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40 anos do IEL
na trajetória da
indústria no Brasil
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA – CNI                  Coordenação Editorial                      Acervos
                                                          Maylena Clécia – Link Design               Agência JB
Presidente
                                                          Neusa Cavalcante                           Arquivo Nacional
Armando de Queiroz Monteiro Neto
                                                                                                     Banco de Mídia do Sistema Indústria
                                                          Pesquisa Histórica e Texto                 Biblioteca da Câmara dos Deputados
                                                          Neusa Cavalcante                           Biblioteca da CNI
INSTITUTO EUVALDO LODI – IEL / NÚCLEO CENTRAL
                                                                                                     Biblioteca da Firjan
                                                          Assistente de Pesquisa                     Biblioteca do INEP/MEC
Conselho Superior do IEL
                                                          Viviane Aronowicz                          Biblioteca Nacional
Armando de Queiroz Monteiro Neto
                                                          Helena Moreira Schiel                      Correio Braziliense
                                                                                                     Embraer
Diretor-Geral
                                                          Projeto Gráfico e Diagramação              Fundação Getúlio Vargas
Paulo Afonso Ferreira
                                                          Leticia Brasileiro                         Furnas Centrais Elétricas S. A.
                                                                                                     Link Design
Superintendente
                                                          Copidesque e Revisão                       Museu Histórico da USP
Carlos Roberto Rocha Cavalcante
                                                          Irene Ernest Dias                          Petrobrás
                                                                                                     Universidade de Brasília
                                                          Pesquisa Iconográfica                      Universidade de Campinas
                                                          Inaê Quirino Santos
                                                          Maylena Clécia
Coordenação Institucional
                                                          Viviane Aronowicz
Júlio Cezar de Andrade Miranda
                                                                                                     Instituto Euvaldo Lodi
                                                          Legendas                                   IEL/Núcleo Central
Revisão Técnica
                                                          Inaê Quirino Santos                        Setor Bancário Norte, Quadra 1, Bloco B
Oto Morato Álvares
                                                                                                     Edifício CNC CEP 70041-902-Brasília
Maria José M. Souza
                                                          Editoração Eletrônica                      Tel (61) 3317-9080
                                                          Didier Max Nogueira                        Fax (61) 3317-9360
Apoio Técnico
                                                          Leticia Brasileiro                         www.iel.org.br
Ana Amélia Ribeiro Barbosa
Thiago Endres da Silva Gomes
                                                          Tratamento de Imagens                      © 2009. IEL – Instituto Euvaldo Lodi
Vítor de Lara Medina Boaventura
                                                          Didier Max Nogueira                        Todos os direitos reservados. Nenhuma
                                                          Maylena Clécia                             parte deste livro poderá ser reproduzida,
SUPERINTENDÊNCIA DE SERVIÇOS COMPARTILHADOS – SSC
                                                                                                     de qualquer forma ou por qualquer meio,
Área Compartilhada de Informação e Documentação – ACIND
                                                          Produção Gráfica                           sem autorização expressa do IEL.
                                                          Maylena Clécia                             As idéias e opiniões contidas na
Normalização
                                                                                                     publicação são de responsabilidade do
Gabriela Leitão
                                                          Impressão                                  autor, não refletindo necessariamente
                                                          Gráfica Brasil                             o posicionamento das Entidades do
Apoio Técnico
                                                                                                     Sistema Indústria.
Ana Suely Pinho Lopes
Gabriela Leitão
Mércia Alencar Almeida
                                                             C376q
Suzana Curi Guerra
Vitor Emanuel Ramos                                               Cavalcante, Neusa.

                                                                       40 anos do IEL na trajetória da indústria no Brasil / Neusa Cavalcante.

                                                                  – Brasília: IEL, 2009.

Selo comemorativo aos 40 anos do IEL                                   177 p. : il.
Página 1
                                                                       ISBN 978-85-87257-42-0

                                                                       1. Indústria – Brasil 2. História da Indústria – Brasil I. Título

                                                                                                                                   CDU: 338.1(81)
40 anos do IEL
na trajetória da
indústria no Brasil

               Neusa Cavalcante




        Brasília
         2009
Os primórdios da   indústria no Brasil
                         airtsúdni
                            11

A   ‘revolução industrial’ brasileira
    ’lairtsudni oãculover‘
                            31

  Internacionalização da   produção industrial
                           oãcudorp
                            67

                 A   criação do IEL
                     oãcairc
                            85

A revolução técnico-científica da   informação
                                    oãçamrofni
                           113

              Avanços e    desafios
                           sofiased
                           145
Apresentação
                                                                                                 oãçatneserpA
O Instituto Euvaldo Lodi – IEL completa 40 anos no momento em que o Brasil discute a retomada do crescimento eco-
nômico. O país quer uma indústria forte e preparada para se inserir no cenário internacional. Para isso, os dirigentes das
empresas devem ser qualificados e orientados em relação aos riscos e oportunidades do mundo globalizado. Ao longo
das últimas quatro décadas, o IEL tem dado a sua contribuição para o país ao formar profissionais capazes de inovar na
gestão de seus negócios.
Euvaldo Lodi é a inspiração para o trabalho da entidade que leva seu nome. O líder industrial que ajudou a fundar a
Confederação Nacional da Indústria – CNI tinha uma clara visão sobre a função social da indústria e a sua importância na
formação dos recursos humanos. Identificou a vinculação entre a educação e a indústria como base para o desenvolvi-
mento da nação e tornou-se um defensor do processo de formação profissional.
A proposta inicial da entidade era aproximar os alunos universitários do ambiente profissional ao coordenar programas
de estágios nas fábricas. Era uma forma de levar o conhecimento acadêmico para dentro das empresas e atualizar o pen-
samento da universidade em relação aos desafios enfrentados pelo setor produtivo, o que levava à criação de soluções
inovadoras para os problemas da indústria.
A interação entre empresas e centros de conhecimento continua sendo um dos principais instrumentos do IEL para in-
centivar a inovação no setor produtivo, considerada estratégica para o crescimento sustentável do país. No entanto, sem
perder os rumos traçados por seus fundadores, a atuação desse instituto foi diversificada nos últimos anos e suas linhas
de ação voltadas para o desenvolvimento empresarial foram ampliadas. A nova missão institucional da entidade inclui o
aperfeiçoamento da gestão e a capacitação de empresários.
O contato freqüente com experiências internacionais levou o IEL a ser procurado por empresários que buscam melho-
rar a gestão de seus negócios, inovar em processos e produtos, e modernizar as práticas empresariais. Para suprir essa
demanda, além de incrementar os produtos tradicionais de estágio e bolsas educacionais, o instituto passou a oferecer
programas destinados a capacitar empresários de micro e pequenas empresas e também altos executivos. Parcerias
inovadoras com universidades brasileiras e os mais avançados centros de estudos internacionais permitem a oferta de
produtos e serviços de qualidade e adequados à realidade do país.
O diálogo permanente com as empresas torna o Instituto Euvaldo Lodi uma das principais entidades de promoção do
desenvolvimento e do aumento da competitividade da indústria nacional. Ao interpretar a dinâmica das mudanças dian-
te dos avanços tecnológicos, o IEL consolida-se como uma instituição moderna e capaz de oferecer as condições funda-
mentais para fortalecer o setor industrial. A capacitação empresarial, o aperfeiçoamento da gestão e o suporte à inovação
são o caminho para o país criar mais emprego e renda para o trabalhador brasileiro.


Armando Monteiro Neto
Presidente da Confederação Nacional da Indústria – CNI
O IEL – Instituto Euvaldo Lodi chega à maioridade dos 40 anos sendo o elo do Sistema CNI – Confederação
Nacional da Indústria, que está com um grande desafio atual da indústria brasileira em suas mãos. Hoje, en-
quanto algumas empresas nacionais apresentam excelência internacional, muitas não estão sequer inseridas
no processo para atingi-la, não inovam nem desenvolvem ações na área de tecnologia, não estudam o mer-
cado nem praticam a administração estratégica. Mas não se pode ancorar a economia de um país apenas na
eficiência das grandes corporações. Se as pequenas e micro empresas que giram em torno das grandes não se
modernizarem, a geração de emprego e de benefícios para o entorno será limitada.
    O país só poderá se desenvolver e ganhar competitividade neste mundo globalizado se a maioria de suas
empresas, inclusive as médias e pequenas, conseguirem avançar na capacidade de gestão, de agregação de
valor e no desenvolvimento tecnológico. Para desenvolver o Brasil, é preciso capacitar o trabalhador empre-
sário de todos os portes, de todas as áreas e regiões do país, para levar a inovação para dentro das empresas.
Esta foi a conclusão do Encontro Nacional da Indústria (Enai), promovido pela CNI em 2008: temos de priorizar
fortemente a gestão e a inovação nas empresas.
    O IEL é a instituição que tem a missão, a competência e a capilaridade para empreender essa tarefa. É o
instrumento de modernização da gestão empresarial brasileira; suas quatro décadas de trajetória o lapidaram
para isso.
    Muitas pequenas e médias empresas ainda norteiam suas decisões pelo que as outras do setor estão fazen-
do. Modernizar a gestão significa nortear-se por elementos objetivos, informações, prospecções de mercado,
diagnóstico de fragilidades e potenciais, estudos de região, de cadeias produtivas, trabalhos que favorecem
uma visão mais ampla do negócio e do setor. O IEL tem capacitação para coordenar esses estudos e habilitar
empresas e sindicatos para a prática da administração estratégica. Não basta mais capacitar o trabalhador ope-
rário “ensinando-o a pescar”, é preciso capacitar o trabalhador empresário para que “planeje a pesca”, perceba
as melhores oportunidades e trace estratégias de mercado. A China percebeu isso e está investindo pesado no
aprimoramento da gestão dos negócios. Isso vai nos afetar, se não conseguirmos dar saltos nessa área.
    Aprimorar a gestão contribui também para elevar o desenvolvimento sindical, que é hoje imprescindível
para a competitividade. Antes, muitas questões podiam ser resolvidas pela negociação direta entre grandes
empresas e governo. Hoje, a economia e suas cadeias produtivas são muito mais complexas, exigindo solu-
ções que passam pela coletividade, pela negociação, pelo associativismo de visão ampla, não corporativa. É a
orientação estratégica que os gestores capacitados aprendem a ter.
    Esse grande desafio que se coloca hoje se articula perfeitamente com as atividades tradicionais do IEL na
área de estágios e de outras ações de promoção da interação universidade-indústria, uma vez que essas ações
estimulam a inovação nas empresas. Com mais de 100 mil estágios desenvolvidos a cada ano em parceria com
mais de 50 mil empresas e 11 mil instituições de ensino, logramos transformar essa prática numa forma efetiva
de aperfeiçoar a formação profissional e oxigenar as empresas com o espírito inovador dos estudantes. O mes-
mo ocorre com os programas de bolsas, nos quais os estudantes vão para dentro das empresas desenvolver
projetos específicos para solucionar gargalos do negócio. Aprimorar a gestão é hoje prioridade, por estimular
a capacidade empresarial de inovar, com foco naquilo que efetivamente amplia a competitividade. Nesse pro-
cesso a interação da indústria com os centros de conhecimento, reconhecida vocação do IEL, é essencial.

Paulo Afonso Ferreira
Diretor-Geral do Instituto Euvaldo Lodi – IEL
10
Os primórdios da   indústria no Brasil
                   airtsúdni




                                         11
12
Os primeiros anos da vida brasileira foram marca-           Essa prosperidade deveu-se também aos progres-      1. Liceu de Artes e Ofícios
                                                                                                                    Desenho, 1916
dos pelas atividades de extração dos produtos natu-         sos técnicos que foram sendo introduzidos no pro-       Detalhe
rais da terra à custa do trabalho indígena em regime        cesso produtivo. Depois da construção da casa da        Página 10

de escambo. Tratava-se então de tirar proveito dos          moenda, que reunia as diversas fases do processo de     2. Chegada da família real
                                                            moagem da cana, introduziu-se a moenda de três ci-      portuguesa ao Rio de Janeiro
gêneros disponíveis que constituíssem valor no mer-
                                                                                                                    em 7 de março de 1808
cado europeu.                                               lindros e, em seguida, o uso da água como força mo-     Geoff Hunt
                                                                                                                    Óleo sobre tela, 1999
    Somente mais de três décadas depois, devido à           triz, em substituição às juntas de bois. A metalurgia   Detalhe
necessidade de defesa do imenso território, vieram a        para a produção da maquinaria desenvolveu-se prin-
partilha das terras e o verdadeiro início do processo       cipalmente com base nas técnicas que, aprendidas
de colonização. A partir daí, impôs-se a ocupação e         dos árabes na África, foram trazidas pelos escravos
cultivo nas faixas litorâneas, cujas paisagens naturais     (AMARAL, 1958).
seriam substituídas paulatinamente pelas plantações             A colaboração holandesa na adoção de moendas
de cana-de-açúcar.                                          metálicas e tachos de ferro fundido veio contribuir
    Com o estabelecimento do tráfico de escravos            para a inauguração, no país, das primeiras unida-
africanos, a cultura canavieira, iniciada no final do sé-   des industriais, as quais passavam a requerer uma
culo XVI, assistiu a um desenvolvimento vertiginoso.        forma de organização do trabalho sem parâmetros
Em meados do século seguinte, incentivos ao culti-          na Europa. Enquanto no canavial o processo de tra-
vo e isenção de impostos contribuíram para tornar           balho era determinado pelas condições do clima e
o Brasil o maior produtor de açúcar do mundo, num           das estações, no engenho “o ritmo não era o da na-
empreendimento tão rentável que o produto passou            tureza, mas um ritmo de um processamento regulado,
a ser chamado de ouro branco.                               elaborado. O trabalho não era regulado por relógios



                                                                                                              13
3. Dança dos Índios Tapuias   (...) mas pela capacidade da tecnologia” (SCHWARTZ,        Methuen – conhecido popularmente como Tratado
Albert Eckhout
Óleo sobre tela, século 17    2001, p. 95).                                              de Panos e Vinhos –, pelo qual Portugal compro-
Detalhe                            Mais que uma unidade fabril, o engenho do Brasil      metia-se a comprar os produtos manufaturados da
                              Colônia era um conjunto completo e auto-suficiente.        Inglaterra, que, por sua vez, deveria adquirir a pro-
                              Em torno do canavial, desenvolviam-se uma agricul-         dução de vinhos portugueses. Outro empecilho era
                              tura e uma pecuária destinadas a suprir as demandas        resultante da baixa qualificação da mão-de-obra,
                              da casa-grande, da senzala e da pequena parcela de         pois, em geral, “a aprendizagem dos ofícios, tanto de
                              trabalhadores livres. Ao lado da mandioca, do milho,       escravos quanto de homens livres, era desenvolvida no
                              do feijão e do gado, responsáveis pela dieta de sub-       próprio ambiente de trabalho, sem padrões ou regu-
                              sistência, o algodão despontava como matéria-prima         lamentações, sem atribuição de tarefas próprias para
                              fundamental para a fabricação dos panos grosseiros         aprendizes” (CUNHA, 2000, p. 32).
                              destinados a cobrir a nudez dos escravos.                      Enquanto isso, na Europa do século XVIII, onde o
                                   Na época, a fiação e a tecelagem eram feitas com      sistema familiar de produção havia sido superado há
                              auxílio de instrumentos rústicos, como as rocas e os       tempos pelas corporações de ofício, eram reunidos,
                              primitivos fusos, sendo o trabalho executado no am-        sob o mesmo teto, os tarefeiros assalariados. Grada-
                              biente doméstico pelas senhoras e escravas. Devido         tivamente, a independência e o controle individual
                              à demanda resultante da Revolução Industrial inicia-
                                 dem                                                     sobre a produção cediam lugar ao parcelamento dos
                              da na Inglaterra e à prosperidade alcançada pelo cul-      processos de trabalho, que visava suprir as exigên-
                              tivo do algodão, este viria a se transformar, no século
                                    d                                                    cias de um mercado cada vez mais amplo e estável.
                              XVIII, no terceiro produto brasileiro de exportação,           No Brasil, as poucas corporações de ofício exis-
                              ficando atrás apenas do açúcar e do tabaco.
                                cand                                                     tentes decaíram, a partir de 1759, em decorrência
                                   Embora os vice-reis e fidalgos se apresentassem
                                   Em                                                    da Reforma Pombalina que expulsou os jesuítas
                              quase sempre vestidos de “seda de Gênova e de linho        do país. Até essa época, os lucros da Coroa portu-
                              e algodão vindos da Holanda e da Inglaterra”, a dificul-
                                 algo                                                    guesa advinham do comércio de especiarias com a
                              dade de acesso a esses sofisticados artigos na colônia
                                     d                                                   Ásia. O Brasil era visto então apenas como um forne-
                              estimulou uma produção de fios e tecidos de algodão
                              estimu                                                     cedor de produtos que não podiam ser encontrados
                              voltados também para as necessidades da casa-gran-
                              voltad                                                     na Europa, ou seja, um grande território aberto às
                              de (FREYRE, 2002, p. 112). A abundância da matéria-
                                    FR                                                   atividades extrativistas de pau-brasil, ouro e diaman-
                              prima e a introdução da mecanização no processo de         te, e à produção do açúcar. Essa condição explica o
                              produção levaram a uma rudimentar indústria têxtil
                              produ                                                      desinteresse da metrópole pela produção industrial
                              que, forçando o preço para baixo, contribuiu para
                                     f                                                   brasileira, oficialmente explicitado no final do sécu-
                              ampli o mercado consumidor do produto.
                              ampliar                                                    lo XVIII, mais especificamente no dia 5 de janeiro de
                                   Um dos obstáculos à prosperidade da atividade         1785, com o alvará de d. Maria I que proibia o estabe-
                              industrial brasileira na época decorria do Tratado de
                              indust                                                     lecimento de fábricas e manufaturas no Brasil:

                              14
Eu a rainha. Faço saber aos que este alvará virem que        Dos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira1          4. Dom João com a carta de
                                                                                                                        abertura dos portos às nações
   (...) excetuando tão somente aqueles ditos teares e ma-   constam passagens que demonstram o inconformis-            amigas, 1808, de Antônio
   nufaturas, em que se tecem ou manufaturam fazendas        mo dos inconfidentes com a falta de liberdade e de         Baeta; Negra Monjolo e Negro
                                                                                                                        Quilga, de Johann Moritz
   grossas de algodão, que servem para o uso e vestuá-       indústrias no país. Segundo as palavras da testemu-        Rugendas, 1835
   rio dos negros, para enfardar e empacotar fazendas,                                                                  Computação gráfica
                                                             nha capitão Vicente Vieira da Mota, o alferes Joaquim
   e para outros ministérios semelhantes; todas as mais      José da Silva Xavier, Tiradentes,
   sejam extintas, e abolidas em qualquer parte onde se
   acharem nos meus domínios do Brasil... (ARQUIVO NA-          começou a exagerar a beleza, formosura deste país,
   CIONAL).                                                     asseverando que era o maior do mundo, porque tinha
                                                                em si ouro e diamantes acrescentando que bem podia
    Além da extinção de muitos teares pelo Brasil afo-          ser uma república livre e florente (...) que no mesmo
ra, a Carta Régia de 5 de julho de 1802 proibia que             podiam levantar grandes utilíssimas fábricas, escusa-
os governadores recebessem em audiência pessoas                 dos na maior parte os gêneros de fora (CÂMARA DOS
vestindo roupas feitas com tecidos não fabricados na            DEPUTADOS, 1976, p. 156-157).
metrópole. Antes disso, a Carta Régia de 20 de feve-
reiro de 1690 já havia determinado que os sapateiros             Ironicamente, em 1807, a exportação do algodão,
não trabalhassem em couro que não viesse de Por-             superando a do açúcar, atingiu o auge em Pernam-
tugal (JOFFILLY, 1999). Para Roberto Simonsen, o ato         buco, e a guerra anglo-americana contribuiu para
da rainha teve dois objetivos: “não distrair os braços       quintuplicar o valor da fibra brasileira. As vozes que
da lavoura e assegurar uma diferenciação na produção         se erguiam a favor da atividade industrial no país
entre a Metrópole e a Colônia, que permitisse o fomen-       continuariam a se fazer ouvir por muito tempo: “Era
to do comércio e o aumento do consumo dos produtos           para lamentar que sendo o Brasil tão abundante de
industriais da Metrópole” (1969, p. 375).                    metais em toda espécie, carecesse de pedir aos confins
    Além da proibição real, que obrigava o Brasil a im-      do Norte da Europa o ferro que deve rasgar as veias do
portar os gêneros de que necessitava, a Coroa portu-         seu terreno, e que deve firmar a sua segurança” (IDADE
guesa intensificou a taxação dos produtos vindos da          DO OURO, 1819 apud RENAULT, 1939, p. 15).
metrópole. E, a despeito do anunciado esgotamento                Somente com a chegada da família real a vida na
progressivo das jazidas de ouro e metais preciosos,          colônia sofreria transformações importantes, que
instituiu a derrama, um imposto compulsório que              prenunciavam esperanças para a produção indus-
obrigava a população da região das Minas Gerais a            trial. A Carta Régia de 28 de janeiro de 1808 abria os
completar a cota anual de ouro quando esta não era           portos do Brasil para o comércio exterior com as na-
atingida. Esses fatos culminaram com a conspiração de        ções amigas, com exceção dos gêneros estancados:2
1789, que pretendia eliminar a dominação portugue-           “Que sejam admissíveis nas Alfândegas do Brasil todos
sa das Minas Gerais, estabelecendo ali um país livre.        e quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias transpor-

                                                                                                                  15
5. Banco do Brasil e Paço      tados, ou em navios estrangeiros das Potências, que se            Entretanto, o Tratado de Aliança e Comércio,
Imperial, de Pedro Godofredo
Bertichem, 1856; Teatro São    conservam em paz e harmonia com a minha Real Co-              firmado em 1810, prejudicaria mais uma vez a pro-
João, de Thomas Ender, 1856    roa” (ARQUIVO NACIONAL).                                      dução brasileira, e também a lusitana. Enquanto os
Computação gráfica
                                   No mesmo ano, o alvará de 1º de abril permitia o          demais países estavam submetidos à taxação de
                               livre estabelecimento de fábricas e manufaturas no            24% em nossas alfândegas, a Inglaterra havia as-
                               país:                                                         segurado o direito de colocar suas mercadorias no
                                                                                             Brasil mediante a taxa de 15% ad valorem, enquan-
                                    Eu o Príncipe Regente faço saber aos que o presente      to os produtos portugueses pagavam 16%. Os jor-
                                    Alvará virem que desejando promover e adiantar a         nais da época davam conta dos novos tecidos que
                                    riqueza nacional, e sendo um dos mananciais dela as      passaram a circular no Rio de Janeiro, como linhos
                                    manufaturas e a indústria que multiplicam e melhoram     de todas as qualidades, cambraias, tafetás, sedas, lã
                                    e dão mais valor aos gêneros e produtos da agricultura   etc., sendo que “eram enviadas anualmente ao Brasil
                                    e das artes e aumentam a população (...) sou servido     cerca de ₤ 3.000.00 de produtos das manufaturas ingle-
                                    abolir e revogar toda e qualquer proibição que haja a    sas” (apud SIMONSEN, 1969, p. 397). Para neutralizar
                                    este respeito no Estado do Brasil e nos meus Domínios    essa invasão de produtos importados, sobretudo da
                                    Ultramarinos...                                          Inglaterra, sobrevieram medidas que visavam impul-
                                                                                             sionar a produção manufatureira no Brasil e nos do-
                                  Essas medidas, que marcaram uma nova fase da               mínios ultramarinos portugueses. Foram concedidos
                               economia colonial, faziam parte de uma política de            privilégios aos inventores de máquinas e prêmios às
                               cunho liberal defendida por intelectuais como José            manufaturas de lã, algodão, seda, ferro e aço.
                               da Silva Lisboa, o visconde de Cairu. Dois anos depois            A transferência da Corte para o Rio de Janeiro,
                               da abertura comercial, a cidade do Rio de Janeiro             em 1808, levou à constituição de uma série de ins-
                               contava com mais de cem manufaturas, e recebia um             tituições: a Imprensa Régia, um passo decisivo para
                               número cinco vezes maior de navios estrangeiros,              a difusão de idéias, informação e cultura, o Banco do
                               quase todos ingleses.                                         Brasil, que inaugurou o sistema financeiro, e a Escola




                               16
No ano seguinte, um edital da Real Junta da Fa-      6. Diploma da Sociedade
                                                                                                                Auxiliadora da Indústria
                                                        zenda estimulava a vinda de trabalhadores estran-       Nacional (SAIN)
                                                        geiros, para suprir a falta de mão-de-obra qualifica-   Jean Baptiste Debret, meados
                                                                                                                do século XIX
                                                        da. Enquanto os novos trabalhadores não chegavam,       Litografia
                                                        as manufaturas valiam-se da força de trabalho livre
                                                        existente no país, potencialmente mobilizável mas
                                                        sem qualquer formação técnica.
                                                           Como parte da política de valorização do ensino
                                                        das ciências, da economia e da técnica, enfatizada
                                                        após a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido
                                                        de Portugal e Algarves em 1815, foi fundada, no ano
                                                        seguinte, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios.
                                                        Destinava-se ao ensino das belas-artes e das artes
                                                        mecânicas, sendo que os filhos dos pobres deveriam
Cirúrgica de Salvador (1808). Nos anos seguintes se-    ser encaminhados para este último a fim de se tor-
riam criados a Academia Militar (1810), a Biblioteca    narem artífices. Embora as aulas tivessem iniciado
Nacional (1810), o Real Teatro de São João4 (1810), a   somente em 1820, e com um único foco voltado para
Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro (1813),     as belas-artes, as idéias sobre o papel da educação
o Jardim Botânico (1818) e o Museu Imperial (1818).     na formação social e no trabalho sensibilizaram Ig-
    Uma importante iniciativa foi a criação, em 23 de   nácio Álvares Pinto de Almeida, que em 1816 come-
agosto de 1808, da Real Junta do Comércio, Agricul-     çou a coletar assinaturas para a constituição de uma
tura, Fábricas e Navegação, que deveria funcionar       entidade voltada para a produção de “conhecimentos
como órgão regulador da implementação das fábri-        úteis” ao desenvolvimento do país.
cas e manufaturas no Brasil.                               No entanto, a Proclamação da Independência
    E foi nesse contexto que surgiu a Real Fábrica de   em 1822 não produziu alterações significativas nas
Ferro São João do Ipanema, numa localidade antiga-      práticas de aprendizagem dos ofícios vigentes no
mente chamada Campo Largo, próximo a Sorocaba,          Brasil, pois “não era aspiração da liderança que fez
em São Paulo. Mais tarde, a cidade viria a ter o nome   a Independência qualquer reforma econômica ou
de Araçoiaba, em tupi esconderijo do sol. A empresa     social” (XAVIER, 1992, p. 82). Somente quando os
pioneira foi criada por meio de Carta Régia de 4 de     investimentos industriais passaram a se sobrepor
dezembro de 1810, como uma sociedade acionista          àqueles voltados para as atividades comerciais,
de capital misto, com 13 ações pertencentes à Coroa     foram lançadas as bases para uma lenta transfor-
portuguesa e 47 a acionistas particulares de São Pau-   mação em direção à modernização das estruturas
lo, do Rio de Janeiro e da Bahia.                       produtivas brasileiras. A Constituição de 1824 de-

                                                                                                          17
terminou a extinção das corporações até então res-         ininterrupta d’O Auxiliar da Indústria Nacional, cujo
ponsáveis pela prática e aprendizagem de alguns            objetivo era
ofícios manufatureiros (Constituição Política do Im-
pério do Brasil, 1824, § XXV, art. 179). As limitações        convencer os sócios a tomarem o caminho da civiliza-
da economia colonial, o diminuto mercado interno              ção segundo os modelos europeus, especialmente no
e a falta de incentivos decorrentes da existência             que se referia à substituição do trabalho escravo pelo
do trabalho escravo foram considerados fatores                livre (...) os números iniciais da revista já indicam que a
responsáveis pela decadência das corporações, re-             Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional utilizou o
duzidas então a irmandades de caráter religioso e             Auxiliador para difundir os conhecimentos que consi-
assistencial (CUNHA, 2000).                                   derava úteis e introduzir novos costumes preparando,
    Por não permitirem a livre negociação entre em-           deste modo, a população para instaurar a moderniza-
pregadores e trabalhadores, as corporações cons-              ção do Estado brasileiro (MURASSE, p. 3; 6).
tituíam empecilhos à plena vigência das relações
de trabalho próprias da sociedade capitalista: “As            Na época, o mundo ocidental inspirava-se nas
corporações fixavam os padrões de produção, o preço        idéias de Adam Smith, que, em sua importante obra
dos produtos e os salários dos oficiais. Por essa razão,   A Riqueza das Nações, publicada em 1776, sistemati-
a doutrina econômica liberal (...) pregava a sua extin-    zava o conhecimento da época sobre economia e de-
ção...” (CUNHA, 2000, p. 54).                              senvolvimento. Para ele, a riqueza das nações resul-
    Finalmente, em 19 de outubro de 1827, foi fun-         tava da necessidade de uma transformação contínua
dada a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional         e o progresso técnico era um elemento intrínseco do
(Sain), que, pelos seus estatutos, aprovados em 1831,      modo de produção capitalista:
tinha como meta “promover, por todos os meios que
estiverem ao seu alcance, o melhoramento e a prospe-          o aumento de produção (...) é resultante de três circuns-
ridade da indústria no Império do Brasil” (MURASSE,           tâncias diferentes: primeiro, do aumento da destreza
2006). Em respeito à produção brasileira do período,          de cada trabalhador; segundo, da economia de tempo,
as primeiras ações da Sain voltaram-se para a me-             que antes era perdido ao passar de uma operação para
canização das atividades agrícolas, como forma de,            outra; terceiro, da invenção de um grande número de
aumentando a produtividade no campo, criar estí-              máquinas que facilitam o trabalho e reduzem o tempo
mulos para a aquisição das máquinas necessárias a             indispensável para o realizar, permitindo a um só ho-
impulsionar as atividades industriais.                        mem fazer o trabalho de muitos (SMITH, 1976, p. 11).
    Tendo como filiados os políticos mais importan-
tes da época, a Sain, que tinha uma preocupação               Mas essas idéias de progresso chegaram ao Brasil
explícita com a educação e a formação profissional,        com certo atraso, e num momento em que as finan-
seria responsável, entre 1833 e 1892, pela edição          ças do Império não iam bem: o valor das importações

18
superava em muito o das exportações. Em 1828 a si-         em Minas Gerais e na Bahia, e estimulou o setor de           7. Etiqueta para tecidos
                                                                                                                        registrada pela Companhia
tuação agravou-se com a lei que estendia a todas as        metalurgia em Pernambuco. Com isso, fez diminuir o           Petropolitana, Rio de Janeiro
importações brasileiras a tarifa de 15%, diminuindo        déficit público e aliviar as finanças do Brasil.             Litografia, 10 de setembro
                                                                                                                        de 1888
ainda mais a arrecadação e contribuindo para o de-            Mas os novos ventos sopravam em cenários mar-             Detalhe
sequilíbrio da balança comercial. Visando solucionar       cadamente antagônicos: enquanto no Nordeste
o grave déficit, o governo imperial adotou algumas         desenvolvia-se uma indústria movida pelo trabalho
medidas alfandegárias que não surtiram o efeito de-        escravo, no Sul várias tentativas de industrialização
sejado.                                                    eram beneficiadas pelo favorecimento à entrada
    Nesse meio-tempo, por proposta apresentada             de colonos estrangeiros, com doação de sesmarias
por Januário da Cunha Barbosa e Raimundo José da           aos que nelas quisessem trabalhar e a isenção, em
Cunha Mattos aos 27 sócios fundadores da Sain, foi         1846, de taxas alfandegárias para as matérias-pri-
criado em 21 de outubro de 1838 – tendo como pa-           mas aproveitáveis nas manufaturas, sobretudo na
trono D. Pedro II – o Instituto Histórico e Geográfico     indústria têxtil. Essa disparidade entre o trabalho es-
Brasileiro (IHGB) com o propósito de “coligir, metodi-     cravo e o trabalho livre, que dividia o país em dois,
zar, publicar ou arquivar os documentos necessários        passou a aquecer as discussões entre os intelectuais
para a História e a Geografia o Brasil...” (artigo 1º do   abolicionistas da época, para os quais a escravidão
Estatuto do IHGB, www.ihgb.org.br/ihgb.php). Mar-          contribuía para retardar o desenvolvimento técnico
cado pela tradição iluminista, o IHGB deveria “levar       do país.
a cabo um projeto dos novos tempos, cuja marca é a
soberania do princípio nacional enquanto critério fun-        Para provar (...) que a escravatura deve obstar a nossa
damental definidor de uma identidade social” (GUIMA-          indústria, basta lembrar que os senhores que possuem
RÃES, 1988).                                                  escravos vivem, em grandíssima parte, na inércia, pois
    A partir de 1844, em conseqüência da Tarifa Alves         não se vêem precisados pela fome ou pobreza a aper-
Branco, que conferia certa proteção à produção bra-           feiçoar sua indústria (...) as máquinas que poupam bra-
sileira, o desenvolvimento do país teve um impulso.           ços pela abundância extrema de escravos nas povoa-
Com o término da validade do tratado assinado com             ções grandes são desprezadas. Causa raiva ou riso ver
a Inglaterra em 1810, e renovado em 1827 por mais             vinte escravos ocupados em transportar vinte sacos
15 anos, cerca de três mil artigos importados passa-          de açúcar que podiam conduzir uma ou duas carretas
riam a pagar taxas que variavam de 20 a 60%, sendo            bem construídas com dois bois ou duas bestas mua-
que as tarifas mais altas referiam-se às mercadorias          res. (JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA, 1822 apud
estrangeiras com similares no Brasil. Apesar de de-           DOLHNIKOFF, 2000, p. 29)
safiar a Inglaterra, violando o acordo vigente entre
os dois países, a medida promoveu o surgimento de            O discurso de José Bonifácio encontrava eco no
uma série de fábricas de tecidos no Rio de Janeiro,        pensamento de Joaquim Nabuco (1999, p. 77), para
8. Embarque de café no     quem a escravidão, “espalhando-se por um país, mata           pregavam mais de mil operários e produziam navios,
Porto de Santos antes da
construção do cais, SP     cada uma das faculdades humanas, de que provém a              caldeiras para máquinas a vapor, engenhos de açú-
Marc Ferrez                indústria: a iniciativa, a invenção, a energia individual”.   car, guindastes, prensas, além de artilharia etc. Des-
Fotografia, 1880
Detalhe                        O tema não passou despercebido pela Sain. Em              se complexo saíram mais de 72 navios em 11 anos,
                           1848, o conselho da entidade, na época presidido              entre os quais as embarcações brasileiras utilizadas
                           por Miguel Calmon du Pin de Almeida, visconde de              nas intervenções platinas e as embarcações para o
                           Abrantes, instituiu, com apoio da recém-criada So-            tráfego no Rio Amazonas.
                           ciedade Contra o Tráfico de Africanos e Promotora da
                           Colonização e Civilização dos Indígenas, um prêmio               Era já então, como é hoje ainda, minha opinião que o
                           para quem apresentasse, até 1850, a melhor propos-               Brasil precisava de alguma indústria dessas que me-
                           ta sobre a forma de substituir o trabalho escravo pelo           dram sem grandes auxílios, para que o mecanismo de
                           trabalho livre.                                                  sua vida econômica possa funcionar com vantagem
                               Daí em diante, empurrado pelo progresso da pro-              (...) e a indústria de ferro, sendo a mãe das outras, me
                           dução cafeeira, o Brasil iria mudar. Ao mesmo tempo              parecia o alicerce dessa aspiração. (MAUÁ, 1996, p. 8)
                           que se consolidava como principal produto brasi-
                           leiro de exportação, o café provocava uma onda de                  A fundição dedicava-se também ao fabrico de pe-
                           crescimento econômico nunca antes visto no Brasil,            ças úteis ao abastecimento de água, como se depre-
                           e, cada vez mais, a mão-de-obra escrava cedia espa-           ende do aviso do ministro do Império, publicado no
                           ço para o trabalhor assalariado imigrante. Cinco anos         Correio Mercantil de 15 de dezembro de 1854: “ontem
                           depois do ato inglês conhecido como Bill Aberdeen,            o Imperador correu água pela primeira vez em um cha-
                           a Lei Eusébio de Queirós, de 1850, proibia o tráfico          fariz que acaba de ser construído na praia de Botafogo
                           negreiro no Brasil. Com isso, parte do capital despen-        (...) segundo o desenho e risco que enviei à fabrica da
                           dido na compra de escravos passou a ser investida             Ponta da Areia” (apud RENAULT, 1939, p. 34). E logo
                           na indústria.                                                 surgia também a motivação para transformação do
                               Irineu Evangelista de Souza, mais tarde intitulado        sistema brasileiro de transporte: como se tornava
                           barão de Mauá, deu os primeiros passos em direção             impraticável carregar a produção cafeeira em lom-
                           à modernização da economia brasileira. Uma viagem             bo de burro, o Brasil ingressava na era da ferrovia.
                           à Inglaterra em 1840, onde conheceu fábricas, fun-                 Em 1852, o governo imperial promulgou a lei que
                           dições de ferro e o mundo dos empreendimentos,                concedia isenções e garantias de juros sobre o capi-
                           impulsionou-o em direção à industrialização.                  tal investido às empresas, nacionais ou estrangeiras,
                               Poucos anos depois, Mauá tomava para si a incum-          que se interessassem em construir e explorar estra-
                           bência de colocar em funcionamento a Fundição e a             das de ferro no país. Dois anos depois, graças aos
                           Companhia Estaleiro da Ponta da Areia, que, forman-           esforços do visionário Irineu Evangelista de Souza,
                           do o maior empreendimento industrial do país, em-             que subscreveu a quase totalidade do capital neces-

                           20
se juntar aos italianos. Graças ao café, a capital do     9. Construção de ferrovia
                                                                                                                    Fotografia, 1870
                                                          país civilizou-se, ganhou iluminação a gás e bonde,
                                                          e experimentou o luxo. E se não foi o Rio de Janei-
                                                          ro a pátria brasileira mais próspera do café, foi de lá
                                                          que partiram as sementes que, disseminadas pelos
                                                          estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e São
                                                          Paulo, viriam gerar as riquezas e garantir o progresso
                                                          e a modernização do país.
                                                              No Brasil, a transição da escravidão para o traba-
                                                          lho livre, o deslocamento das plantações do Rio de
                                                          Janeiro para São Paulo, a construção de uma infra-
                                                          estrutura para o escoamento da produção e a recu-
sário à construção, foi inaugurada a Estrada de Ferro     peração da crise inflacionária e especulativa deman-
Mauá, primeira linha ferroviária do Brasil, que esta-     daram tempo. Somente em 1870, quando a ferrovia
beleceu a ligação entre o Porto da Estrela (interior da   cruzou o planalto paulista e se iniciou a maciça imi-
baía da Guanabara) e a raiz da Serra (Petrópolis). Dez    gração européia, uma nova expansão da cafeicultura
ferrovias seriam construídas nos vinte anos seguin-       brasileira se tornou possível.
tes, tendo sido o desenvolvimento dessa rede uma               A fase do capitalismo que se iniciou no último
das conseqüências do crescimento e da diversifica-        quartel do século XIX no Brasil encontrou setores da
ção das atividades econômicas.                            economia cafeeira capazes de promover uma inten-
    Em 1874, a antiga Escola Central do Rio de Janeiro,   sa incorporação do trabalho assalariado, em diversos
antes voltada para as atividades militares, passou à      âmbitos do sistema produtivo. Entretanto, a luta pela
alçada do ministro do Império. Com o nome de Esco-        industrialização dividia mais uma vez o país: de um
la Politécnica, voltava-se para o ensino da engenha-      lado estavam os grandes proprietários de terra e es-
ria civil. Um ano depois, foi criada a Escola de Minas    cravos; de outro, os que sonhavam com a máquina.
de Ouro Preto, na província de Minas Gerais. Desde        O primeiro grupo repelia a idéia da industrialização,
então, o ensino superior no Brasil iria se desenvolver    sob a alegação de que o Brasil era incapaz de concor-
com a multiplicação de faculdades isoladas criadas        rer com a indústria estrangeira. Os progressistas, por
por iniciativa estatal.                                   sua vez, combatiam a escravidão e exigiam a defesa
    Nessa época, os imigrantes europeus sentiam-se        de nossos interesses comerciais.
atraídos pela prosperidade do café. As convulsões             Conspiravam contra os defensores do surto desen-
políticas e sociais que despontaram na Itália fize-       volvimentista a ausência de capitais e investimentos
ram com que milhares de colonos desembarcassem            em infra-estrutura, além da concorrência com a in-
no país em 1876. E outros contingentes logo viriam        dústria européia. Juntavam-se a esses fatores a preca-

                                                                                                              21
10. Liceu de Artes e Ofícios        riedade dos transportes e a interrupção do trabalho
do Rio de Janeiro
Marc Ferrez                         em virtude das epidemias intermitentes. Além disso,
Fotografia, 1890
                                    a Reforma Sousa Franco (1857), pela qual as moedas
11. Oficina de sapataria            inglesas passaram a ser recebidas nas repartições pú-
da Escola de Artífices do
Espírito Santo                      blicas, e a Reforma Silva Ferraz (1860), que reduziu as
Fotografia, 22 de dezembro          taxas de importação sobre máquinas, ferramentas e
de 1910
                                    ferragens, alterando os direitos e o protecionismo da
                                    Tarifa Alves Branco,6 favoreceram novamente a con-
                                    corrência estrangeira e deixaram a indústria nacional
                                    mais uma vez desprotegida.




                               22
Imensas eram também as dificuldades com a mão-          acompanhar o programa de ensino. O idealizador da          12. Escola de Aprendizes
                                                                                                                      Artífices de Natal, RN
de-obra, agravadas pelo fato de o Brasil não contar        Escola de Adultos, Antônio de Almeida Oliveira, lan-       Fotografia, 1913
com escolas práticas de ensino industrial. O ensino        çou, nesse mesmo ano, a obra O Ensino Público, onde
e a educação, calcados no conteúdo humanístico e           se lê: “a instrução dos povos governa-se por certas leis
eclesiástico, não supriam as demandas apresentadas         em grande número fixas e invariáveis, e que não podem
pela produção.                                             sem dano ser quebrantadas, por terem caráter de leis
   Apesar disso tudo, vivia-se um tempo de prospe-         naturais” (apud OLIVEIRA, 2003, p. 60).
ridade, pois o café continuava a equilibrar a balança          Nessa época, as mudanças sociais avançavam,
de pagamentos. Entre 1850 e 1860, o país viveu uma         tendo como importante suporte os correligionários
transformação política e econômica importante. Fo-         do movimento pela abolição da escravatura, que iria
ram instaladas empresas industriais e companhias           ocorrer de forma lenta e gradual. Em 1871, a Lei do
de navegação, seguro, mineração; transporte urba-          Ventre Livre tornava libertos os filhos de escravos
no, sistema de distribuição de gás, além de ferrovias,     que nascessem a partir de sua promulgação.8 Mais
bancos e caixas econômicas; Mauá estava à frente de        tarde, a Lei Saraiva-Cotegipe, ou dos Sexagenários,
quase todas essas iniciativas.                             passou a beneficiar os negros de mais de 65 anos.9
   Data dessa época a criação dos liceus de ofícios,       Mas somente em 13 de maio de 1888 seria concedi-
destinados principalmente a amparar e treinar os           da a liberdade para os negros. Assinada pela princesa
órfãos para o trabalho. Os recursos para manter es-        Isabel, a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil,
sas entidades provinham dos membros de socieda-            decorreu de pressões internas e externas.10
des civis organizadas ou de doações de benfeitores,            Com a força do movimento abolicionista, torna-
geralmente membros da burocracia do Estado, no-            va-se cada vez mais difícil conter a fuga de escravos,
bres, fazendeiros e comerciantes. Nos liceus, os cur-      principalmente considerando que o Exército se re-
sos eram gratuitos, porém, em geral, vedados aos           cusava a participar da captura e devolução dos cati-
escravos.                                                  vos. Também era economicamente inviável manter
   O Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, pre-      o trabalho escravo diante da concorrência com a
cursor do ensino profissionalizante do Brasil, foi cria-   mão-de-obra imigrante, barata, abundante e edu-
do em 9 de janeiro de 1858 pela Sociedade Propaga-         cada. Além disso, a Inglaterra forçava a abolição na
dora das Belas Artes, como uma instituição de ensino       tentativa de abrir mercado para os seus produtos in-
voltada para uma população economicamente des-             dustrializados.
favorecida. Em 1873, por iniciativa da Sain, que já            Entre as circunstâncias favoráveis ao desenvolvi-
mantinha uma Escola Noturna de Adultos,7 começou           mento industrial havia as dificuldades para pagar os
a funcionar a Escola Industrial, destinada a jovens        manufaturados produzidos no exterior, o aumento
maiores de 14 anos que, selecionados por meio de           progressivo das tarifas alfandegárias, a significativa
exame de admissão, apresentassem condições de              produção nacional de algodão e a disponibilidade

                                                                                                                23
13. Alunos no pátio da Escola
Profissional Masculina,
São Paulo
Fotografia, década de 1910




                                de mão-de-obra, cuja precariedade era compensada               trial não se sustentaria. Na época, as instituições de
                                pelo baixo preço (PRADO JÚNIOR, 1976). À medida que            pesquisas científicas não tinham propostas objetivas
                                crescia o número de estabelecimentos industriais,              e as universidades encontravam-se muito distantes
                                consolidavam-se as relações capitalistas de produ-             dos requerimentos da indústria.
                                ção. O aspecto filantrópico presente nas iniciativas               Mas a resposta à necessidade de gerar conheci-
                                associadas ao ensino dos ofícios foi sendo parcial-            mentos úteis ao setor produtivo não foi a mesma para
                                mente substituído por um discurso baseado na ra-               todas as nações que se industrializavam. Na Inglater-
                                cionalidade da produção, ou seja, no cálculo dos cus-          ra, a Royal Society of Arts priorizou o intercâmbio
                                tos e benefícios do ensino para a formação da força            de conhecimentos produzidos em escolas técnicas
                                de trabalho. Ao mesmo tempo, o ensino dos ofícios,             e laboratórios particulares, muitos dos quais sedia-
                                antes destinado aos menores menos favorecidos, foi             dos em fábricas. Na França, tentou-se desenvolver a
                                sendo transferido para os filhos dos trabalhadores,            pesquisa em escolas técnicas e universidades, com a
                                sem que, no entanto, ocorressem mudanças signifi-              mediação do Instituto da França, o que levou a uma
                                cativas no sistema educacional vigente:                        burocratização dos meios de informação e impediu o
                                                                                               seu êxito. A Alemanha optou por vincular a pesquisa
                                     A proposta de um ensino profissional para as massas, de   ao ensino, construindo um modelo posteriormente
                                     modo a moralizá-las e a desenvolver a produção para       adotado por muitos países. A pesquisa científica sis-
                                     transformar a sociedade sem ‘quebrar suas molas’ foi,     tematizada e a oferta satisfatória de pesquisadores
                                     talvez, o núcleo de todo o pensamento elaborado no        foi um dos fatores que levaram a indústria alemã a
                                     Brasil Imperial sobre o assunto (CUNHA, 2000, p. 157).    passar ao primeiro plano na escala mundial.
                                                                                                   Nos Estados Unidos, país em franco processo de
                                    Desde o final do século XVIII, havia entre os cien-        industrialização, o governo empenhava-se na cons-
                                tistas e empresários dos países mais desenvolvidos a           trução de “uma nova civilização que dependia basica-
                                idéia de que se a indústria e o Estado não voltassem           mente da escola na preparação dos americanos para
                                suas atenções para a ciência, o crescimento indus-             as muitas ocupações” (BOMENY, 2001, p. 79). Em 1862

                                24
o então presidente Abraham Lincoln promulgou o                     A Proclamação da República em 1889 não provo-        14. Capa da primeira
                                                                                                                        Constituição da República,
Morrill Act, que criou os Land-Grant Colleges, com o           cou mudanças imediatas na conjuntura econômico-          promulgada no Rio de
propósito de                                                   social brasileira. Sob forte ideologia positivista, os   Janeiro em 24 de fevereiro
                                                                                                                        de 1891
                                                               governos republicanos continuaram opondo resis-
   não excluindo outros estudos clássicos e científicos,       tência à criação de universidades. No entanto, as        15. Escola de Aprendizes
                                                                                                                        Artífices de Sergipe
   incluindo tática militar, ensinar os ramos do conheci-      reformas de 1891 equipararam os estabelecimentos         Fotografia
   mento relacionados à agricultura e às artes mecânicas       de ensino secundário e superior ao Ginásio Nacional
   (...) a fim de promover a educação liberal e prática, das   e às faculdades mantidas pelo governo federal. Em
   classes industriais nas diversas atividades e profissões    1901, além de a equiparação ter se estendido ao en-
   da vida (TEIXEIRA, 1969, cap. 12).                          sino particular, as escolas poderiam outorgar diplo-
                                                               mas que autorizavam o exercício de certas profissões
    Com a intenção de disseminar faculdades indus-             regulamentadas em lei. O resultado dessas medidas
triais e/ou agrícolas por todo o território, o governo,        foi a grande expansão do ensino superior no país: de
além de transferir imensos terrenos federais para os           1891 até 1910, foram criadas 27 escolas superiores.
estados, permitia que estes vendessem terras devo-                 Além disso, o complexo montado em torno da
lutas, desde que aplicassem os recursos assim obti-            produção cafeeira, que incluía ferrovias, bancos, em-
dos na educação superior.                                      presas exportadoras e uma mecanização crescente,
    Pouco depois, o mundo encontraria nas teorias              contribuiria para fomentar a base de um crescimen-
de Karl Marx uma explicação para o necessário de-              to industrial, sugerindo uma ruptura com as formas
senvolvimento das forças produtivas. Publicado em
1867, O Capital alertava para o fato de que a indústria
capitalista somente poderia subsistir com a condição
de revolucionar incessantemente os instrumentos e
os modos de produção e, com isso, todas as relações
sociais.
    No Brasil, a educação para o trabalho não acom-
panhou as propostas adotadas na Europa e nos Es-
tados Unidos da América. Oriundo de uma matriz
sociocultural diferenciada, o país carregava as con-
seqüências de ter sido uma colônia de exploração,
e não de ocupação, como os EUA. O único referen-
cial de universidade, instituição proibida no país nos
tempos coloniais, vinha do ensino medieval e esco-
lástico de Coimbra.

                                                                                                                  25
16. Abaporu, tela que                                                                   época, escolas comerciais em São Paulo, no Rio de
inspirou Oswald de Andrade
a escrever o Manifesto                                                                  Janeiro e na Bahia etc., tendo sido reorganizado tam-
Antropófago e criar o
                                                                                        bém o ensino agrícola.
Movimento Antropofágico,
com a intenção de “deglutir”                                                                Com a morte do presidente Affonso Pena, o proje-
a cultura européia e
transformá-la em algo bem                                                               to não foi mais adiante. Somente no governo de Nilo
brasileiro                                                                              Peçanha seriam criadas 19 escolas de aprendizes e
Tarsila do Amaral
Óleo sobre tela, 1928                                                                   artífices, que tinham como objetivos “habilitar os fi-
                                                                                        lhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável
                                                                                        preparo técnico e intelectual, e fazê-los adquirir hábitos
                                                                                        de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, es-
                                                                                        cola do vício e do crime...”.12
                                                                                            Apesar de seu caráter predominantemente assis-
                               tradicionais de produção no país. Um marco da cons-      tencialista, essas escolas determinaram o início de
                               trução dessa nova ordem econômico-social republi-        uma presença mais explícita, embora moralizadora,
                               cana, estabelecida com base no setor cafeeiro, foi a     do governo com relação ao ensino profissional no
                               fundação, em 1904, do Centro Industrial do Brasil        país, até então sustentado por iniciativas privadas. A
                               (CIB).11                                                 Reforma Rivadávia Corrêa e a Reforma Carlos Maximi-
                                  Da mesma forma que a alta dos preços do café          liano, respectivamente de 1911 e 1915, buscaram re-
                               ensejou o desenvolvimento de plantações da Ve-           gulamentar o ensino secundário e superior no país.13
                               nezuela, Haiti e Costa Rica e o surgimento de novas          Mas essa prosperidade econômica, dependente
                               áreas produtoras na Guatemala, El Salvador, México       da produção cafeeira, iria mudar de rumo. A ativida-
                               e Colômbia, o aumento da oferta mundial do pro-          de industrial, que, a despeito dos esforços dos pio-
                               duto fez despencar os preços no mercado interna-         neiros, não havia conseguido sobrepujar as barreiras
                               cional. A crise de superprodução levou os cafeicul-      ao seu crescimento, iria galgar novos patamares a
                               tores a forçarem a assinatura, em 1906, do Convênio      partir de 1914.
                               de Taubaté, pelo qual o governo se comprometia a             Com a eclosão da I Guerra Mundial, o comércio in-
                               comprar o excedente da produção e esperar melho-         ternacional sofreu um drástico desaquecimento, im-
                               res condições de mercado. Com isso, o preço voltou       pondo dificuldades à exportação do café brasileiro.
                               a subir e os altos lucros estimularam os cafeicultores   Os fazendeiros e comerciantes, impossibilitados de
                               a continuar produzindo café.                             aplicar seus capitais na expansão da lavoura cafeeira,
                                  O ensino profissional, que passou a ser respon-       sentiam-se atraídos a investir na indústria, favorecida
                               sabilidade do Ministério da Agricultura, Indústria e     também pelo crescimento do mercado interno de
                               Comércio, buscava incentivar o desenvolvimento           bens de consumo duráveis – têxteis, vestuário, mó-
                               industrial, comercial e agrícola. Foram fundadas, à      veis etc. – e não duráveis – bebidas, alimentos etc.

                               26
Os sinais de progresso, extravasando as fronteiras       e elaborá-la. Até então, as várias iniciativas no cam-
de uma promissora atividade industrial, traduziam-           po da educação profissional no Brasil haviam sido
se, então, em mudanças na vida brasileira. A aurora          esporádicas, descontínuas, e sem um planejamento
do novo século coincidia com as ações do movimen-            nacional efetivo. Com isso, no final do século XIX a
to sanitarista voltadas para o controle das endemias,        formação do trabalhador brasileiro ainda lembrava o
que punham em risco o desenvolvimento nacional.              processo de aprendizagem das antigas corporações
Mas se deparava também com as manifestações de               medievais:
trabalhadores que, inspirados nos operários norte-
americanos e europeus, lutavam por melhores con-                O aluno era admitido na oficina como aprendiz, pas-
dições de vida e trabalho.                                      sando a receber as noções gerais sobre o ofício esco-
    Em 1917, ao mesmo tempo que um grande mo-                   lhido, no próprio trabalho. O aprendiz era colocado
vimento grevista praticamente paralisou a cidade                ao lado de um operário adulto a quem começava por
de São Paulo, uma orgulhosa e ascendente elite em-              auxiliar, terminando por se tornar um ‘operário efetivo’
presarial inaugurava a Primeira Exposição Industrial            como ele (CUNHA, 2000, p. 124).
no suntuoso Palácio das Indústrias, edifício especial-
mente construído para este fim:                                  Para permitir a pesquisa referente à disponibili-
                                                             dade de matéria-prima no território brasileiro, foram
   No pátio da Exposição Industrial de Água Branca, foi      fundadas a Estação Experimental de Combustíveis e
   exposto o primeiro automóvel brasileiro, o PINAR – si-    Minérios (1921) e a Comissão Nacional de Siderurgia
   gla de Pioneiro da Indústria Nacional de Automóveis       (1923), esta última integrada pelos engenheiros Er-
   Reunida – todo construído à mão, com materiais e pe-      nesto Lopes da Fonseca Costa e Euvaldo Lodi. Além
   ças nacionais, inclusive o motor (GATTÁS, 1981, p. 65).   disso, o Brasil abria-se para as novidades que, trazi-
                                                             das da Europa, adaptavam-se às expectativas da re-
    Além de principal centro econômico do país, São          finada elite cosmopolita, desejosa de se diferenciar
Paulo tornava-se também o maior pólo de organiza-            culturalmente dos segmentos sociais locais tidos
ção de trabalhadores brasileiros. E a sociedade brasi-       como incultos.
leira entrava efetivamente no século XX.                         Promovida pelos cafeicultores e novos indus-
    Somente em 1920 a República reuniu as escolas            triais paulistas, a Semana de Arte Moderna de 1922,
profissionais existentes em sua capital sob o nome           reunindo muitos intelectuais da época, foi um refle-
de Universidade do Rio de Janeiro. Com isso, o país          xo dos desejos de modernização e transformação
passaria a contar com uma educação superior volta-           cultural do país. Todavia, se algumas manifestações,
da para a formação para o exercício das profissões.          como as artes plásticas, a literatura e o teatro, repro-
Até então, segundo Anísio Teixeira (1989), julgava-se        duziam os ideais modernistas europeus, o Brasil ain-
que o Brasil poderia importar cultura, mas não criá-la       da não apresentava um desenvolvimento industrial
maduro, capaz de absorver os princípios defendidos      ção Profissional (CFESPs), criados por diversas com-
pelas vanguardas reunidas em torno de centros de        panhias férreas do estado de São Paulo. Esses cursos
ensino como a Bauhaus. Herdeira, ao mesmo tempo,        nasceram ligados aos projetos de uma geração de
do movimento inglês Arts and Crafts e da Deutscher      engenheiros da Escola Politécnica que, influenciados
Werkbund, a escola, fundada em 1919 na Alemanha,        pelos princípios tayloristas introduzidos no país por
pretendia, pela valorização da produção industrial      Roberto Simonsen em 1919, apostavam na prepara-
e do desenho de produtos, estabelecer uma asso-         ção racional e metódica da mão-de-obra.
ciação definitiva entre a arte e a tecnologia da má-       A fundação da Escola Profissional de Mecânica no
quina.                                                  Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, em 1924, re-
    O Brasil estava ainda começando a assimilar as      presentou a oportunidade para que Roberto Mange,
idéias desenvolvidas pelo engenheiro norte-ameri-       uma das figuras mais relevantes na aplicação da psi-
cano Frederick Winslow Taylor. Sua obra Princípios da   cologia às questões do trabalho, colocasse em práti-
Administração Científica, publicada em 1911, referia-   ca seus princípios de “aprendizagem racional”, que se
se às novas formas de gerenciar e organizar as in-      caracterizava pela rapidez, economia e eficiência.
dústrias. Convencido da ineficiência do trabalho dos
operários fabris, Taylor empenhou-se em identificar        Desde então, mediante a utilização da psicotécnica, o
os eventuais problemas que atrasavam os tempos             ensino de ofícios não se destinava apenas a dar instru-
de produção. Inventou aparelhos e criou uma série          ção aos pobres, mas cuidava de aproveitar os mais ap-
de implementos para aperfeiçoar as formas de tra-          tos, deixando em segundo plano sua antiga dimensão
balho da maquinaria e agilizar as operações huma-          assistencial (CUNHA, 2000, p. 133).
nas. Ele instituiu também a remuneração por produ-
ção, princípio baseado na idéia de que a atividade          Em 1925, a Reforma Rocha Vaz buscava dar maior
humana é influenciada pelas recompensas salariais       eficiência ao ensino superior pela diminuição do nú-
ou materiais.                                           mero de estudantes em certos cursos e sua recon-
    Nessa mesma época, uma série de debates na Câ-      dução para os cursos menos procurados, nos quais
mara dos Deputados propunha a expansão do ensi-         havia vagas disponíveis.14 No ano seguinte, um in-
no profissional, estendendo-o a pobres e ricos, e não   quérito foi elaborado por Fernando de Azevedo com
apenas aos desafortunados. Como conseqüência das        o objetivo de conhecer a situação educacional do an-
discussões foi criada uma comissão especial que, co-    tigo Distrito Federal. Com base nesse levantamento,
nhecida como Serviço de Remodelagem do Ensino           seria feito o primeiro projeto educacional no Brasil
Profissional Técnico, daria origem aos ministérios da   que, além de abranger o ensino primário, o secun-
Educação e Saúde Pública e do Trabalho, Indústria e     dário, o normal e o superior, dava ênfase ao ensino
Comércio. As primeiras escolas profissionais corpora-   técnico-profissional e ao papel da administração pú-
tivas foram os Centros Ferroviários de Ensino e Sele-   blica nesse campo.

28
O amadurecimento da indústria paulista ficou        to Simonsen, demonstrava uma mentalidade nova,           17. Primeira diretoria do
                                                                                                                 Ciesp marca a presença de
demonstrado com a criação, em 1928, do Centro das       que iria se refletir nas várias ações em direção a uma   importantes industriais do
Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp),15 que, sob   modernização das condições fabris e educacionais.        país à época. Da esquerda
                                                                                                                 para a direita, sentados:
a presidência de Francisco Matarazzo, originou-se de       Assim, a segunda década do século XX encer-           Horácio Lafer, Jorge Street,
                                                                                                                 Francisco Matarazzo,
uma mobilização histórica que constituiria um passo     rava-se deixando as bases para o desenvolvimen-
                                                                                                                 Roberto Simonsen e Plácido
importante em direção à primeira “revolução indus-      to econômico que seria experimentado nos anos            Meirelles. Em pé: Antônio
                                                                                                                 Devisate, José Ermínio de
trial” brasileira.                                      seguintes. O trabalho passava a ser depositário da       Moraes, Carlos von Bulow e
    O período, marcado pela ascensão de grandes in-     educação e da pesquisa científica, que, por sua vez,     Alfredo Weisflog
                                                                                                                 Fotografia, 1928
dustriais, tais como Francisco Matarazzo, José Ermí-    adaptavam-se às necessidades da produção, pro-
rio de Moraes, Carlos von Bulow, Plácido Meirelles,     movendo um encontro que favorecia a racionalida-
Manuel Guilherme da Silveira, Horácio Lafer, Pandiá     de necessária à construção de uma moderna socie-
Calógeras, Jorge Street, Antônio Devisate e Rober-      dade industrial.




                                                                                                           29
30
A   ’revolução industrial’ brasileira
    ’lairtsudnI oãculover‘




                                   31
32
O período que se convencionou chamar aqui de              Um dos setores menos afetados pela conjuntura         18. Desfile de operários
                                                                                                                    da Companhia Siderúrgica
“revolução industrial” brasileira representou a tran-     mundial foi a indústria. A emissão de moedas para         Nacional, 1º de maio de 1942
sição definitiva da manufatura para uma economia          atenuar as dificuldades da agricultura fez com que o      Computação gráfica
                                                                                                                    Página 30
predominantemente industrial. A consolidação do           mercado interno, destino de quase toda a produção
                                                                                                                    19. Propaganda do Simca
processo produtivo no Brasil adveio das significativas    fabril da época, se tornasse o fator mais dinâmico da
                                                                                                                    Chambord publicada na
transformações que marcaram os cenários nacional e        economia. Com isso, houve uma progressiva substi-         revista O Cruzeiro, dezembro
                                                                                                                    de 1960
internacional nos anos 30 do século XX.                   tuição das atividades agroexportadoras pelas indus-       Detalhe
    O mundo vivia então sob o efeito da crise defla-      triais, que prosperavam impulsionadas pelas pos-
grada com a quebra da Bolsa de Nova York em 1929.         sibilidades de lucro e pela atração de capitais antes
Entre outras coisas, o desequilíbrio econômico pro-       dirigidos à exportação.
vocava a ausência de um mercado para a produção               O movimento revolucionário de 1930, deflagrado
agrícola, a ruína dos produtores rurais e o desempre-     depois de uma série de levantes militares, represen-
go urbano.                                                tou uma reação contra o predomínio político do setor
    A conjuntura internacional, que se refletia no Bra-   cafeeiro. E, muito embora depois da Revolução Cons-
sil impondo obstáculos às exportações brasileiras e       titucionalista de 1932 o governo provisório tivesse
provocando um aumento significativo dos preços            concedido benefícios para os produtores de café, os
dos produtos importados, obrigou o governo a to-          quadros oligárquicos tradicionais seriam substituí-
mar medidas efetivas. E embora o controle cambial,        dos no poder pelos militares, pelos jovens políticos e,
os empréstimos especiais, a moratória e a queima          mais adiante, pelos novos industriais.
dos estoques de café tenham conseguido minimizar              Num primeiro momento, a expansão do setor in-
os efeitos da crise, não foram suficientes para evitar    dustrial valeu-se da capacidade já instalada no país:
uma onda de falências.                                    a produção da indústria têxtil, por exemplo, aumen-

                                                                                                              33
tou substancialmente nos anos que se seguiram à                 leo por indústrias nacionais passou a ser bandeira de
Depressão. Outro fator determinante do crescimen-               luta dos grupos que rechaçavam a participação es-
to industrial à época foi a possibilidade de adquirir           trangeira na gerência das indústrias de base.
equipamentos de segunda mão dos países mais                         A visão da formação profissional para o exercício
fortemente atingidos pela crise. Mais adiante, a ele-           de funções nos postos de trabalho, segundo os pa-
vação dos preços dos produtos importados e o cres-              drões do regime industrial e do trabalho assalariado
cimento da demanda criaram as condições para a                  capitalista, tornava-se hegemônica, em função da
instalação de indústrias de bens de capital:                    crescente demanda por mão-de-obra qualificada e
                                                                da apropriação das novas teorias relativas à eficiên-
     a economia não somente havia encontrado estímulo den-      cia e à produtividade do trabalho.
     tro dela mesma para anular os efeitos depressivos vindos       Duas medidas importantes vieram efetivar, em
     de fora, mas também havia conseguido fabricar parte        1930, a política voltada para o fortalecimento do se-
     dos materiais necessários à manutenção e expansão de       tor industrial. Em 14 de novembro, o governo insti-
     sua capacidade produtiva (FURTADO, 1977, p. 199).          tuiu o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde
                                                                Pública (Mesp), que além de representar uma res-
    O governo provisório de Getulio Vargas deu início           posta tardia aos anseios do movimento sanitarista
a um período marcado pelo aumento gradual da cen-               da Primeira República, prenunciava uma reformula-
tralização do poder e pela intervenção estatal na eco-          ção do ensino destinado à promoção da educação
nomia e na organização da sociedade. O Estado que               sobre novas bases.1 Poucos dias depois, foi criado o
surgia após 1930 distinguia-se também dos demais                Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC),
governos republicanos pela prioridade conferida                 marcando o início de uma efetiva atuação estatal no
à industrialização. Entre as estratégias de governo,            processo produtivo.2
constava o estabelecimento de uma nova relação                      Constituíram marcas desse período as iniciativas
com os trabalhadores urbanos, que deveriam inte-                de estatização das reservas minerais do país e o pa-
grar uma aliança de classes promovida pelo poder                pel das Forças Armadas como fator de garantia da
estatal.                                                        ordem e de suporte para a criação das indústrias de
    À medida que avançava a industrialização, au-               bens de produção.
mentava a polêmica sobre a participação do inves-                   Nos Estados Unidos, o desenvolvimento industrial
timento estrangeiro na economia. Se, por um lado,               ganhou importante impulso a partir das propostas e
esses capitais poderiam contribuir para impulsionar             ações de Henry Ford, o primeiro empresário a aplicar
o crescimento, por outro o discurso nacionalista en-            a montagem em série e a produzir automóveis em
carava as empresas estrangeiras como exploradoras               massa, em menos tempo e com menor custo. Inven-
e não como parceiras do Brasil. Com a ascensão de               tor da linha de montagem, Ford foi um pioneiro do
Vargas ao poder, a exploração do ferro e do petró-              capitalismo do bem-estar social, concebido para me-

34
lhorar a situação dos seus trabalhadores e reduzir a              O sistema de proteção ao trabalho foi aprimora-       20. Presidente Getulio Vargas
                                                                                                                        Fotografia, 1937
alta rotatividade de mão-de-obra.                             do com o advento dos Institutos de Aposentadoria          Detalhe
    Reunidas sob a denominação de modelo fordis-              e Pensões (IAPs),6 que tratavam da assistência previ-
ta, as idéias desse empreendedor norte-americano,             denciária aos trabalhadores. Depois dos ferroviários,
além de revolucionarem o pensamento da época,                 outras categorias seriam beneficiadas, inclusive a dos
contribuíram para desenvolver a mecanização do                industriários, com a criação do Instituto de Pensão e
trabalho, a produção em série, a padronização do              Aposentadoria dos Industriários, o IAPI. 7
maquinário e do equipamento e, por conseqüência,                  Além dessas iniciativas estatais foi fundado, em
o design dos novos produtos. Com a separação entre            23 de julho de 1931, em São Paulo, o Instituto de Or-
o trabalho intelectual e o trabalho manual, o operá-          ganização Racional do Trabalho (Idort), que, estrutu-
rio não era estimulado a pensar, e sim a realizar a sua       rado nos moldes da Taylor Society8 norte-americana,
tarefa de forma a garantir maior produtividade. E o           passou a divulgar no Brasil o processo racionalista
Brasil de 1930 não estava alheio a essa nova ordem:           de trabalho. Liderada pelo engenheiro Armando de
“O Taylorismo[-fordismo] foi introduzido em nossas fá-        Salles Oliveira e pelo professor Roberto Mange, a
bricas, sem o alarde e a propaganda das décadas an-           instituição resultou da junção de dois grupos: de um
teriores: a prática industrial substituiu o discurso” (VAR-   lado, havia os empresários paulistas interessados na
GAS, 1985, p. 182)                                            administração científica do trabalho, de outro, os es-
    Não tardou para que a educação, que adquiria uma          tudiosos da psicofísica, que buscavam estabelecer a
dimensão efetiva no novo contexto histórico, fosse            interação entre homens e máquinas.
objeto dos vários instrumentos legais instituídos em              No Brasil de então, o processo de inovação deve-
1931. Primeiramente foi criado o Conselho Nacional            ria estar a cargo de instituições formadas por técnicos
de Educação (CNE),3 e três dias depois, o documento           capacitados a desenvolver atividades que pudessem
conhecido como Estatuto das Universidades Brasilei-           combinar o aperfeiçoamento e racionalização das
ras dispunha sobre o ensino superior, determinan-             técnicas de produção com a distribuição eficiente
do a investigação científica em todos os domínios             dos produtos no mercado interno.
do conhecimento humano.4 Em seguida a Reforma                     À medida que as relações capitalistas de produ-
Francisco Campos passou a regulamentar o ensino               ção iam se consolidando, foram sendo implementa-
secundário.5                                                  dos também os meios de conjugar os interesses dos
    No âmbito do ensino profissional, surgiu a Inspe-         trabalhadores com as exigências da produção. As
toria do Ensino Profissional e Técnico, que, destinada        antigas associações, criadas nas primeiras duas déca-
a exercer um controle sobre as escolas de aprendi-            das do século XX, davam lugar às organizações sindi-
zes-artífices, seria transformada, em 1934, na Supe-          cais controladas pelo Ministério do Trabalho. Coube
rintendência do Ensino Profissional, vinculada ao Mi-         ao então ministro Lindolfo Collor dar andamento a
nistério da Educação.                                         um conjunto de medidas que visavam alterar as re-

                                                                                                                  35
21. Segunda sessão do     lações de trabalho. Essa política teve início com a Lei
Conselho Universitário
da USP, posse do reitor   de Sindicalização, que fazia com que as organizações
Reynaldo Porchat          sindicais de empresários e trabalhadores desempe-
Fotografia, 1934
                          nhassem a função de órgãos de colaboração com o
                          Estado.9 Após instituída a carteira profissional como
                          documento obrigatório para registro dos contratos
                          de trabalho, foram constituídas as Juntas de Conci-
                          liação e Julgamento para arbitrar os conflitos traba-
                          lhistas.
                              Nessa época, inspirados pelas teorias de John
                          Dewey10 e Émile Durkheim,11 26 intelectuais brasilei-
                          ros, sob a liderança de Fernando de Azevedo, apre-
                          sentaram, na IV Conferência Nacional de Educação
                          (1932), o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,       somar às três universidades federais existentes até
                          que tinha como principais metas a laicização, gra-        então: a do Rio de Janeiro (1920), a de Minas Gerais
                          tuidade, obrigatoriedade e co-educação do ensino.         (1927) e a do Rio Grande do Sul (1934).
                          Esse documento acabou se tornando a base para os              Um marco importante no processo da construção
                          decretos que, promulgados entre 1932 e 1934, mini-        público-institucional seria a Constituição de 1934.
                          mizavam as distinções curriculares entres as escolas      Pela primeira vez na história do país, a educação
                          pós-primárias, dirigidas aos futuros operários, e as      mereceu destaque: o governo tomou para si a res-
                          escolas secundárias, destinadas aos futuros adminis-      ponsabilidade pelo estabelecimento das diretrizes e
                          tradores e profissionais liberais.12 Além disso, foram    pela fixação do Plano Nacional de Educação (artigo
                          instituídas escolas técnicas, que ofereciam cursos in-    1º da Constituição promulgada em 16 de julho de
                          dustriais e comerciais.                                   1934). No mesmo ano, surgiu o Conselho Federal de
                               Por iniciativa das federações das indústrias de      Comércio Exterior (CFCE), um organismo pioneiro de
                          São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de       planejamento econômico, ao qual cabia decidir so-
                          Janeiro, foi criada, em 25 de janeiro de 1933, a Confe-   bre o dispêndio dos recursos internos. Euvaldo Lodi
                          deração Industrial do Brasil (CIB), com o objetivo de     foi escolhido por Vargas para integrar o recém-criado
                          congregar os sindicatos e as associações industriais      conselho, órgão diretamente ligado ao presidente,
                          existentes. Esses estados, que apresentavam então         que tinha como missão colaborar na definição da
                          um maior desenvolvimento econômico e social, se-          política econômica do governo.
                          diaram também as primeiras instituições universitá-           A teoria desenvolvimentista defendia a priorida-
                          rias do país. Em 1934, foi fundada, em âmbito esta-       de dos financiamentos e subsídios para a indústria, a
                          dual, a Universidade de São Paulo, USP,13 que veio se     garantia de infra-estrutura básica (energia, transpor-

                          36
tes) e a proteção aos produtos nacionais diante da      mesmo ano foi fundada a Aliança Nacional Liberta-            22. O presidente Getulio
                                                                                                                     Vargas recebeu a primeira
concorrência externa. E não tardou para que as pro-     dora (ANL), que, integrada por correligionários como         carteira de trabalho da
vidências estatais se voltassem para o setor siderúr-   Luís Carlos Prestes e Carlos Lacerda, promoveu a in-         história do Brasil, 1931

gico. O Departamento Nacional da Produção Mineral       surreição de 1935. Embora o movimento tenha sido             23. Presidente Getulio Vargas
                                                                                                                     com Euvaldo Lodi
(DNPM) foi criado em 1934 para coordenar todo o         sufocado, os conflitos políticos que se sucederam ge-        Fotografia, 1940
sistema de extração de minérios do país.14              raram um clima de insegurança. Temerosas de uma
    Mas o governo enfrentava oposições de direita       contra-revolução, as elites e a classe média apoiaram
e de esquerda. Diversos acontecimentos políticos,       Getulio Vargas no golpe que implantou o Estado
tais como movimentos grevistas, choques entre in-       Novo em 1937.
tegralistas e antifascistas ocorridos no Brasil entre        Contando com o respaldo político para desen-
1934 e 1937, culminaram na promulgação, em abril        volver os programas de governo, Vargas fortaleceu o
de 1935, da Lei de Segurança Nacional (LSN). Nesse      processo de substituição das importações, por meio
                                                        de investimentos na indústria local e do controle do
                                                        Estado sobre as indústrias de base e os setores res-
                                                        ponsáveis pela infra-estrutura. Depois do fechamen-
                                                        to do Congresso e do cancelamento das eleições
                                                        presidenciais previstas para 1938, Getulio Vargas ou-
                                                        torgou, em 10 de novembro de 1937, a quarta Cons-
                                                        tituição do país, que, conhecida como “Polaca” por ter
                                                        sido baseada na Constituição autoritária da Polônia,
                                                        tinha como característica principal a concentração
                                                        de poderes nas mãos do chefe do Executivo.
                                                            Embora desconsiderasse as matérias sobre edu-
                                                        cação constantes da Carta Magna anterior, a Cons-
                                                        tituição de 1937, em seu artigo 129, dava ênfase às
                                                        escolas pré-vocacionais:

                                                           O ensino pré-vocacional profissional destinado às clas-
                                                           ses menos favorecidas é em matéria de educação o
                                                           primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a
                                                           esse dever, fundando institutos de ensino profissional
                                                           e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Muni-
                                                           cípios e dos indivíduos ou associações particulares e
                                                           profissionais.15

                                                                                                               37
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Livro 40 anos do iel

  • 1.
  • 2. 40 anos do IEL na trajetória da indústria no Brasil
  • 3. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA – CNI Coordenação Editorial Acervos Maylena Clécia – Link Design Agência JB Presidente Neusa Cavalcante Arquivo Nacional Armando de Queiroz Monteiro Neto Banco de Mídia do Sistema Indústria Pesquisa Histórica e Texto Biblioteca da Câmara dos Deputados Neusa Cavalcante Biblioteca da CNI INSTITUTO EUVALDO LODI – IEL / NÚCLEO CENTRAL Biblioteca da Firjan Assistente de Pesquisa Biblioteca do INEP/MEC Conselho Superior do IEL Viviane Aronowicz Biblioteca Nacional Armando de Queiroz Monteiro Neto Helena Moreira Schiel Correio Braziliense Embraer Diretor-Geral Projeto Gráfico e Diagramação Fundação Getúlio Vargas Paulo Afonso Ferreira Leticia Brasileiro Furnas Centrais Elétricas S. A. Link Design Superintendente Copidesque e Revisão Museu Histórico da USP Carlos Roberto Rocha Cavalcante Irene Ernest Dias Petrobrás Universidade de Brasília Pesquisa Iconográfica Universidade de Campinas Inaê Quirino Santos Maylena Clécia Coordenação Institucional Viviane Aronowicz Júlio Cezar de Andrade Miranda Instituto Euvaldo Lodi Legendas IEL/Núcleo Central Revisão Técnica Inaê Quirino Santos Setor Bancário Norte, Quadra 1, Bloco B Oto Morato Álvares Edifício CNC CEP 70041-902-Brasília Maria José M. Souza Editoração Eletrônica Tel (61) 3317-9080 Didier Max Nogueira Fax (61) 3317-9360 Apoio Técnico Leticia Brasileiro www.iel.org.br Ana Amélia Ribeiro Barbosa Thiago Endres da Silva Gomes Tratamento de Imagens © 2009. IEL – Instituto Euvaldo Lodi Vítor de Lara Medina Boaventura Didier Max Nogueira Todos os direitos reservados. Nenhuma Maylena Clécia parte deste livro poderá ser reproduzida, SUPERINTENDÊNCIA DE SERVIÇOS COMPARTILHADOS – SSC de qualquer forma ou por qualquer meio, Área Compartilhada de Informação e Documentação – ACIND Produção Gráfica sem autorização expressa do IEL. Maylena Clécia As idéias e opiniões contidas na Normalização publicação são de responsabilidade do Gabriela Leitão Impressão autor, não refletindo necessariamente Gráfica Brasil o posicionamento das Entidades do Apoio Técnico Sistema Indústria. Ana Suely Pinho Lopes Gabriela Leitão Mércia Alencar Almeida C376q Suzana Curi Guerra Vitor Emanuel Ramos Cavalcante, Neusa. 40 anos do IEL na trajetória da indústria no Brasil / Neusa Cavalcante. – Brasília: IEL, 2009. Selo comemorativo aos 40 anos do IEL 177 p. : il. Página 1 ISBN 978-85-87257-42-0 1. Indústria – Brasil 2. História da Indústria – Brasil I. Título CDU: 338.1(81)
  • 4. 40 anos do IEL na trajetória da indústria no Brasil Neusa Cavalcante Brasília 2009
  • 5.
  • 6. Os primórdios da indústria no Brasil airtsúdni 11 A ‘revolução industrial’ brasileira ’lairtsudni oãculover‘ 31 Internacionalização da produção industrial oãcudorp 67 A criação do IEL oãcairc 85 A revolução técnico-científica da informação oãçamrofni 113 Avanços e desafios sofiased 145
  • 7.
  • 8. Apresentação oãçatneserpA O Instituto Euvaldo Lodi – IEL completa 40 anos no momento em que o Brasil discute a retomada do crescimento eco- nômico. O país quer uma indústria forte e preparada para se inserir no cenário internacional. Para isso, os dirigentes das empresas devem ser qualificados e orientados em relação aos riscos e oportunidades do mundo globalizado. Ao longo das últimas quatro décadas, o IEL tem dado a sua contribuição para o país ao formar profissionais capazes de inovar na gestão de seus negócios. Euvaldo Lodi é a inspiração para o trabalho da entidade que leva seu nome. O líder industrial que ajudou a fundar a Confederação Nacional da Indústria – CNI tinha uma clara visão sobre a função social da indústria e a sua importância na formação dos recursos humanos. Identificou a vinculação entre a educação e a indústria como base para o desenvolvi- mento da nação e tornou-se um defensor do processo de formação profissional. A proposta inicial da entidade era aproximar os alunos universitários do ambiente profissional ao coordenar programas de estágios nas fábricas. Era uma forma de levar o conhecimento acadêmico para dentro das empresas e atualizar o pen- samento da universidade em relação aos desafios enfrentados pelo setor produtivo, o que levava à criação de soluções inovadoras para os problemas da indústria. A interação entre empresas e centros de conhecimento continua sendo um dos principais instrumentos do IEL para in- centivar a inovação no setor produtivo, considerada estratégica para o crescimento sustentável do país. No entanto, sem perder os rumos traçados por seus fundadores, a atuação desse instituto foi diversificada nos últimos anos e suas linhas de ação voltadas para o desenvolvimento empresarial foram ampliadas. A nova missão institucional da entidade inclui o aperfeiçoamento da gestão e a capacitação de empresários. O contato freqüente com experiências internacionais levou o IEL a ser procurado por empresários que buscam melho- rar a gestão de seus negócios, inovar em processos e produtos, e modernizar as práticas empresariais. Para suprir essa demanda, além de incrementar os produtos tradicionais de estágio e bolsas educacionais, o instituto passou a oferecer programas destinados a capacitar empresários de micro e pequenas empresas e também altos executivos. Parcerias inovadoras com universidades brasileiras e os mais avançados centros de estudos internacionais permitem a oferta de produtos e serviços de qualidade e adequados à realidade do país. O diálogo permanente com as empresas torna o Instituto Euvaldo Lodi uma das principais entidades de promoção do desenvolvimento e do aumento da competitividade da indústria nacional. Ao interpretar a dinâmica das mudanças dian- te dos avanços tecnológicos, o IEL consolida-se como uma instituição moderna e capaz de oferecer as condições funda- mentais para fortalecer o setor industrial. A capacitação empresarial, o aperfeiçoamento da gestão e o suporte à inovação são o caminho para o país criar mais emprego e renda para o trabalhador brasileiro. Armando Monteiro Neto Presidente da Confederação Nacional da Indústria – CNI
  • 9. O IEL – Instituto Euvaldo Lodi chega à maioridade dos 40 anos sendo o elo do Sistema CNI – Confederação Nacional da Indústria, que está com um grande desafio atual da indústria brasileira em suas mãos. Hoje, en- quanto algumas empresas nacionais apresentam excelência internacional, muitas não estão sequer inseridas no processo para atingi-la, não inovam nem desenvolvem ações na área de tecnologia, não estudam o mer- cado nem praticam a administração estratégica. Mas não se pode ancorar a economia de um país apenas na eficiência das grandes corporações. Se as pequenas e micro empresas que giram em torno das grandes não se modernizarem, a geração de emprego e de benefícios para o entorno será limitada. O país só poderá se desenvolver e ganhar competitividade neste mundo globalizado se a maioria de suas empresas, inclusive as médias e pequenas, conseguirem avançar na capacidade de gestão, de agregação de valor e no desenvolvimento tecnológico. Para desenvolver o Brasil, é preciso capacitar o trabalhador empre- sário de todos os portes, de todas as áreas e regiões do país, para levar a inovação para dentro das empresas. Esta foi a conclusão do Encontro Nacional da Indústria (Enai), promovido pela CNI em 2008: temos de priorizar fortemente a gestão e a inovação nas empresas. O IEL é a instituição que tem a missão, a competência e a capilaridade para empreender essa tarefa. É o instrumento de modernização da gestão empresarial brasileira; suas quatro décadas de trajetória o lapidaram para isso. Muitas pequenas e médias empresas ainda norteiam suas decisões pelo que as outras do setor estão fazen- do. Modernizar a gestão significa nortear-se por elementos objetivos, informações, prospecções de mercado, diagnóstico de fragilidades e potenciais, estudos de região, de cadeias produtivas, trabalhos que favorecem uma visão mais ampla do negócio e do setor. O IEL tem capacitação para coordenar esses estudos e habilitar empresas e sindicatos para a prática da administração estratégica. Não basta mais capacitar o trabalhador ope- rário “ensinando-o a pescar”, é preciso capacitar o trabalhador empresário para que “planeje a pesca”, perceba as melhores oportunidades e trace estratégias de mercado. A China percebeu isso e está investindo pesado no aprimoramento da gestão dos negócios. Isso vai nos afetar, se não conseguirmos dar saltos nessa área. Aprimorar a gestão contribui também para elevar o desenvolvimento sindical, que é hoje imprescindível para a competitividade. Antes, muitas questões podiam ser resolvidas pela negociação direta entre grandes empresas e governo. Hoje, a economia e suas cadeias produtivas são muito mais complexas, exigindo solu- ções que passam pela coletividade, pela negociação, pelo associativismo de visão ampla, não corporativa. É a orientação estratégica que os gestores capacitados aprendem a ter. Esse grande desafio que se coloca hoje se articula perfeitamente com as atividades tradicionais do IEL na área de estágios e de outras ações de promoção da interação universidade-indústria, uma vez que essas ações estimulam a inovação nas empresas. Com mais de 100 mil estágios desenvolvidos a cada ano em parceria com mais de 50 mil empresas e 11 mil instituições de ensino, logramos transformar essa prática numa forma efetiva de aperfeiçoar a formação profissional e oxigenar as empresas com o espírito inovador dos estudantes. O mes-
  • 10. mo ocorre com os programas de bolsas, nos quais os estudantes vão para dentro das empresas desenvolver projetos específicos para solucionar gargalos do negócio. Aprimorar a gestão é hoje prioridade, por estimular a capacidade empresarial de inovar, com foco naquilo que efetivamente amplia a competitividade. Nesse pro- cesso a interação da indústria com os centros de conhecimento, reconhecida vocação do IEL, é essencial. Paulo Afonso Ferreira Diretor-Geral do Instituto Euvaldo Lodi – IEL
  • 11. 10
  • 12. Os primórdios da indústria no Brasil airtsúdni 11
  • 13. 12
  • 14. Os primeiros anos da vida brasileira foram marca- Essa prosperidade deveu-se também aos progres- 1. Liceu de Artes e Ofícios Desenho, 1916 dos pelas atividades de extração dos produtos natu- sos técnicos que foram sendo introduzidos no pro- Detalhe rais da terra à custa do trabalho indígena em regime cesso produtivo. Depois da construção da casa da Página 10 de escambo. Tratava-se então de tirar proveito dos moenda, que reunia as diversas fases do processo de 2. Chegada da família real moagem da cana, introduziu-se a moenda de três ci- portuguesa ao Rio de Janeiro gêneros disponíveis que constituíssem valor no mer- em 7 de março de 1808 cado europeu. lindros e, em seguida, o uso da água como força mo- Geoff Hunt Óleo sobre tela, 1999 Somente mais de três décadas depois, devido à triz, em substituição às juntas de bois. A metalurgia Detalhe necessidade de defesa do imenso território, vieram a para a produção da maquinaria desenvolveu-se prin- partilha das terras e o verdadeiro início do processo cipalmente com base nas técnicas que, aprendidas de colonização. A partir daí, impôs-se a ocupação e dos árabes na África, foram trazidas pelos escravos cultivo nas faixas litorâneas, cujas paisagens naturais (AMARAL, 1958). seriam substituídas paulatinamente pelas plantações A colaboração holandesa na adoção de moendas de cana-de-açúcar. metálicas e tachos de ferro fundido veio contribuir Com o estabelecimento do tráfico de escravos para a inauguração, no país, das primeiras unida- africanos, a cultura canavieira, iniciada no final do sé- des industriais, as quais passavam a requerer uma culo XVI, assistiu a um desenvolvimento vertiginoso. forma de organização do trabalho sem parâmetros Em meados do século seguinte, incentivos ao culti- na Europa. Enquanto no canavial o processo de tra- vo e isenção de impostos contribuíram para tornar balho era determinado pelas condições do clima e o Brasil o maior produtor de açúcar do mundo, num das estações, no engenho “o ritmo não era o da na- empreendimento tão rentável que o produto passou tureza, mas um ritmo de um processamento regulado, a ser chamado de ouro branco. elaborado. O trabalho não era regulado por relógios 13
  • 15. 3. Dança dos Índios Tapuias (...) mas pela capacidade da tecnologia” (SCHWARTZ, Methuen – conhecido popularmente como Tratado Albert Eckhout Óleo sobre tela, século 17 2001, p. 95). de Panos e Vinhos –, pelo qual Portugal compro- Detalhe Mais que uma unidade fabril, o engenho do Brasil metia-se a comprar os produtos manufaturados da Colônia era um conjunto completo e auto-suficiente. Inglaterra, que, por sua vez, deveria adquirir a pro- Em torno do canavial, desenvolviam-se uma agricul- dução de vinhos portugueses. Outro empecilho era tura e uma pecuária destinadas a suprir as demandas resultante da baixa qualificação da mão-de-obra, da casa-grande, da senzala e da pequena parcela de pois, em geral, “a aprendizagem dos ofícios, tanto de trabalhadores livres. Ao lado da mandioca, do milho, escravos quanto de homens livres, era desenvolvida no do feijão e do gado, responsáveis pela dieta de sub- próprio ambiente de trabalho, sem padrões ou regu- sistência, o algodão despontava como matéria-prima lamentações, sem atribuição de tarefas próprias para fundamental para a fabricação dos panos grosseiros aprendizes” (CUNHA, 2000, p. 32). destinados a cobrir a nudez dos escravos. Enquanto isso, na Europa do século XVIII, onde o Na época, a fiação e a tecelagem eram feitas com sistema familiar de produção havia sido superado há auxílio de instrumentos rústicos, como as rocas e os tempos pelas corporações de ofício, eram reunidos, primitivos fusos, sendo o trabalho executado no am- sob o mesmo teto, os tarefeiros assalariados. Grada- biente doméstico pelas senhoras e escravas. Devido tivamente, a independência e o controle individual à demanda resultante da Revolução Industrial inicia- dem sobre a produção cediam lugar ao parcelamento dos da na Inglaterra e à prosperidade alcançada pelo cul- processos de trabalho, que visava suprir as exigên- tivo do algodão, este viria a se transformar, no século d cias de um mercado cada vez mais amplo e estável. XVIII, no terceiro produto brasileiro de exportação, No Brasil, as poucas corporações de ofício exis- ficando atrás apenas do açúcar e do tabaco. cand tentes decaíram, a partir de 1759, em decorrência Embora os vice-reis e fidalgos se apresentassem Em da Reforma Pombalina que expulsou os jesuítas quase sempre vestidos de “seda de Gênova e de linho do país. Até essa época, os lucros da Coroa portu- e algodão vindos da Holanda e da Inglaterra”, a dificul- algo guesa advinham do comércio de especiarias com a dade de acesso a esses sofisticados artigos na colônia d Ásia. O Brasil era visto então apenas como um forne- estimulou uma produção de fios e tecidos de algodão estimu cedor de produtos que não podiam ser encontrados voltados também para as necessidades da casa-gran- voltad na Europa, ou seja, um grande território aberto às de (FREYRE, 2002, p. 112). A abundância da matéria- FR atividades extrativistas de pau-brasil, ouro e diaman- prima e a introdução da mecanização no processo de te, e à produção do açúcar. Essa condição explica o produção levaram a uma rudimentar indústria têxtil produ desinteresse da metrópole pela produção industrial que, forçando o preço para baixo, contribuiu para f brasileira, oficialmente explicitado no final do sécu- ampli o mercado consumidor do produto. ampliar lo XVIII, mais especificamente no dia 5 de janeiro de Um dos obstáculos à prosperidade da atividade 1785, com o alvará de d. Maria I que proibia o estabe- industrial brasileira na época decorria do Tratado de indust lecimento de fábricas e manufaturas no Brasil: 14
  • 16. Eu a rainha. Faço saber aos que este alvará virem que Dos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira1 4. Dom João com a carta de abertura dos portos às nações (...) excetuando tão somente aqueles ditos teares e ma- constam passagens que demonstram o inconformis- amigas, 1808, de Antônio nufaturas, em que se tecem ou manufaturam fazendas mo dos inconfidentes com a falta de liberdade e de Baeta; Negra Monjolo e Negro Quilga, de Johann Moritz grossas de algodão, que servem para o uso e vestuá- indústrias no país. Segundo as palavras da testemu- Rugendas, 1835 rio dos negros, para enfardar e empacotar fazendas, Computação gráfica nha capitão Vicente Vieira da Mota, o alferes Joaquim e para outros ministérios semelhantes; todas as mais José da Silva Xavier, Tiradentes, sejam extintas, e abolidas em qualquer parte onde se acharem nos meus domínios do Brasil... (ARQUIVO NA- começou a exagerar a beleza, formosura deste país, CIONAL). asseverando que era o maior do mundo, porque tinha em si ouro e diamantes acrescentando que bem podia Além da extinção de muitos teares pelo Brasil afo- ser uma república livre e florente (...) que no mesmo ra, a Carta Régia de 5 de julho de 1802 proibia que podiam levantar grandes utilíssimas fábricas, escusa- os governadores recebessem em audiência pessoas dos na maior parte os gêneros de fora (CÂMARA DOS vestindo roupas feitas com tecidos não fabricados na DEPUTADOS, 1976, p. 156-157). metrópole. Antes disso, a Carta Régia de 20 de feve- reiro de 1690 já havia determinado que os sapateiros Ironicamente, em 1807, a exportação do algodão, não trabalhassem em couro que não viesse de Por- superando a do açúcar, atingiu o auge em Pernam- tugal (JOFFILLY, 1999). Para Roberto Simonsen, o ato buco, e a guerra anglo-americana contribuiu para da rainha teve dois objetivos: “não distrair os braços quintuplicar o valor da fibra brasileira. As vozes que da lavoura e assegurar uma diferenciação na produção se erguiam a favor da atividade industrial no país entre a Metrópole e a Colônia, que permitisse o fomen- continuariam a se fazer ouvir por muito tempo: “Era to do comércio e o aumento do consumo dos produtos para lamentar que sendo o Brasil tão abundante de industriais da Metrópole” (1969, p. 375). metais em toda espécie, carecesse de pedir aos confins Além da proibição real, que obrigava o Brasil a im- do Norte da Europa o ferro que deve rasgar as veias do portar os gêneros de que necessitava, a Coroa portu- seu terreno, e que deve firmar a sua segurança” (IDADE guesa intensificou a taxação dos produtos vindos da DO OURO, 1819 apud RENAULT, 1939, p. 15). metrópole. E, a despeito do anunciado esgotamento Somente com a chegada da família real a vida na progressivo das jazidas de ouro e metais preciosos, colônia sofreria transformações importantes, que instituiu a derrama, um imposto compulsório que prenunciavam esperanças para a produção indus- obrigava a população da região das Minas Gerais a trial. A Carta Régia de 28 de janeiro de 1808 abria os completar a cota anual de ouro quando esta não era portos do Brasil para o comércio exterior com as na- atingida. Esses fatos culminaram com a conspiração de ções amigas, com exceção dos gêneros estancados:2 1789, que pretendia eliminar a dominação portugue- “Que sejam admissíveis nas Alfândegas do Brasil todos sa das Minas Gerais, estabelecendo ali um país livre. e quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias transpor- 15
  • 17. 5. Banco do Brasil e Paço tados, ou em navios estrangeiros das Potências, que se Entretanto, o Tratado de Aliança e Comércio, Imperial, de Pedro Godofredo Bertichem, 1856; Teatro São conservam em paz e harmonia com a minha Real Co- firmado em 1810, prejudicaria mais uma vez a pro- João, de Thomas Ender, 1856 roa” (ARQUIVO NACIONAL). dução brasileira, e também a lusitana. Enquanto os Computação gráfica No mesmo ano, o alvará de 1º de abril permitia o demais países estavam submetidos à taxação de livre estabelecimento de fábricas e manufaturas no 24% em nossas alfândegas, a Inglaterra havia as- país: segurado o direito de colocar suas mercadorias no Brasil mediante a taxa de 15% ad valorem, enquan- Eu o Príncipe Regente faço saber aos que o presente to os produtos portugueses pagavam 16%. Os jor- Alvará virem que desejando promover e adiantar a nais da época davam conta dos novos tecidos que riqueza nacional, e sendo um dos mananciais dela as passaram a circular no Rio de Janeiro, como linhos manufaturas e a indústria que multiplicam e melhoram de todas as qualidades, cambraias, tafetás, sedas, lã e dão mais valor aos gêneros e produtos da agricultura etc., sendo que “eram enviadas anualmente ao Brasil e das artes e aumentam a população (...) sou servido cerca de ₤ 3.000.00 de produtos das manufaturas ingle- abolir e revogar toda e qualquer proibição que haja a sas” (apud SIMONSEN, 1969, p. 397). Para neutralizar este respeito no Estado do Brasil e nos meus Domínios essa invasão de produtos importados, sobretudo da Ultramarinos... Inglaterra, sobrevieram medidas que visavam impul- sionar a produção manufatureira no Brasil e nos do- Essas medidas, que marcaram uma nova fase da mínios ultramarinos portugueses. Foram concedidos economia colonial, faziam parte de uma política de privilégios aos inventores de máquinas e prêmios às cunho liberal defendida por intelectuais como José manufaturas de lã, algodão, seda, ferro e aço. da Silva Lisboa, o visconde de Cairu. Dois anos depois A transferência da Corte para o Rio de Janeiro, da abertura comercial, a cidade do Rio de Janeiro em 1808, levou à constituição de uma série de ins- contava com mais de cem manufaturas, e recebia um tituições: a Imprensa Régia, um passo decisivo para número cinco vezes maior de navios estrangeiros, a difusão de idéias, informação e cultura, o Banco do quase todos ingleses. Brasil, que inaugurou o sistema financeiro, e a Escola 16
  • 18. No ano seguinte, um edital da Real Junta da Fa- 6. Diploma da Sociedade Auxiliadora da Indústria zenda estimulava a vinda de trabalhadores estran- Nacional (SAIN) geiros, para suprir a falta de mão-de-obra qualifica- Jean Baptiste Debret, meados do século XIX da. Enquanto os novos trabalhadores não chegavam, Litografia as manufaturas valiam-se da força de trabalho livre existente no país, potencialmente mobilizável mas sem qualquer formação técnica. Como parte da política de valorização do ensino das ciências, da economia e da técnica, enfatizada após a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves em 1815, foi fundada, no ano seguinte, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Destinava-se ao ensino das belas-artes e das artes mecânicas, sendo que os filhos dos pobres deveriam Cirúrgica de Salvador (1808). Nos anos seguintes se- ser encaminhados para este último a fim de se tor- riam criados a Academia Militar (1810), a Biblioteca narem artífices. Embora as aulas tivessem iniciado Nacional (1810), o Real Teatro de São João4 (1810), a somente em 1820, e com um único foco voltado para Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro (1813), as belas-artes, as idéias sobre o papel da educação o Jardim Botânico (1818) e o Museu Imperial (1818). na formação social e no trabalho sensibilizaram Ig- Uma importante iniciativa foi a criação, em 23 de nácio Álvares Pinto de Almeida, que em 1816 come- agosto de 1808, da Real Junta do Comércio, Agricul- çou a coletar assinaturas para a constituição de uma tura, Fábricas e Navegação, que deveria funcionar entidade voltada para a produção de “conhecimentos como órgão regulador da implementação das fábri- úteis” ao desenvolvimento do país. cas e manufaturas no Brasil. No entanto, a Proclamação da Independência E foi nesse contexto que surgiu a Real Fábrica de em 1822 não produziu alterações significativas nas Ferro São João do Ipanema, numa localidade antiga- práticas de aprendizagem dos ofícios vigentes no mente chamada Campo Largo, próximo a Sorocaba, Brasil, pois “não era aspiração da liderança que fez em São Paulo. Mais tarde, a cidade viria a ter o nome a Independência qualquer reforma econômica ou de Araçoiaba, em tupi esconderijo do sol. A empresa social” (XAVIER, 1992, p. 82). Somente quando os pioneira foi criada por meio de Carta Régia de 4 de investimentos industriais passaram a se sobrepor dezembro de 1810, como uma sociedade acionista àqueles voltados para as atividades comerciais, de capital misto, com 13 ações pertencentes à Coroa foram lançadas as bases para uma lenta transfor- portuguesa e 47 a acionistas particulares de São Pau- mação em direção à modernização das estruturas lo, do Rio de Janeiro e da Bahia. produtivas brasileiras. A Constituição de 1824 de- 17
  • 19. terminou a extinção das corporações até então res- ininterrupta d’O Auxiliar da Indústria Nacional, cujo ponsáveis pela prática e aprendizagem de alguns objetivo era ofícios manufatureiros (Constituição Política do Im- pério do Brasil, 1824, § XXV, art. 179). As limitações convencer os sócios a tomarem o caminho da civiliza- da economia colonial, o diminuto mercado interno ção segundo os modelos europeus, especialmente no e a falta de incentivos decorrentes da existência que se referia à substituição do trabalho escravo pelo do trabalho escravo foram considerados fatores livre (...) os números iniciais da revista já indicam que a responsáveis pela decadência das corporações, re- Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional utilizou o duzidas então a irmandades de caráter religioso e Auxiliador para difundir os conhecimentos que consi- assistencial (CUNHA, 2000). derava úteis e introduzir novos costumes preparando, Por não permitirem a livre negociação entre em- deste modo, a população para instaurar a moderniza- pregadores e trabalhadores, as corporações cons- ção do Estado brasileiro (MURASSE, p. 3; 6). tituíam empecilhos à plena vigência das relações de trabalho próprias da sociedade capitalista: “As Na época, o mundo ocidental inspirava-se nas corporações fixavam os padrões de produção, o preço idéias de Adam Smith, que, em sua importante obra dos produtos e os salários dos oficiais. Por essa razão, A Riqueza das Nações, publicada em 1776, sistemati- a doutrina econômica liberal (...) pregava a sua extin- zava o conhecimento da época sobre economia e de- ção...” (CUNHA, 2000, p. 54). senvolvimento. Para ele, a riqueza das nações resul- Finalmente, em 19 de outubro de 1827, foi fun- tava da necessidade de uma transformação contínua dada a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e o progresso técnico era um elemento intrínseco do (Sain), que, pelos seus estatutos, aprovados em 1831, modo de produção capitalista: tinha como meta “promover, por todos os meios que estiverem ao seu alcance, o melhoramento e a prospe- o aumento de produção (...) é resultante de três circuns- ridade da indústria no Império do Brasil” (MURASSE, tâncias diferentes: primeiro, do aumento da destreza 2006). Em respeito à produção brasileira do período, de cada trabalhador; segundo, da economia de tempo, as primeiras ações da Sain voltaram-se para a me- que antes era perdido ao passar de uma operação para canização das atividades agrícolas, como forma de, outra; terceiro, da invenção de um grande número de aumentando a produtividade no campo, criar estí- máquinas que facilitam o trabalho e reduzem o tempo mulos para a aquisição das máquinas necessárias a indispensável para o realizar, permitindo a um só ho- impulsionar as atividades industriais. mem fazer o trabalho de muitos (SMITH, 1976, p. 11). Tendo como filiados os políticos mais importan- tes da época, a Sain, que tinha uma preocupação Mas essas idéias de progresso chegaram ao Brasil explícita com a educação e a formação profissional, com certo atraso, e num momento em que as finan- seria responsável, entre 1833 e 1892, pela edição ças do Império não iam bem: o valor das importações 18
  • 20. superava em muito o das exportações. Em 1828 a si- em Minas Gerais e na Bahia, e estimulou o setor de 7. Etiqueta para tecidos registrada pela Companhia tuação agravou-se com a lei que estendia a todas as metalurgia em Pernambuco. Com isso, fez diminuir o Petropolitana, Rio de Janeiro importações brasileiras a tarifa de 15%, diminuindo déficit público e aliviar as finanças do Brasil. Litografia, 10 de setembro de 1888 ainda mais a arrecadação e contribuindo para o de- Mas os novos ventos sopravam em cenários mar- Detalhe sequilíbrio da balança comercial. Visando solucionar cadamente antagônicos: enquanto no Nordeste o grave déficit, o governo imperial adotou algumas desenvolvia-se uma indústria movida pelo trabalho medidas alfandegárias que não surtiram o efeito de- escravo, no Sul várias tentativas de industrialização sejado. eram beneficiadas pelo favorecimento à entrada Nesse meio-tempo, por proposta apresentada de colonos estrangeiros, com doação de sesmarias por Januário da Cunha Barbosa e Raimundo José da aos que nelas quisessem trabalhar e a isenção, em Cunha Mattos aos 27 sócios fundadores da Sain, foi 1846, de taxas alfandegárias para as matérias-pri- criado em 21 de outubro de 1838 – tendo como pa- mas aproveitáveis nas manufaturas, sobretudo na trono D. Pedro II – o Instituto Histórico e Geográfico indústria têxtil. Essa disparidade entre o trabalho es- Brasileiro (IHGB) com o propósito de “coligir, metodi- cravo e o trabalho livre, que dividia o país em dois, zar, publicar ou arquivar os documentos necessários passou a aquecer as discussões entre os intelectuais para a História e a Geografia o Brasil...” (artigo 1º do abolicionistas da época, para os quais a escravidão Estatuto do IHGB, www.ihgb.org.br/ihgb.php). Mar- contribuía para retardar o desenvolvimento técnico cado pela tradição iluminista, o IHGB deveria “levar do país. a cabo um projeto dos novos tempos, cuja marca é a soberania do princípio nacional enquanto critério fun- Para provar (...) que a escravatura deve obstar a nossa damental definidor de uma identidade social” (GUIMA- indústria, basta lembrar que os senhores que possuem RÃES, 1988). escravos vivem, em grandíssima parte, na inércia, pois A partir de 1844, em conseqüência da Tarifa Alves não se vêem precisados pela fome ou pobreza a aper- Branco, que conferia certa proteção à produção bra- feiçoar sua indústria (...) as máquinas que poupam bra- sileira, o desenvolvimento do país teve um impulso. ços pela abundância extrema de escravos nas povoa- Com o término da validade do tratado assinado com ções grandes são desprezadas. Causa raiva ou riso ver a Inglaterra em 1810, e renovado em 1827 por mais vinte escravos ocupados em transportar vinte sacos 15 anos, cerca de três mil artigos importados passa- de açúcar que podiam conduzir uma ou duas carretas riam a pagar taxas que variavam de 20 a 60%, sendo bem construídas com dois bois ou duas bestas mua- que as tarifas mais altas referiam-se às mercadorias res. (JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA, 1822 apud estrangeiras com similares no Brasil. Apesar de de- DOLHNIKOFF, 2000, p. 29) safiar a Inglaterra, violando o acordo vigente entre os dois países, a medida promoveu o surgimento de O discurso de José Bonifácio encontrava eco no uma série de fábricas de tecidos no Rio de Janeiro, pensamento de Joaquim Nabuco (1999, p. 77), para
  • 21. 8. Embarque de café no quem a escravidão, “espalhando-se por um país, mata pregavam mais de mil operários e produziam navios, Porto de Santos antes da construção do cais, SP cada uma das faculdades humanas, de que provém a caldeiras para máquinas a vapor, engenhos de açú- Marc Ferrez indústria: a iniciativa, a invenção, a energia individual”. car, guindastes, prensas, além de artilharia etc. Des- Fotografia, 1880 Detalhe O tema não passou despercebido pela Sain. Em se complexo saíram mais de 72 navios em 11 anos, 1848, o conselho da entidade, na época presidido entre os quais as embarcações brasileiras utilizadas por Miguel Calmon du Pin de Almeida, visconde de nas intervenções platinas e as embarcações para o Abrantes, instituiu, com apoio da recém-criada So- tráfego no Rio Amazonas. ciedade Contra o Tráfico de Africanos e Promotora da Colonização e Civilização dos Indígenas, um prêmio Era já então, como é hoje ainda, minha opinião que o para quem apresentasse, até 1850, a melhor propos- Brasil precisava de alguma indústria dessas que me- ta sobre a forma de substituir o trabalho escravo pelo dram sem grandes auxílios, para que o mecanismo de trabalho livre. sua vida econômica possa funcionar com vantagem Daí em diante, empurrado pelo progresso da pro- (...) e a indústria de ferro, sendo a mãe das outras, me dução cafeeira, o Brasil iria mudar. Ao mesmo tempo parecia o alicerce dessa aspiração. (MAUÁ, 1996, p. 8) que se consolidava como principal produto brasi- leiro de exportação, o café provocava uma onda de A fundição dedicava-se também ao fabrico de pe- crescimento econômico nunca antes visto no Brasil, ças úteis ao abastecimento de água, como se depre- e, cada vez mais, a mão-de-obra escrava cedia espa- ende do aviso do ministro do Império, publicado no ço para o trabalhor assalariado imigrante. Cinco anos Correio Mercantil de 15 de dezembro de 1854: “ontem depois do ato inglês conhecido como Bill Aberdeen, o Imperador correu água pela primeira vez em um cha- a Lei Eusébio de Queirós, de 1850, proibia o tráfico fariz que acaba de ser construído na praia de Botafogo negreiro no Brasil. Com isso, parte do capital despen- (...) segundo o desenho e risco que enviei à fabrica da dido na compra de escravos passou a ser investida Ponta da Areia” (apud RENAULT, 1939, p. 34). E logo na indústria. surgia também a motivação para transformação do Irineu Evangelista de Souza, mais tarde intitulado sistema brasileiro de transporte: como se tornava barão de Mauá, deu os primeiros passos em direção impraticável carregar a produção cafeeira em lom- à modernização da economia brasileira. Uma viagem bo de burro, o Brasil ingressava na era da ferrovia. à Inglaterra em 1840, onde conheceu fábricas, fun- Em 1852, o governo imperial promulgou a lei que dições de ferro e o mundo dos empreendimentos, concedia isenções e garantias de juros sobre o capi- impulsionou-o em direção à industrialização. tal investido às empresas, nacionais ou estrangeiras, Poucos anos depois, Mauá tomava para si a incum- que se interessassem em construir e explorar estra- bência de colocar em funcionamento a Fundição e a das de ferro no país. Dois anos depois, graças aos Companhia Estaleiro da Ponta da Areia, que, forman- esforços do visionário Irineu Evangelista de Souza, do o maior empreendimento industrial do país, em- que subscreveu a quase totalidade do capital neces- 20
  • 22. se juntar aos italianos. Graças ao café, a capital do 9. Construção de ferrovia Fotografia, 1870 país civilizou-se, ganhou iluminação a gás e bonde, e experimentou o luxo. E se não foi o Rio de Janei- ro a pátria brasileira mais próspera do café, foi de lá que partiram as sementes que, disseminadas pelos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e São Paulo, viriam gerar as riquezas e garantir o progresso e a modernização do país. No Brasil, a transição da escravidão para o traba- lho livre, o deslocamento das plantações do Rio de Janeiro para São Paulo, a construção de uma infra- estrutura para o escoamento da produção e a recu- sário à construção, foi inaugurada a Estrada de Ferro peração da crise inflacionária e especulativa deman- Mauá, primeira linha ferroviária do Brasil, que esta- daram tempo. Somente em 1870, quando a ferrovia beleceu a ligação entre o Porto da Estrela (interior da cruzou o planalto paulista e se iniciou a maciça imi- baía da Guanabara) e a raiz da Serra (Petrópolis). Dez gração européia, uma nova expansão da cafeicultura ferrovias seriam construídas nos vinte anos seguin- brasileira se tornou possível. tes, tendo sido o desenvolvimento dessa rede uma A fase do capitalismo que se iniciou no último das conseqüências do crescimento e da diversifica- quartel do século XIX no Brasil encontrou setores da ção das atividades econômicas. economia cafeeira capazes de promover uma inten- Em 1874, a antiga Escola Central do Rio de Janeiro, sa incorporação do trabalho assalariado, em diversos antes voltada para as atividades militares, passou à âmbitos do sistema produtivo. Entretanto, a luta pela alçada do ministro do Império. Com o nome de Esco- industrialização dividia mais uma vez o país: de um la Politécnica, voltava-se para o ensino da engenha- lado estavam os grandes proprietários de terra e es- ria civil. Um ano depois, foi criada a Escola de Minas cravos; de outro, os que sonhavam com a máquina. de Ouro Preto, na província de Minas Gerais. Desde O primeiro grupo repelia a idéia da industrialização, então, o ensino superior no Brasil iria se desenvolver sob a alegação de que o Brasil era incapaz de concor- com a multiplicação de faculdades isoladas criadas rer com a indústria estrangeira. Os progressistas, por por iniciativa estatal. sua vez, combatiam a escravidão e exigiam a defesa Nessa época, os imigrantes europeus sentiam-se de nossos interesses comerciais. atraídos pela prosperidade do café. As convulsões Conspiravam contra os defensores do surto desen- políticas e sociais que despontaram na Itália fize- volvimentista a ausência de capitais e investimentos ram com que milhares de colonos desembarcassem em infra-estrutura, além da concorrência com a in- no país em 1876. E outros contingentes logo viriam dústria européia. Juntavam-se a esses fatores a preca- 21
  • 23. 10. Liceu de Artes e Ofícios riedade dos transportes e a interrupção do trabalho do Rio de Janeiro Marc Ferrez em virtude das epidemias intermitentes. Além disso, Fotografia, 1890 a Reforma Sousa Franco (1857), pela qual as moedas 11. Oficina de sapataria inglesas passaram a ser recebidas nas repartições pú- da Escola de Artífices do Espírito Santo blicas, e a Reforma Silva Ferraz (1860), que reduziu as Fotografia, 22 de dezembro taxas de importação sobre máquinas, ferramentas e de 1910 ferragens, alterando os direitos e o protecionismo da Tarifa Alves Branco,6 favoreceram novamente a con- corrência estrangeira e deixaram a indústria nacional mais uma vez desprotegida. 22
  • 24. Imensas eram também as dificuldades com a mão- acompanhar o programa de ensino. O idealizador da 12. Escola de Aprendizes Artífices de Natal, RN de-obra, agravadas pelo fato de o Brasil não contar Escola de Adultos, Antônio de Almeida Oliveira, lan- Fotografia, 1913 com escolas práticas de ensino industrial. O ensino çou, nesse mesmo ano, a obra O Ensino Público, onde e a educação, calcados no conteúdo humanístico e se lê: “a instrução dos povos governa-se por certas leis eclesiástico, não supriam as demandas apresentadas em grande número fixas e invariáveis, e que não podem pela produção. sem dano ser quebrantadas, por terem caráter de leis Apesar disso tudo, vivia-se um tempo de prospe- naturais” (apud OLIVEIRA, 2003, p. 60). ridade, pois o café continuava a equilibrar a balança Nessa época, as mudanças sociais avançavam, de pagamentos. Entre 1850 e 1860, o país viveu uma tendo como importante suporte os correligionários transformação política e econômica importante. Fo- do movimento pela abolição da escravatura, que iria ram instaladas empresas industriais e companhias ocorrer de forma lenta e gradual. Em 1871, a Lei do de navegação, seguro, mineração; transporte urba- Ventre Livre tornava libertos os filhos de escravos no, sistema de distribuição de gás, além de ferrovias, que nascessem a partir de sua promulgação.8 Mais bancos e caixas econômicas; Mauá estava à frente de tarde, a Lei Saraiva-Cotegipe, ou dos Sexagenários, quase todas essas iniciativas. passou a beneficiar os negros de mais de 65 anos.9 Data dessa época a criação dos liceus de ofícios, Mas somente em 13 de maio de 1888 seria concedi- destinados principalmente a amparar e treinar os da a liberdade para os negros. Assinada pela princesa órfãos para o trabalho. Os recursos para manter es- Isabel, a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, sas entidades provinham dos membros de socieda- decorreu de pressões internas e externas.10 des civis organizadas ou de doações de benfeitores, Com a força do movimento abolicionista, torna- geralmente membros da burocracia do Estado, no- va-se cada vez mais difícil conter a fuga de escravos, bres, fazendeiros e comerciantes. Nos liceus, os cur- principalmente considerando que o Exército se re- sos eram gratuitos, porém, em geral, vedados aos cusava a participar da captura e devolução dos cati- escravos. vos. Também era economicamente inviável manter O Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, pre- o trabalho escravo diante da concorrência com a cursor do ensino profissionalizante do Brasil, foi cria- mão-de-obra imigrante, barata, abundante e edu- do em 9 de janeiro de 1858 pela Sociedade Propaga- cada. Além disso, a Inglaterra forçava a abolição na dora das Belas Artes, como uma instituição de ensino tentativa de abrir mercado para os seus produtos in- voltada para uma população economicamente des- dustrializados. favorecida. Em 1873, por iniciativa da Sain, que já Entre as circunstâncias favoráveis ao desenvolvi- mantinha uma Escola Noturna de Adultos,7 começou mento industrial havia as dificuldades para pagar os a funcionar a Escola Industrial, destinada a jovens manufaturados produzidos no exterior, o aumento maiores de 14 anos que, selecionados por meio de progressivo das tarifas alfandegárias, a significativa exame de admissão, apresentassem condições de produção nacional de algodão e a disponibilidade 23
  • 25. 13. Alunos no pátio da Escola Profissional Masculina, São Paulo Fotografia, década de 1910 de mão-de-obra, cuja precariedade era compensada trial não se sustentaria. Na época, as instituições de pelo baixo preço (PRADO JÚNIOR, 1976). À medida que pesquisas científicas não tinham propostas objetivas crescia o número de estabelecimentos industriais, e as universidades encontravam-se muito distantes consolidavam-se as relações capitalistas de produ- dos requerimentos da indústria. ção. O aspecto filantrópico presente nas iniciativas Mas a resposta à necessidade de gerar conheci- associadas ao ensino dos ofícios foi sendo parcial- mentos úteis ao setor produtivo não foi a mesma para mente substituído por um discurso baseado na ra- todas as nações que se industrializavam. Na Inglater- cionalidade da produção, ou seja, no cálculo dos cus- ra, a Royal Society of Arts priorizou o intercâmbio tos e benefícios do ensino para a formação da força de conhecimentos produzidos em escolas técnicas de trabalho. Ao mesmo tempo, o ensino dos ofícios, e laboratórios particulares, muitos dos quais sedia- antes destinado aos menores menos favorecidos, foi dos em fábricas. Na França, tentou-se desenvolver a sendo transferido para os filhos dos trabalhadores, pesquisa em escolas técnicas e universidades, com a sem que, no entanto, ocorressem mudanças signifi- mediação do Instituto da França, o que levou a uma cativas no sistema educacional vigente: burocratização dos meios de informação e impediu o seu êxito. A Alemanha optou por vincular a pesquisa A proposta de um ensino profissional para as massas, de ao ensino, construindo um modelo posteriormente modo a moralizá-las e a desenvolver a produção para adotado por muitos países. A pesquisa científica sis- transformar a sociedade sem ‘quebrar suas molas’ foi, tematizada e a oferta satisfatória de pesquisadores talvez, o núcleo de todo o pensamento elaborado no foi um dos fatores que levaram a indústria alemã a Brasil Imperial sobre o assunto (CUNHA, 2000, p. 157). passar ao primeiro plano na escala mundial. Nos Estados Unidos, país em franco processo de Desde o final do século XVIII, havia entre os cien- industrialização, o governo empenhava-se na cons- tistas e empresários dos países mais desenvolvidos a trução de “uma nova civilização que dependia basica- idéia de que se a indústria e o Estado não voltassem mente da escola na preparação dos americanos para suas atenções para a ciência, o crescimento indus- as muitas ocupações” (BOMENY, 2001, p. 79). Em 1862 24
  • 26. o então presidente Abraham Lincoln promulgou o A Proclamação da República em 1889 não provo- 14. Capa da primeira Constituição da República, Morrill Act, que criou os Land-Grant Colleges, com o cou mudanças imediatas na conjuntura econômico- promulgada no Rio de propósito de social brasileira. Sob forte ideologia positivista, os Janeiro em 24 de fevereiro de 1891 governos republicanos continuaram opondo resis- não excluindo outros estudos clássicos e científicos, tência à criação de universidades. No entanto, as 15. Escola de Aprendizes Artífices de Sergipe incluindo tática militar, ensinar os ramos do conheci- reformas de 1891 equipararam os estabelecimentos Fotografia mento relacionados à agricultura e às artes mecânicas de ensino secundário e superior ao Ginásio Nacional (...) a fim de promover a educação liberal e prática, das e às faculdades mantidas pelo governo federal. Em classes industriais nas diversas atividades e profissões 1901, além de a equiparação ter se estendido ao en- da vida (TEIXEIRA, 1969, cap. 12). sino particular, as escolas poderiam outorgar diplo- mas que autorizavam o exercício de certas profissões Com a intenção de disseminar faculdades indus- regulamentadas em lei. O resultado dessas medidas triais e/ou agrícolas por todo o território, o governo, foi a grande expansão do ensino superior no país: de além de transferir imensos terrenos federais para os 1891 até 1910, foram criadas 27 escolas superiores. estados, permitia que estes vendessem terras devo- Além disso, o complexo montado em torno da lutas, desde que aplicassem os recursos assim obti- produção cafeeira, que incluía ferrovias, bancos, em- dos na educação superior. presas exportadoras e uma mecanização crescente, Pouco depois, o mundo encontraria nas teorias contribuiria para fomentar a base de um crescimen- de Karl Marx uma explicação para o necessário de- to industrial, sugerindo uma ruptura com as formas senvolvimento das forças produtivas. Publicado em 1867, O Capital alertava para o fato de que a indústria capitalista somente poderia subsistir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos e os modos de produção e, com isso, todas as relações sociais. No Brasil, a educação para o trabalho não acom- panhou as propostas adotadas na Europa e nos Es- tados Unidos da América. Oriundo de uma matriz sociocultural diferenciada, o país carregava as con- seqüências de ter sido uma colônia de exploração, e não de ocupação, como os EUA. O único referen- cial de universidade, instituição proibida no país nos tempos coloniais, vinha do ensino medieval e esco- lástico de Coimbra. 25
  • 27. 16. Abaporu, tela que época, escolas comerciais em São Paulo, no Rio de inspirou Oswald de Andrade a escrever o Manifesto Janeiro e na Bahia etc., tendo sido reorganizado tam- Antropófago e criar o bém o ensino agrícola. Movimento Antropofágico, com a intenção de “deglutir” Com a morte do presidente Affonso Pena, o proje- a cultura européia e transformá-la em algo bem to não foi mais adiante. Somente no governo de Nilo brasileiro Peçanha seriam criadas 19 escolas de aprendizes e Tarsila do Amaral Óleo sobre tela, 1928 artífices, que tinham como objetivos “habilitar os fi- lhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, e fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, es- cola do vício e do crime...”.12 Apesar de seu caráter predominantemente assis- tradicionais de produção no país. Um marco da cons- tencialista, essas escolas determinaram o início de trução dessa nova ordem econômico-social republi- uma presença mais explícita, embora moralizadora, cana, estabelecida com base no setor cafeeiro, foi a do governo com relação ao ensino profissional no fundação, em 1904, do Centro Industrial do Brasil país, até então sustentado por iniciativas privadas. A (CIB).11 Reforma Rivadávia Corrêa e a Reforma Carlos Maximi- Da mesma forma que a alta dos preços do café liano, respectivamente de 1911 e 1915, buscaram re- ensejou o desenvolvimento de plantações da Ve- gulamentar o ensino secundário e superior no país.13 nezuela, Haiti e Costa Rica e o surgimento de novas Mas essa prosperidade econômica, dependente áreas produtoras na Guatemala, El Salvador, México da produção cafeeira, iria mudar de rumo. A ativida- e Colômbia, o aumento da oferta mundial do pro- de industrial, que, a despeito dos esforços dos pio- duto fez despencar os preços no mercado interna- neiros, não havia conseguido sobrepujar as barreiras cional. A crise de superprodução levou os cafeicul- ao seu crescimento, iria galgar novos patamares a tores a forçarem a assinatura, em 1906, do Convênio partir de 1914. de Taubaté, pelo qual o governo se comprometia a Com a eclosão da I Guerra Mundial, o comércio in- comprar o excedente da produção e esperar melho- ternacional sofreu um drástico desaquecimento, im- res condições de mercado. Com isso, o preço voltou pondo dificuldades à exportação do café brasileiro. a subir e os altos lucros estimularam os cafeicultores Os fazendeiros e comerciantes, impossibilitados de a continuar produzindo café. aplicar seus capitais na expansão da lavoura cafeeira, O ensino profissional, que passou a ser respon- sentiam-se atraídos a investir na indústria, favorecida sabilidade do Ministério da Agricultura, Indústria e também pelo crescimento do mercado interno de Comércio, buscava incentivar o desenvolvimento bens de consumo duráveis – têxteis, vestuário, mó- industrial, comercial e agrícola. Foram fundadas, à veis etc. – e não duráveis – bebidas, alimentos etc. 26
  • 28. Os sinais de progresso, extravasando as fronteiras e elaborá-la. Até então, as várias iniciativas no cam- de uma promissora atividade industrial, traduziam- po da educação profissional no Brasil haviam sido se, então, em mudanças na vida brasileira. A aurora esporádicas, descontínuas, e sem um planejamento do novo século coincidia com as ações do movimen- nacional efetivo. Com isso, no final do século XIX a to sanitarista voltadas para o controle das endemias, formação do trabalhador brasileiro ainda lembrava o que punham em risco o desenvolvimento nacional. processo de aprendizagem das antigas corporações Mas se deparava também com as manifestações de medievais: trabalhadores que, inspirados nos operários norte- americanos e europeus, lutavam por melhores con- O aluno era admitido na oficina como aprendiz, pas- dições de vida e trabalho. sando a receber as noções gerais sobre o ofício esco- Em 1917, ao mesmo tempo que um grande mo- lhido, no próprio trabalho. O aprendiz era colocado vimento grevista praticamente paralisou a cidade ao lado de um operário adulto a quem começava por de São Paulo, uma orgulhosa e ascendente elite em- auxiliar, terminando por se tornar um ‘operário efetivo’ presarial inaugurava a Primeira Exposição Industrial como ele (CUNHA, 2000, p. 124). no suntuoso Palácio das Indústrias, edifício especial- mente construído para este fim: Para permitir a pesquisa referente à disponibili- dade de matéria-prima no território brasileiro, foram No pátio da Exposição Industrial de Água Branca, foi fundadas a Estação Experimental de Combustíveis e exposto o primeiro automóvel brasileiro, o PINAR – si- Minérios (1921) e a Comissão Nacional de Siderurgia gla de Pioneiro da Indústria Nacional de Automóveis (1923), esta última integrada pelos engenheiros Er- Reunida – todo construído à mão, com materiais e pe- nesto Lopes da Fonseca Costa e Euvaldo Lodi. Além ças nacionais, inclusive o motor (GATTÁS, 1981, p. 65). disso, o Brasil abria-se para as novidades que, trazi- das da Europa, adaptavam-se às expectativas da re- Além de principal centro econômico do país, São finada elite cosmopolita, desejosa de se diferenciar Paulo tornava-se também o maior pólo de organiza- culturalmente dos segmentos sociais locais tidos ção de trabalhadores brasileiros. E a sociedade brasi- como incultos. leira entrava efetivamente no século XX. Promovida pelos cafeicultores e novos indus- Somente em 1920 a República reuniu as escolas triais paulistas, a Semana de Arte Moderna de 1922, profissionais existentes em sua capital sob o nome reunindo muitos intelectuais da época, foi um refle- de Universidade do Rio de Janeiro. Com isso, o país xo dos desejos de modernização e transformação passaria a contar com uma educação superior volta- cultural do país. Todavia, se algumas manifestações, da para a formação para o exercício das profissões. como as artes plásticas, a literatura e o teatro, repro- Até então, segundo Anísio Teixeira (1989), julgava-se duziam os ideais modernistas europeus, o Brasil ain- que o Brasil poderia importar cultura, mas não criá-la da não apresentava um desenvolvimento industrial
  • 29. maduro, capaz de absorver os princípios defendidos ção Profissional (CFESPs), criados por diversas com- pelas vanguardas reunidas em torno de centros de panhias férreas do estado de São Paulo. Esses cursos ensino como a Bauhaus. Herdeira, ao mesmo tempo, nasceram ligados aos projetos de uma geração de do movimento inglês Arts and Crafts e da Deutscher engenheiros da Escola Politécnica que, influenciados Werkbund, a escola, fundada em 1919 na Alemanha, pelos princípios tayloristas introduzidos no país por pretendia, pela valorização da produção industrial Roberto Simonsen em 1919, apostavam na prepara- e do desenho de produtos, estabelecer uma asso- ção racional e metódica da mão-de-obra. ciação definitiva entre a arte e a tecnologia da má- A fundação da Escola Profissional de Mecânica no quina. Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, em 1924, re- O Brasil estava ainda começando a assimilar as presentou a oportunidade para que Roberto Mange, idéias desenvolvidas pelo engenheiro norte-ameri- uma das figuras mais relevantes na aplicação da psi- cano Frederick Winslow Taylor. Sua obra Princípios da cologia às questões do trabalho, colocasse em práti- Administração Científica, publicada em 1911, referia- ca seus princípios de “aprendizagem racional”, que se se às novas formas de gerenciar e organizar as in- caracterizava pela rapidez, economia e eficiência. dústrias. Convencido da ineficiência do trabalho dos operários fabris, Taylor empenhou-se em identificar Desde então, mediante a utilização da psicotécnica, o os eventuais problemas que atrasavam os tempos ensino de ofícios não se destinava apenas a dar instru- de produção. Inventou aparelhos e criou uma série ção aos pobres, mas cuidava de aproveitar os mais ap- de implementos para aperfeiçoar as formas de tra- tos, deixando em segundo plano sua antiga dimensão balho da maquinaria e agilizar as operações huma- assistencial (CUNHA, 2000, p. 133). nas. Ele instituiu também a remuneração por produ- ção, princípio baseado na idéia de que a atividade Em 1925, a Reforma Rocha Vaz buscava dar maior humana é influenciada pelas recompensas salariais eficiência ao ensino superior pela diminuição do nú- ou materiais. mero de estudantes em certos cursos e sua recon- Nessa mesma época, uma série de debates na Câ- dução para os cursos menos procurados, nos quais mara dos Deputados propunha a expansão do ensi- havia vagas disponíveis.14 No ano seguinte, um in- no profissional, estendendo-o a pobres e ricos, e não quérito foi elaborado por Fernando de Azevedo com apenas aos desafortunados. Como conseqüência das o objetivo de conhecer a situação educacional do an- discussões foi criada uma comissão especial que, co- tigo Distrito Federal. Com base nesse levantamento, nhecida como Serviço de Remodelagem do Ensino seria feito o primeiro projeto educacional no Brasil Profissional Técnico, daria origem aos ministérios da que, além de abranger o ensino primário, o secun- Educação e Saúde Pública e do Trabalho, Indústria e dário, o normal e o superior, dava ênfase ao ensino Comércio. As primeiras escolas profissionais corpora- técnico-profissional e ao papel da administração pú- tivas foram os Centros Ferroviários de Ensino e Sele- blica nesse campo. 28
  • 30. O amadurecimento da indústria paulista ficou to Simonsen, demonstrava uma mentalidade nova, 17. Primeira diretoria do Ciesp marca a presença de demonstrado com a criação, em 1928, do Centro das que iria se refletir nas várias ações em direção a uma importantes industriais do Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp),15 que, sob modernização das condições fabris e educacionais. país à época. Da esquerda para a direita, sentados: a presidência de Francisco Matarazzo, originou-se de Assim, a segunda década do século XX encer- Horácio Lafer, Jorge Street, Francisco Matarazzo, uma mobilização histórica que constituiria um passo rava-se deixando as bases para o desenvolvimen- Roberto Simonsen e Plácido importante em direção à primeira “revolução indus- to econômico que seria experimentado nos anos Meirelles. Em pé: Antônio Devisate, José Ermínio de trial” brasileira. seguintes. O trabalho passava a ser depositário da Moraes, Carlos von Bulow e O período, marcado pela ascensão de grandes in- educação e da pesquisa científica, que, por sua vez, Alfredo Weisflog Fotografia, 1928 dustriais, tais como Francisco Matarazzo, José Ermí- adaptavam-se às necessidades da produção, pro- rio de Moraes, Carlos von Bulow, Plácido Meirelles, movendo um encontro que favorecia a racionalida- Manuel Guilherme da Silveira, Horácio Lafer, Pandiá de necessária à construção de uma moderna socie- Calógeras, Jorge Street, Antônio Devisate e Rober- dade industrial. 29
  • 31. 30
  • 32. A ’revolução industrial’ brasileira ’lairtsudnI oãculover‘ 31
  • 33. 32
  • 34. O período que se convencionou chamar aqui de Um dos setores menos afetados pela conjuntura 18. Desfile de operários da Companhia Siderúrgica “revolução industrial” brasileira representou a tran- mundial foi a indústria. A emissão de moedas para Nacional, 1º de maio de 1942 sição definitiva da manufatura para uma economia atenuar as dificuldades da agricultura fez com que o Computação gráfica Página 30 predominantemente industrial. A consolidação do mercado interno, destino de quase toda a produção 19. Propaganda do Simca processo produtivo no Brasil adveio das significativas fabril da época, se tornasse o fator mais dinâmico da Chambord publicada na transformações que marcaram os cenários nacional e economia. Com isso, houve uma progressiva substi- revista O Cruzeiro, dezembro de 1960 internacional nos anos 30 do século XX. tuição das atividades agroexportadoras pelas indus- Detalhe O mundo vivia então sob o efeito da crise defla- triais, que prosperavam impulsionadas pelas pos- grada com a quebra da Bolsa de Nova York em 1929. sibilidades de lucro e pela atração de capitais antes Entre outras coisas, o desequilíbrio econômico pro- dirigidos à exportação. vocava a ausência de um mercado para a produção O movimento revolucionário de 1930, deflagrado agrícola, a ruína dos produtores rurais e o desempre- depois de uma série de levantes militares, represen- go urbano. tou uma reação contra o predomínio político do setor A conjuntura internacional, que se refletia no Bra- cafeeiro. E, muito embora depois da Revolução Cons- sil impondo obstáculos às exportações brasileiras e titucionalista de 1932 o governo provisório tivesse provocando um aumento significativo dos preços concedido benefícios para os produtores de café, os dos produtos importados, obrigou o governo a to- quadros oligárquicos tradicionais seriam substituí- mar medidas efetivas. E embora o controle cambial, dos no poder pelos militares, pelos jovens políticos e, os empréstimos especiais, a moratória e a queima mais adiante, pelos novos industriais. dos estoques de café tenham conseguido minimizar Num primeiro momento, a expansão do setor in- os efeitos da crise, não foram suficientes para evitar dustrial valeu-se da capacidade já instalada no país: uma onda de falências. a produção da indústria têxtil, por exemplo, aumen- 33
  • 35. tou substancialmente nos anos que se seguiram à leo por indústrias nacionais passou a ser bandeira de Depressão. Outro fator determinante do crescimen- luta dos grupos que rechaçavam a participação es- to industrial à época foi a possibilidade de adquirir trangeira na gerência das indústrias de base. equipamentos de segunda mão dos países mais A visão da formação profissional para o exercício fortemente atingidos pela crise. Mais adiante, a ele- de funções nos postos de trabalho, segundo os pa- vação dos preços dos produtos importados e o cres- drões do regime industrial e do trabalho assalariado cimento da demanda criaram as condições para a capitalista, tornava-se hegemônica, em função da instalação de indústrias de bens de capital: crescente demanda por mão-de-obra qualificada e da apropriação das novas teorias relativas à eficiên- a economia não somente havia encontrado estímulo den- cia e à produtividade do trabalho. tro dela mesma para anular os efeitos depressivos vindos Duas medidas importantes vieram efetivar, em de fora, mas também havia conseguido fabricar parte 1930, a política voltada para o fortalecimento do se- dos materiais necessários à manutenção e expansão de tor industrial. Em 14 de novembro, o governo insti- sua capacidade produtiva (FURTADO, 1977, p. 199). tuiu o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (Mesp), que além de representar uma res- O governo provisório de Getulio Vargas deu início posta tardia aos anseios do movimento sanitarista a um período marcado pelo aumento gradual da cen- da Primeira República, prenunciava uma reformula- tralização do poder e pela intervenção estatal na eco- ção do ensino destinado à promoção da educação nomia e na organização da sociedade. O Estado que sobre novas bases.1 Poucos dias depois, foi criado o surgia após 1930 distinguia-se também dos demais Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), governos republicanos pela prioridade conferida marcando o início de uma efetiva atuação estatal no à industrialização. Entre as estratégias de governo, processo produtivo.2 constava o estabelecimento de uma nova relação Constituíram marcas desse período as iniciativas com os trabalhadores urbanos, que deveriam inte- de estatização das reservas minerais do país e o pa- grar uma aliança de classes promovida pelo poder pel das Forças Armadas como fator de garantia da estatal. ordem e de suporte para a criação das indústrias de À medida que avançava a industrialização, au- bens de produção. mentava a polêmica sobre a participação do inves- Nos Estados Unidos, o desenvolvimento industrial timento estrangeiro na economia. Se, por um lado, ganhou importante impulso a partir das propostas e esses capitais poderiam contribuir para impulsionar ações de Henry Ford, o primeiro empresário a aplicar o crescimento, por outro o discurso nacionalista en- a montagem em série e a produzir automóveis em carava as empresas estrangeiras como exploradoras massa, em menos tempo e com menor custo. Inven- e não como parceiras do Brasil. Com a ascensão de tor da linha de montagem, Ford foi um pioneiro do Vargas ao poder, a exploração do ferro e do petró- capitalismo do bem-estar social, concebido para me- 34
  • 36. lhorar a situação dos seus trabalhadores e reduzir a O sistema de proteção ao trabalho foi aprimora- 20. Presidente Getulio Vargas Fotografia, 1937 alta rotatividade de mão-de-obra. do com o advento dos Institutos de Aposentadoria Detalhe Reunidas sob a denominação de modelo fordis- e Pensões (IAPs),6 que tratavam da assistência previ- ta, as idéias desse empreendedor norte-americano, denciária aos trabalhadores. Depois dos ferroviários, além de revolucionarem o pensamento da época, outras categorias seriam beneficiadas, inclusive a dos contribuíram para desenvolver a mecanização do industriários, com a criação do Instituto de Pensão e trabalho, a produção em série, a padronização do Aposentadoria dos Industriários, o IAPI. 7 maquinário e do equipamento e, por conseqüência, Além dessas iniciativas estatais foi fundado, em o design dos novos produtos. Com a separação entre 23 de julho de 1931, em São Paulo, o Instituto de Or- o trabalho intelectual e o trabalho manual, o operá- ganização Racional do Trabalho (Idort), que, estrutu- rio não era estimulado a pensar, e sim a realizar a sua rado nos moldes da Taylor Society8 norte-americana, tarefa de forma a garantir maior produtividade. E o passou a divulgar no Brasil o processo racionalista Brasil de 1930 não estava alheio a essa nova ordem: de trabalho. Liderada pelo engenheiro Armando de “O Taylorismo[-fordismo] foi introduzido em nossas fá- Salles Oliveira e pelo professor Roberto Mange, a bricas, sem o alarde e a propaganda das décadas an- instituição resultou da junção de dois grupos: de um teriores: a prática industrial substituiu o discurso” (VAR- lado, havia os empresários paulistas interessados na GAS, 1985, p. 182) administração científica do trabalho, de outro, os es- Não tardou para que a educação, que adquiria uma tudiosos da psicofísica, que buscavam estabelecer a dimensão efetiva no novo contexto histórico, fosse interação entre homens e máquinas. objeto dos vários instrumentos legais instituídos em No Brasil de então, o processo de inovação deve- 1931. Primeiramente foi criado o Conselho Nacional ria estar a cargo de instituições formadas por técnicos de Educação (CNE),3 e três dias depois, o documento capacitados a desenvolver atividades que pudessem conhecido como Estatuto das Universidades Brasilei- combinar o aperfeiçoamento e racionalização das ras dispunha sobre o ensino superior, determinan- técnicas de produção com a distribuição eficiente do a investigação científica em todos os domínios dos produtos no mercado interno. do conhecimento humano.4 Em seguida a Reforma À medida que as relações capitalistas de produ- Francisco Campos passou a regulamentar o ensino ção iam se consolidando, foram sendo implementa- secundário.5 dos também os meios de conjugar os interesses dos No âmbito do ensino profissional, surgiu a Inspe- trabalhadores com as exigências da produção. As toria do Ensino Profissional e Técnico, que, destinada antigas associações, criadas nas primeiras duas déca- a exercer um controle sobre as escolas de aprendi- das do século XX, davam lugar às organizações sindi- zes-artífices, seria transformada, em 1934, na Supe- cais controladas pelo Ministério do Trabalho. Coube rintendência do Ensino Profissional, vinculada ao Mi- ao então ministro Lindolfo Collor dar andamento a nistério da Educação. um conjunto de medidas que visavam alterar as re- 35
  • 37. 21. Segunda sessão do lações de trabalho. Essa política teve início com a Lei Conselho Universitário da USP, posse do reitor de Sindicalização, que fazia com que as organizações Reynaldo Porchat sindicais de empresários e trabalhadores desempe- Fotografia, 1934 nhassem a função de órgãos de colaboração com o Estado.9 Após instituída a carteira profissional como documento obrigatório para registro dos contratos de trabalho, foram constituídas as Juntas de Conci- liação e Julgamento para arbitrar os conflitos traba- lhistas. Nessa época, inspirados pelas teorias de John Dewey10 e Émile Durkheim,11 26 intelectuais brasilei- ros, sob a liderança de Fernando de Azevedo, apre- sentaram, na IV Conferência Nacional de Educação (1932), o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, somar às três universidades federais existentes até que tinha como principais metas a laicização, gra- então: a do Rio de Janeiro (1920), a de Minas Gerais tuidade, obrigatoriedade e co-educação do ensino. (1927) e a do Rio Grande do Sul (1934). Esse documento acabou se tornando a base para os Um marco importante no processo da construção decretos que, promulgados entre 1932 e 1934, mini- público-institucional seria a Constituição de 1934. mizavam as distinções curriculares entres as escolas Pela primeira vez na história do país, a educação pós-primárias, dirigidas aos futuros operários, e as mereceu destaque: o governo tomou para si a res- escolas secundárias, destinadas aos futuros adminis- ponsabilidade pelo estabelecimento das diretrizes e tradores e profissionais liberais.12 Além disso, foram pela fixação do Plano Nacional de Educação (artigo instituídas escolas técnicas, que ofereciam cursos in- 1º da Constituição promulgada em 16 de julho de dustriais e comerciais. 1934). No mesmo ano, surgiu o Conselho Federal de Por iniciativa das federações das indústrias de Comércio Exterior (CFCE), um organismo pioneiro de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de planejamento econômico, ao qual cabia decidir so- Janeiro, foi criada, em 25 de janeiro de 1933, a Confe- bre o dispêndio dos recursos internos. Euvaldo Lodi deração Industrial do Brasil (CIB), com o objetivo de foi escolhido por Vargas para integrar o recém-criado congregar os sindicatos e as associações industriais conselho, órgão diretamente ligado ao presidente, existentes. Esses estados, que apresentavam então que tinha como missão colaborar na definição da um maior desenvolvimento econômico e social, se- política econômica do governo. diaram também as primeiras instituições universitá- A teoria desenvolvimentista defendia a priorida- rias do país. Em 1934, foi fundada, em âmbito esta- de dos financiamentos e subsídios para a indústria, a dual, a Universidade de São Paulo, USP,13 que veio se garantia de infra-estrutura básica (energia, transpor- 36
  • 38. tes) e a proteção aos produtos nacionais diante da mesmo ano foi fundada a Aliança Nacional Liberta- 22. O presidente Getulio Vargas recebeu a primeira concorrência externa. E não tardou para que as pro- dora (ANL), que, integrada por correligionários como carteira de trabalho da vidências estatais se voltassem para o setor siderúr- Luís Carlos Prestes e Carlos Lacerda, promoveu a in- história do Brasil, 1931 gico. O Departamento Nacional da Produção Mineral surreição de 1935. Embora o movimento tenha sido 23. Presidente Getulio Vargas com Euvaldo Lodi (DNPM) foi criado em 1934 para coordenar todo o sufocado, os conflitos políticos que se sucederam ge- Fotografia, 1940 sistema de extração de minérios do país.14 raram um clima de insegurança. Temerosas de uma Mas o governo enfrentava oposições de direita contra-revolução, as elites e a classe média apoiaram e de esquerda. Diversos acontecimentos políticos, Getulio Vargas no golpe que implantou o Estado tais como movimentos grevistas, choques entre in- Novo em 1937. tegralistas e antifascistas ocorridos no Brasil entre Contando com o respaldo político para desen- 1934 e 1937, culminaram na promulgação, em abril volver os programas de governo, Vargas fortaleceu o de 1935, da Lei de Segurança Nacional (LSN). Nesse processo de substituição das importações, por meio de investimentos na indústria local e do controle do Estado sobre as indústrias de base e os setores res- ponsáveis pela infra-estrutura. Depois do fechamen- to do Congresso e do cancelamento das eleições presidenciais previstas para 1938, Getulio Vargas ou- torgou, em 10 de novembro de 1937, a quarta Cons- tituição do país, que, conhecida como “Polaca” por ter sido baseada na Constituição autoritária da Polônia, tinha como característica principal a concentração de poderes nas mãos do chefe do Executivo. Embora desconsiderasse as matérias sobre edu- cação constantes da Carta Magna anterior, a Cons- tituição de 1937, em seu artigo 129, dava ênfase às escolas pré-vocacionais: O ensino pré-vocacional profissional destinado às clas- ses menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Muni- cípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.15 37