financiamento público con­ temporâneo tornou-se abrangente, estável e marcado por re­ gras assentidas pelos principais grupos sociais e políticos. Criou-se, como já se assinalou, uma esfera pública ou um mer­ cado institucionalmente regulado. Entretanto, a mudança mais recente das relações do fundo público com os capitais particulares e com a reprodução da força de trabalho representa uma “revolução copernicana”. Para resumir uma tese que se desdobrará ao longo deste ensaio, o fundo público é agora um ex-ante das condições de repro­ dução de cada capital particular e das condições de vida, em lugar de seu caráter ex-post, típico do capitalismo concorren­ cial. Ele é a referência pressuposta principal, que no jargão de hoje sinaliza as possibilidades da reprodução. Ele existe “ em abstrato” -antes de existir de fato: essa “revolução copernicana” foi antecipada por Keynes, ainda que a teorização keynesiana se dirigisse à conjuntura. A per-equação da formação da taxa de lucro passa pelo fundo público, o que o torna um compo­ nente estrutural insubstituível. Do lado da reprodução da força de trabalho, a ascensão do financiamento público não foi menos importante. “As des­ pesas públicas, destinadas à educação, à saúde, pensões e ou­ tros programas de garantia de recursos aumentaram, durante os vinte últimos anos no conjunto dos países da OCDE, quase duas vezes mais rapidamente do que o PIB, e elas foram o elemento dominante no crescimento das despesas públicas to­ tais: desde 1960, elas passaram, no conjunto dos sete maiores países da OCDE, de cerca de 14% a mais de 24% do PIB” (“Dépenses sociales: érosion ou evolution?”, UObservateur de 1’OCDE, n° 126, janvier 1984, OCDE, Paris, trad. do autor). Essa média resultou de evoluções, país por país, de 19% para 26% na República Federal da Alemanha, de 16% para 25% na França, de 16% para 23% na Itália, de 16% para 30% na Holanda, de 16% para 28% na Bélgica; entre 1969 e 1981, de 18% para 27% na Dinamarca e de 15% para 22% na In­ glaterra. Entre 1965 e 1981, as despesas sociais públicas, como 21
  • 22. OS DIREITOS DO ANTIVALOR porcentagem da renda disponível domiciliar, passaram de 28% para 46% na República Federal da Alemanha, de 24% para 42% na Holanda, de 25% para 33% na França, de 22% para 27% na Itália, de 22% para 33% na Bélgica e, na Inglaterra, entre 1969 e 1981, de 24% para 33%. Quer dizer que em sete grandes países industrializados, nata do Primeiro Mundo, com exceção dos Estados Unidos e do Japão, o salário indireto tem uma importância, em relação ao salário direto (assimilando a renda domiciliar a este conceito), que vai de um mínimo de 33% ao máximo de 45%, até o último ano para o qual se dispõe de dados (Ch. André, “Les evolutions spécifiques des diverses composants du salaire indirect à travers de la crise”, Critiques de EÉconomie Politique, h. 26-27, janvier-juin, 1984, Paris). Aliás, a transferência para o financiamento público de parcelas da reprodução da força de trabalho é uma tendência histórica de longo prazo no sistema capitalista; a expulsão desses custos do “custo interno de produção” e sua transfor­ mação em socialização dos custos foi mesmo, em algumas so­ ciedades nacionais, uma parte do percurso necessário para a constituição do trabalho abstrato; nas grandes economias e sociedades capitalistas contemporâneas, o Japão parece ser a única exceção a esse respeito, no momento de decolagem da industrialização japonesa, e, pelo menos, até há muito pouco tempo: o específico “exército cativo de mão-de-obra” ligado a cada empresa - pelo menos às grandes empresas - parece um caso insólito na tradição capitalista. O crescimento do salário indireto, nas proporções assina­ ladas, transformou-se em liberação do salário direto ou da renda domiciliar disponível para alimentar o consumo de mas­ sa. O crescimento dos mercados, especialmente do de bens de consumo duráveis, teve, portanto, como uma de suas alavancas importantes, o comportamento já assinalado das despesas so­ ciais públicas ou do salário indireto. Modificações dessa monta no rapport salariel são, pois, como tem sido repetidamente assinalado pelos autores da corrente teórica da regulação (MÍ- chel Aglietta, Robert Boyer, Alain Lipietz, entre outros), fato­ res dos mais importantes no longo período de expansão, que 22
  • 23. O SURGIMENTO DO ANTIVALOR vai desde os fins da II Guerra Mundial até hoje. Noutras pa­ lavras, para a ascensão do consumo de massa, combinaram-se de uma forma extraordinária o progresso técnico, a organiza­ ção fordista da produção, os enormes ganhos de produtividade e o salário indireto, estes dois últimos fatores compondo o rapport salariel. A presença dos fundos públicos, pelo lado, desta vez, da reprodução da força de trabalho e dos gastos sociais públicos gérais, é estrutural ao capitalismo contempo­ râneo, e, até prova em contrário, insubstituível. O padrão de financiamento público do Estado-providên- cia é o responsável pelo continuado déficit público nos grandes países industrializados. E este padrão que está em crise, e o termo “padrão de financiamento público” é preferível aos ter­ mos usualmente utilizados no debate, tais como “estatização” e “ intervenção estatal” . O primeiro destes últimos leva a supor que a propriedade é crescentemente estatal, o que está muito longe do real, e o segundo induz a pensar-se numa intervenção de fora para dentro, escamoteando o lugar estrutural e insubs­ tituível dos fundos públicos na articulação dos vetores da ex­ pansão econômica. Uma série de 1971 a 1985 (International Financial Statistics - Yearbook 1987. International Monetary Fund, Washington) mostra que o déficit público nos países industrializados (incluindo EUA, Canadá, Austrália, Japão, Nova Zelândia, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Fran­ ça, Alemanha Federal, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Espanha, Suécia, Suíça e Inglaterra), cresceu, média desses países, de 2,07% do PIB em 1972 para 4,93% do PIB em 1984. Os Estados Unidos situaram-se na média, enquanto outros países, como Canadá, Nova Zelândia, Bélgica, Irlanda, Itália, Holanda e Suécia ultrapassaram a média entre uma e três vezes. E interessante notar que a média do déficit público como porcentagem do PIB foi geralmente dos mesmos valores em quase todas as partes do mundo, por grupos de países, o que sugere que as internacionalizações produtiva e financeira estão obrigando praticamente todos os países a adotarem o padrão de financiamento público do Estado-providência. 23
  • 24. OS DIREITOS DO ANTIVALOR A crise do Estado-providência - e o termo freqüentemente é mais associado à produção de bens sociais públicos e menos à presença dos fundos públicos na estruturação da reprodução do capital, revelando pois um indisfarçável acento ideológico na crítica à crise - tem levado à “crise fiscal do Estado” nos termos de James 0 ’Connor (The Fiscal Crisis of the State. St. Martin’s Press, New York, 1973) devido à disputa entre fundos públicos destinados à reprodução do capital e fundos que fi­ nanciam a produção de bens e serviços sociais públicos; ou, na versão de Lester Thurow, a um impasse ricardiano, jogo de soma zero, em que “o que um perde é o que o outro ganha” (The Zero-Sum Society. Basic Books, New York, 1981). As receitas dos governos centrais como porcentagem do PIB têm se elevado sistematicamente desde níveis de 23% em 1971 a 27% em 1984 (International Financial Statistics- Year- book 1987, IMF) para o conjunto dos países industrializados, com os níveis máximos de 45,1% na Bélgica, 42,23% na Fran­ ça, 43,1% na Irlanda, 40,8% na Itália, 52,2% na Holanda, 42,8% na Noruega e 41,4% na Suécia. Paradoxalmente, paí­ ses mais potentes como os Estados Unidos estão num nível de 30%, a Alemanha Federal situa-se em 29% e a Inglaterra em 38,1% , esses últimos dados referindo-se a 1984. Os gas­ tos dos governos centrais situam-se, média do conjunto dos países mais industrializados, acima de 1/3 do PIB, de novo com uma grande heterogeneidade, ressaltando-se que os Es­ tados Unidos mantêm-se em torno da média. Não há dados para o Japão, tanto no que se refere às receitas governamen­ tais quanto às despesas. Ao lado do déficit público e das receitas e despesas estatais como proporção do PIB - pelo menos 1/3 dos PlBs mais im­ portantes transitam pelos tesouros nacionais -, as proporções e o lugar da dívida pública dos principais países confirmam o lugar estrutural do fundo público na sociabilidade geral. Nos últimos anos, de 1982 a 1986, variando de país a país, segundo o último dado disponível nas International Financial Statistics (1987, IMF), nos níveis mais baixos da dívida pública interna e externa como porcentagem do PIB agrupavam-se países 24
  • 25. O SURGIMENTO DO ANTIVAI.OK como Bélgica (10,2%) e Suíça (11,6% ); no patamar imediata­ mente posterior, países como a Alemanha Federal (20,6%) e França (22,7%); no patamar posterior, países como Suécia (56,6%), Flolanda (55,5%), EUA (43,4%), Inglaterra (47,8%) e Japão (53,8%); nos níveis máximos, países como Nova Ze­ lândia (73,1%) e Itália (81,2%), Flá, pois, uma razoável dis­ persão, mas importa notar que países da talha dos EUA, Japão, Inglaterra, Holanda e Suécia situaram-se num patamar em que a dívida pública corresponde à metade de seus produtos inter­ nos brutos. Salvo Alemanha Federal, França e Suíça, que se situam nos segundo e primeiro níveis anteriormente descritos, os países em que a dívida é metade do PIB são, indiscutivel­ mente, as mais notáveis lideranças industriais, tecnológicas e financeiras do capitalismo contemporâneo. A Suíça é reconhe­ cidamente uma exceção, pela concentração de recursos finan­ ceiros de outros países no seu sistema bancário e financeiro. Ainda que não perfeita, há uma indisfarçáveí relação entre a dívida pública dos países mais importantes, suas posições no sistema capitalista e suas dinâmicas. O argumento da direita é que essa estatização dos resulta­ dos da produção social levaria a uma espécie de socialismo burocrático e estacionário, diminuindo, de um lado, os recur­ sos privados destinados ao investimento e, de outro, pela ele­ vação da carga fiscal sobre pessoas e famílias, diminuindo a propensão para o consumo; utilizando-se o esquema keyne- siano da depressão da demanda efetiva tanto por parte das empresas quanto das famílias, a estatização dos resultados da produção social teria tudo para conduzir o capitalismo a um estado estacionário, congruente com a previsão estagnacionis- ta da maioria dos clássicos da economia, sobretudo Smith, mais resolutamente Ricardo e secundariamente Stuart Mill. O coração do impasse ricardiano de Thurow ou da “crise fiscal” de 0 ’Connor - e as versões da direita são menos teo­ rizadas, salvo Hayek - não é de nenhum modo uma tendência estagnacionista. E apenas e esse apenas é muito forte, a ex­ pressão da abrangência da socialização da produção, num sis­ tema que continua tendo como pedra angular a apropriação 25
  • 26. OS DIREITOS DO ANT1VALOR privada dos resultados da produção social. Mas, de certo modo, ela expressa também a retração da base social da ex­ ploração, em termos marxistas, questão que será desdobrada mais adiante. O rompimento do círculo perfeito do Estado-providência, em termos keynesianos, é devido, em primeira instância, à internacionalização produtiva e financeira da economia capi­ talista. A regulação keynesiana funcionou enquanto a repro­ dução do capital, os aumentos de produtividade, a elevação do salário real, se circunscreveram aos limites - relativos, por certo da territorialidade nacional dos processos de interação daqueles componentes da renda e do produto. Deve-se assi­ nalar, desde logo, que aquela circuiàridade foi possível graças ao padrão de financiamento público do Welfare State, um dos fatores, entre outros aliás, que levaram à crescente internacio­ nalização. Ultrapassados certos limites, a internacionalização produtiva e financeira dissolveu relativamente a circularidade nacional dos processos de retro-alimentação. Pois des-territo- rializam-se o investimento, e a renda, mas o padrão de finan­ ciamento público do Welfare State não pôde - nem pode, até agora - des-territorializar-se. Em outras palavras, a circulari­ dade anterior pressupunha ganhos fiscais correspondentes ao investimento e à renda que o fundo público articulava e finan­ ciava; a crescente internacionalização retirou parte dos ganhos fiscais, mas deixou aos fundos públicos nacionais a tarefa de continuar articulando e financiando a reprodução do capital e da força de trabalho. Daí que, nos limites nacionais de cada uma das principais potências industriais desenvolvidas, a crise fiscal ou “o que um ganha é o que o outro perde” emergiu na deterioração das receitas fiscais e parafiscais (previdência so­ cial, por exemplo), levando ao déficit público. O anterior fica muito claro quando se pensa numa multinacional com antenas em vários países: o país-sede original não é contemplado com retornos fiscais e parafiscais proporcionais ao investimento e renda (inclusive salários) gerados alhures por filiais das mul­ tinacionais, enquanto o financiamento público que tenta arti­ cular a demanda efetiva continua circunscrito a sua territo- 26
  • 27. O SURGIMENTO DO ANTIVALOR rialidade. Em países como os Estados Unidos, certas atividades das multinacionais, substituindo suas próprias produções in­ ternas, deixam ao fundo público nacional os encargos de fi­ nanciar a reprodução do capital e da força de trabalho (y compris o seguro-desemprego), o que gera uma crescente in­ compatibilidade entre o padrão de financiamento público e a internacionalização produtiva e financeira. Nasceu exatamen­ te dos países em que essa performance de suas próprias mul­ tinacionais é mais acabada, Estados Unidos e Inglaterra, a reação conservadora contra o Estado-providência, pondo o acento nos gastos estatais para a produção de bens e serviços sociais públicos. A reação Thatcher e Reagan, que, procurando cortar ou diminuir a carga fiscal e parafiscai (impostos e pre­ vidência social), fiou-se num comportamento neovitoriano de empresas e famílias, utilizando - presumia-se - o alívio daque­ las cargas para fazer voltar à tona o impulso de investimento e o consumo privados. O fundo teórico da crise O padrão de financiamento público do Welfare State operou uma verdadeira “ revolução copernicana” nos fun­ damentos da categoria do valor como nervo central tanto da reprodução do capital quanto da força de trabalho. No fundo, levado às últimas conseqüências, o padrão do finan­ ciamento público “implodiu” o valor como único pressu­ posto da reprodução ampliada do capital, desfazendo-o parcialmente enquanto medida da atividade econômica e da sociabilidade em geral. Na medida em que o padrão de financiamento público constituiu-se em uma verdadeira esfera pública, as regras da reprodução tornaram-se mais estáveis porque previsíveis, e da competição anárquica emergiu uma competição segmentada. Por certo, não deixou de haver competição no capitalismo, mas essa se dá dentro de regras preestabeleddas e consensuais. Essa universalização tem efeitos paradoxais, segmentando a 27
  • 28. OS DIREITOS DO ANTIVALOR competição em pelo menos dois níveis; o primeiro, o circuito dos oligopólios, e o segundo, o circuito dos capitais competi­ tivos. A rigor, o fundo público é um Ersatz do capital finan­ ceiro, indo além da teorização proposta por Hilferding. Na forma dos títulos públicos e dos vários tipos de incen­ tivos e subsídios, é o fundo público que agiliza a circulação do capital, e em muitos casos cumpre o papel da famosa ponte invisível keynesiana entre quem poupa e quem inves­ te. Essa função demarca um setor oligopolista e um setor concorrencial “ primitivo” (que não tem acesso ao fundo público) na tradição teórica de Labini. Do ponto de vista da teoria marxista, dissolveu-se a tendência à formação de uma taxa média de lucro, para dar lugar, no mínimo, a duas taxas médias: a do setor oligopolista e a do setor concorrencial “ primitivo” . E o fundo público é decisivo na formação da taxa média de lucro do setor oligopolista, e pelo negativo, pela sua ausência, na manutenção de capitais e capitalistas no circuito do setor concorrencial “primitivo” . Imbricando-se diretamente na determinação da taxa mé­ dia de lucro do setor oligopolista, o fundo público influi de­ cisivamente, através de outros recortes, sobre a taxa de lucro de setores inteiros e até de ramos especiais da reprodução no interior do setor oligopolista. Recortes como “prioridades na­ cionais de segurança”, “pesquisa de ponta”, “ programas espe­ ciais de produção”, e inúmeros outros, tais como a sustentação de produções agrícolas excedentárias, transformaram mais uma vez a competição segmentada. O papel do fundo público como pressuposto especial dessa segmentação retirou o capital constante e o variável da função de parâmetro-pressuposto, e colocou em seu lugar a relação de cada capital em particular com o próprio fundo público. Em outras palavras, a taxa de lucro de setores de ponta como a aeronáutica, as atividades industriais espaciais, a informática, tem que se referir simul­ taneamente aos seus próprios capitais e à fração dos fundos públicos utilizados para sua reprodução; isto tem um efeito paradoxal, pois enquanto aumenta a taxa de lucro de cada capital em particular (pois na equação particular a fração do 28
  • 29. O SURGIMENTO DO ANTIVALOR fundo público utilizada não tem remuneração ou quando a tem é francamente subestimada) diminui a taxa de excedente global da economia. A rigor, trata-se de uma relação ad hoc entre o fundo pú­ blico e cada capital em particular. Essa relação ad hoc leva o fundo público a comportar-se como um anticapital num sen­ tido muito importante: essa contradição entre um fundo pú­ blico que não é valor e sua função de sustentação do capital destrói o caráter auto-reflexivo do valor, central na constitui­ ção do sistema capitalista enquanto sistema de valorização do valor. O valor, não somente enquanto categoria central, mas práxis do sistema, não pode, agora, reportar-se apenas a si mesmo: ele tem que necessariamente reportar-se a outros com­ ponentes; no caso, o fundo público, sem o que ele perde a capacidade de proceder à sua própria valorização. O fato de que, finalmente, a mesma expressão monetária recubra o in­ terior dessa contradição, apresentando-a externamente como uma unidade, não deve levar a enganos: trata-se, no caso, da “indiferença da moeda do banco central”, que expressa apenas uma relação entre devedores e credores, subsumindo nesta a moeda como expressão do tempo de trabalho médio social­ mente necessário. Do lado da reprodução da força de trabalho, que toma a forma do financiamento público de bens e serviços sociais pú­ blicos extensivos na prática à maioria da população, as políti­ cas anticíclicas aceleradas e universalizadas - a rigor, a social-democracia alemã e inglesa, e mesmo o Front Populaire francês de 1936 e o New Deal rooseveltiano as precederam a partir do fim da II Guerra Mundial foram no sentido da cres­ cente participação do salário indireto no salário total. Esses bens e serviços funcionaram, na verdade, como antimercado- rias sociais, pois sua finalidade não é a de gerar lucros, nem mediante sua ação dá-se a extração da mais-valia. Dizer, como a maior parte da crítica marxista tem dito, que contribuem para aumentar a produtividade do trabalho, é quase um truís- mo, posto que qualquer gasto de bem-estar deve potencial­ mente melhorar as condições de vida. 29
  • 30. OS DIREITOS DO ANTIVALOR A questão teórica que se põe vai mais longe: recuperan­ do-se Sraffa (Production of Commodities by Means of Com- modities) é possível dizer que o salário - mercadoria-padrão para Sraffa - agora data, determina a produção de um sem- número de bens e serviços públicos sociais, e vai mais além, atingindo mesmo a produção de bens e serviços explorados privadamente. De fato, indexando os benefícios sociais ao sa­ lário, o que se está fazendo é tornar o salário o parâmetro básico da produção de bens e serviços sociais públicos. Isto é o oposto da extração da mais-valia e, conseqüentemente, em sua derivação, da determinação da taxa de lucro, onde os pa­ râmetros não apenas do cálculo mas da razão da mais-valia residem na relação capital constaiite-capital variável. Se to­ marmos qualquer dos bens e serviços financiados e/ou produ­ zidos pelo fundo público, ver-se-á que seu preço é determinado como uma quota-parte do salário: isto é, a tarifa de um serviço público como o metrô é calculada tendo-se como referência uma parte do salário destinada a gastos de transporte. E, em muitos casos, na fixação de preços de bens básicos produzidos pelo próprio setor privado, o que se tem em vista é que seu preço represente uma certa porcentagem dos gastos dos orça­ mentos familiares. A dialética instaurada pela função do fundo público na reprodução do capital e da força de trabalho levou a inusitados desdobramentos. Há, teoricamente, uma tendência à des-mer- , cantilização da força de trabalho pelo fato de' que os compo­ nentes de sua reprodução representados pelo salário indireto são antimercadortas sociais. De um lado, isto representou uma certa homogeneização do mercado e do preço da força de trabalho, levando à autonomização do capital constante, de que já falava Belluzzo (“A transfiguração crítica”, in Estudos CEBRÁP n. 24), e desatando, por sua vez, a reprodução do capital das amarras de uma antiga dialética em que as inovações técnicas se davam, sobretudo, como reação aos aumentos do salário direto real. A brecha para a inovação técnica, despara- metrizada do salário real total, posto que este agora tem no salário indireto um componente não desprezível - no mínimo 30
  • 31. O SURGIMENTO DO ANTIVALOR um terço do salário total deslanchou um processo de ino­ vações tecnológicas sem paralelo. E simultânea a dupla operação de presença do fundo pú­ blico na reprodução da força de trabalho e do capital; não se pode, neste caso, buscar resolver o velho enigma da precedên­ cia “da galinha ou do ovo”, mas o fato é que houve uma dupla des-parametrização; tanto em relação ao valor ou preço da força de trabalho quanto em relação aos valores dos capitais originais, o capital se move agora numa relação em que o preço da força de trabalho é indiferente do ponto de vista das ino­ vações técnicas e o parâmetro pelo qual se mede a valorização do capital é agora um mix, em que o fundo público não entra como valor. A contradição, pois, é que se assiste a uma elevação da rentabilidade, ou das taxas de retorno dos capitais, gerando a enorme solvabilidade e liquidez dos setores privados, en­ quanto o próprio fundo público dá visíveis mostras de exaus­ tão como padrão privilegiado da forma de expansão capitalista desde os fins da II Guerra Mundial. Nesse rastro, inclusive as predições de pauperização, en­ tendida absoluta ou relativamente, não se confirmaram. O que se assiste é uma expansão do consumo de todas as classes nos países mais desenvolvidos, e uma renovada e inusitada expan­ são do investimento. É por essa razão que os esquemas key- nesianos já não são capazes de explicar os fenômenos con­ temporâneos, comprimidos entre as tenazes de uma oposição entre propensão para consumir e propensão para poupar (ou investir); sem incluir o fundo público em sua autonomia rela­ tiva, o esquema keynesiano tende a perder sua capacidade paradigmática. O que torna o fundo público estrutural e in­ substituível no processo de acumulação de capital, atuando nas duas pontas de sua constituição, é que sua mediação é absolutamente necessária pelo fato de que, tendo desatado o capital de suas determinações autovalorizáveis, detonou um agigantamento das forças produtivas de tal forma que o lucro capitalista é absolutamente insuficiente para dar forma, con­ cretizar, as novas possibilidades de progresso técnico abertas. Isto somente se torna possível apropriando parcelas crescentes 31
  • 32. OS DIREITOS DO ANTIVALOR da riqueza pública em geral, ou mais especificamente, os re­ cursos públicos que tomam a forma estatal nas economias e sociedades capitalistas. A massa de valor em mãos dos capita­ listas, sob a forma de lucro, de cuja abundância a circulação monetária contemporânea é a expressão, não deve iludir: ape­ sar da enorme liquidez, essa massa de valor é absolutamente insuficiente para plasmar as novas possibilidades abertas em acumulação de capital concreta. O resultado desse longo processo é que o fundo público passou a vincular-se a finalidades determinadas aprioristica- mente, e ainda mais, pouco tem a ver com a taxa de lucro original de cada capital. A rigor, é a partir da alocação de uma parcela do fundo público que a taxa de retorno ou seu equi­ valente, a taxa de lucro, é calculada. Concebido como instru­ mento anticíclico, tornado permanente e insubstituível, essa rigidez do fundo público escapa às regulações nacionalmente territorializadas, Ela torna relativamente inócuas as políticas econômicas em muitos aspectos, dando lugar à soberania das políticas monetárias - e neste caso, apenas as de alguns países - posto que a indiferença da moeda (Aglietta e Orléans. La violence de la monnaie. PUF, Paris) do banco central é, no fundo, a única abrangência que cobre tanto o setor de econo­ mia de mercado quanto o setor hors marché (a economia pú­ blica de bens e serviços sociais); e cobre precisamente porque, em não sendo mais a moeda a expressão do tempo de trabalho socialmente necessário - erodida nessa função pelo anticapital e pela antimercadoria -, terminou por ser apenas a expressão monetária - mas não necessariamente de valor - de uma rela­ ção entre credores e devedores. Um desdobramento teórico particular ao campo marxista Em termos marxistas, a função do fundo público tende a desfazer os conceitos e realidades do capital e da força de trabalho, esta última enquanto mercadoria, ou nos termos de Sraffa, a mercadoria-padrão, que determina o valor e o preço 32
  • 33. 0 SURGIMENTO DO ANTIVA1.0R MEC - OrV NDC - Divi&ío fia Stóiviças TúcnlsM 8EÇAO DE RE(?E$TRO — LIVROS NEO. >*mi »........ 9 6 & } de qualquer outra (relevados os problemas da conversão de valor em preços, que aliás com o fundo público tornam-se praticamente intraduzíveis). A equação original de Marx é a de D-M-D’ no que se refere ao circuito do capital-dinheiro. O fundo público funcionando como pressuposto geral de cada capital em particular transforma essa equação em anti-D-D- M-D!(-D), sendo que o último termo volta a repor-se no início da equação como anti-D, isto é, uma quantidade de moeda que não se põe como valor. O último termo é uma quantidade de moeda que tem como oposição interna a fração do fundo público presente nos resultados da produção social, que se expressa em moeda, mas não é dinheiro. Do ponto de vista do circuito da mercadoria, a equação original de Marx era a de M-D-M, e o fundo público como estrutura imbricante transforma a equação para anti-M-M-D- M’ (-anti-M), na qual os dois primeiros termos significam as antimercadorias e as mercadorias propriamente ditas, e os dòis últimos significam a produção de mercadorias e a produção de antimercadorias. No fundo, a segunda equação fica subsu- mida na primeira. As conseqüências teóricas dessa transfor­ mação vão se expressar na composição do capital e na taxa de exploração. A composição do produto, na equação C +V +M , sofre a seguinte transformação: -C+C+V(-V)+M , na qual a taxa de mais-valia se reduz pela presença, na equação, das antimercadorias sociais que funcionam como um Ersatz do capital variável. Isto quer dizer que na equação geral do pro­ duto, a taxa de mais-valia cai, enquanto na equação de cada capital particular ela pode, e geralmente deve, se elevar. Essa transformação repõe o problema, clássico na teoria marxista, da tendência declinante da taxa de lucro. De fato, em perspectiva estatística, procurando medir-se o aumento do capital constante e o declínio do capital variável a partir da soma dos capitais particulares, chega-se a uma incógnita sem solução. Porque de fato já não se pode realizar teoricamente essa soma. Tanto o capital constante não pode ser uma soma dos capitais particulares, pois aí existe uma oposição operada pelo fundo público para viabilizar aacumulação de cada capital
  • 34. OS DIREITOS DO ANTIVALOR em particular, quanto não se pode mais medir o capital variável sem considerar o salário indireto como uma forma oposta ao salário direto (por isso, na equação transformada, o segundo V tem sinal negativo). A diferença desta postulação com a “queima de excedentes” da formulação teórica do capitalismo monopolista de Estado, é que o fundo público não é capital, não podendo, senão nominalmente, senão monetariamente, ser identificado com ele; além disso, o fundo público não opera como tendência contrarrestante à queda da taxa de lucro: de fato, ele é uma expressão dela, e sua necessidade estrutural insubstituível não se dá porque o capitalismo esgotou as pos­ sibilidades de acumulação; ao contrário, o fundo público com­ parece como viabilizador da concretização das oportunidades de expansão, em face da insuficiência do lucro frente ao avas- salador progresso técnico. Em suma, já não se pode falar mais de “capital social total”, mas apenas de “capital em geral”. A conseqüência teóríca mais profunda é que a lei da tendência declinante da taxa de lucro se afirma pela retração da base social global de exploração, enquanto, se tomarmos a velha fórmula em seu sentido original, a base social de exploração se ampliaria (se somássemos as antimercadorias com o salário real direto), o que tornaria o patadigma da tendência decli­ nante inteiramente inócuo. Nos termos de Kuhn, o poder ex­ plicativo do paradigma teria perdido toda sua potência, e por conseqüência ameaçaria o corpo teórico marxista por inteiro (Thornas Kuhn. A estrutura das revoluções científicas. Perspec­ tiva, São Paulo). O caminho percorrido pelo sistema capitalista, e particu­ larmente as transformações operadas pelo Welfare State, repõe a velha questão dos limites do sistema. A famosa previsão de Marx do fim do sistema foi lida literalmente, e interpretada comumente como uma catástrofe ao estilo de Sansão derru­ bando as colunas do templo. Ora, a história do desenvolvi­ mento capitalista tem mostrado, com especial ênfase depois do Welfare State, que os limites do sistema capitalista só podem estar na negação de suas categorias reais, o capital e a força de trabalho. Neste sentido, a função do fundo público no tra- 34
  • 35. O SURGIMENTO DO ANT1VALOR vejamento estrutural do sistema tem muito mais a ver com os limites do capitalismo, como um desdobramento de suas pró­ prias contradições internas. Dizendo em outras palavras, as transformações mais importantes do sistema capitalista se dão no coração, no núcleo duro das mais importantes eco­ nomias capitalistas. O fundo público, em resumo, é o anti- valor, menos no sentido de que o sistema não mais produz valor, e mais no sentido de que os pressupostos da reprodu­ ção do valor contêm, em si mesmos, os elementos mais fun­ damentais de sua negação. Afinal, o que se vislumbra com a emergência do antivalor é a capacidade de passar-se a outra fase, em que a produção do valor, ou de seu substituto, a produção do excedente social, toma novas formas. E essas novas formas, para relembrar a asserção clássica, aparecem não como desvios do sistema capitalista, mas como necessi­ dade de sua lógica interna de expansão. Permanece, no campo marxista, uma interrogação sobre o fetiche da mercadoria. O percurso teórico até aqui sumari- zado tem, como necessidade intrínseca de seu desdobramento, a anulação do fetiche da mercadoria, se esta categoria está se desfazendo no sistema capitalista; principalmente se a força de trabalho está se desvestindo das determinações da merca­ doria. De fato, a des-mercantilização da força de trabalho ope­ ra no sentido da anulação do fetiche: cada vez mais, a remuneração da força de trabalho é transparente, no sentido de que seus componentes são não apenas conhecidos, mas determinados politicamente. Tal é a natureza dos gastos sociais que compõem o salário indireto, e a luta política se trava para fazer corresponder a cada item do consumo uma partida cor­ respondente dos gastos sociais. Não há fetiche, neste sentido; sabe-se agora exatamente do que é composta a reprodução social. Ou, em outras palavras, a fração do trabalho não-pago, fonte da mais-valia, se reduz socialmente. Mas, parecería iro­ nia dizer que o mundo contemporâneo é completamente des- fetichizado, pois a sociedade de massas parece a fetichização elevada à enésima potência. Pode-se, apenas, sugerir que no lugar do fetiche da mercadoria colocou-se um fetiche do Es­ 35
  • 36. OS DIREITOS DO ANTIVALOR tado, que é finaímente o lugar onde se opera a viabilidade da continuação da exploração da força de trabalho, por um lado, e de sua des-mercantilizaçao, por outro, escondendo agora o fato de que o capital é completamente social. Importa também observar que o Estado de bem-estar e suas,instituições não são, agora, o “horizonte intransponível” ; para além dele bate, latente, um modo social de produção superior. Resta resolver um problema, intacto, que é o da apro­ priação dos resultados desse modo social; por enquanto, a capacidade de reprodução desatada pela atuação do fundo público leva água ao moinho dos proprietários de capital, numa situação em que este mesmo capital já é fundamental­ mente socializado. Isto posto, a constituição das classes sociais também não atingiu nenhum umbral intransponível; não há uma “eternização” nem das classes nem das relações sociais. Mas, decididamente, o acesso e o manejo do fundo público são o nec plus ultra das formas sociais do futuro. O que de fato se transformou foi a relação social de pro­ dução; na literatura marxista, a relação social de produção foi ganhando cada vez mais uma conotação restritiva, que termi­ nou por assumir como essência aquilo que para Marx era apa­ rência (o salário como ocultação da apropriação pelos capitalistas do valor de uso do trabalho que a força de trabalho tem). Dessa forma, sobretudo após a crítica leninista da so- cial-democracia e da derrocada desta à época do fascismo, o problema da transformação do capitalismo em socialismo ti­ nha como condição prévia a derrocada da relação social de produção em sentido restrito, quase no sentido de relação de fábrica. Mas a relação social de produção não se mede apenas nem pela presença do salário nem da propriedade privada; ela in­ clui, além disso, todas as esferas necessárias para a reprodução do capital, como a circulação, a distribuição e o consumo, além da esfera da produção. A “revolução copernicana” da relação social de produção, antevista pela social-democracia alemã de antes do nazismo - o renascimento político da so­ cial-democracia não produziu nenhuma nova perspectiva dos 36
  • 37. O SURGIMENTO DO ANTIVALOR problemas teóricos principais - é a presença do fundo público na reprodução simultânea do capital e da força de trabalho. O bloqueio leninista, baseado no próprio Marx - ver a Critica ao Programa de Gotha - relegou para um segundo plano quais­ quer outras mudanças na relação gíobal-social da produção. Ora, o desenvolvimento do Welfare State é justamente a revo­ lução nas condições de distribuição e consumo, do lado da força de trabalho, e das condições de circulação, do lado do capital. Os gastos sociais públicos mudaram as condições da distribuição dentro de uma relação social de produção que parecia ter permanecido a mesma; o fundo público como fi­ nanciador, articulador e “capital em geral” mudou as condi­ ções da circulação de capitais, Estas transformações penetram agora a esfera da produção pela via da reposição do capital e da força de trabalho, transformados nas outras esferas. E, no sentido de Giannotti (Trabalho e reflexão, sobretudo o capítulo “Formas da sociabilidade capitalista”), a sociabilidade não se constrói, apenas, pela projeção sobre os outros setores da vida social dos valores do mercado, mas pelo contrário, tem nos valores antimercado um de seus traços principais. Em outras palavras, no terreno .marcadamente da cultura, da saúde, da educação, são critérios antimercado os que fundamentam os direitos modernos. E verdade que nestes tempos de reação conservadora, em que parece ser o mercado, de novo, o único critério válido, tal posição tem tudo para parecer romântica ou fora da realidade. Esfera pública e democracia Mais que uma coincidência, a construção de uma esfera pública, que é igual à “economia de mercado sociaímente re­ gulada” (termo cunhado pela social-democracia alemã de antes da ascensão do nazismo) identificou-se ou se ergueu sobre as bases da regulação keynesiana. Esta esfera pública é, nos países capitalistas, sinônimo da democracia, simultânea ou concomi­ tante, e ao longo do tempo os avanços sociais que mapeavam 37
  • 38. OS DIREITOS DO ANTIVALOR o acesso e a utilização do fundo público entraram num pro­ cesso de interação com a consolidação de instituições políticas democráticas. Para todos os efeitos, pode-se considerar a cons­ trução da esfera pública e a democracia representativa como irmãs siamesas. Muitos críticos do Welfare State têm observado que, no fundo, a resultante foram bastiões corporativistas, com cada uma das classes sociais ou grupos específicos defendendo fe­ rozmente seus interesses, que não se espraiam para os outros, confinando a gestão do Estado e dos interesses sociais a guetos particulares, a partir dos quais políticas de caráter geral tor­ nam-se impossíveis. A direita vai mais longe, e aponta os di­ reitos lato sensu trabalhistas como obstáculos ao investimento e à acumulação. Trata-se de uma visão conservadora, que re­ vela a aspiração de uma des-regulação total, a volta às práticas de uma acumulação selvagem e o retorno das classes sociais, neste caso os assalariados, à mera condição de pura força de trabalho. Interpretações mais ingênuas vêem nas instituições do Welfare State a harmonia total, a desaparição das classes sociais, enquanto as interpretações mais pessimistas, vindas estas sobretudo da esquerda comunista, viram nas instituições e práticas da esfera pública e nas políticas do Welfare State apenas a cooptação de largas parcelas do operariado e a anu­ lação de seu potencial revolucionário. Um esquerdismo infan­ til impenitente julga que no fundo a educação pública, a saúde pública, a previdência social e outras instituições estruturado- ras das relações sociais são apenas uma ilusão e contribuem para reproduzir o capital. O Estado de bem-estar não deixou, por isso, de ser um Estado classista, isto é, um instrumento poderoso para a do­ minação de classe. Mas está muito longe de repetir apenas o Estado “comitê executivo da burguesia” da concepção original de Marx, explorada a fundo por Lênin. Trata-se, agora, na verdade, de um Estado que Poulantzas chamou de “conden­ sação das lutas de classe”. Utilizando-se uma metáfora entre o jogo de xadrez e o jogo de damas, pode-se dizer que o Es- tado-providência é um espaço de lutas de classe, onde os ter­ 38
  • 39. O SURGIMENTO DO ANTIVALOR ritórios de cada peça - no caso, de cada direito - são previa­ mente mapeados e hierarquizados, isto é, não se trata de um campo isomorfo e isônomo. Os adversários sabem que ao in­ vadirem determinada área, onde a hierarquia da dama, da torre ou do cavalo é dada, a luta de classes consiste em buscar al­ ternativas que anulem a posição previamente hierarquizada, e o poder de fogo, das peças mais importantes. Somente entre neófitos é que o jogo - ou a luta de classes - pode arrasar impunemente o poder de cada peça previamente estabelecido. Nas palavras de Przeworski, trata-se de um jogo de “ incertezas previsíveis” . Ao contrário, o jogo de damas, onde a hierarquia das peças é completamente horizontal - ea obtenção de “peças coroadas” é o corolário dessa homogeneização - qualquer peça do mesmo valor pode varrer completamente toda a formação dejogo do adversário. A metáfora do xadrez serve para colocar em pé o que é característico da construção da esfera pública: a construção e o reconhecimento da alteridade, do outro, do terreno indevassável de seus direitos, a partir dos quais se es­ truturam as relações sociais. Enquanto em sociedades sem es­ fera pública o jogo de damas é a metáfora mais pertinente: nos Estados de mal-estar, com uma penada, o governo pode reduzir salários, aumentar impostos a seu bel-prazer, confiscar bens - mesmo os da burguesia. A estruturação da esfera pública, mesmo nos limites do Estado classista, nega à burguesia a propriedade do Estado e sua dominação exclusiva. Ela permite, dentro dos limites das “incertezas previsíveis” , avanços sobre terrenos antes santuá­ rios sagrados de outras classes ou interesses, à condição de que isto se passe através de uma re-estruturaçao da própria esfera pública, nunca de sua destruição. Representa, de um ponto de vista mais alto e mais abstrato, o fato de que agora “os homens fazem a história e sabem por que a fazem” . E uma negação dos automatismos do mercado e de sua perversa tendência à concentração e à exclusão. E, apesar da descrença teórica nas ciências sociais da existência de sujeitos - o que é, na verdade, uma pobre confusão nascida da multiplicidade de sujeitos que a própria estruturação da esfera pública permite e requer -, o 39
  • 40. OS DIREITOS DO ANTIVALOR resultado surpreendente é que a esfera pública e a democracia contemporânea afirmam, de forma mais peremptória que em qualquer outra época da história, a existência dos sujeitos po­ líticos e a prevalência de seus interesses sobre a pura lógica do mercado e do capital. A construção de uma esfera pública confunde-se com a plenitude da democracia representativa nas sociedades mais desenvolvidas, não só porque ela mapeia todas as áreas con- flitivas da reprodução social; isto equivalería apenas a estender ou projetar as regras das relações privadas aumaárea soi-disant pública. O que é fundamental na constituição da esfera pública e na consolidação democrática que lhe é simultânea, é que esse mapeamento decorre do imbricamento do fundo público na reprodução social em todos os sentidos, mas sobretudo crian­ do medidas que medem o próprio imbricamento acima das relações privadas. A tarefa da esfera pública é, pois, a de criar medidas, tendo como pressupostos as diversas necessidades da reprodução social, em todos os sentidos. Não é mais a valori­ zação do valor per se: é a necessidade, por exemplo, da repro­ dução do capital em setores que, por sua própria lógica, talvez não tivessem capacidade de reproduzir-se. Necessidades que podem ser de vários tipos, como já foi citado anteriormente: desenvolvimento científico e tecnológico, defesa nacional, são das mais comuns, ou, tal como nos oferece hoje o exemplo da luta contra a Aids, necessidades sociais em escala mais ampla que não podem depender unicamente da autocapacidade de nenhum capital especial. Na área da reprodução da força de trabalho, tais necessidades também se impõem: não se trata agora de prover educação apenas para transformar a popula­ ção em força de trabalho; são necessidades que são definidas aprioristicamente como relevantes em si mesmas; que elas ter­ minem servindo, direta ou indiretamente, para o aumento da produtividade não dissolve o fato principal, que é o de que, agora, aquele aumento da produtividade que pode ser seu re­ sultado não é mais seu pressuposto. Qual é a relação dessa esfera pública assim constituída com a democracia representativa? Existe nessa constituição uma 40
  • 41. O SURGIMENTO DO ANTIVALOR transformação das relações entre as classes sociais; não é que agora as classes sociais se subsumam no Estado, anulando a velha irredutibilidade entre Estado e sociedade civil, que, des­ de Hegel, é a grande revolução burguesa. O ponto essencial é que as relações entre as classes sociais não são mais relações que buscam a anulação da alteridade, mas somente se perfazem numa perequação - mediada pelo fundo público -, em que a possibilidade da defesa de interesses privados requer desde o início o reconhecimento de que os outros interesses não apenas são legítimos, mas necessários para a reprodução social em escala ampla. A democracia representativa é o espaço institu­ cional no qual, além das classes e grupos diretamente interes­ sados, intervém outras classes e grupos, constituindo o terreno do público, do que estkacima do privado. São, pois, condições necessárias e suficientes. Neste sentido, longe da desaparição das classes sociais, tanto a esfera pública como seu corolário, a democracia representativa, afirmam as classes sociais como expressões coletivas e sujeitos da história. Para tomar um caso concreto, quando alguma necessidade mais alta se coloca, como no caso de desativar certos setores industriais, as em­ presas não podem simplesmente despedir seus trabalhadores e empregados: essa operação é necessariamente precedida de negociações que visam a responder à pergunta de como salva­ guardar os empregos e a renda daqueles que estão nos setores a serem desativados. O exemplo recente da Itália, onde fortes centrais sindicais consentiram em desindexar a curva dos sa­ lários da curva da inflação, mostra bem esse caso. " Assim redefinidas as relações entre as classes, a capacidade ile representação elevou-se notavelmente, e como seqüência, < >papel e a função dos partidos políticos. Não émais necessário que os partidos se identifiquem, pelas suas origens sociais, com terras classes sociais: o que é absolutamente necessário é que des se identifiquem com tais ou quais modos de processar essa relação social de preservação da alteridade. Por este processo, e possível pois falar tanto de partidos de esquerda quanto de direita, sem que isso remeta apenas a uma base social marca- damcnte classista; mesmo assim, na história ocidental, os par­ 41
  • 42. OS DIREITOS DO ANTIVALOR tidos que melhor processam a gestão dessa relação são noto­ riamente partidos cuja origem foi marcadamente classista. Tanto na organização da esfera pública quanto na da de­ mocracia representativa, a função intermediadora do fundo público alterou as relações entre as classes e deu lugar à am­ pliação e fixação das funções das classes médias. E notável que estas, contemporaneamente, são radicalmente novas, tendo apenas um longínquo parentesco com a pequeno-burguesia, sua matriz original. Como classe social, sua inserção geral na matriz das relações sociais de produção do sistema capitalista abrange uma série infindável de posições, que seria fastidioso enumerar. Mas sua natureza de classe se demarca em relação às outras, o operariado e a burguesia, pela fundação de sua irredutibiíidade na relação social de produção; isto é, ela não pode ser substituída nem técnica nem socialmente por nenhu­ ma outra; ela não é intercambiável, o que é característico, também, das outras classes sociais. Emergindo ao longo de um imenso pano de fundo histórico, tendo como matriz original a clássica separação entre produtores e meios de produção, ela se especificou no decorrer dos processos do Welfare State como a classe cuja “propriedade” reside na gestão da articula­ ção entre o público e o privado; seus interesses não têm cor­ respondência com os das outras classes sociais, mas nem por isso deixam de ser reais. O processo de constituição da esfera pública especificou essas funções de forma ainda mais radical: para operar a articulação entre o público e o privado, foi ne­ cessária a constituição de um grupo social especial, que se converte em classe exatamente sem interesses dos tipos que caracterizam as classes sociais clássicas, o proletariado e a bur­ guesia. Isto não as torna “classes bonapartistas”, pois a cons­ tituição da esfera pública exatamente demarca também seu campo de atuação. Esse longo processo instaurou novos modos de repre­ sentação. Agora não se trata de uma representação que se arma a partirapenas de interesses como pressupostos, mas sobretudo como resultados. Em termos rousseaunianos, não éda vontade geral que se trata, mas da articulação de pontos específicos 42
  • 43. O SURGIMENTO DO ANTIVA1.0R capazes de traçar a trajetória do resultado a ser obtido. E as classes médias se constituem num desses pontos, ou em mais de um, sem o que o resultado a ser obtido não tem condições de ser projetado. Daí sua enorme importância nos partidos políticos modernos. Essas classes médias modernas superam, inclusive, o antigo lugar da burocracia. Esta sempre foi um agente técnico da razão de Estado; as condições da regulação contemporânea, fundamentalmente perpassada e estruturada pelo fundo público, diluem uma única razão de Estado, subs­ tituindo-a pelas razões particulares que ligam o fundo público a cada movimento ou a cada capital, ou a cada condição es­ pecífica da reprodução social, incluindo-se aí a reprodução da força de trabalho e a sociabilidade geral. A burocracia continua a existir, por certo, mas ela não mais constitui um agente téc­ nico à parte, senão que se inclui por inteiro nas classes médias. A crise da crise A formalização das novas relações sociais de produção nas instituições do Welfare State politizou a relação do fundo pú­ blico com cada segmento da reprodução social. Trata-se, em concreto, de uma relação adboc, cujo único pressuposto geral é o fundo público em “abstrato”. Transportado para a esfera pública, esse ad boc parece-se com um super-Estado ou Estado máximo; a rigor, bem observado, o que há é uma miríade de arenas de confronto e negociação, onde o aparente Estado máximo se converte num Estado mínimo, emaranhado no pró­ prio tecido das novas relações; se bem que, para a determina­ ção abstrata do resultado geral, o fundo público seja aquele pressuposto unificador, a obtenção dos resultados particulares tem no mesmo fundo público apenas uma dentre outras de­ terminações. Num terreno assim mapeado e esquadrinhado, a autonomia do Estado relativiza-se cada vez mais, e está a léguas de distância do suposto Estado Moloch, denunciado pela direita. 43
  • 44. I L L OS DIREITOS DO ANTIVALOR A crítica da direita e a passagem à ação, na linha das po­ líticas thatcheristas e reaganianas, dirige-se aparentemente ao Estado Moloch, mas seu objetivo é dissolver as arenas especí­ ficas de confronto e negociação, para deixar o espaço aberto a um Estado mínimo, livre de todas as peias estabelecidas a nível de cada arena específica da reprodução social. Trata-se de uma verdadeira regressão, pois o que é tentado é a manu­ tenção do fundo público como pressuposto apenas para o ca­ pital: não se trata, como o discurso da díreita pretende difundir, de reduzir o Estado em todas as arenas, mas apenas naquelas onde a institucionalização da alteridade se opõe a uma progressão do tipo “mal infinito” do capital. E típico da reação thatcherista e reaganiana o ataque aos gastos sociais públicos que intervém na nova determinação das relações so­ ciais de produção, enquanto o fundo público aprofunda seu lugar como pressuposto do capital; veja-se a irredutibilidade da dívida pública nos grandes países capitalistas, financiando as frentes de ponta da terceira revolução industrial. A nova dinâmica da economia parte dessa nova situação. Sem controles institucionais, a nova dinâmica pode exacerbar o que é uma das características do oligopólio: a ereção de barreiras à competição, entre as quais se inclui a não-difusão como “mancha-de-óleo” do progresso técnico (Sylos Labini. Oligopólio e progresso técnico. Forense - José Arthur Gian- notti. Trabalho e reflexão. Brasiliense). Essas barreiras não ape­ nas impedirão a regulação da concorrência entre os capitais, mas em última análise podem seccionar o mercado de força de trabalho em duas áreas irremediavelmente separadas, cru­ zando-se como navios em silêncio. O efeito mais perverso se dará, finalmente, na estrutura de rendas e salários, restabele­ cendo uma dualidade que o próprio sistema capitalista há mui­ to dissolveu. O dramático é que essa possibilidade está inscrita na pró­ pria forma mediante a qual o fundo público modificou o mer­ cado de força de trabalho. Pois, pela relação salários dire- tos/salários indiretos, a ação do fundo público homogeneizou a estrutura do próprio salário direto num leque muito estreito. 44
  • 45. O SURGIMENTO DO ANTIVALOR Esta é a base que permitirá, por exemplo, a unificação quase total do Mercado Comum Europeu, pois, tanto em nível do salário indireto (gastos sociais públicos como porcentagem do PIB e gastos sociais públicos como porcentagem da renda fa­ miliar disponível) quanto em nível do próprio salário direto, a estrutura de rendas e salários é mais homogênea do que em qualquer dos outros grandes blocos econômico-sociais mun­ diais. Isto não deve levar a pensar que o desenvolvimento ca­ pitalista realizou a promessa igualitária. E inegável que o leque de rendas e salários estreitou-se, mas assim mesmo as diferen­ ças permanecem enormes: os dados disponíveis no Compen- dium ofIncoming Distribution Statistics, ONU, 1985, mostram que em 1979 a distância entre os 20% mais pobres da popu­ lação e os 20% mais ricos, na Inglaterra, era de 5,67 vezes; para a Bélgica, em 1979, era de 4,56 vezes; para a Itália, em 1977, de 7,08 vezes; para a Suíça, em 1978, de 5,76 vezes; para a Holanda, em 1981, de 4,36 vezes; para a Suécia, em 1981, de 5,64 vezes; para o Japão, em 1979, de 4,31 vezes; para os EUA, em 1980, de 7,53 vezes; para o Canadá, em 198 1, de 7,55 vezes; e, finalmente, para a França, em 1985, de 7,67 vezes (Denis Clerc. “Première des injustices: Les disparités de revenus” , Le Monde Diplomatique, juiílet 1988, Paris). Resta considerar ainda que a complexa articu­ lação entre salários diretos e salários indiretos, tendo em conta especialmente aqui o seguro-desemprego, tornou in- compresstvel para baixo, ou inelástico à oferta de emprego, o próprio salário direto. A nova dinâmica pode tomar essa nova estrutura como um dado, um patamar a partir do-qual tenta estabelecer novas diferenciações. A baixa generalizada da taxa de sindicalização nos EUA e na Europa parece que, entre os países mais importantes, a Suécia é uma importante exceção -, um efeito não previsto da nova estrutura de renda e salários pode desguarnecer os fronts onde se trava, permanentemente, o conflito pela regulação institucional do fundo público. A desestruturação dos grandes sindicatos de trabalhadores é um dado tomado em conta pela ofensiva da direita thatcherista e reaganiana. Isto pode levar 45
  • 46. OS DIREITOS DO ANTIVALOR à desarticulação da alteridade, que é a condição primordial para aquela regulação. O ataque da direita aos gastos sociais públicos propõe, outra vez, em lugar do Welfare State, o Estado caritativo ou assistencialista. Tentando destruir a relação do fundo público com a estrutura de salários, a correção das desigualdades e dos bolsões de pobreza - que nos EUA já são imensos - será deixada à caridade pública ou a uma ação estatal evasiva e eventual. Isto é o melhor dos panoramas, pois convém não deixar de pensar no pior, que seria uma mescla altamente perigosa de assistencialismo e repressão. Na crise atual, que re-define a própria crise do Welfare State, a direita não propõe o desmantelamento total da função do fundo público como antivalor. O que ela propõe é a des­ truição da regulação institucional com a supressão das alteri- dades entre os sujeitos sócio-econômico-políticos. A privatização que ocorre na Inglaterra e a reprivatização ocor­ rida na França durante o predomínio da direita, não são equi­ valentes à desmontagem do suporte do fundo público à acumulação de capital; pois essa relação estrutural não pode ser desfeita, à condição de completa anulação da possibilidade de reprodução ampliada do capital. Não se retirou o fundo público como fundo geral para pesquisa e desenvolvimento tecnológico; não se retirou o Estado como comprador quase oligopsônico da indústria armamentista; sequer se retiraram os andaimes da relação do fundo público com a estrutura de rendas e salários. Apesar de toda a retórica, as políticas that- cherista e reaganiana continuam a seguir os passos, de forma tatibitate, de uma política keynesiana emsentido amplo. Quase toda a política fiscal, e mais ainda, a política monetária, não se libertou daquela ampla moldagem. Que o digam a persis­ tência dos enormes déficits da economia norte-americana. Dois pontos estão em xeque nessa ampla conjuntura. A tese neoliberal é que, nesse passo, a ultrafiscalidade do Estado, mantidos os controles institucionais do Welfare State, pode ter chegado a limites que ameacem a acumulação de capital, tolhendo as possibilidades de crescimento. O que está emjogo, 46
  • 47. O SURGIMENTO DO ANTIVALOR na aparência da ultrafiscalidade, é que o capitalismo pós-Wel- fare State, por meio do fundo público, desatou umacapacidade de inovações que não podem ser postas a serviço da produção financiadas apenas pelo lucro; exigem e puncionam parcelas crescentes do fundo público. Neste sentido, se reatualiza o limite previsto por Marx para o sistema capitalista:o limite do capital é o próprio capital. Mas essa voracidade não pode ser deixada entregue a si mesma, sem controles públicos, sob pena de transformar-se numa tormenta selvagem na qual sucumbi- riam juntos a democracia e o sentido de igualdade nela inscrito desde os tempos modernos. Não deve escapar à observação que, em países como os EUA, o tamanho crescente da pobreza já é um risco real nesse sentido. A crise abala os fundamentos da democracia moderna. O sistema representativo corre o risco de ser transformado numa democracia de interesses, com mandato imperativo. Em mui­ tas condições, a democracia de interesses já atua no interior do sistema representativo mais amplo. A profusão de lobbies é sua expressão. Levado à sua expressão ultramontana, o Es­ tado pode se converter, realmente, num Estado completamen­ te subordinado ao capital, o que seria uma homenagem a Marx, vinda de seus mais ferrenhos adversários e detratores. Por esse caminho, as relações se inverteríam: em lugar do Es­ tado como organizador da incerteza da base, da infra-estrutura em linguagem marxista, haveria uma base organizando o Es­ tado, que se transformaria na mais brutal imagem-espelho do banquete dos ricos e do despojo de todos os não-proprietários. Nao existe fórmula feita nem acabada para solucionar a crise. Não se trata de uma mera crise conjuntural. Trata-se, na verdade, de levar às últimas conseqüências a verdadeira “re­ volução copernicana” operada nas relações sociais de produ­ ção neste século, sobretudo depois da II Grande Guerra. Ao contrário das teses da direita, o pós-Welfare State consiste em demarcar, de maneira cada vez mais clara e pertinente, os lu­ gares de utilização e distribuição da riqueza pública, tornada possível pelo próprio desenvolvimento do capitalismo sob condições de uma forma transformada de luta de classes. 47
  • 48. OS DIREITOS DO ANTIVALOR Quando todas as formas de utilização do fundo público esti­ verem demarcadas e submetidas a controles institucionais, que não é o equivalente ao superior-Estado ou ao Estado máximo, então o Estado realmente se transformará no Estado mínimo. Trata-se da estrutura de um novo modo de produção em sen­ tido amplo, de uma forma de produção do excedente que não tem mais o valor como estruturante. Mas os valores de cada grupo social, dialogando soberanamente. Na tradição clássica, é a porta para o socialismo. 48
  • 49. A Economia Política da social-democracia* O fundo público é um conceito construído para a investi­ gação dos processos peíos quais o capitalismo perdeu sua ca­ pacidade auto-regulatória; ao mesmo tempo, ele tem a pretensão de sintetizar o complexo que tomou o lugar da auto- regulação. No período mais recente da história das tentativas de explicar essa perda, nas mãos e pela ótica liberal e neolibe- ral, ela decorrería de uma “intervenção” estatal, que geralmen­ te não ultrapassa o estágio descritivo, e não se alça, pois, a um estatuto teórico-conceituai. A esquerda, mais precisamente a marxista, deu muito mais importância à questão, procurando teorizar num nível mais alto; o que não quer dizer que os resultados tenham sido satisfatórios. O termo composto “in­ tervenção estatal” é um pseudoconceito, que funciona como panacéia. A sua simples enundação, tudo parece revelar-se, e um processo dos mais complexos é acometido de reducionis- *Artigo publicado na Revista USP, n. 17, mar-mai. 1993, p. 136-143. Este texto corresponde à aula preparada como prova de erudição no Concurso para Professor-titular da cadeira de Sociologia, do Departamento de Socio­ logia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, prestado pelo autor em 19 de outubro de 1992. Ele se beneficia tias críticas e observações dos eminentes professores membros da banca, Manoel Corrêa de Andrade, Roberto Schwarz, Fernando Henrique Cardoso, Paul Singer e José Reginaldo Prandi, aos quais este artigo é dedicado. Nunca será demais agradecer suas presenças. 49
  • 50. OS DIREITOS DO ANTIVALOR mo empobrecedor que, de resto, denuncia sua matriz ideoló­ gica. Pois postula imediatamente um estatuto de exterioridade entre o Estado e a economia, que não é o reconhecimento da radical separação entre o Estado e sociedade, metodologica- mente correto e ideologicamente salutar. A proposição de ex­ terioridade funciona desde logo no sentido de atribuir ao Estado intencionalidade efinalidade econômicas próprias, ine­ rentes e imanentes (uma formulação insolitamente estranha à própria doutrina liberal). Em seu favor, poder-se-Ía pensar es­ tar-se em presença de uma radical atualização do liberalismo, o que significaria que as evidências sobre as transformações do Estado não teriam atravessado o território da doutrina li­ beral, deixando-a incólume, ao custo de deixá-la incapaz. Mas a crítica neoliberal significa que o Estado transfor­ mou-se num agente econômico com a mesma racionalidade dos agentes privados, com o que a diferença qualitativa da “ intervenção” perde todo sentido e eficácia. De que serviria uma “intervenção” de um agente igual aos outros? Como con­ seguiría ele escapar seja às determinações ou aos azares dos ciclos de negócios? Apenas pelo tamanho? Mas existem em­ presas que têm o tamanho “econômico” de Estados, e as maio­ res empresas multinacionais manejam recursos superiores aos da grande maioria dos Estados latino-americanos, asiáticos e africanos. Mas mesmo Estados fracos são qualitativamente di­ ferentes de uma empresa. A “intervenção” é eficaz, em pri­ meiro lugar, porque em que pese a extraordinária trans­ formação do Estado no século XX, sua radical separação com relação à sociedade permanece (sendo o contrário também verdadeiro of coursé) e é isso que a torna qualitativamente diferente e imune aos azares dos negócios privados; sua racio­ nalidade é de outro nível, formada por outros elementos e sujeita a outras determinações e contradições. Este é o núcleo da proposição keynesiana, que a tornou revolucionária. O processo real que se dá não é de uma “intervenção”, posto que não é tópico nem casual? Trata-se da extrapolação dos espaços privados ou, dizendo de outro modo, da insufi­ ciência da esfera privada para tramitar e processar novas rela- 50
  • 51. A ECONOMIA POLÍTICA DA SOCIAL-DEMOCRACIA ÇÕes sociais que, por essa razão, vê-se metamorfoseada em esfera pública. A dialética do processo resulta em que ele é urdido para assegurar os interesses privados, mas só o pode fazer, somente se torna eficaz, se éles se transformam em in­ teresses gerais, públicos. Não há, portanto, ao contrário do que afirma a denúncia liberal e neoliberal, interesse do Estado senão na medida em que este aparece como uma instância necessária da publicização. Por outro lado, a crítica de esquerda, particularmente a crítica marxista ortodoxa, tampouco foi muito feliz ao inter­ pretar a nova relação entre o Estado e a economia no capita­ lismo contemporâneo, A esquerda não-marxista não logrou sequer pensar a questão; sobretudo a sodal-democracia, na verdade a grande parteira prática da nova relação, não a ela­ borou teoricamente. Mais recentemente os trabalhos na linha de Offe, Przerworski, Wallerstein, Gosta Esping-Andersen, tal­ vez Habermas, para citar um pequeno e brilhante conjunto de tóricos que se têm debruçado sobre o Welfare State (apenas exemplares de uma vasta bibliografia, e discordantes entre si), voltaram-se decididamente para preencher a lacuna que o va­ zio social-democrata estava deixando quase irreparável. Mas a maioria deles, como Offe e Habermas, talvez demasiada­ mente tarde, assinala mais os limites do Welfare e anuncia uma sociabilidade não estruturada sobre o trabalho, a morte do trabalho, do que teoriza, propriamente, sobre a social-demo- cracia. Przerworski, Wallerstein e Esping-Andersen, por outro lado, pertencem a outra linhagem. Dedícam-se a uma cuida­ dosa análise do Welfare e da social-democracia, estabelecem tipologias, vêem seus limites, mas não os teorizam como for­ mas diferentes do capitalismo; é isto que diz até o título do conhecido livro de Przerworski. Voltando à crítica do marxismo ortodoxo, este cometeu equívocos mais ou menos simétricos aos da crítica liberal à nova relação entre o Estado e o capitalismo. A mais articulada foi proposta na forma da teoria do capitalismo monopolista de Estado, que é um desdobramento, uma atualização e um avanço sobre a teoria do imperialismo de Lênin. Resumida- S1
  • 52. OS DIREITOS DO ANTIVALOR mente, a crítica do CME incidiu num erro similar ao dos li­ berais - mas com sinal trocado quando atribuiu ao Estado, na fusão do capitalismo monopolista, o mesmo sentido, a mes­ ma direção e a mesma lógica que a dos capitais privados, anu­ lando, pois, a radical diferença entre Estado e economia e, no fundo, entre Estado e sociedade. Em lugar da “intervenção” liberal, a crítica marxista construiu o paradigma da unicidade monolítica entre Estado e capitais monopolistas, isto é, a su­ bordinação total do Estado ou, teoricamente, uma estranha desnecessidade de um Estado que se fazia necessário para com­ portar-se exatamente como os capitais privados. Essa fusão entre Estado e capitais monopolistas não resiste tanto à crítica sobre a indiferença que estabelece quanto àquela voltada ao próprio conceito de monopólio. Este dificilmente se sustenta no terreno do marxismo, pelas dificuldades que cria no terreno da teoria da taxa média de lucro. A escola do Capitalismo monopolista de Estado não pôde ultrapassar, nem abandonar, o teorema da taxa média, porque permaneceu - ou melhor, tinha necessidade de - no terreno da mercadoria, sem o que sua própria teorização sobre a fusão entre Estado e capitais monopolistas perderia todo e qualquer sentido. O conceito de monopólio, se pretende dizer mais do que a evi­ dência do crescimento do tamanho das empresas e do controle por poucos grupos de ramos inteiros da produção, esbarra definitivamente com o teorema da taxa média de lucro, que é central para a dinâmica do capitalismo enquanto modo de produção a partir da mercadoria. A literatura sobre a matéria é abundante, e mais recentemente um excelente artigo de Alt- vater na História do Marxismo a resumiu de forma exemplar. Mas o CME não pôde superar o teorema da taxa média, que requer, para tanto, uma superação da própria teoria do fetiche da mercadoria, porque a teoria do CME necessitava dela para demonstrar que o sistema seguia sendo capitalista, explorador de mais-valia, portanto de uma parte de trabalho nao-pago, cuja “ magia” reside na utilização ilimitada do valor de uso da própria mercadoria força de trabalho. )
  • 53. A ECONOMIA POLÍTICA DA SOCIAL-DEMOCRACIA O conceito de fundo público tenta trabalhar essa nova relação na sua contraditoriedade. Ele não é, portanto, a ex­ pressão apenas de recursos estatais destinados a sustentar ou financiar a acumulação de capital; ele é um mix que se forma dialetícamente e representa na mesma unidade, contém na mesma unidade, no mesmo movimento, a razão do Estado, que é sociopolítica, ou pública, se quisermos, e a razão dos capitais, que é privada. O fundo público, portanto, busca ex­ plicar a constituição, a formação de uma nova sustentação da produção e da reprodução do valor, introduzindo, mixando, na mesma unidade, a forma valor e o antivalor, isto é, um valor que busca a mais-valia e o lucro, euma outra fração, que chamo antivalor, que por não buscar valorizar-se per se, pois não é capital, ao juntar-se ao capital, sustenta o processo de valori­ zação do valor. Mas só pode fazer isso com a condição de que ele mesmo não seja capital, para escapar, por sua vez, às de­ terminações da forma mercadoria e às insuficiências do lucro enquanto sustentação da reprodução ampliada. A metáfora que usaria vem da física: o antivalor é uma partícula de carga oposta que, no movimento de colisão com a outra partícula, o valor, produz o átomo, isto é, o novo' excedente social. O processo de produção desse movimento, que busco con­ ceituar no fundo público, é o processo da luta de classes. Mas é também o de seu deslocamento da esfera das relações priva­ das para uma esfera pública ou, dizendo de outra forma, o da transformação das classes sociais de privadas para classes so­ ciais públicas. O que se quer dizer com isso? Seria mais fácil dizer que há um deslocamento da luta de classes da esfera da produção, do chão da fábrica ou das oficinas ou ainda dos escritórios, para o orçamento do Estado. Mas, não apenas de fato, mas teoricamente, não é isso que se passa, pois tanto para que exista o fundo público quanto para que o processo de publicização das classes sociais se dê, é absolutamente neces­ sário que também continue a luta de classe na esfera da pro­ dução ou, se quisermos dizer, no confronto imediato e direto entre empregado e patrão, O fundo público só existe esomente se sustenta como conseqüência da publicização das classes so­ 53
  • 54. OS DIREITOS DO ANTIVALOR ciais, do deslocamento da luta de classes da esfera das relações privadas para a das relações públicas: ele é uma espécie de suma de todas essas transformações, as quais têm que ser re­ novadas quotidianamente, sob pena de ele perder sua eficácia. Evidentemente, a publicização, ou o processo desse desloca­ mento, não é aleatória, conjuntural, e construiu suas institui­ ções, as quais são, na maior parte dos casos, as instituições do Estado de bem-estar. Entretanto, as classes sociais, seus contornos, parecem de­ saparecer. Offe, Habermas ou Giannotti (para citar os mais rigorosos de uma vasta bibliografia, que incluiria também os que deram “adeus”ao proletariado) anunciam o fim da socie­ dade do trabalho, o que quer dizer o fim da sociedade de classes. Ou, fukuianamente, embora os desagrade, o fim da história, Minha interpretação é que ocorre, de fato, que, pa­ rodiando Habermas, o máximo de publicização possível pa­ rece privatizar tudo. Mas esta é uma ilusão da aparência, posto que as classes sociais saíram de seus invólucros anteriores, pri­ vados, e não são percebidas como públicas. Mas, quanto mais parecem desaparecer do campo da visibilidade do confronto privado, tanto mais são requeridas como atores da regulação publica. Isto não é um paradoxo, mas a contradição das classes sociais hodiernas, que é, também, a mesma do fundo público. As conseqüências ou, dizendo de outro modo, as transfor­ mações na esfera pública e no Estado, ao mesmo tempo causa e efeito do mesmo processo, são extremamente relevantes. A esfera pública aqui não é mais uma esfera pública burguesa: mas, da mesma forma como a entrada da classe trabalhadora na disputa eleitoral redefiniu a democracia, com o que as an­ tigas desconfianças marxistas em relação à democracia perde­ ram todo o sentido, também uma esfera pública burguesa, penetrada por um fundo público que é o espaço do desloca­ mento das relações privadas, deixa de ser apenas uma esfera pública burguesa. Assim, de novo parafraseando Habermas, no máximo de intransparência é possível distinguir, nitida­ mente, a esfera pública, redefinida dessa forma, da esfera pri­ vada. E isso, por exemplo, que torna possível uma campanha 54