I. A Associação SOS Terrenos de Marinha propõe um mandado de segurança coletivo contra o Superintendente do Patrimônio da União em Pernambuco por um ato ilegal e abuso de poder.
II. O ato ilegal foi a publicação de um edital genérico sobre a demarcação da linha de preamar média de 1831 em quatro municípios sem notificar pessoalmente os proprietários afetados.
III. A associação alega legitimidade para representar os proprietários afetados e pede
Mapa de circulação proibição de giros rua 13 de maio e rua dos palmares
Mandado de Segurança Coletivo para Defesa dos Direitos dos Titulares de Terrenos de Marinha
1. EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ___ VARA FEDERAL DO
ESTADO DE PERNAMBUCO
ASSOCIAÇÃO DOS TITULARES DE DIREITOS DE OCUPAÇÃO E DE
DOMÍNIO ÚTIL DE TERRENOS DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO (ASTPU),
nome de fantasia S.O.S. TERRENOS DE MARINHA, pessoa jurídica de Direito
Privado, inscrita no CNPJ sob o número 10.778.889/0001-96, registrada no 1º
Cartório de Registro de Títulos e Documentos e Registros Civil das Pessoas
Jurídicas conforme registro no microfilme nº 803677 daquele tabelionato, com
sede na Rua Emboabas, nº 149, no bairro de Santo Amaro, Recife-PE, por
seus procuradores e advogados assinados no fecho desta inicial e legalmente
constituídos através do instrumento de procuração anexo (doc. 1), vem, com
supedâneo no artigo 5º, LXIX e LX, da Constituição Federal c/c Lei 12016/09,
propor o presente
MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO
com pedido urgente de liminar
em face de ato de autoridade da lavra do ilustríssimo senhor PAULO
ROBERTO FERRARI LUCAS ALVES, na qualidade de SUPERINTENDENTE
DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM PERNAMBUCO, com endereço profissional
na avenida Alfredo Lisboa, 1168, 5º andar, sala 506, bairro do Recife, Recife-
PE, sendo, portanto, servidor público federal integrante dos quadros funcionais
da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de Direito Público interno, representada
pela Advocacia Geral da União, com sede na Rua Quarenta e Oito, n° 149,
2. Encruzilhada, nesta cidade, e que pode acarretar lesão a direito coletivo líquido
e certo, em vistas dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir:
I – LEGITIMIDADE DA S.O.S. TERRENOS DE MARINHA PARA A
PROPOSITURA DO PRESENTE MANDAMUS
Destaque-se, ab initio, que não se pode confundir os casos típicos de
substituição processual em que o sindicato ou associação atuem em juízo na
defesa de seus associados, trazendo em juízo situação particular de cada um,
pois nesses casos estar-se-ia tratando de uma demanda individual com apenas
uma aparência coletiva.
Registre-se, portanto, que para ser coletiva a demanda, o direito deve
recair sobre um objeto indivisível, sendo o seu titular o grupo, a categoria ou
uma classe de pessoas vistas em seu conjunto.
Ora, a requerente se encaixa perfeitamente nesse perfil jurídico, sendo
uma associação civil sem fins lucrativos e que cuida exatamente dos interesses
da coletividade vilipendiada pela arcaica, ilegal e abusiva legislação que trata
dos terrenos de marinha e seus acrescidos.
Segundo Ana Maria Scartezzini (Aspectos Polêmicos da Ação Civil
Pública, 2ª edição, Editora Saraiva, pg. 15):
A legitimação de entidades associativas na defesa de interesses coletivos
e difusos, enfim direitos de massa, é a característica em diversos países,
onde o papel de tais entidades e de órgãos governamentais a esse fim
destinados vem sendo destacado como fundamental; no entender de
Cappelletti, como já mencionado, o Ministério Público não reuniria as
condições necessárias para desempenhar essa função, em que pese sua
importância na sociedade atual.
A legitimação processual das entidades associativas vem prevista no
art.5°, XXI, da Constituição Federal: “As entidades associativas, quando
expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados
judicial ou extrajudicialmente”.
Importante transcrever voto do min. Mauricio Corrêa (RE 195.056-1/PR,
obra citada, pg. 22):
Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses
homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base
jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a
grupos, categorias ou classes de pessoas, que enquanto digam respeito
às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais
para o fim de ser vedada a sua defesa em Ação Civil Pública, porque sua
concepção finalística destina-se a proteção desses grupos, categorias ou
classes de pessoas.
3. Em suma, o que estabelece o art. 5°, XXI, da Constituição Federal, é o
instituto da representação coletiva via uma entidade associativa, para fazer a
defesa daqueles que encontram dificuldades, por quaisquer motivos, para o
ingresso “normal”, em juízo em defesa de seus interesses, de seus invocados
direitos, propiciando-lhes o apoio e as facilidades decorrentes de uma
organização social.
Ainda a respeito da legimitidade para propositura do presente mandado
de segurança, é oportuno transcrever o entendimento de Celso Ribeiro Bastos:
O requisito que o texto constitucional estabelece é o de que as entidades
associativas estejam expressamente autorizadas, o que significa dizer
que ela deverá comportar, dentro do rol dos seus fins sociais, o da defesa
de direitos de seus membros.
Mas é bem de ver que a dita autorização só pode versar sobre matéria
pertinente e aos fins sociais da própria entidade. Seria uma interpretação
inadequada ao texto imaginar-se que estaria ela a conferir a possibilidade
de constituírem-se procuradores universais (Comentários à Constituição
do Brasil, Saraiva, 2º volume, pg. 114).
Convém frisar que esta ASSOCIAÇÃO DOS TITULARES DE DIREITOS
DE OCUPAÇÃO E DE DOMÍNIO ÚTIL DE TERRENOS DO PATRIMÔNIO DA
UNIÃO (ASTPU), ou S.O.S. TERRENOS DE MARINHA, criada em 12 de
março de 2009, entre outros objetivos e finalidades especificados no Art. 2º dos
seus Estatutos Sociais (doc. 2), está legitimada para:
I – Prestar serviços de assistência jurídica, inclusive mediante o
ajuizamento de ações individuais e coletivas, diretamente ou através de
terceiros, sempre que a natureza da demanda envolver titulares de
direitos de ocupação e de domínio útil de imóveis do patrimônio da União.
O essencial para a impetração, pois, é que o impetrante, pessoa jurídica,
tenha prerrogativa de direito, próprio ou coletivo, a defender e que esse direito
se apresente líquido e certo ante o ato impugnado.
Ora, no aclamado livro Mandado de Segurança e Ações Constitucionais
(Malheiros Editores, 32ª edição, pg. 36), de Hely Lopes Meirelles, Arnaldo Wald
e Gilmar Ferreira Mendes, é posto de forma inequívoca que o objeto do
mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão de
autoridade, desde que ilegal ou ofensivo a direito individual ou coletivo, líquido
e certo, do impetrante. É o ato administrativo específico.
A Constituição de 1988 admitiu o mandado de segurança coletivo, a ser
impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, por
organização sindical, por entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano (CF Art. 5º, LXX).
A Lei 12016/09 consagrou a prática de que a impetração será sempre
em nome próprio da entidade, da totalidade ou parte de seus filiados, e que
deverá representar iniciativa em defesa de um direito ou uma prerrogativa a
defender em juízo (Art. 21).
Algumas decisões, porém, ampliaram o escopo do mandado de
segurança coletivo, admitindo-o quando o interesse foi de “coletividade menor”,
4. mas “coletividade inserida na maior”. “Uma decisão da 1ª Seção do STJ
reconheceu legitimidade a um sindicato para a impetração coletiva em favor de
uma parcela da categoria profissional. O STF acabou editando a Súmula nº
630, segundo a qual a entidade de classe tem legitimação para o mandado de
segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte
da respectiva categoria (obra citada, pg. 123)”.
Vejamos o que dispõe a Lei 12016/09 sobre o mandado de segurança
coletivo:
Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido
político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus
interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária,
ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de
direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou
associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas
finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.
Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança
coletivo podem ser:
I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de
natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas
ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;
II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os
decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da
totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.
Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada
limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo
impetrante.
§ 1o O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as
ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o
impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu
mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência
comprovada da impetração da segurança coletiva.
§ 2o No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser
concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de
direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas)
horas.
Finalmente, cabe ressaltar ante o leque de ações judiciais impetradas
contra a Secretaria do Patrimônio da União no Estado de Pernambuco, que:
A regra em mandado de segurança é a inexistência de prevenção de
competência por impetração anterior entre as mesmas partes e com
pedidos conexos ou conseqüentes. Isto porque cada impetrado representa
um feito processual autônomo. Não se aplicam, portanto, à ação de
segurança as normas dos arts. 102 a 106 e 253 do CPC, concernentes à
prevenção por conexão ou continência. Nem se pode considerar a
impetração como feito acessório de qualquer outra causa por mais
abrangente que seja a ação precedente (obra citada, pg. 133)”.
5. II - DO ATO ILEGAL E DO ABUSO DE PODER PELO SUPERINTENDENTE
DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM PERNAMBUCO
Trata-se de ato praticado por autoridade pública – o Superintendente do
Patrimônio da União em Pernambuco –, com poder de decisão e competência
para praticar ato administrativo decisório, o qual, por ensejar a demarcação,
sem adoção de qualquer metodologia e critérios científicos, da posição da
linha de preamar média de 1831, no trecho territorial iniciado no lado esquerdo
do rio Timbó, em seu estuário, na divisa com o município de Paulista e
Igarassu até a divisa com o estado da Paraíba, compreendendo os municípios
de Igarassu, Itamaracá, Itapissuma e Goiana, todos em Pernambuco, comete
ilegalidade e abuso de poder.
Ilegalidade e abuso de poder ao fazer publicar o EDITAL Nº 01/2010,
em 04 de agosto de 2010, na página 17 do Diário Oficial do Estado de
Pernambuco, com o único intento de arrecadar com o pagamento de taxas de
ocupação e laudêmios pelos desavisados proprietários de imóveis dos
municípios pernambucanos de Igarassu, Itamaracá, Itapissuma e Goiana, os
quais não foram nem nunca serão intimados ou notificados pessoalmente para
contestar tal demarcação. Contudo, caso não haja uma ação decisiva dessa
Justiça Federal ante esta impetração pela SOS Terrenos de Marinha de
mandado de segurança, muito em breve receberão em seus lares os
famigerados boletos bancários da SPU, uma aberração jurídica com valores
superiores inclusive àqueles correspondentes ao Imposto Territorial e Predial
Urbano (IPTU).
Ilegalidade e abuso de poder que se manifesta no teor do mencionado e
genérico (ao invés da intimação pessoal dos interessados certos) Edital nº
01/2010, a seguir transcrito e publicado em 04/08/2010 no Diário Oficial de
Pernambuco:
SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM
PERNAMBUCO
COMISSÃO DE DEMARCAÇÃO DA LPM/1831 DA SPU/PE
LITORAL NORTE DE PERNAMBUCO
EDITAL Nº 01 / 2010.
Pelo presente, afixado e publicado segundo o disposto no art.
12 do Decreto-lei nº 9.760 de 5 de setembro de 1946 e ON-
GEADE- 002 de 12 de março de 2001, ficam convidados todos
os interessados na determinação da posição da Linha de
Preamar Média de 1831, no trecho iniciado no lado esquerdo do
rio Timbó, em seu estuário, na divisa com o Município de
Paulista e Igarassu até a divisa com o Estado da Paraíba
compreendendo os Municípios de Igarassu, Itamaracá,
Itapissuma e Goiana, no Estado de Pernambuco, para, no prazo
de sessenta (60) dias, a contar da publicação deste, conforme
estabelece o art. 11 do Decreto-lei nº 9.760/46, oferecer a
estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outros
6. esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no
trecho acima indicado, a fim de possibilitar a melhor execução
dos trabalhos demarcatórios a cargo desta Superintendência.
Os interessados serão atendidos, para qualquer
esclarecimento, nos dias úteis, das 8:00 às 12:00 horas, na sede
da Superintendência do Patrimônio da União em Pernambuco
localizada na Avenida Alfredo Lisboa, nº 1168, 5º andar, sala
506, Bairro do Recife, Recife-PE.
Superintendência do Patrimônio da União em
Pernambuco.Recife-PE, 04 de fevereiro de 2010.
PAULO ROBERTO FERRARI LUCAS ALVES
Superintendente do Patrimônio da União em Pernambuco
(grifos nossos)
Para J. Cretella Junior (comentários à Lei do Mandado de Segurança, 4ª
edição, editora Forense, pg. 80):
Se o ato de autoridade fere direito líquido e certo de alguém, configura-se
o arbítrio, consistente na lesão frontal de texto de lei. O ato arbitrário é ato
ilegal. A nosso ver ilegalidade é gênero de que abuso de poder é espécie.
Não há um só caso de abuso de poder que não configure também a
ilegalidade. Abuso de poder é o exercício irregular do poder.
Segundo Antônio Houaiss, abuso é o uso excessivo ou imoderado do
poder. No Direito Administrativo brasileiro, abusar é extravasar o uso da
competência, desvirtuando para o campo da arbitrariedade.
Ora, no caso enfocado, o abuso de poder é disfarçado com a
máscara da legalidade.
Isso porque a legislação incidente sobre a matéria remonta ao ano de
1831 (aviso de 18 de novembro de 1818: “... que 15 braços da linha d’água do
mar, e pela sua borda são conservadas para servidão pública; e tudo o que
toca a água do mar e acresce sobre ela é da nação”) e tem sido polemizada
ao longo da História, como também o Decreto-Lei nº 9760, de 05/09/1946,
que “Dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências” e a Lei
nº 9636, de 15/05/1998, que “Dispõe sobre a regularização, administração,
aforamento e alienação de bens imóveis ou domínio da União, altera
dispositivos dos Decretos-Leis 9760, de 05/09/1946, e 2398, de 21/12/1987,
regulamenta o § 2º do Art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, e dá outras providências”.
Essa máscara de legalidade se manifesta ainda através da Lei
11481/2007 (doc. 3 anexo) em cujo Art. 5º é dada nova redação ao Art. 11 do
Decreto-Lei 9760, fulminando os princípios constitucionais indeclináveis do
contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, por falta de
intimação pessoal dos ocupantes dos imóveis com registro no Cartório de
Registro de Imóveis (como adiante se verá de forma mais acurada no capítulo
DO DIREITO A INTIMAÇÃO PESSOAL DOS INTERESSADOS CERTOS),
7. sendo causa da fundamentação jurídica do ato administrativo ora impugnado,
como segue:
REDAÇÃO ANTERIOR
Art. 11. Para a realização do trabalho, o S. P. U. convidará os
interessados, certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no
prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo, se assim lhes convier,
plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos
compreendidos no trecho demarcando.
NOVA REDAÇÃO
Art. 11. Para a realização da demarcação, a SPU convidará os
interessados, por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias
ofereçam a estudo plantas, documentos e outros esclarecimentos
concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando.
(grifos nossos)
Ilegal e abusivo o Edital 01/2010 referido, como ilegal e abusiva é a
Orientação Normativa ON GEADE 02 (aprovada pela Portaria nº 162, de
21/09/2001, publicada no DOU de 21/09/2001, boletim nº 915 do Ministério do
Planejamento – anexado como doc. 4), cujo objetivo é estabelecer as
diretrizes e os critérios para a demarcação de terrenos de marinha e seus
acrescidos, naturais ou artificiais, por meio da determinação da posição da
Linha de Preamar Média de 1831-LPM e da Linha Limite dos Terrenos de
Marinha-LTM.
Tal Orientação Normativa, que disciplina a demarcação dos terrenos de
marinha e seus acrescidos, estabelece, no seu item 4.17.6, simplesmente que:
O Secretário do Patrimônio da União designará, por portaria, 3 (três)
servidores para formarem a Comissão de Demarcação, que será
responsável pelos trabalhos de posicionamento da LPM, ainda que
decorrentes de serviços terceirizados.
Pasme V. Exa!: 3 (três) servidores aos quais a citada orientação
normativa não exige qualquer grau de instrução superior, como um engenheiro
cartográfico, por exemplo, ou, melhor ainda, um oceanógrafo, o qual pudesse
examinar mapas e documentos relacionados ao litoral pernambucano
porventura existentes e originários do distante ano de 1831 e que, no entanto,
consoante item 4.17 da referida orientação normativa, é a essa tal comissão a
quem competirá, como uma espécie de Superior Tribunal, analisar, prover e
concluir os trabalhos de demarcação, como abaixo transcrito:
A Comissão de Demarcação deve analisar todas as contribuições
recebidas para estudo, referentes ao edital do Art. 11 do Decreto-Lei 9760,
de 1946.
No Edital 01/2010 da SPU-PE há também a designação de uma
Comissão de Demarcação para funcionar como um Superior Tribunal, na
verdade algo como um “Conselho de Guerra do Exército de Brancaleone”.
8. Não pode ser levado a sério um ato de autoridade administrativa que
sem procurar definir e submeter às instâncias científicas da sociedade os
critérios de demarcação da LPM de 1831 nos municípios históricos
relacionados no mencionado edital 01/2010, busca fazê-lo de toda forma,
mesmo abusando da autoridade que lhe foi conferida, em nome de uma
comissão de servidores de órgão que, pelo menos neste estado, não tentou ou
tenta se capacitar, para isso, mediante realização de concursos públicos.
Tese de Doutorado do engenheiro cartógrafo Obéde Pereira de Lima,
prestada à Universidade Federal de Sana Catarina (doc. 5 anexo) no ano de
2002, responde à indagação fundamental da questão: a LPM/1831 vem sendo
cientificamente localizada pelas SPUs com vistas à demarcação dos terrenos
de marinha e seus acrescidos? Segundo o citado cartógrafo:
Os critérios adotados pelo órgão gestor da demarcação destes bens
dominicais, que ao longo de toda a sua história são baseados em
conceitos que levam a uma LPM/1831 presumida, pela falta de adoção
de procedimentos técnicos científicos que possibilitem suas demarcações
com exatidão e precisão, ferem frontalmente a definição contida na
legislação em vigor há quase dois séculos, ocasionando invasão nas
propriedades alodiais com as quais se limitam (tese citada, resumo, grifos
nossos).
Para o renomado professor, somente com a instituição de rigoroso
trabalho científico, que compreenda a utilização da ciência da Hidrologia,
(operacionalização por um período mínimo de um ano de uma estação
maregráfica), da Geodésia (determinação das coordenadas geodésicas de
pelo menos dois pontos extremos), da Informática (retrovisão da preamar
média do ano de 1831) e da Topografia (para definição da linha limite dos
terrenos de marinha), poder-se-á demarcar os terrenos de marinha e seus
acrescidos sem violar-se o direito líquido e certo dos legítimos proprietários dos
imóveis atingidos pelo ato administrativo.
III - DA FALTA DE ADOÇÃO DE PROCEDIMENTOS TÉCNICOS E
CIENTÍFICOS PELA SPU-PE
Ora, tanto a doutrina técnica como a jurisprudência dos tribunais de
diversas regiões do país reconhecem hoje que a demarcação da linha de
preamar média do distante ano de 1831 é tarefa complexa e de prognóstico
controvertido, fazendo por merecer uma reflexão e um aprofundamento dos
critérios porventura adotados. De modo que a simplicidade com que a Gerência
Regional de Pernambuco da SPU se refere à demarcação a ser realizada neste
estado através do referido Edital 01/2010, esconde uma mentira que vem
sendo repetida desde a década de 1960, com a primeira demarcação ocorrida
em Pernambuco e que, no momento, toma ares de verdade, como no
9. paradigma criado por Winston Churchill: de que uma mentira repetida
milhares de vezes tende a se tornar verdade.
De acordo com a pesquisadora Mariana Almeida Passos de Freitas
(Zona Costeira e Meio Ambiente, 2006, p. 174):
(...) precisar a linha de preamar média de 1831 não é tarefa simples. E é
justamente da solução desse complexo desafio que depende a
delimitação dos terrenos de marinha, ou seja, “dos 33 metros contados
desde os pontos a que chega a preamar média”, delimitação esta a ser
estabelecida pela Secretaria de Patrimônio da União.
Nos termos do Dec. Lei 9760, de 05/09/1946, devem ser usadas como
base “plantas de autenticidade irrecusável relativas àquele ano ou,
quando não obtidas, à época que do mesmo se aproxime”. É evidente a
enorme dificuldade de localização de tais plantas tendo em vista o longo
tempo decorrido. No decreto de 1946, a data escolhida deveria ter sido a
mesma em que se tivessem estabelecido referenciais cartográficos
capazes de definir a linha de preamar média, o que tampouco foi feito na
norma de 1831. É clara a dificuldade de obter plantas de autenticidade
irrecusável datadas desse ano.
Exemplo dessa dificuldade é dado por Mário Muller Romiti: “(...) em 1832
– e apenas na cidade do Rio de Janeiro – foi efetuada delimitação
parcial. Na cidade de Santos, em 1913, advertia-se que, aos 81 anos de
vigência da lei, já não se encontravam documentos que permitissem
afirmar qual seria a efetiva linha de preamar média de 1831”.
Outrossim, a linha de preamar média pode mudar de um local para outro
da costa. A costa brasileira é enorme, e a questão é saber qual referência
deve ser utilizada para a medição da linha de preamar média
estabelecida em ano tão distante.
Por fim, Carlos Roberto Soares e Rodolfo José Ângelo demonstram
exatamente a dificuldade de encontrar a linha de preamar média de 1831:
Considerando-se a extensão da costa brasileira e a rede geodésica
existente, pode-se afirmar que na maior parte da costa não há
possibilidade de delimitar a linha de preamar média atual. Fora este
aspecto, a dinâmica dos ambientes costeiros, especialmente as
praias, faz com que a linha de preamar possa mudar até mesmo
diariamente. Cabe ressaltar que a linha de preamar média
geralmente não coincide com nenhuma feição física da costa que
possa ser parcialmente identificada, tal como a linha da costa.
Para conhecer o nível da preamar do ano de 1831 deveria ser
encontrado um registro maregráfico desse ano, além da
necessidade de este estar referenciado a um marco ou nível de
referência. Este registro parece não existir para a costa brasileira.
Uma possibilidade, para se obter um dado aproximado seria, da
mesma forma que se faz uma previsão astronômica de maré para
qualquer local situado na costa, calcular a altura da preamar média
astronômica de 1831. Porém permaneceria o problema da
localização, pois não há menção no decreto-lei a um local ou a um
nível qualquer de referência.
Como dito, o professor da Universidade Federal de Santa Catarina
Obéde Pereira de Lima – o qual a S.O.S. TERRENOS DE MARINHA já trouxe
10. para Pernambuco no sentido desse pesquisador aqui fazer uma apresentação
de sua tese de doutorado em engenharia: “Localização geodésica da Linha de
Preamar Média de 1831 com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e
seus acrescidos” (doc. 5) - constatou a ação desastrada e superficial do órgão
responsável naquele estado no tocante à demarcação da LPM, lançando mão
unicamente da simples presunção, ao invés do método, como afirma a
seguir no trabalho aqui inserido aos autos:
Verifica-se no relatório referido que, em lugar da preamar média de 1831,
ou de ano que dele mais se aproxime, vem sendo usada nas zonas
fluviais e lacustres a média das máximas preamares ocorridas dentro de
certos intervalos de tempo (dois anos, referentes à época do
mapeamento), obtidas a partir das previsões constantes nas tábuas de
marés publicadas por instituições brasileiras (DHN), enquanto na costa
marítima vêm sendo utilizadas as linhas distinguidas por onde começa a
vegetação natural (não é cientificamente correto adotar a linha onde
atualmente começa a vegetação natural), conseqüentemente nas zonas
supralitorâneas onde terminam as praias, as quais passaram a ser
consideradas como as LPMs/1831.
A prática que vem sendo empregada na demarcação da LPM/1831, tanto
a relativa a adoção da média das máximas preamares quanto a de utilizar
a linha da vegetação inicial da zona supralitorânea (...) contrariam
frontalmente a legislação superior que define a LPM/1831 e, por via de
conseqüência, ameaçam o direito de posse e propriedades particulares
nas área alodiais (que a SPU não adote a linha onde começa a
vegetação natural e reveja todos os processos demarcatórios refazendo o
mapeamento cadastral destas parcelas imobiliárias).
IV – DO DIREITO À INTIMAÇÃO PESSOAL DOS INTERESSADOS CERTOS
Muito embora um sem-número de decisões da Justiça Federal e de
Tribunais Regionais tenham contrariado a União Federal, que insistentemente
e despropositadamente incorpora ao seu já vasto patrimônio imobiliário áreas
urbanas unilateralmente decretadas como “de marinha”, sem atender a um
procedimento demarcatório criterioso e à revelia dos legítimos proprietários,
entre tantos, cabe realçar a AÇÃO CIVIL PÚBLICA movida pelo Ministério
Público Federal da comarca de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, no
processo n º 2008.51.02.001657-5, a seguir transcrito.
No município de Niterói-RJ, atualmente encontram-se suspensas todas
as cobranças (foro, laudêmio, taxas de ocupação) pelas ocupações de imóveis
demarcados sem a intimação pessoal dos interessados certos, bem como
as averbações nos registros dos respectivos imóveis, sem que isso tenha
afetado à União Federal e à SPU, ou se tenha ouvido na mídia nacional
qualquer reclamação de altas autoridades do Executivo Federal. Do Ministro do
Planejamento, inclusive, a quem subordina-se a SPU, não se ouviu uma
palavra.
A seguir, a decisão referida:
11. QUARTA VARA FEDERAL DE NITERÓI
PROCESSO: 20085102001657-5
PARTE AUTORA: MINISTERIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: UNIÃO FEDERAL
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
DECISÃO
Não obstante ter esse Juízo declarado sua incompetência absoluta para
a causa (fls. 343/345), o eg. TRF 2a. Região deferiu, em sede de Agravo
de Instrumento interposto pelo Parquet Federal, efeito suspensivo ao
recurso (fls. 391/392) entendendo plausível a tese da competência do
Juízo da 4a. Vara Federal de Niterói para a presente demanda, voltando
os autos conclusos para análise do pedido de antecipação de tutela.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL propõe a presente Ação Civil
Pública em face da União Federal, objetivando, mediante antecipação de
tutela, a declaração da inconstitucionalidade incidental do art. 13, do
Decreto-Lei n.º9.760/46, na parte que determina a ciência aos
interessados através de Edital; suspensão de todas as cobranças (foro,
laudêmios, taxas de ocupações) pelas ocupações dos imóveis
demarcados a partir do processo administrativo consubstanciado pelo
Edital n.º001/97; e, remessa de ofício para os Cartórios de Registros de
Imóveis do Estado do Rio de Janeiro para anotar a suspensão das
averbações já concretizadas.
Requer, a condenação da Ré na obrigação de fazer, consistente em
retomar o curso do processo administrativo demarcatório a partir da fase
imediatamente posterior à determinação do traçado da Linha pelo Chefe
Estadual do S.P.U., referida no art.13 do Decreto-Lei n.º9.760/46,
declarando-se nulos os efeitos do Edital n.º001/2001, determinando que
a ciência dos interessados referidos no mencionado artigo, ocorra
através de intimação pessoal.
Pleiteia a retomada do processo individual de cobrança pela ocupação
das terras demarcadas e conseqüentes averbações nos Cartórios de
Registros de Imóveis, após esgotados o prazo de 10 dias para a
interposição de recurso, sem manifestação contrária dos interessados, ou
enquanto estiver pendente o efeito suspensivo de eventual recurso
administrativo interposto.
Caso deferida a antecipação de tutela, requer a parte autora sejam os
Diretores das Subseções Judiciárias Federais comunicados do teor da
decisão para ciência da demanda e avaliação da pertinência da
suspensão das demais ações em trâmite nas demais Varas do Estado
sobre a matéria, bem como seja a União condenada a intimar
pessoalmente os interessados certos que forem atingidos nos futuros
processos de demarcação que irão ocorrer no Estado do Rio de Janeiro.
Pede, por fim, a aplicação de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por
cada exigência indevida de pagamento, ou cada averbação solicitada
após a concessão da tutela, a serem revertidas para o Fundo Federal
criado a partir da Lei n.7.347/85, sem prejuízo das sanções penais
cabíveis.
O art. 273 do CPC prevê que o juiz pode antecipar total ou parcialmente
os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, requerida
pela parte e existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança
12. da alegação, bem como haja, à espécie, fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação, ou na hipótese de ficar caracterizado o
abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu,
como, também, quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela
deles, mostrar-se incontroverso; e, finalmente, no caso de requerimento
de providência de natureza cautelar, a ser deferida em caráter incidental
do processo ajuizado.
Esclarece a parte autora que, em 09 de abril de 1997, foi instaurado o
procedimento administrativo n.º10768-007612/97-20, para demarcação
da linha de preamar média (LPM) no litoral do Rio de Janeiro, iniciado
com a publicação do Edital n.º001/97, convidando todos os interessados
na determinação da posição da LPM de 1931 no Estado do Rio de
Janeiro e que, posteriormente, foi publicado o Edital n.º001/2001, em que
a Gerência Regional de Patrimônio da União no Estado do Rio de Janeiro
levava ao conhecimento dos interessados que foi determinada a posição
da LPM de 1831, nos trechos a que se referiu o Edital n.º001/97, e que
eventuais impugnações dos interessados deveriam ser apresentadas no
prazo de 10 dias contados da publicação deste edital, na forma do art.13
do Decreto-lei 9760/46. Transcorrido o prazo sem impugnações, a LPM
seria homologada por despacho do Gerente Regional da Secretaria de
Patrimônio da União - SPU.
Ressalta que após anos de omissão, nos anos de 2004 e 2005, a GRPU
passou a exigir as anotações nos registros dos imóveis atingidos e a
cobrar retroativamente as taxas de ocupações. Enviou, também, cópia
das plantas demarcatórias ao Município de Niterói, solicitando que este
não autorizasse qualquer construção nos imóveis atingidos, antes de
regularizá-los junto ao GRPU e que, após sentença proferida no processo
20045102001916-9, impedindo o aterro no entorno da Lagoa de Itaipu,
centenas de ações individuais começaram a ser protocoladas, atacando a
averbação junto aos cartórios de registros de imóveis, questionando a
legalidade da cobrança retroativa das taxas em favor da União, ante a
vício formal no processo da demarcação, por falta de intimação
pessoal dos ocupantes, contrariando os princípios da ampla defesa
e contraditório.
Para esse Juízo é inquestionável a obrigação de pagamento de taxas
pela ocupação de terras da União.
Outrossim, determinado o traçado da LPM-1831, conforme Edital
n.º001/97, era necessária a intimação dos interessados certos,
oportunizando-os a contestar a correção técnica dos traçados,
dando-se, assim, cumprimento aos ditames constitucionais
consubstanciados nos princípios da ampla defesa e do
contraditório, entendendo este Juízo que, mera intimação editalícia
não supre a necessária intimação pessoal.
No mesmo sentido, já entendeu o STJ, como na seguinte decisão:
EMENTA
ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. FIXAÇÃO DA
LINHA PREAMAR MÉDIA DE 1831. NECESSIDADE DE CITAÇÃO
PESSOAL DOS INTERESSADOS CERTOS. ART. 11 DO
DECRETO-LEI 9.760/46.
1. Para que sejam cumpridos os princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa, é necessário que os interessados
certos e com imóvel registrado no cartório de registro de imóveis
13. sejam chamados pessoalmente a participar do procedimento
administrativo de demarcação dos terrenos de marinha. A intimação
por edital só é cabível para citação de interessados incertos.
2. Recurso especial provido.
(REsp nº 572.923/SC, Rel. Min. João Otávio Noronha, 2ª Turma,
DJU-1 de 19/12/2006)
Assim, considerando a plausibilidade jurídica da pretensão, conforme
precedente supracitado do STJ, bem como o perigo de dano irreparável,
ante a inúmeras averbações nos registros de imóveis e cobranças
patrimoniais por parte da União, sem a necessária e prévia intimação
pessoal dos interessados, DEFIRO PARCIALMENTE A ANTECIPAÇÃO
DE TUTELA para que: a) sejam suspensas todas as cobranças (foro,
laudêmios, taxas de ocupações) pelas ocupações dos imóveis
demarcados a partir do processo administrativo consubstanciado
pelo Edital n.º001/97, bem como todas as averbações nos registros
dos respectivos imóveis; b) em relação às averbações já
concretizadas, sejam os Cartórios de Registros de Imóveis do
Estado do Rio de Janeiro oficiados para anotar a suspensão das
averbações já concretizadas; c) que a União retome, no prazo que
entende devido, o curso do processo administrativo demarcatório a
partir da fase imediatamente posterior à determinação do traçado da
Linha pelo Chefe Estadual do S.P.U., referida no art.13 do Decreto-
Lei n.º9.760/46, declarando-se nulos os efeitos do Edital n.º001/2001,
determinando que a ciência dos interessados referidos no
mencionado artigo, ocorra através de intimação pessoal; d) que a
União somente retome o processo individual de cobrança pela ocupação
das terras demarcadas e conseqüentes averbações nos Cartórios de
Registros de Imóveis, após esgotados o prazo de 10 dias para a
interposição de recurso, sem manifestação contrária dos interessados, ou
enquanto estiver pendente o efeito suspensivo de eventual recurso
administrativo interposto e; e) que a União Federal intime
pessoalmente os interessados certos que forem atingidos nos
futuros processos de demarcação que irão ocorrer no Estado do Rio
de Janeiro.
Comino, por fim à União, no caso de desobediência às presentes
determinações, a aplicação de multa de R5.000,00 (cinco mil reais) por
cada exigência indevida de pagamento, ou cada averbação solicitada
após a concessão da tutela, a serem revertidas para o Fundo Federal
criado a partir da Lei n.7.347/85, sem prejuízo das sanções penais
cabíveis.
Oficie-se os Diretores das Subseções Judiciárias Federais do teor da
decisão para ciência da demanda e avaliação da pertinência da
suspensão das demais ações em trâmite nas demais Varas do Estado
sobre a matéria.
Quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade em sede de
antecipação de tutela, entendo que poderá ser melhor analisado quando
houver o julgamento final da lide.
Publique-se.
Niterói, 07 de fevereiro de 2009.
SANDRO VALÉRIO ANDRADO DO NASCIMENTO
Juiz Federal Substituto
14. O episódio ocorrido na cidade de Niterói – RJ está se repetindo em
Pernambuco nos municípios de Igarassu, Itamaracá, Itapissuma e Goiana, ou
seja:
1 – Publicação pelo SPU de edital, de forma genérica e sem critérios,
violando os princípios do contraditório e da ampla defesa;
2 – Restando cristalino, que a convocação editalícia no procedimento
demarcatório somente seria possível em casos em que existissem
interessados incertos, não sendo este o foco da SPU cuja barganha é
meramente arrecadadora;
3 – Não se pode alegar impossibilidade de identificação de eventuais
interessados, na medida em que os mesmos possuem título registrado no
cartório de imóveis e endereço certo, motivo pelo qual esses deveriam ter
sido notificados pessoalmente, e não por via de edital;
4 – Não tem dúvida a autora, portanto, que a SPU, tanto em Niterói como
nos municípios de Igarassu, Itamaracá, Itapissuma e Goiana, tenta
suprimir etapas do procedimento demarcatório, ao relegar para segundo
plano a possibilidade de impugnação do levantamento da linha de
preamar média de 1831 (LPM/1831) pelos interessados;
5 – O que se evidencia do comportamento da ré é sua total falta de
respeito, de sensibilidade e de compromisso público com o contribuinte, o
total descaso, a falta absoluta de interesse em oportunizar a defesa aos
interessados, apostando, infelizmente, na inércia em se implementar
decisões genéricas contrárias ao poder publico, violando não, fulminando
dessa forma com o princípio do devido processo legal.
Convém salientar que, em tese, a Secretaria do Patrimônio da União
(SPU) tem como missão institucional administrar o patrimônio da União
Federal, desde os imóveis próprios e bens de uso comum até as florestas
nacionais e área devolutas, assim como os terrenos de marinha. Estes são
definidos legalmente, conforme o Decreto Lei 9760, de 05/09/1946, como a
faixa de terra com 33 metros de largura, contada a partir da linha da preamar
média de 1831, adjacente ao mar, rios e lagoas, no continente ou em ilhas,
desde que no local se observe o fenômeno das marés, com oscilação de pelo
menos cinco centímetros.
Do referido Decreto Lei 9760, cabe destacar a sua seção II e,
especificamente, o Art. 11 na sua redação originária, ora atacado em virtude da
nova redação que lhe emprestou o Art. 5º da Lei 11481/2007, como segue:
SEÇÃO II
DA DEMARCAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA
Art. 9º É da competência do Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.) a
determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e
da média das enchentes ordinárias.
Art. 10. A determinação será feita à vista de documentos e plantas de
autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a
época que do mesmo se aproxime.
Art. 11. Para a realização da demarcação, a SPU convidará os
interessados, certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para
que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo plantas,
15. documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos
compreendidos no trecho demarcando.
Art. 12. O edital será afixado na repartição arrecadadora da Fazenda
Nacional na localidade, e publicado por 3 (três) vezes, com intervalos não
superiores a 10 (dez) dias, no Diário Oficial, se se tratar de terrenos
situados no Distrito Federal, ou na folha que nos Estados ou Territórios
lhes publicar o expediente.
Parágrafo único. Além do disposto no caput deste artigo, o edital deverá
ser publicado, pelo menos 1 (uma) vez, em jornal de grande circulação
local. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
Art. 13. De posse desses e outros documentos, que se esforçará por
obter, e após a realização dos trabalhos topográficos que se fizerem
necessários, o Chefe do órgão local do S. P. U. determinará a posição da
linha em despacho de que, por edital com o prazo de 10 (dez) dias, dará
ciência aos interessados para oferecimento de quaisquer impugnações.
Parágrafo único. Tomando conhecimento das impugnações porventura
apresentadas, a autoridade a que se refere este artigo reexaminará o
assunto, e, se confirmar a sua decisão, recorrerá ex-officio para o Diretor
do S. P. U., sem prejuízo do recurso da parte interessada.
Art. 14. Da decisão proferida pelo Diretor do S. P. U. será dado
conhecimento aos interessados, que, no prazo improrrogável de 20
(vinte) dias contados de sua ciência, poderão interpor recurso para o C.
T. U.
Chama a atenção o fato impensável do legislador que, colocado diante
da perspectiva de arrecadação milionária com os imóveis litorâneos do país, no
mesmo Decreto-Lei 9760, na seção III, que trata da DEMARCAÇÃO DE
TERRAS INTERIORES, sem o mesmo valor de mercado, ter garantido aos
interessados certos o contraditório e a ampla defesa:
Art. 17. Examinados os documentos exibidos pelos interessados e
quaisquer outros de que possa dispor, o S. P. U., se entender
aconselhável, proporá ao confinante a realização da diligência de
demarcação administrativa, mediante prévia assinatura de têrmo em que
as partes interessadas se comprometam a aceitar a decisão que fôr
proferida em última instância pelo C. T. U., desde que seja o caso.
§ 1º Se não concordarem as partes na indicação de um só, os
trabalhos demarcatórios serão efetuados por 2 (dois) peritos,
obrigatòriamente engenheiros ou agrimensores, designados um pelo S. P.
U., outro pelo confinante.
§ 2º Concluídas suas investigações preliminares os peritos
apresentarão, conjuntamente ou não, laudo minucioso, concluindo pelo
estabelecimento da linha divisória das propriedades demarcadas.
§ 3º Em face do laudo ou laudos apresentados, se houver acôrdo
entre a União, representada pelo Procurador da Fazenda Pública, e o
confinante, quanto ao estabelecimento da linha divisória, lavrar-se-á têrmo
em livro próprio, do órgão local do S. P.U., efetuando o seu perito a
cravação dos marcos, de acôrdo como vencido;
§ 4º O têrmo a que se refere o parágrafo anterior, isento de selos ou
quaisquer emolumentos, terá fôrça de escritura pública e por meio de
16. certidão de inteiro teor será devidamente averbado no Registro Geral da
situação dos imóveis demarcados.
§ 5º Não chegando as partes ao acôrdo a que se refere o § 3º dêste
artigo, o processo será submetido ao exame do C. T. U., cuja decisão terá
fôrça de sentença definitiva para a averbação aludida no parágrafo
anterior.
§ 6º As despesas com a diligência da demarcação serão rateadas
entre o confinante e a União, indenizada esta da metade a cargo daquele.
Ora, a União, ao invés de aprimorar a instância administrativa criada
pelo mencionado Decreto Lei 9760, para dirimição de questões derivadas da
demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos, pendentes da fixação
imaginária de uma linha de preamar média do longínquo ano de 1831 e envolta
em permanente dúvida, até por conta do fenômeno dos avanços e recuos do
mar numa extensão territorial do País de quase 9000 (nove mil) quilômetros:
pura e simplesmente resolveu suprimi-la, bem como dar por encerrado todo e
qualquer procedimento de contraditório e ampla defesa, a partir do momento
em que, através do Art. 5º da Lei 11481/2007, emprestou nova redação ao
referido Art. 11 do Decreto Lei 9760, retirando a citação pessoal dos
interessados nos processos de demarcação dos terrenos de marinha e seus
acrescidos, como segue:
Art. 11. Para a realização da demarcação, a SPU convidará os
interessados, por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam
a estudo plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos
terrenos compreendidos no trecho demarcando. (Redação dada pela Lei nº
11.481, de 2007)
V – DIREITO LÍQUIDO E CERTO DA IMPETRANTE
Direito líquido e certo oponível pela impetrante é aquele dos
interessados certos, que possuem imóvel registrado no cartório de registro de
imóveis e que deveriam ser intimados pessoalmente a participarem do
procedimento administrativo de demarcação dos terrenos de marinha. A
intimação por edital somente é cabível para citação de interessados incertos.
Direito líquido e certo oponível pela impetrante em favor dos proprietários de
imóveis com registro nos cartórios de registro de imóveis dos municípios
pernambucanos de Igarassu, Itamaracá, Itapissuma e Goiana e que se situem
na área a ser demarcada.
Ocorre que, remando contra a tradição jurídica do País, a SPU-PE tenta
liquidar o direito de defesa dos interessados em preservar suas propriedades.
E, além disso, agem sem critério técnico e metodologia científica, a toque de
caixa, como dizem.
Como é sabido e ressabido, a notificação por edital, além de genérica,
não trata as hipóteses e casos concreta e individualizadamente. Ora, o
mandamento constitucional (Art. 5º) é na direção da amplitude de defesa. A
17. intimação editalícia vem inteiramente na contramão deste principio basilar do
estado de direito, vez que anula ou restringe o direito de defesa.
Entende Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil,
Tomo III, Arts. 154 a 281, atualização legislativa de Sérgio Bernardes, 3ª
edição, Editora Forense, pág 200) que:
A citação é o alicerce do processo e o protótipo do ato processual. Dela é
que se parte para o complexo dos atos que vai terminar na definitiva entrega
e que vai culminar na prestação jurisdicional.
Tanto a citação quanto a intimação, que é o meio administrativo ou
judicial de se dar conhecimento a alguém de que, se não praticar certo ato, ou
certos atos, está sujeito à cominação pessoal, são indispensáveis à validade
dos atos e processos administrativos e/ou judiciais.
Cita-se, notifica-se ou intima-se a pessoa física ou jurídica desde que
seja réu ou interessado na ação, a fim de se defender, compreendendo-se a
defesa em sentido amplo, da ampla defesa e do contraditório, e não somente
no sentido de contestar, e isso incluiu outros terceiros porventura interessados
em se litisconsorciar ativamente na demanda.
Ainda de acordo com Pontes de Miranda é a confirmação de que a
citação de interessados deve ser pessoal porque cabe ao Estado promover o
contraditório e a ampla defesa, e não aos particulares, como vê-se a seguir:
A citação deve ser pessoal, não porque se tenha de dar o contato imediato
entre as partes mediante essa pessoalidade da comunicação do citado –
princípio francês da imediatidade da citação, que é falso – e sim porque o
Estado tem interesse em que se faça pessoalmente. Se bem que tivessem
existido as citações da parte (por intermédio de oficial de justiça, ou
diretas) ao lado das citações oficiais, mannitio e bannitio, nem aquelas
excluíram a estrutura angular da relação jurídica processual, nem a
pessoalidade da cognição por parte do citado tem qualquer ligação com a
pessoalidade de petição a ser conhecida pela outra parte. Temos, pois,
que o Estado mesmo é o interessado em ser pessoal a citação (obra
citada, p. 214).
Intimação, citação, notificação ou comunicação sobre direitos, e
principalmente direitos reais, sob quaisquer questionamentos que possam
interferir na sua plena e geral fruição, não pode prescindir da pessoalidade dos
atos e procedimentos. A intimação editalícia supõe a ignorância ou incerteza
sobre quem deva ser comunicado, ou sobre o lugar em que se ache.
Se são muitos os interessados, como aqueles que são repentinamente
comunicados que seus terrenos agora passam a pagar taxa de ocupação à
SPU, por obra e graça de uma demarcação nunca anunciada e sempre
realizada sem qualquer critério científico, simplesmente pelo fato de residirem
em áreas próximas ao litoral, mais uma razão para serem intimados de um a
um e jamais coletivamente por edital, que sequer faz referência aos
proprietários dos imóveis.
Para Celso Bandeira de Mello, a citação por edital, regra geral, é apenas
forma de publicidade do ato:
18. Quando a lei estabelece para certas espécies a necessidade de citação
por edital, sem que haja ignorância ou incerteza sobre quem deva ser
citado, ou ainda sobre o lugar em que se encontra o citando, ou sem que
se possa determinar que haja multiplicidade de interessados que devam
ser citados, é que a lei empregou a citação por edital como meio de
publicidade.
Assim discorre Pontes de Miranda sobre o tema:
A citação por edital, ou por editos, ou por públicos proclamas, procura levar
ao conhecimento do citando a matéria da ação iniciada, pois que: a) ou
não se sabe quem seja, se bem que não invencível a determinação do
sujeito citando, ou é de supor-se de que a notícia o faça interessado em se
identificar; b) ou não se sabe quem seja, mas, por se tratar de mumus ex
publico, pelo edital se lhe pode levar a notícia do processo; c) ou se quer a
lide, posto que as investigações, às vezes policiais, ainda não descobriram
quem é o citando, como se o fato, que se lhe atribui, narrado no edital,
basta para que perceba ser o citando; d) ou o citando foi favorecido por
promessa de recompensa ou concurso público e se propõe a ação por se
não haver apresentado e tem o autor interesse na apresentação; e) ou se
sabe o nome do citando, porém não se encontra quem seja, ou na dúvida
sobre sua identificação; f) ou o citando é pessoa incerta, tais como os
“pobres de certo lugar”, ou os pobres do lugar em que era domiciliado o
testador; g) ou o citando, conhecido e certo está em lugar ignorado, ainda
que dentro da jurisdição; h) ou o citando se acha em lugar incerto, no
sentido de não se saber onde, no momento da citação, ele está (caso,
aliás, de ignorância de lugar); i) ou o citando está em lugar sabido, mas
inacessível (obra citada, p. 217).
A intimação por edital só se admite quando impraticável a intimação
pessoal, inclusive com hora certa ou se a lei exige.
Impende destacar que a necessidade de intimar pessoalmente os
interessados no processo demarcatório não decorria somente da antiga
redação do Art. 11 do Decreto Lei 9760, mas da observância dos princípios
constitucionais vigentes que estabelecem a ampla defesa e o contraditório.
Princípios estes que devem ser observados em todas as demandas judiciais e
administrativas, ainda mais durante um processo que pode levar à perda da
propriedade dos imóveis dos mencionados interessados.
O fato é que a demarcação dos terrenos de marinha com intimação por
edital gera insegurança jurídica para os interessados, uma vez que terão seus
imóveis onerados por taxas com imprevisíveis reajustes anuais desvinculados
de qualquer índice inflacionário, sendo atrelados unicamente à variação do
valor de mercado dos referidos imóveis.
Dessa forma, temos que o valor de um imóvel pode sofrer grande
variação de valor de um ano para outro sem que para isso em nada tenha
contribuído a União, mas apenas em decorrência das benfeitorias realizadas
pelos próprios particulares e pelo poder público municipal.
19. VI – DO DIREITO
Expõe a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LXIX:
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido
e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o
responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
A nova Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009, que disciplina o
mandado de segurança individual e coletivo, em seu art. 1º preceitua:
Art. 1o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido
e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que,
ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica
sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade,
seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
Na espécie, objetiva a impetrante através do presente Mandado de
Segurança fazer cessar o ato descrito na presente exordial, emanado da
autoridade coatora já mencionada, diante da inequívoca abusividade e
ilegalidade do ato e dos severos prejuízos que podem, e, consumado o
procedimento administrativo em voga, com certeza determinarão a cobrança
pela SPU-PE de taxa de ocupação e laudêmio, além de averbação da
propriedade da União em imóveis de associados da impetrante localizados nos
municípios pernambucanos de Igarassu, Itapissuma, Itamaracá e Goiana.
Assim, não restam dúvidas de que se afigura plenamente cabível o writ, nos
moldes do art. 5º, LXIX, da CF/1988 e do art. 1º da nova Lei n. 12.016/2009.
De outra feita, a mencionada Lei nº. 12.016/2009, no seu art. 23,
estabelece o prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias para impetração do
mandamus, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. No caso
em apreço, o Mandado de Segurança é inteiramente tempestivo, uma vez que
a impetrante tomou conhecimento do ato ora impugnado no mês de agosto do
corrente ano, quando foi publicado no Diário Oficial do Estado de Pernambuco.
Assim, o ato coator viola os basilares princípios constitucionais da ampla
defesa e do contraditório e desrespeita, inclusive, o previsto na legislação
infraconstitucional de regência – Lei 9.784/99 – o que eiva de vício insanável o
ato ora atacado.
O processo administrativo previsto na Lei 9.784/99 está subsumido às
previsões constitucionais, e na própria norma de regência há a previsão que o
processo administrativo adstringe-se aos “princípios da legalidade, finalidade,
motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência” (art. 2º da Lei
9.784/99). É o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
I - MANDADO DE SEGURANÇA - CÓPIA DO ATO IMPUGNADO –
APRESENTAÇÃO PELA AUTORIDADE COATORA.
20. II - ADMINISTRATIVO - LEI 9.784/99 - DEVIDO PROCESSO
ADMINISTRATIVO - COMUNICAÇÃO DOS ATOS - INTIMAÇÃO
PESSOAL - ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO.
I - A circunstância de o impetrante não haver oferecido, com a inicial, uma
reprodução do ato impugnado não impede se conheça do pedido de
Segurança, se a autoridade apontada como coatora, em atitude leal, o
transcreve nas informações.
II - A Lei 9.784/99 é, certamente, um dos mais importantes instrumentos de
controle do relacionamento entre Administração e Cidadania. Seus
dispositivos trouxeram para nosso Direito Administrativo, o devido
processo legal. Não é exagero dizer que a Lei 9.784/99 instaurou no Brasil,
o verdadeiro Estado de Direito.
III - A teor da Lei 9.784/99 (Art. 26), os atos administrativos devem ser
objeto de intimação pessoal aos interessados.
IV - Os atos administrativos, envolvendo anulação, revogação, suspensão
ou convalidação devem ser motivados de forma "explícita, clara e
congruente.” (L. 9.784/99, Art. 50)
V - A velha máxima de que a Administração pode nulificar ou revogar seus
próprios atos continua verdadeira (Art. 53). Hoje, contudo, o exercício de
tais poderes pressupõe devido processo legal administrativo, em que se
observa em os princípios da legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, interesse público e eficiência (L. 9784/99, Art. 2º).
(MS 8.946 DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª Seção, DJ
17/11/2003 – grifamos)
Com efeito, são princípios do processo administrativo – corolários dos
princípios constitucionais – a ampla defesa e o contraditório, ambos
desrespeitados no presente caso. Por isso, Douto(a) Julgador(a), necessária a
concessão da medida liminar adiante proposta para o afastamento desse ato
coator do mundo jurídico.
Sendo princípios constitucionais, o Excelso Pretório, mediante inúmeras
jurisprudências, garante sua aplicação aos processos administrativos,
garantindo também a segurança jurídica. Vejamos:
EMENTA: Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial
pelo Tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção
por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3.
Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de
proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e
não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4.
Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve
não só o direito de manifestação e de informação, mas também o direito de
ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. OS
PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA,
ASSEGURADOS PELA CONSTITUIÇÃO, APLICAM-SE A TODOS OS
PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS. 6. O exercício pleno do
contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a
respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em
matéria jurídica. 7. Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto
subprincípio do Estado de Direito. POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO DE
21. ATOS ADMINISTRATIVOS QUE NÃO SE PODE ESTENDER
INDEFINIDAMENTE. PODER ANULATÓRIO SUJEITO A PRAZO
RAZOÁVEL. NECESSIDADE DE ESTABILIDADE DAS SITUAÇÕES
CRIADAS ADMINISTRATIVAMENTE. 8. Distinção entre atuação
administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que,
unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do
contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processo
administrativo. 9. Princípio da confiança como elemento do princípio da
segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica.
Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de
Segurança deferido para determinar observância do princípio do
contraditório e da ampla defesa (CF art. 5º LV)
(MS 24268 / MG, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 17/09/2004 – grifos nossos)
MM Juiz(íza), as garantias constitucionais da ampla defesa e do
contraditório foram inobservadas. Essa razão, de per se, é suficiente à nulidade
do Ato.
PERICULUM IN MORA - FUMUS BONI IURIS- COMPARECIMENTO DOS
REQUISITOS IMPRESCINDÍVEIS À CONCESSÃO DA LIMINAR.
Comparecem, inequivocamente, os requisitos necessários à concessão
da liminar.
Primeiramente, o fumus boni iuris consubstanciado na referta
argumentação anteriormente expendida e que demonstra, à farta, a
plausibilidade das invocações.
Com efeito, evidencia-se, no bojo da decisão atacada, desrespeito aos
postulados da legalidade, do contraditório e da ampla defesa, conforme se
demonstra com cópia do ato anexado, onde não há sequer a preocupação –
diga-se, e o respeito aos postulados constitucionais – de proporcionar as
garantias do art. 5º, LV, da CF, e art. 2º da Lei 9.784/99.
Não há como concordar, outrossim, que um direito concedido pela
Constituição Federal seja revogado por um simples ato administrativo.
O “perigo da demora”, por sua vez, radica no fato de que, sem a
intimação pessoal, referindo-se o edital apenas à área demarcada, não houve
impugnação por parte dos destinatários e a LPM será determinada
unilateralmente e homologada, dando causa direta a averbação nas escrituras
dos cartórios atingidos e o início da cobrança de taxas, inclusive retroativas,
daqueles que até então ocupavam gratuitamente terras da União. Dessa forma,
os interessados, com a citação por edital tendo sido realizada desde agosto de
2010, poderão ser compelidos a pagar taxas de valores imprevisíveis e arcar
com a iminente declaração da perda da sua propriedade, sendo transformada
em mera posse.
Permitir, ainda, a realização do processo demarcatório sem a
participação efetiva dos interessados significa esgotar, exaurir o próprio objeto
22. da Impetração, uma vez que, jamais ou dificilmente, conseguiria a Impetrante
retomar o processo do ponto que foi alijado. A concessão a posteriori da
segurança, portanto, não evitará o perecimento do direito.
Obviamente, não se discute que a demarcação dos terrenos da União é
de competência do Serviço de Patrimônio da União, devendo ser feita através
de ato administrativo dotado da presunção de legalidade e legitimidade,
inexistindo disposição legal que exija o prévio pronunciamento judicial na
demarcação da LPM-1831.
Também não se discute que o direito de propriedade da União sobre a
faixa de marinha é de natureza legal e constitucional, independendo de
registro, sendo ineficaz qualquer titulação privada sobre os bens públicos, não
sendo oponível à União o registro imobiliário de propriedade localizada na faixa
de marinha. Assim é que, uma vez homologada a LPM-1831, deve haver a
averbação nos registros das propriedades atingidas, sem necessidade de
prévia anulação dos registros e/ou pronunciamento judicial1.
Por fim, inquestionável a obrigação de pagamento de taxas pela
ocupação de terras da União, que tem a natureza de preço público.
A ilegalidade constatada na discussão da causa, e que é o objeto
do presente mandamus, diz com o momento de determinação do traçado da
LPM-1831, definido no art. 13 do DL n 9.760/46, em virtude da ausência de
critérios técnicos e científicos adequados e, além disso, filia-se a impetrante à
corrente daqueles que defendem a necessidade de intimação pessoal dos
interessados certos, após determinada a posição da área em despacho, já que
nesse momento seria possível identificar quais efetivamente são os imóveis
atingidos pelo traçado ou de, pelo menos, parcela significativa desses.
Dessa sorte, cumpre que Vossa Excelência, com a proficiência que lhe é
peculiar, DEFIRA a liminar pretendida no sentido de designar, primeiramente,
um perito engenheiro cartógrafico ou quem de direito, que poderia ser, Poe
exemplo, indicado pela Universidade Federal de Pernambuco, para integrar a
citada comissão de demarcação da SPU-PE e acompanhar a execução da
demarcação estipulada no Edital 01/2010, até a conclusão dos trabalhos, com
a emissão de relatórios parciais, até a elaboração de laudo definitivo.
Na concessão da liminar proposta é importante que V. Exa. determine
que a referida comissão somente poderá iniciar is trabalhos respectivos com a
nomeação judicial do perito. Defira a liminar, também, para assegurar a
intimação dos interessados certos, numa segunda etapa, param querendo,
contestarem a aludida demarcação.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS
1
Os bens públicos são prestigiados pelas cláusulas de inalienabilidade, imprescritibilidade e
impenhorabilidade. Assim, sendo a demarcação apenas declaratória, e não constitutiva de
propriedade, qualquer título de transferência do domínio útil de terrenos de marinha, que não
tenha sido outorgado, originalmente, pela própria União, deve ser considerado como alienação
“a non domino”, inoponível, portanto à legítima proprietária (TRF-2 Região, PC 98.02.30214-7).
23. Ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e
contraditório, eis as premissas que fundamentam todos os precedentes
jurisprudenciais a respeito da ilegalidade da demarcação da LPM-1831, nos
trechos definidos pelo edital de 09 de junho de 2004.
TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO
FISCAL. TAXA DE OCUPAÇÃO DECORRENTE DA DEMARCAÇÃO DE
TERRENO DE MARINHA. PROCES-SO ADMINISTRATIVO
DEMARCATÓRIO. DECRETO-LEI 9.760/46. INTERESSADOS CERTOS.
INTIMAÇÃO POR EDITAL. NULIDADE. PRINCÍPIOS DA AMPLA
DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. INOBSERVÂNCIA.
1. A exegese Pós-Positivista, imposta pelo atual estágio da ciência
jurídica, impõe na análise da legislação infraconstitucional o crivo da
principiologia da Carta Maior, que lhe revela a denominada “vontade
constitucional”, cunhada por Konrad Hesse na justificativa da força
normativa da Constituição.
2. Nesse segmento, a interpretação do artigo 11, do Decreto-Lei nº
9.760/46 não pode se distanciar dos postulados constitucionais da ampla
defesa e do contraditório, corolários do princípio mais amplo do due
process of law, também consagrados no âmbito administrativo.
3. Desta sorte, revela-se escorreito o acórdão regional, segundo o qual,
identificados os interessados no procedimento de demarcação dos
terrenos de marinha, cabia à Administração Pública intimá-los
pessoalmente a fim de oportunizar-lhes a defesa de seu título, o que eiva
de nulidade o ato administrativo pertinente (Precedente do STJ: REsp
550146/PE, publicado no DJ de 05.12.2005).
4. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 724.741-SC; Rel.
Min. LUIZ FUX; DJ 15/02/2007) (in site do STJ;parágrafos editados pelo
signatário).
ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TERRENO DE MARINHA.
FIXAÇÃO DA LINHA PREAMAR MÉDIA DE 1831. NECESSIDADE DE
CITAÇÃO PESSOAL DOS INTERESSADOS CERTOS. ART. 11 DO
DECRETO-LEI 9.760/46.
1. Para que sejam cumpridos os princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa, é necessário que os interessados certos
- com imóvel registrado no cartório de registro de imóveis - sejam
chamados pessoalmente a participar do procedimento administrativo de
demarcação dos terrenos de marinha. A intimação por edital só é cabível
para citação de interessados incertos.
2. Recurso especial provido.
(REsp 572923/SC. Relator: João Otávio de Noronha. Órgão Julgador:
Segunda Turma: DJ 19/12/2006).
ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO DE MARINHA.
PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. PRECEDENTES DA CORTE E DO STJ.
HONORÁRIOS.
1. Nulo procedimento administrativo por não ter cumprindo a exigência
legal de convocação pessoal do autor, interessado certo na demarcação,
para que, em conformidade com o disposto do Decreto-lei n 9.760/46,
pudessem oferecer esclarecimento concernentes aos terrenos
24. compreendidos no trecho demarcado, ou quaisquer impugnações à
demarcação.
2. A taxa de ocupação incidente sob áreas de domínio federal somente
poder ser cobrada após a conclusão de processo administrativo, nos
termos do Decreto-lei n 9.760/46.
3. Precedentes da Corte e do STJ
4. Honorários mantidos, na forma dos precedentes da turma para ações
da mesma natureza.
5. Apelação improvida.
(TRIBUNAL – QUARTA REGIÃO, Processo: 200572010043115, Data da
decisão: 24/10/2006. Relator(a) CARLOS EDUARDO THOMPSON
FLORES LENZ).
ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. LINHA DE PREAMAR
MÉDIO. DEMARCAÇÃO NOVA COM A CITAÇÃO DOS
INTERESSADOS POR EDITAL. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO DO
NOME DO PROPRIETÁRIO COM TÍTULO REGISTRADO. DECRETO-
LEI 9.760/46.
- O DECRETO-LEI 9.760/46, EM SEU ART. 11, PERMITE QUE A
ADMINISTRAÇÃO NOTIFIQUE OS INTERESSADOS CERTOS E
INCERTOS PESSOALMENTE OU MEDIANTE EDITAL, PARA O
PROCESSO DE DEMARCAÇÃO DE LINHA DE PREAMAR MÉDIO.
- NÃO SENDO O PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL, COM TÍTULO
DEVIDAMENTE REGISTRADO, CIENTIFICADO DO PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO QUE DEMARCOU A NOVA LINHA DE PREAMAR
MÉDIO, PESSOALEMTE OU POR ESPECIFICAÇÃO DE SEU NOME
NO EDITAL, NÃO TEM EFICÁCIA O PROCESSO COM RELAÇÃO A
ELE.
- REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO IMPROVIDAS.
(TRIBUNAL – QUINTA REGIÃO, Processo: 200005000304659, Data da
decisão: 20/06/2002, Relator(a) Desembargador Federal IVAN LIRA DE
CARVALHO).
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. TAXA DE OCUPAÇÃO.
DEMARCAÇÃO DE TERRENO DE MARINHA. CONVOCAÇÃO DOS
INTERESSADOS POR EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO
PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA.
I. A apelação de sentença que julgou procedente ação que objetiva a
declaração de ser indevida a taxa de ocupação cobrada pela SPU.
II. Ausente nos autos comprovação de que a SPU tenha convocado
pessoalmente os interessados quando do processo administrativo de
demarcação da área como terreno de marinha, é de se reconhecer a
irregularidade do procedimento.
III. O STJ tem decidido no sentido de que, havendo no registro do imóvel
a identificação e endereço do proprietário, deve ser notificado
pessoalmente pela SPU, em consonância com os princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Precedentes: RESP
617044, Rel. Ministra Denise Arruda, 1 Turma, STJ, DJ 21/02/2006;
RESP 586859, Rel. Ministro Castro Meira, 2 Turma, STJ, DJ 18/04/2005
p. 253.
IV. Apelação e remessa oficial improvidas.
25. (TRIBUNAL – QUINTA REGIAO, Processo: 20070500008469, Data da
decisão: 13/02/2007, Relatora Desembargadora Federal Margarida
Cantarelli).
DO PEDIDO
Esforçado nas razões dantes expendidas, requer a impetrante:
a) A concessão de liminar para suspender, pelo abusivo teor detectado,
e modificá-lo de acordo com o pedido da impetrante, até o julgamento final do
vertente mandamus, os efeitos do Edital nº 01/2010, ato administrativo de lavra
do Superintendente do Patrimônio da União em Pernambuco, que iniciou o
processo demarcatório dos terrenos de marinha e seus acrescidos nos
municípios pernambucanos de Igarassu, Itamaracá, Itapissuma e Goiana sem
a observância dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório
e com a absoluta ausência de requisitos técnicos e científicos nos trabalhos
objetivados;
b) tal liminar deve obedecer ao disposto no § 2º do Art. 22 da Lei 12016/09,
com a audiência em 72 horas da representação judicial da pessoa jurídica de
Direito Público;
c) requer, por via de conseqüência, a determinação de que os interessados
certos no referido processo demarcatório de terrenos de marinha e seus
acrescidos sejam, no momento preciso, antes da homologação da
demarcação, pessoalmente intimados;
d) requer, também, a suspensão de todas as cobranças (foro, laudêmio, taxas
de ocupações) pelas ocupações dos imóveis demarcados a partir de processo
administrativo impulsionado pelo SPU para os municípios pernambucanos de
Igarassu, Itamaracá, Itapissuma e Goiana, bem como de todas as averbações
nos registros dos respectivos imóveis- se porventura houverem;
e) prestação de informações pela autoridade coatora no prazo de dez dias
para, querendo, contestar o presente mandamus;
f) citação do Ministério Público Federal para manifestar-se sobre a impetração
como parte pública autônoma incumbida de velar pela correta aplicação da Lei;
g) requer, no mérito, a concessão da segurança para declarar a NULIDADE do
ato administrativo ora atacado, em caráter definitivo, e, conseqüentemente, a
confirmação dos demais pedidos acima expostos;
26. Por ser ação que traz, em seu bojo, todos os documentos
imprescindíveis à apreciação da liquidez e certeza do direito invocado, não há
por que protestar pela produção de provas.
Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para os fins de
direito.
Termos em que pedem deferimento.
Recife, 10 de setembro de 2010
ERNESTO DE ALBUQUERQUE V. SANTOS
OAB/PE 8.833
THALES ETELVAN CABRAL OLIVEIRA
OAB/PE 28.497
SÓCRATES VIEIRA CHAVES
OAB/PE 14.117
IZAEL NÓBREGA DA CUNHA
OAB/PE 7.397
SIMONE SANTOS O. DE MORAIS
OAB/PE 13.397