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movimento Estudantil
Agência Estado




                 José Dirceu,
                 presidente da União
                 Estadual dos Estudantes
                 de São Paulo, em 1968




                      A revolta mundial da
                      juventude e o Brasil
                      Parte considerável dos universitários se mobilizou, em especial
                      nas capitais dos estados, em eventos tão importantes quanto
                      inesperados Luís Antonio Groppo



                      S
                                 empre me senti surpre-       alienados ou individualistas. E quis         Menos que uma coincidência no
                                 endido pela vastidão do      mesmo conferir a tal força de 1968.      tempo de inúmeras revoltas de cunho
                                 movimento de 1968, que       Se ainda considero caricata a ima-       nacional, quis ler 1968 – e as revoltas
                                 abrangeu parte importante    gem dos jovens da minha geração          juvenis dos anos 1960 em seu todo,
                      do planeta. Do mesmo modo, sempre       como tão somente individualistas, a      na verdade – como fenômeno único,
                      me intrigaram os relatos sobre sua      pesquisa à qual me dediquei durante      complexo e contraditório, de cunho
                      força e influência. Nascido em 1971,    meu doutoramento me fez aprender         global, como uma onda mundial de
                      em meio à “geração AI-5”, não aceitei   a enorme energia da revolta de 1968.     revoltas. Ao mesmo tempo, considerei
                      nunca com tranqüilidade a taxação       E o que me propus a fazer foi observá-   que este movimento teve na juventude
                      de que os jovens das décadas pos-       la como um movimento juvenil de          real ou presumida de seus integrantes
                      teriores à de 1960 eram apolíticos,     caráter mundial.                         o seu principal elemento comum. Tal

                                                                               35                      Teoria e Debate Especial 1968 H maio 2008
olhar não deve nos abster, entretanto,           Estados Unidos (com uma enorme               tos “anti-socialistas”, mas sim contra
                 de compreender as muitas nuanças                 revolta estudantil em 1970 contra a          as feições totalitárias, burocráticas e
                 destas revoltas que, é bem verdade,              invasão do Camboja, no contexto da           corruptas assumidas pelos regimes
                 tiveram características nacionais e              guerra do Vietnã).                           soviéticos, em prol de mais liberdade
                 mesmo locais bastante particulares.                  Mas, no Terceiro Mundo, foi forte        e democracia.
                     Outro risco a se evitar com o olhar          e até mesmo precursora esta onda. Na             Entre os elementos que deram a
                 global sobre 1968 é o de considerar              América Latina, inclusive Brasil e Mé-       1968 relativa unidade, deve ser cita-
                 os movimentos algo mais legítimo                 xico, na Ásia, em países como Japão,         do, primeiro, o fato de que os mais
                 ou característico dos países ditos               Vietnã, Paquistão e Bangladesh, Sri          característicos movimentos eram de
                 “desenvolvidos”. Ainda que contrá-               Lanka, Índia, Iraque, Irã, Síria, Israel,    juventude universitária com origem
                 rio à mera inversão simplista desta              Palestina, Turquia, Líbano, Tailândia,       principalmente nas classes médias
                 postura, o que eu proponho é que                 Birmânia e Malásia, e na África, como        (principalmente das “novas classes
                 a onda mundial de revoltas teve no               Nigéria, Senegal, Egito, Argélia, Marro-     médias”). Como segundo elemento
                 Terceiro Mundo seu início e uma de               cos, Mauritânia, Congo e Camarões, a         de unidade, os movimentos se deram
                 suas principais fontes. Isto não signi-          onda mundial de revoltas teve eventos        principalmente nas grandes cidades,
                 fica desconsiderar a importância dos             tão importantes quanto inesperados           que eram centros políticos e econô-
                 movimentos do “Primeiro Mundo”,                  para um olhar que espera apenas do           micos (São Francisco, Washington,
                 ao contrário. O maio francês de 1968             “Ocidente civilizado” os ímpetos de          Nova York, Londres, Berlim, Paris,
                 foi provavelmente o movimento em                 emancipação da humanidade.                   São Paulo, Rio de Janeiro, Cidade do
                 que as possibilidades emancipatórias                 Também, contra quaisquer sim-            México, Praga, Tóquio, Cairo etc.).
                 daquela onda tenham ido mais longe.              plismos na interpretação destes even-        Terceiro, tinham como elementos
                 A Alemanha teve importantes movi-                tos, que poderiam caracterizá-los tão        desencadeadores aspectos de um
                 mentos estudantis na então Berlim                somente como “anticapitalistas” (que,        explosivo contexto histórico mundial:
                 Ocidental desde o início da década               em boa medida, realmente eram),              fatores geopolíticos como a guerra
                 de 1960. E, mesmo depois de 1968,                1968 foi muito importante também             fria e a descolonização da Ásia e da
                 países que já haviam tido eventos                no antigo mundo socialista, em pa-           África; fatores socioeconômicos como
                 muito relevantes, atingiriam o ápice             íses como Polônia, ex-Iugoslávia, ex-        o enorme avanço da economia mun-
                 de suas mobilizações, como a Itália              Tchecoslováquia, antiga Alemanha             dial no pós-Segunda Guerra Mundial
                 (com uma greve estudantil-operária               Oriental e, na China, a revolução cul-       e a ascensão das novas classes médias
                 de amplas proporções em 1969) e os               tural. Não se tratavam de movimen-           (mais ligadas aos setores de serviços e
                                                                                                               técnicos); e fatores político-culturais,
                                                                                                               como as transformações nas univer-
Agência Estado




                                                                                                               sidades, os novos radicalismos e a
                                                                                                               contracultura.
                                                                                                                   Importantes temas de cada movi-
                                                                                                               mento nacional giraram em torno de
                                                                                                               alguns eixos, em especial a rejeição
                                                                                                               agressiva ao imperialismo norte-ame-
                                                                                                               ricano (a começar pelos protestos no
                                                                                                               interior dos próprios Estados Unidos
                                                                                                               contra a guerra do Vietnã). Também
                                                                                                               se fez a crítica à tese da “convivência
                                                                                                               pacífica” entre o socialismo soviético
                                                                                                               e o capitalismo de extração norte-
                                                                                                               americano, e adotaram-se temas
                 A relativa unidade está no fato de que os mais característicos movimentos eram de juventude
                                                                                                               sobre a democratização radical da
                 universitária                                                                                 universidade e da sociedade; mundo

                 Teoria e Debate – Especial 1968 H maio 2008                           36
dos. As possibilidades de rebeldia
                                                                                                              não são as mesmas em todos os tem-
                                                                                                              pos. Os jovens não são socializados
                                                                                                              sempre com os mesmos valores, nem
                                                                                                              sempre as alternativas de contestação




                                                                                        Acervo Iconographia
                                                                                                              estão abertas a todos. Quase nunca as
                                                                                                              manifestações de descontentamento
                                                                                                              se dão do modo esperado, da forma
                                                                                                              “clássica” de fazer revolta política. Se
Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana dos Estudantes (RJ),
liderou a Passeata dos Cem Mil
                                                                                                              houve condições sociais e políticas
                                                                                                              que praticamente empurraram os
afora, declarou-se solidariedade aos              mesmo, os cartazes e as caricaturas                         jovens estudantes das classes médias
movimentos de libertação nacional,                na revolução cultural chinesa.                              à revolta em 1968, os jovens de hoje
fizeram-se presentes de modo con-                     Na arte, nas manifestações cultu-                       não deixam de protagonizar outros
tundente os socialismos heterodoxos               rais e nas novas doutrinas políticas,                       e novos protestos. Temos protestos
– em especial os da revolução cultural            todo um rol de respostas alternativas                       recentes contra a globalização neoli-
chinesa e os da revolução cubana – e              à situação global insatisfatória vivida                     beral que contaram com importante
houve a apologia e algumas vezes até              naquele momento estava à disposi-                           participação dos jovens entre os seus
a prática de guerrilhas, luta armada e            ção, a serviço do cultivo da rebeldia.                      manifestantes, durante reuniões
“guerra popular revolucionária”, sob              Enquanto o “sistema” oferecia, como                         das instituições financeiras e políti-
a influência dos socialismos antes                supostas alternativas, a indústria                          cas supranacionais (como o Fundo
citados. Esta apologia, demonstrando              cultural massificada, o discurso de                         Monetário Internacional − FMI −, o
a complexidade e a contraditoriedade              fundo moralizante e tradicionalista                         Banco Mundial e o G-7 – o grupo dos
desta galáxia de rebeldias, conviveu,             do mundo “democrático” ou a versão                          sete países mais ricos do mundo).
algumas vezes bem, outras mal,                    estreita da ortodoxia comunista sovi-                       Também, contra a segunda guerra do
com propostas de reestruturação e                 ética, os jovens buscaram respostas e                       Iraque, em 2003, em muitos países.
transformação da vida cotidiana,                  modelos alternativos: Che Guevara e                             Outro questionamento logo se
da cultura e do comportamento, em                 Cuba, Mao-Tsé e a China, o Vietnã e as                      apresenta. É preciso perguntar sem-
especial na práxis da contracultura e             lutas dos povos oprimidos nos países                        pre de qual jovem estamos falando,
do movimento hippie.                              do Terceiro Mundo, intelectuais e                           seja hoje, seja em 1968. A juventude
    Em todos os movimentos, certa-                novas organizações de esquerda que                          das camadas trabalhadoras não é a
mente, foram marcantes as mani-                   criticavam o comunismo soviético (o                         mesma das camadas mais bem provi-
festações artístico-culturais, como o             filósofo alemão Herbert Marcuse e a                         das de recursos financeiros. A própria
Cinema Novo, a canção de protesto e               Escola de Frankfurt, novas revistas e                       possibilidade de viver a juventude
o tropicalismo no Brasil, o movimento             organizações de nova esquerda na Eu-                        como tempo de preparação para o fu-
hippie, as drogas psicodélicas e a revo-          ropa, grupos de discussão e ação estu-                      turo papel adulto é algo que esteve e
lução sexual nos Estados Unidos e em              dantil) e contestadores culturais.                          está mais à disposição de certas clas-
outros países da Europa Ocidental, os                 Creio que não se devem idealizar                        ses, certo gênero, etnia e regiões do
grafites e os panfletos no maio de 1968           os jovens do passado, nem desprezar                         país que de outras. Os jovens rebeldes
francês, a literatura e o teatro nos paí-         os do presente, muito menos usar os                         de 1968 foram, em ampla margem,
ses soviéticos do Leste Europeu e, até            primeiros para condenar os segun-                           filhos das classes médias.



Importantes temas de cada movimento nacional giraram
em torno da rejeição agressiva ao imperialismo norte-americano
e a democratização radical da universidade
                                                                       37                                     Teoria e Debate Especial 1968 H maio 2008
Como último ponto, apresento                           pitais dos estados, mas também há            se deram em quase todas as demais
uma breve descrição desta revolta no                      notícias de importantes ações em             capitais, como em Brasília, Belo Ho-
Brasil. O Brasil também fez parte da                      regiões interioranas, como no estado         rizonte, Goiânia e Curitiba.
onda mundial de revoltas estudantis-                      de São Paulo. Se a seguir destacarei os          O principal oponente deste movi-
juvenis de 1968. Aqui, ela mobilizou                      eventos das capitais paulista e cario-       mento foi o regime militar instalado
parte considerável dos estudantes                         ca, entretanto, é preciso enfatizar que      no Brasil pelo golpe de 1964. O golpe
universitários, em especial nas ca-                       manifestações muito importantes              derrubou a ordem populista em crise,




  UnB, o sonho
  Visibilidade política de Brasília pedia de seu movimento estudantil atuação enfocada
  nas grandes questões nacionais Paulo Speller

  A    Universidade de Brasília (UnB) era
       um sonho em 1968. E ainda é. Há
  quarenta anos, era o sonho de inovação,
                                                          pico resumia-se a barracões de madeira
                                                          à beira do lago Paranoá, que ocupamos
                                                          em 1967 como moradia estudantil; o
                                                                                                       do estudante Edson Luís, no Restaurante
                                                                                                       Calabouço, no Rio de Janeiro, foi o es-
                                                                                                       topim da indignação de todos. A UnB foi
  de renovação, desta que é uma instituição               Instituto de Teologia – hoje Fundação        novamente invadida; Honestino foi preso,
  medieval, conservadora e corporativista,                Educacional do Distrito Federal –, espigão   e então o substituí como presidente da
  e que sobrevive há quase mil anos desde                 de cimento armado invadido pelo mato.        Feub, em julho de 1968. Levamos a
  a criação da Universidade de Bolonha, na                Tudo era sonho, provisório, estruturas de    voz livre e solta dos estudantes para a
  Europa1. A UnB era o sonho da universi-                 madeira, poeira vermelha que nos coloria     Esplanada dos Ministérios, para o Teatro
  dade brasileira, em construção.                         e dava vida à UnB.                           Nacional, para o Congresso Nacional:
     Aprovado em dois vestibulares da                         O movimento estudantil organizou-se      “Abaixo a Ditadura!”. Ninguém discor-
  Universidade Federal de Minas Gerais,                   desde o seu nascedouro, com a cons-          dava, o consenso era de todos.
  em Belo Horizonte, segui para Brasília                  trução da Federação dos Estudantes              A visibilidade política de Brasília pedia
  em 1966. Queria estudar na UnB, re-                     Universitários de Brasília (Feub). A Feub    de seu movimento estudantil atuação en-
  cém-reaberta depois da invasão das                      lutou pela consolidação da UnB, resistiu     focada nas grandes questões nacionais.
  tropas da ditadura militar em 1965. A                   ao golpe de 1964, às invasões poli-          Sua arquitetura, distante das grandes
  Universidade de Brasília era isso: sonho                cial-militares. Os melhores estudantes       praças e avenidas do Rio de Janeiro e
  que atraía, mobilizava, clamava, paixão                 dirigiram a Feub, entre eles, Honestino      de São Paulo, exigia criatividade, que
  à primeira vista. Estudantes vinham de                  Monteiro Guimarães, seu presidente em        mostramos diante das representações
  todo o Brasil, todos querendo ajudar a                  1968, morto covardemente no pau-de-          diplomáticas do imperialismo norte-
  construir a universidade que Juscelino                  arara em 1973. Estudante de Geologia,        americano, na Câmara dos Deputados e
  Kubitschek demorara a aceitar. A UnB era                aprovado em primeiro lugar no vestibular     no Senado Federal; diante do Ministério
  precoce ruína de concreto. Construção                   da UnB aos 17 anos, Honestino mostrava       da Cultura (MEC) e do próprio ministro
  interrompida pelos militares, o Instituto               com seu carisma o que todos queríamos        da Educação, Favorino Bastos Mércio.
  Central de Ciência (ICC) − chamado de                   da UnB: comprometimento com nossos           Liderados pela Feub, os estudantes da
  “minhocão” –, que hoje é espinha dorsal                 grandes sonhos − redemocratização do         UnB deram seu recado na luta em torno
  da universidade, constituía uma estrutura               país, fim da ditadura, construção de um      das grandes questões nacionais pela
  de concreto abandonada. O Centro Olím-                  Brasil mais justo e solidário para todos     redemocratização do Brasil. Democracia,
                                                          os brasileiros.                              sempre!
  1
      A Universidade de Bolonha, a mais antiga da
      Europa, foi fundada na Itália em 1088. Na               As assembléias da Feub mobilizavam
      Idade Média, seria reconhecida em toda a            o conjunto dos estudantes. Todos queriam     Paulo Speller, estudante de psicologia
      Europa por seus cursos de humanidades e
      direito civil. E abrigaria os poetas, então estu-   participar. O auditório Dois Candangos era   da UnB em 1968, é professor e reitor da
      dantes, Dante Alighieri e Petrarca. (N.E.)          pequeno para a UnB de 1968. A morte          Universidade Federal do Mato Grosso


Teoria e Debate – Especial 1968 H maio 2008                                  38
Acervo Iconographia
UNE na ilegalidade: todos participantes do 30º Congresso presos em Ibiúna (SP)


promoveu prisões políticas, cassa-               de uma verdadeira revolução nas ar-      ações e contribuiu para uma relativa
ções, torturas, exílios e tentou, paula-         tes populares iniciada no começo da      organização das mesmas.
tinamente, institucionalizar um siste-           década de 1960, em torno do Centro           Entretanto, enquanto para boa
ma político autoritário em nosso país,           Popular de Cultura (CPC), do Teatro de   parte dos estudantes a revolta signifi-
com Atos Institucionais, leis e Consti-          Arena e do Teatro Opinião, do Cinema     cava “libertação”, tanto política quan-
tuição que foram minando o pouco de              Novo, dos Festivais de Música Popular,   to comportamental, e para a própria
democrático que sobrevivera a 1964.              da canção de protesto, da emergente      classe média se tratava antes de tudo
O final de 1968 selaria a entrada deste          Música Popular Brasileira, da jovem      de uma luta pela redemocratização
regime em seu momento mais autori-               guarda, do tropicalismo etc.             do país, para os líderes de 1968 e mi-
tário e violento, com a decretação do                Encabeçando as manifestações,        litantes dos partidos estudantis (em
Ato Institucional n° 5 (AI-5). Mas isto          ainda que de modo mais formal que        geral informados pelos socialismos
se daria apenas em dezembro. Antes               de fato, já que a direção dos aconte-    heterodoxos e pela apologia da luta
disto, desde março até outubro, 1968             cimentos tomava rumo próprio nas         armada) o maior desejo era tornar
fora o ano de revoltas estudantis que            massivas manifestações populares,        possível a “revolução popular” que
sacudiram o país e que estiveram no              esteve a União Nacional dos Estu-        levaria o Brasil ao socialismo:
centro de esperanças democráticas e              dantes (UNE). A UNE havia sido               Nós éramos profundamente liber-
de pesadelos da violência.                       declarada ilegal pelo governo e teria    tários. O que mais se gritava naquele
    Por outro lado, o movimento                  seus espaços fechados pela ditadura,     momento era a palavra de ordem
também era cultural, contracultural,             culminando na prisão de todos os         “Liberdade”. O curioso, e paradoxal,
ainda que não muito consciente disso,            participantes do 30º Congresso da        é que toda essa visão e toda essa
pois ao menos na prática, nos atos da            UNE em Ibiúna (SP), em outubro de        prática muito libertárias coexistiam
massa estudantil, também se expres-              1968. Mas, antes disso, ao lado das      com um discurso ideológico que
sou o desejo da libertação dos com-              uniões estaduais dos estudantes, di-     apontava para outras direções. Todos
portamentos e dos valores, no campo              retórios centrais estudantis e centros   nós, naquele momento, piamente de-
da arte, da sexualidade e das drogas.            acadêmicos, a UNE ajudou a impri-        fendíamos a ditadura do proletariado
Por fim, 1968 foi o ponto culminante             mir a marca da nova esquerda nestas      (Sirkis 1999, p. 114).

                                                                      39                  Teoria e Debate Especial 1968 H maio 2008
Hamilton / JB
    Dois ápices marcaram os oito
meses de revolta (Moraes, 1989). O
primeiro se deu entre 28 de março
e o início de abril, contando com 26
grandes passeatas em quinze capi-
tais estaduais. O fato que precipitou
essas passeatas foi o assassinato do
estudante secundarista Edson Luís1
Souto pela polícia, no Rio de Janeiro,
no restaurante Calabouço (destinado
a estudantes pobres, em geral vindos                          Edson Luís, primeiro estudante assassinado pela ditadura militar, morto durante confronto no
do interior do estado do Rio de Janeiro                       restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro

e de outras regiões do país). Em meio
à enorme manifestação popular em                              houve dezessete grandes passeatas                estudantil no centro da cidade, na
que se transformou seu enterro, criou-                        em oito capitais de estado. Outro fato           chamada “quarta-feira sangrenta”.
se um slogan certeiro: “Mataram um                            ocorrido no Rio de Janeiro teria dis-            No dia 21, centenas de estudantes
estudante. Podia ser seu filho”.                              parado essa segunda onda, quando                 que estavam em assembléia na Uni-
    O segundo grande momento se                               a polícia, em 20 de junho, reprimiu              versidade Federal foram agredidos
deu na metade de junho, no qual                               com br uta lidade uma passeata                   pela polícia no Estádio do Botafogo,




                                                                                                                                               Manifestações
                                                                                                                                               após a morte
                                                                                                                                               de Edson Luís
                                                                                                                                               mobilizaram
                                                                                                                                               várias capitais
                                                                                                                                               brasileiras
                                                                                                                                                                 Acervo Iconographia




Teoria e Debate – Especial 1968 H maio 2008                                        40
Com a violência da ditadura, que culminou na prisão de quase
oitocentos delegados no 3o Congresso da UNE e no AI-5, o ímpeto
juvenil e rebelde de 1968 se dispersaria
quando a televisão transmitiu cenas                     grupo ultraconservador Comando           estudantes dos anos 1970 viram seu
da violência oficial. Estava preparado                  de Caça aos Comunistas (CCC), alo-       espaço constantemente cerceado e
o cenário para a “sexta-feira sangren-                  jados na Universidade Mackenzie,         vigiado, punidos por um radicalismo
ta”, no dia 22: a população apoiou os                   travaram violento duelo contra os        que não tinha sido o de sua geração
estudantes e também atacou a polí-                      estudantes esquerdistas que ocupa-       e, ainda por cima – como os jovens de
cia, e o confronto que se estendeu até                  vam a Faculdade de Filosofia da USP.     hoje –, foram acusados de alienados
o final da tarde deixou muitos feridos                  Ao final, a Faculdade de Filosofia foi   pela mesma sociedade que não lhes
e mortos. Novo ato se convocou para                     incendiada, sob o olhar conivente da     dava condições de ser um verdadeiro
o dia 26, que ficaria conhecido como                    polícia.                                 protagonista da vida política. ✪
a Passeata dos Cem Mil. Postaram-                           Diante do crescente da violência
se ao lado dos estudantes, artistas,                    da ditadura, que culminou na prisão      Luís Antonio Groppo é professor do Centro
                                                                                                 Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal),
membros do clero, das classes mé-                       de quase oitocentos delegados no
                                                                                                 Unidade Americana, e pesquisador do Conselho
dias e até dos trabalhadores, anga-                     30º Congresso da UNE e no AI-5, o        Nacional de Desenvolvimento Científico e
riando à revolta ampla – mas breve                      ímpeto juvenil e rebelde de 1968 se      Tecnológico (CNPq). Autor, entre outros,
– legitimidade.                                         dispersaria. Enquanto a classe média     de Autogestão, Universidade e Movimento
    A resposta da ditadura não tar-                     logo se acomodaria ao sistema – fe-      Estudantil, Uma Onda Mundial De Revoltas:
                                                                                                 Movimentos Estudantis de 1968 e Juventude:
dou: decretou-se a proibição de pas-                    chado politicamente, mas com novas       Ensaios Sobre Sociologia e História das
seatas em todo o país. Estava fechado                   oportunidades de enriquecimento          Juventudes Modernas (Difel, 2000)
o principal meio até então legal de                     acenadas pelo “milagre econômico”
expressão da revolta estudantil e dos                   –, a rebelião juvenil bifurcou-se em
                                                                                                 Bibliografia
anseios de democratização. As ma-                       duas frentes. Uma delas, a da rebeldia   Groppo, L. A. Uma Onda Mundial de Revoltas:
nifestações que foram convocadas a                      comportamental de nossos hippies,         Movimentos Estudantis de 1968. Piracica-
                                                                                                  ba, Editora da Unimep, 2005.
partir de então sofreram repressão                      amantes da liberdade sexual e da ex-
                                                                                                 _____________. Autogestão, Universidade e
cada vez mais vigorosa, desencora-                      perimentação psicodélica, não tinha       Movimento Estudantil. Campinas, Autores
jando aqueles que antes facilmente se                   interesse central pela transformação      Associados, 2006.

animavam a seguir os protestos.                         do regime político. A outra, a da luta   K atsiaficas, G. The Imagination on the New
                                                                                                   Left. A Global Analysis of 1968. Boston,
    Outro importante modo de ação                       armada, organizações de esquerda           South End Press, 1987.
também tinha seus dias contados,                        que entraram em clandestina mas          Moraes, J. Q. de. “A mobilização democrática
                                                                                                  e o desencadeamento da luta armada no
a saber, as greves e ocupações de                       sangrenta batalha contra o regime,        Brasil em 1968: notas historiográficas e
unidades estudantis. Destacaram-                        pouco puderam diante da violência         observações críticas”. Tempo Social. São
                                                                                                  Paulo, I (2), 2o sem./1989, p. 135-158.
se as ocupações na Universidade de                      quase absoluta daquele Estado – que
                                                                                                 Morais, P.; Reis Filho, D. A. 1968. A Paixão de
São Paulo (USP). Momento bastante                       mobilizou com mais eficácia os di-        Uma Utopia. 2ª ed. Rio de Janeiro, Funda-
indicativo de mais este fechamento                      versos órgãos de repressão na temível     ção Getúlio Vargas, 1998.
                                                                                                 Sirkis, A. “Os paradoxos de 1968”. In: Gar-
foi a guerra da Maria Antonia (rua                      Operação Bandeirantes (Oban).              cia, M. A.; Vieira, M. A. (orgs.). Rebeldes e
da capital de São Paulo onde se deu                         Contra os estudantes universitá-       Contestadores. 1968: Brasil, França e Ale-
                                                                                                   manha. 2ª ed. São Paulo, Editora Fundação
o conflito), quando integrantes do                      rios, militantes ou não de qualquer        Perseu Abramo, 2008, p. 111-116.
                                                        rebelião, o Estado reservara para o      Valle, Maria R. do. O Diálogo é a Violência:
                                                        início de 1969 o Decreto n° 477, que       Movimento Estudantil e Ditadura Militar no
1
    Nascido em Belém (PA), o secundarista Edson                                                    Brasil. Campinas, Unicamp, 1999.
    Luís foi o primeiro estudante morto pela ditadura   estipulava que fazer ou participar
                                                                                                 Z aidan Filho, M.; Machado, O. L. (orgs.). Mo-
    militar. Foi assassinado pela Polícia Militar du-   de greve, passeata ou simplesmente         vimento Estudantil Brasileiro e a Educação
    rante um confronto no restaurante Calabouço,
                                                        distribuir “material subversivo” era       Superior. Recife. Editora Universitária
    no centro do Rio de Janeiro, onde funcionava o
                                                                                                   UFPE, 2007.
    Instituto Cooperativo de Ensino. (N.E.)             um grave delito. Deste modo, os

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Paper de rogério proena leite
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Monografia de thiago veloso na puc mg
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Artigo de luís antônio groppo em revista

  • 1. movimento Estudantil Agência Estado José Dirceu, presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, em 1968 A revolta mundial da juventude e o Brasil Parte considerável dos universitários se mobilizou, em especial nas capitais dos estados, em eventos tão importantes quanto inesperados Luís Antonio Groppo S empre me senti surpre- alienados ou individualistas. E quis Menos que uma coincidência no endido pela vastidão do mesmo conferir a tal força de 1968. tempo de inúmeras revoltas de cunho movimento de 1968, que Se ainda considero caricata a ima- nacional, quis ler 1968 – e as revoltas abrangeu parte importante gem dos jovens da minha geração juvenis dos anos 1960 em seu todo, do planeta. Do mesmo modo, sempre como tão somente individualistas, a na verdade – como fenômeno único, me intrigaram os relatos sobre sua pesquisa à qual me dediquei durante complexo e contraditório, de cunho força e influência. Nascido em 1971, meu doutoramento me fez aprender global, como uma onda mundial de em meio à “geração AI-5”, não aceitei a enorme energia da revolta de 1968. revoltas. Ao mesmo tempo, considerei nunca com tranqüilidade a taxação E o que me propus a fazer foi observá- que este movimento teve na juventude de que os jovens das décadas pos- la como um movimento juvenil de real ou presumida de seus integrantes teriores à de 1960 eram apolíticos, caráter mundial. o seu principal elemento comum. Tal 35 Teoria e Debate Especial 1968 H maio 2008
  • 2. olhar não deve nos abster, entretanto, Estados Unidos (com uma enorme tos “anti-socialistas”, mas sim contra de compreender as muitas nuanças revolta estudantil em 1970 contra a as feições totalitárias, burocráticas e destas revoltas que, é bem verdade, invasão do Camboja, no contexto da corruptas assumidas pelos regimes tiveram características nacionais e guerra do Vietnã). soviéticos, em prol de mais liberdade mesmo locais bastante particulares. Mas, no Terceiro Mundo, foi forte e democracia. Outro risco a se evitar com o olhar e até mesmo precursora esta onda. Na Entre os elementos que deram a global sobre 1968 é o de considerar América Latina, inclusive Brasil e Mé- 1968 relativa unidade, deve ser cita- os movimentos algo mais legítimo xico, na Ásia, em países como Japão, do, primeiro, o fato de que os mais ou característico dos países ditos Vietnã, Paquistão e Bangladesh, Sri característicos movimentos eram de “desenvolvidos”. Ainda que contrá- Lanka, Índia, Iraque, Irã, Síria, Israel, juventude universitária com origem rio à mera inversão simplista desta Palestina, Turquia, Líbano, Tailândia, principalmente nas classes médias postura, o que eu proponho é que Birmânia e Malásia, e na África, como (principalmente das “novas classes a onda mundial de revoltas teve no Nigéria, Senegal, Egito, Argélia, Marro- médias”). Como segundo elemento Terceiro Mundo seu início e uma de cos, Mauritânia, Congo e Camarões, a de unidade, os movimentos se deram suas principais fontes. Isto não signi- onda mundial de revoltas teve eventos principalmente nas grandes cidades, fica desconsiderar a importância dos tão importantes quanto inesperados que eram centros políticos e econô- movimentos do “Primeiro Mundo”, para um olhar que espera apenas do micos (São Francisco, Washington, ao contrário. O maio francês de 1968 “Ocidente civilizado” os ímpetos de Nova York, Londres, Berlim, Paris, foi provavelmente o movimento em emancipação da humanidade. São Paulo, Rio de Janeiro, Cidade do que as possibilidades emancipatórias Também, contra quaisquer sim- México, Praga, Tóquio, Cairo etc.). daquela onda tenham ido mais longe. plismos na interpretação destes even- Terceiro, tinham como elementos A Alemanha teve importantes movi- tos, que poderiam caracterizá-los tão desencadeadores aspectos de um mentos estudantis na então Berlim somente como “anticapitalistas” (que, explosivo contexto histórico mundial: Ocidental desde o início da década em boa medida, realmente eram), fatores geopolíticos como a guerra de 1960. E, mesmo depois de 1968, 1968 foi muito importante também fria e a descolonização da Ásia e da países que já haviam tido eventos no antigo mundo socialista, em pa- África; fatores socioeconômicos como muito relevantes, atingiriam o ápice íses como Polônia, ex-Iugoslávia, ex- o enorme avanço da economia mun- de suas mobilizações, como a Itália Tchecoslováquia, antiga Alemanha dial no pós-Segunda Guerra Mundial (com uma greve estudantil-operária Oriental e, na China, a revolução cul- e a ascensão das novas classes médias de amplas proporções em 1969) e os tural. Não se tratavam de movimen- (mais ligadas aos setores de serviços e técnicos); e fatores político-culturais, como as transformações nas univer- Agência Estado sidades, os novos radicalismos e a contracultura. Importantes temas de cada movi- mento nacional giraram em torno de alguns eixos, em especial a rejeição agressiva ao imperialismo norte-ame- ricano (a começar pelos protestos no interior dos próprios Estados Unidos contra a guerra do Vietnã). Também se fez a crítica à tese da “convivência pacífica” entre o socialismo soviético e o capitalismo de extração norte- americano, e adotaram-se temas A relativa unidade está no fato de que os mais característicos movimentos eram de juventude sobre a democratização radical da universitária universidade e da sociedade; mundo Teoria e Debate – Especial 1968 H maio 2008 36
  • 3. dos. As possibilidades de rebeldia não são as mesmas em todos os tem- pos. Os jovens não são socializados sempre com os mesmos valores, nem sempre as alternativas de contestação Acervo Iconographia estão abertas a todos. Quase nunca as manifestações de descontentamento se dão do modo esperado, da forma “clássica” de fazer revolta política. Se Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana dos Estudantes (RJ), liderou a Passeata dos Cem Mil houve condições sociais e políticas que praticamente empurraram os afora, declarou-se solidariedade aos mesmo, os cartazes e as caricaturas jovens estudantes das classes médias movimentos de libertação nacional, na revolução cultural chinesa. à revolta em 1968, os jovens de hoje fizeram-se presentes de modo con- Na arte, nas manifestações cultu- não deixam de protagonizar outros tundente os socialismos heterodoxos rais e nas novas doutrinas políticas, e novos protestos. Temos protestos – em especial os da revolução cultural todo um rol de respostas alternativas recentes contra a globalização neoli- chinesa e os da revolução cubana – e à situação global insatisfatória vivida beral que contaram com importante houve a apologia e algumas vezes até naquele momento estava à disposi- participação dos jovens entre os seus a prática de guerrilhas, luta armada e ção, a serviço do cultivo da rebeldia. manifestantes, durante reuniões “guerra popular revolucionária”, sob Enquanto o “sistema” oferecia, como das instituições financeiras e políti- a influência dos socialismos antes supostas alternativas, a indústria cas supranacionais (como o Fundo citados. Esta apologia, demonstrando cultural massificada, o discurso de Monetário Internacional − FMI −, o a complexidade e a contraditoriedade fundo moralizante e tradicionalista Banco Mundial e o G-7 – o grupo dos desta galáxia de rebeldias, conviveu, do mundo “democrático” ou a versão sete países mais ricos do mundo). algumas vezes bem, outras mal, estreita da ortodoxia comunista sovi- Também, contra a segunda guerra do com propostas de reestruturação e ética, os jovens buscaram respostas e Iraque, em 2003, em muitos países. transformação da vida cotidiana, modelos alternativos: Che Guevara e Outro questionamento logo se da cultura e do comportamento, em Cuba, Mao-Tsé e a China, o Vietnã e as apresenta. É preciso perguntar sem- especial na práxis da contracultura e lutas dos povos oprimidos nos países pre de qual jovem estamos falando, do movimento hippie. do Terceiro Mundo, intelectuais e seja hoje, seja em 1968. A juventude Em todos os movimentos, certa- novas organizações de esquerda que das camadas trabalhadoras não é a mente, foram marcantes as mani- criticavam o comunismo soviético (o mesma das camadas mais bem provi- festações artístico-culturais, como o filósofo alemão Herbert Marcuse e a das de recursos financeiros. A própria Cinema Novo, a canção de protesto e Escola de Frankfurt, novas revistas e possibilidade de viver a juventude o tropicalismo no Brasil, o movimento organizações de nova esquerda na Eu- como tempo de preparação para o fu- hippie, as drogas psicodélicas e a revo- ropa, grupos de discussão e ação estu- turo papel adulto é algo que esteve e lução sexual nos Estados Unidos e em dantil) e contestadores culturais. está mais à disposição de certas clas- outros países da Europa Ocidental, os Creio que não se devem idealizar ses, certo gênero, etnia e regiões do grafites e os panfletos no maio de 1968 os jovens do passado, nem desprezar país que de outras. Os jovens rebeldes francês, a literatura e o teatro nos paí- os do presente, muito menos usar os de 1968 foram, em ampla margem, ses soviéticos do Leste Europeu e, até primeiros para condenar os segun- filhos das classes médias. Importantes temas de cada movimento nacional giraram em torno da rejeição agressiva ao imperialismo norte-americano e a democratização radical da universidade 37 Teoria e Debate Especial 1968 H maio 2008
  • 4. Como último ponto, apresento pitais dos estados, mas também há se deram em quase todas as demais uma breve descrição desta revolta no notícias de importantes ações em capitais, como em Brasília, Belo Ho- Brasil. O Brasil também fez parte da regiões interioranas, como no estado rizonte, Goiânia e Curitiba. onda mundial de revoltas estudantis- de São Paulo. Se a seguir destacarei os O principal oponente deste movi- juvenis de 1968. Aqui, ela mobilizou eventos das capitais paulista e cario- mento foi o regime militar instalado parte considerável dos estudantes ca, entretanto, é preciso enfatizar que no Brasil pelo golpe de 1964. O golpe universitários, em especial nas ca- manifestações muito importantes derrubou a ordem populista em crise, UnB, o sonho Visibilidade política de Brasília pedia de seu movimento estudantil atuação enfocada nas grandes questões nacionais Paulo Speller A Universidade de Brasília (UnB) era um sonho em 1968. E ainda é. Há quarenta anos, era o sonho de inovação, pico resumia-se a barracões de madeira à beira do lago Paranoá, que ocupamos em 1967 como moradia estudantil; o do estudante Edson Luís, no Restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, foi o es- topim da indignação de todos. A UnB foi de renovação, desta que é uma instituição Instituto de Teologia – hoje Fundação novamente invadida; Honestino foi preso, medieval, conservadora e corporativista, Educacional do Distrito Federal –, espigão e então o substituí como presidente da e que sobrevive há quase mil anos desde de cimento armado invadido pelo mato. Feub, em julho de 1968. Levamos a a criação da Universidade de Bolonha, na Tudo era sonho, provisório, estruturas de voz livre e solta dos estudantes para a Europa1. A UnB era o sonho da universi- madeira, poeira vermelha que nos coloria Esplanada dos Ministérios, para o Teatro dade brasileira, em construção. e dava vida à UnB. Nacional, para o Congresso Nacional: Aprovado em dois vestibulares da O movimento estudantil organizou-se “Abaixo a Ditadura!”. Ninguém discor- Universidade Federal de Minas Gerais, desde o seu nascedouro, com a cons- dava, o consenso era de todos. em Belo Horizonte, segui para Brasília trução da Federação dos Estudantes A visibilidade política de Brasília pedia em 1966. Queria estudar na UnB, re- Universitários de Brasília (Feub). A Feub de seu movimento estudantil atuação en- cém-reaberta depois da invasão das lutou pela consolidação da UnB, resistiu focada nas grandes questões nacionais. tropas da ditadura militar em 1965. A ao golpe de 1964, às invasões poli- Sua arquitetura, distante das grandes Universidade de Brasília era isso: sonho cial-militares. Os melhores estudantes praças e avenidas do Rio de Janeiro e que atraía, mobilizava, clamava, paixão dirigiram a Feub, entre eles, Honestino de São Paulo, exigia criatividade, que à primeira vista. Estudantes vinham de Monteiro Guimarães, seu presidente em mostramos diante das representações todo o Brasil, todos querendo ajudar a 1968, morto covardemente no pau-de- diplomáticas do imperialismo norte- construir a universidade que Juscelino arara em 1973. Estudante de Geologia, americano, na Câmara dos Deputados e Kubitschek demorara a aceitar. A UnB era aprovado em primeiro lugar no vestibular no Senado Federal; diante do Ministério precoce ruína de concreto. Construção da UnB aos 17 anos, Honestino mostrava da Cultura (MEC) e do próprio ministro interrompida pelos militares, o Instituto com seu carisma o que todos queríamos da Educação, Favorino Bastos Mércio. Central de Ciência (ICC) − chamado de da UnB: comprometimento com nossos Liderados pela Feub, os estudantes da “minhocão” –, que hoje é espinha dorsal grandes sonhos − redemocratização do UnB deram seu recado na luta em torno da universidade, constituía uma estrutura país, fim da ditadura, construção de um das grandes questões nacionais pela de concreto abandonada. O Centro Olím- Brasil mais justo e solidário para todos redemocratização do Brasil. Democracia, os brasileiros. sempre! 1 A Universidade de Bolonha, a mais antiga da Europa, foi fundada na Itália em 1088. Na As assembléias da Feub mobilizavam Idade Média, seria reconhecida em toda a o conjunto dos estudantes. Todos queriam Paulo Speller, estudante de psicologia Europa por seus cursos de humanidades e direito civil. E abrigaria os poetas, então estu- participar. O auditório Dois Candangos era da UnB em 1968, é professor e reitor da dantes, Dante Alighieri e Petrarca. (N.E.) pequeno para a UnB de 1968. A morte Universidade Federal do Mato Grosso Teoria e Debate – Especial 1968 H maio 2008 38
  • 5. Acervo Iconographia UNE na ilegalidade: todos participantes do 30º Congresso presos em Ibiúna (SP) promoveu prisões políticas, cassa- de uma verdadeira revolução nas ar- ações e contribuiu para uma relativa ções, torturas, exílios e tentou, paula- tes populares iniciada no começo da organização das mesmas. tinamente, institucionalizar um siste- década de 1960, em torno do Centro Entretanto, enquanto para boa ma político autoritário em nosso país, Popular de Cultura (CPC), do Teatro de parte dos estudantes a revolta signifi- com Atos Institucionais, leis e Consti- Arena e do Teatro Opinião, do Cinema cava “libertação”, tanto política quan- tuição que foram minando o pouco de Novo, dos Festivais de Música Popular, to comportamental, e para a própria democrático que sobrevivera a 1964. da canção de protesto, da emergente classe média se tratava antes de tudo O final de 1968 selaria a entrada deste Música Popular Brasileira, da jovem de uma luta pela redemocratização regime em seu momento mais autori- guarda, do tropicalismo etc. do país, para os líderes de 1968 e mi- tário e violento, com a decretação do Encabeçando as manifestações, litantes dos partidos estudantis (em Ato Institucional n° 5 (AI-5). Mas isto ainda que de modo mais formal que geral informados pelos socialismos se daria apenas em dezembro. Antes de fato, já que a direção dos aconte- heterodoxos e pela apologia da luta disto, desde março até outubro, 1968 cimentos tomava rumo próprio nas armada) o maior desejo era tornar fora o ano de revoltas estudantis que massivas manifestações populares, possível a “revolução popular” que sacudiram o país e que estiveram no esteve a União Nacional dos Estu- levaria o Brasil ao socialismo: centro de esperanças democráticas e dantes (UNE). A UNE havia sido Nós éramos profundamente liber- de pesadelos da violência. declarada ilegal pelo governo e teria tários. O que mais se gritava naquele Por outro lado, o movimento seus espaços fechados pela ditadura, momento era a palavra de ordem também era cultural, contracultural, culminando na prisão de todos os “Liberdade”. O curioso, e paradoxal, ainda que não muito consciente disso, participantes do 30º Congresso da é que toda essa visão e toda essa pois ao menos na prática, nos atos da UNE em Ibiúna (SP), em outubro de prática muito libertárias coexistiam massa estudantil, também se expres- 1968. Mas, antes disso, ao lado das com um discurso ideológico que sou o desejo da libertação dos com- uniões estaduais dos estudantes, di- apontava para outras direções. Todos portamentos e dos valores, no campo retórios centrais estudantis e centros nós, naquele momento, piamente de- da arte, da sexualidade e das drogas. acadêmicos, a UNE ajudou a impri- fendíamos a ditadura do proletariado Por fim, 1968 foi o ponto culminante mir a marca da nova esquerda nestas (Sirkis 1999, p. 114). 39 Teoria e Debate Especial 1968 H maio 2008
  • 6. Hamilton / JB Dois ápices marcaram os oito meses de revolta (Moraes, 1989). O primeiro se deu entre 28 de março e o início de abril, contando com 26 grandes passeatas em quinze capi- tais estaduais. O fato que precipitou essas passeatas foi o assassinato do estudante secundarista Edson Luís1 Souto pela polícia, no Rio de Janeiro, no restaurante Calabouço (destinado a estudantes pobres, em geral vindos Edson Luís, primeiro estudante assassinado pela ditadura militar, morto durante confronto no do interior do estado do Rio de Janeiro restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro e de outras regiões do país). Em meio à enorme manifestação popular em houve dezessete grandes passeatas estudantil no centro da cidade, na que se transformou seu enterro, criou- em oito capitais de estado. Outro fato chamada “quarta-feira sangrenta”. se um slogan certeiro: “Mataram um ocorrido no Rio de Janeiro teria dis- No dia 21, centenas de estudantes estudante. Podia ser seu filho”. parado essa segunda onda, quando que estavam em assembléia na Uni- O segundo grande momento se a polícia, em 20 de junho, reprimiu versidade Federal foram agredidos deu na metade de junho, no qual com br uta lidade uma passeata pela polícia no Estádio do Botafogo, Manifestações após a morte de Edson Luís mobilizaram várias capitais brasileiras Acervo Iconographia Teoria e Debate – Especial 1968 H maio 2008 40
  • 7. Com a violência da ditadura, que culminou na prisão de quase oitocentos delegados no 3o Congresso da UNE e no AI-5, o ímpeto juvenil e rebelde de 1968 se dispersaria quando a televisão transmitiu cenas grupo ultraconservador Comando estudantes dos anos 1970 viram seu da violência oficial. Estava preparado de Caça aos Comunistas (CCC), alo- espaço constantemente cerceado e o cenário para a “sexta-feira sangren- jados na Universidade Mackenzie, vigiado, punidos por um radicalismo ta”, no dia 22: a população apoiou os travaram violento duelo contra os que não tinha sido o de sua geração estudantes e também atacou a polí- estudantes esquerdistas que ocupa- e, ainda por cima – como os jovens de cia, e o confronto que se estendeu até vam a Faculdade de Filosofia da USP. hoje –, foram acusados de alienados o final da tarde deixou muitos feridos Ao final, a Faculdade de Filosofia foi pela mesma sociedade que não lhes e mortos. Novo ato se convocou para incendiada, sob o olhar conivente da dava condições de ser um verdadeiro o dia 26, que ficaria conhecido como polícia. protagonista da vida política. ✪ a Passeata dos Cem Mil. Postaram- Diante do crescente da violência se ao lado dos estudantes, artistas, da ditadura, que culminou na prisão Luís Antonio Groppo é professor do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), membros do clero, das classes mé- de quase oitocentos delegados no Unidade Americana, e pesquisador do Conselho dias e até dos trabalhadores, anga- 30º Congresso da UNE e no AI-5, o Nacional de Desenvolvimento Científico e riando à revolta ampla – mas breve ímpeto juvenil e rebelde de 1968 se Tecnológico (CNPq). Autor, entre outros, – legitimidade. dispersaria. Enquanto a classe média de Autogestão, Universidade e Movimento A resposta da ditadura não tar- logo se acomodaria ao sistema – fe- Estudantil, Uma Onda Mundial De Revoltas: Movimentos Estudantis de 1968 e Juventude: dou: decretou-se a proibição de pas- chado politicamente, mas com novas Ensaios Sobre Sociologia e História das seatas em todo o país. Estava fechado oportunidades de enriquecimento Juventudes Modernas (Difel, 2000) o principal meio até então legal de acenadas pelo “milagre econômico” expressão da revolta estudantil e dos –, a rebelião juvenil bifurcou-se em Bibliografia anseios de democratização. As ma- duas frentes. Uma delas, a da rebeldia Groppo, L. A. Uma Onda Mundial de Revoltas: nifestações que foram convocadas a comportamental de nossos hippies, Movimentos Estudantis de 1968. Piracica- ba, Editora da Unimep, 2005. partir de então sofreram repressão amantes da liberdade sexual e da ex- _____________. Autogestão, Universidade e cada vez mais vigorosa, desencora- perimentação psicodélica, não tinha Movimento Estudantil. Campinas, Autores jando aqueles que antes facilmente se interesse central pela transformação Associados, 2006. animavam a seguir os protestos. do regime político. A outra, a da luta K atsiaficas, G. The Imagination on the New Left. A Global Analysis of 1968. Boston, Outro importante modo de ação armada, organizações de esquerda South End Press, 1987. também tinha seus dias contados, que entraram em clandestina mas Moraes, J. Q. de. “A mobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no a saber, as greves e ocupações de sangrenta batalha contra o regime, Brasil em 1968: notas historiográficas e unidades estudantis. Destacaram- pouco puderam diante da violência observações críticas”. Tempo Social. São Paulo, I (2), 2o sem./1989, p. 135-158. se as ocupações na Universidade de quase absoluta daquele Estado – que Morais, P.; Reis Filho, D. A. 1968. A Paixão de São Paulo (USP). Momento bastante mobilizou com mais eficácia os di- Uma Utopia. 2ª ed. Rio de Janeiro, Funda- indicativo de mais este fechamento versos órgãos de repressão na temível ção Getúlio Vargas, 1998. Sirkis, A. “Os paradoxos de 1968”. In: Gar- foi a guerra da Maria Antonia (rua Operação Bandeirantes (Oban). cia, M. A.; Vieira, M. A. (orgs.). Rebeldes e da capital de São Paulo onde se deu Contra os estudantes universitá- Contestadores. 1968: Brasil, França e Ale- manha. 2ª ed. São Paulo, Editora Fundação o conflito), quando integrantes do rios, militantes ou não de qualquer Perseu Abramo, 2008, p. 111-116. rebelião, o Estado reservara para o Valle, Maria R. do. O Diálogo é a Violência: início de 1969 o Decreto n° 477, que Movimento Estudantil e Ditadura Militar no 1 Nascido em Belém (PA), o secundarista Edson Brasil. Campinas, Unicamp, 1999. Luís foi o primeiro estudante morto pela ditadura estipulava que fazer ou participar Z aidan Filho, M.; Machado, O. L. (orgs.). Mo- militar. Foi assassinado pela Polícia Militar du- de greve, passeata ou simplesmente vimento Estudantil Brasileiro e a Educação rante um confronto no restaurante Calabouço, distribuir “material subversivo” era Superior. Recife. Editora Universitária no centro do Rio de Janeiro, onde funcionava o UFPE, 2007. Instituto Cooperativo de Ensino. (N.E.) um grave delito. Deste modo, os 41 Teoria e Debate Especial 1968 H maio 2008