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PUBLICADO NO LIVRO – QUINTAS URBANAS
Rio Grande do Sul – Rio Grande – 2007 – FURGS
Pg.83 a 103


                         Movimentos Populares urbanos e as
                         lutas contra a Segregação Socioespacial 1
                                                                    Arlete Moysés Rodrigues2




Introdução
        A desigualdade sócio-espacial, produto do modo de produção capitalista
expressa a desigualdade entre classes sociais no processo de (re)produção
ampliada do capital. Imbrica-se com a exploração e espoliação da força de
trabalho, com a mercantilização da terra e edificações, com a venda da imagem
da cidade-mercadoria. Conta com a presença e num aparente paradoxo com a
ausência do Estado capitalista3.
         O Estado capitalista faz-se presente ao regular o valor do salário, definir as
leis e normas de uso do solo tendo como premissa que a terra urbana é uma
mercadoria. Também é verificável a atuação do Estado quando o mesmo
implanta vias de circulação intra e interurbana, infraestrutura, equipamentos e
meios de consumo coletivo, seguindo as normas de propriedade e do mercado.
Atua, como diz, Topalov na socialização da produção capitalista.(Rodrigues, 1988)
A socialização da produção capitalista atende sobretudo aos interesses do capital
e secundariamente à reprodução da força de trabalho.
        O Estado capitalista parece estar ausente quando define um salário mínimo
que não permite a reprodução da força de trabalho o que implica em tornar a
cidade inacessível aos trabalhadores, mas é exatamente quando é presente ao


1
  - As idéias aqui contidas foram apresentadas em junho de 2007 em Rio Grande – RS. Assertivas e
afirmações, noções constam também de outros textos da autora.
2
  - Prof.Livre Docente – UNICAMP – amoyses@ terra.com.br.
3
  - Estamos nos referindo ao Estado capitalista e não a governos que se sucedem no tempo e que podem
apresentar nuances de formas de atuação.
atender os interesses do capital. Assim a aparente ausência para atender as
necessidades da maioria é a presença para atender os interesses do capital. Mas
o Estado é ausente quando ações diversas possibilitariam a constituição de um
espaço de interesse público.
        A “ausência” do Estado em suprir infraestrutura, moradia digna,
equipamentos de consumo coletivo, parece ser compensada pelo atendimento de
chamadas “demandas” dos trabalhadores como se fossem doações. Com o
predomínio da política neoliberal               o atendimento de “demandas” constitui as
políticas focalizadas.
        Analisar as desigualdades socioespaciais, a segregação social e espacial,
implica em utilizar um arcabouço teórico que permita compreender as
contradições inerentes ao modo de produção e como estas se manifestam no
território. Uma das possibilidades de entender a perpetuação da desigualdade
socioespacial está ligada as representações do urbano e da cidade, em especial
nas agendas governamentais tendo em vista a complexidade envolvida na
produção e reprodução do espaço.
        Uma das representações é a que atribui ao crescimento populacional,
especialmente às migrações o que se chama de problemas urbanos. Embutido
nas representações está a idéia de                  “êxodo rural”,       de “cidades inchadas” de
favelas como “câncer urbano”.4
        A população urbana é utilizada como parâmetro para medir o tamanho das
cidades (grandes, médias, pequenas), mas ao mesmo tempo,                                é considerada
como problema porque não tem empregos, salários suficientes para lhe permitir
entrar no mundo do consumo. Atribui-se a responsabilidade de ter empregos,
salários decentes ao indivíduo e não ao modo de produção e ao seu progresso.
        Como é possível compreender que a riqueza de uma cidade seja sua
população e ao mesmo tempo dizer que os pobres é que criam problemas?
        Afirma-se que os problemas são causados porque a população urbana
cresce mais do que os investimentos do Estado o que implicaria na “ausência do

4
  - Utilizar termos inchaço, câncer , entre outros, mostra que os discursos naturalizam a sociedade. O
inchaço mostra um problema e um câncer um problema ainda maior. Na medicina procura-se a causa do
edema para ser resolvido e câncer procura-se extirpa-lo.
estado”     e    assim      ele    é    chamado        a   resolve-los.      Atribui-se     assim      a
“responsabilidade” a ausência do Estado e aos deslocamentos e crescimentos
populacionais.
        Nas representações oficiais a expansão provocada pelos agentes
imobiliários é tida como progresso, urbanização, urbanidade. Mesmo quando a
expansão, por exemplo, ocorre além dos limites da área urbana, deixa espaços
vazios para especulação criando a necessidade de expandir a infra-estrutura que
implica em aumentar os custos para o poder público, é considerado progresso e
não uma forma de criar e recriar problemas. Atualmente é visível a implantação de
“condomínios murados”5 que provoca aumento do preço da terra, discrimina os
moradores de outras áreas, acirra a desigualdade sócioespacial e onera o poder
público com a implantação de infra-estrutura.
        O movimento da sociedade tem, contudo, alterado a compreensão das
representações oficiais. Aponta que o Estado é ausente/presente ao lutarem para
obter a garantia de reconhecimento de seus direitos fundamentais. Mostram as
contradições da produção e reprodução do espaço urbano e da intensificação da
segregação e desigualdade socioespacial.


Valor de uso e valor de troca – Desigualdade socioespaciais.


        È possível, para um olhar atento, ver as desigualdades socioespaciais na
expressão dos extremos a riqueza e pobreza de áreas e da população que as
ocupam.
        Em algumas áreas a riqueza é visível em edificações “modernas” e/ou
suntuosas, cercadas com grades e muros, tanto no setor residencial como onde
estão os equipamentos coletivos, de serviço e de comércio. Uma especificidade
das áreas “nobres” é o zoneamento de áreas exclusivamente residências em ruas,
avenidas asfaltadas, iluminação pública onde trafegam predominantemente



5
  - Condomínios fechados não constam de legislação vigente. Utilizamos o termo “murados” por
considerarmos que explicitam sua forma e sua ilegalidade urbanística. Mike Davis (Davis, M. 2006), também
utiliza “murados” para tratar dessa forma de produção do espaço urbano.
automóveis individuais modernos. Nas ruas poucas pessoas e muitos veículos de
último “tipo”.
           Na maioria das áreas a pobreza aparece no conjunto de edificações
precárias, nas pessoas que circulam por ruas esburacadas, sem iluminação
pública. A circulação de automóveis, vans, ônibus lotados contrasta com a das
áreas “nobres”. Não há separação, zoneamento que estabeleça limites entre as
moradias e outras atividades, mesmo as que colocam risco de vida para os
moradores. Nas áreas mais pobres os moradores ficam segregados em seus
próprios lugares de moradia e exceto quando estão cumprindo a jornada de
trabalho, não circulam na área onde predomina a riqueza. Riqueza que ajudam a
produzir. 6
           Nas áreas “pobres”, segregadas encontram-se as favelas, cortiços,
ocupações coletivas de terra, loteamentos precários, conjuntos habitacionais
precários.        As áreas      que foram    segregadas são       tidas como anomalias da
urbanização embora dela sejam decorrentes.
           As favelas e as ocupações coletivas de terra e seus barracos representam,
na ótica do capitalismo e do estado capitalista, a ilegalidade jurídica (desrespeito
a propriedade privada) e urbanística (desobediência às regras e normas de
parcelamento do solo urbano). No imaginário coletivo criado pela ideologia
dominante a desigualdade social é difundida como resultado da falta esforço de
seus moradores, que são considerados causadores de sua própria miséria e
pobreza.
           As casas precárias, os loteamentos irregulares, os conjuntos habitacionais
apresentam vários níveis de ilegalidade urbanística embora alguns deles possam
estar dentro das normas de apropriação e propriedade da terra, ou seja, têm
legalidade jurídica mas não conforme as normas urbanísticas e/ou edilícias.
           Os    conjuntos      habitacionais,   edificados   e   financiados   pelo   Estado
destinados à chamada população de baixa renda foram, de modo geral,
construídos em descontinuidade com o tecido urbano, em áreas sem infra-
estrutura e equipamentos de consumo coletivo. Financiados com recursos

6
    - veja-se Rodrigues, 1988
públicos (FGTS) atendem a um mercado “especial” dirigido aos que ganham
baixos salários.         Ao comprar uma unidade que pagam em 25 anos ficam
prisioneiros da prestação do “imóvel”. Como diz Milton Santos o espaço pode ser
uma prisão. Em geral são urbanisticamente irregulares o que impede que os
moradores tenham a propriedade definida.7
        Desde a criação do Banco Nacional de Habitação (BHN) em 1964 e do
Sistema Financeiro de Habitação (SFH) os trabalhadores passam a ser
classificados por faixas de renda salarial o que mostra o início de um processo de
deslocamento discursivo de classe social para faixas de renda. È bom lembrar
também o trabalhador perde sua estabilidade com a criação do Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS) em 1967 que altera as normas de contrato de
trabalho e fundamenta a precarização das relações de trabalho.
         A pobreza da população e das áreas que ocupam se alastram pelo tecido
urbano. As áreas carentes de infra-estrutura e equipamentos de consumo coletivo,
que apenas permite precárias condições de vida para seus moradores, são
consideradas decorrentes de desvios do modelo da cidade ideal.
        A solução para corrigir os desvios estaria em investimento do Estado nas
áreas e no atendimento individual. Contraditoriamente, na agenda neoliberal, o
Estado tem que diminuir suas atividades, tornar-se “mínimo”, mas ao mesmo
tempo tem que atender,                  de modo focalizado a população para resolver
problemas. O atendimento                 focalizado implica em atendimento setorial com
habitação, saneamento, transportes, urbanização de favelas, etc. e pagamento
pela população “beneficiada”, dos benefícios recebidos.
        Para os loteadores dos conjuntos “fechados”, condomínios “murados”, não
há nenhuma referência de que devam pagar pelo “benefícios” de se apropriarem
da produção coletiva da cidade. Não há também “penalização” ou pagamento de
tributo por privatizarem áreas que deveriam integrar-se à área urbana, de acordo
com a legislação vigente. Também não se considera que recebem benefícios ou




7
 - O parcelamento do solo e edificação é regularizado, via de regra, vários anos após a edificação,
comercialização das unidades.
que devam receber um atendimento focalizado para resolver a irregularidade. São
tidos como portadores do progresso.
        Procura-se, assim, rapidamente regularizar as dissonâncias urbanísticas e
jurídicas com ocorre com parágrafos                do Projeto de Lei          20/20078 no qual se
verifica    que os objetivos são de               promover a regularização urbanística de
condomínios fechados. Cria, o PL a figura de “condomínios urbanísticos” que visa
garantir a regularização “urbanística”. No Projeto de Lei sobre os condomínios
urbanísticos há propostas conflitantes.
        O Fórum de Reforma Urbana defende que pelo menos os                               logradouros
públicos, áreas de uso comum, áreas institucionais, exigidas por lei, sejam
localizadas fora da área murada ou sejam que cumpram a legislação atual. Os
loteadores, em especial de loteamento já implantados, querem apenas o
reconhecimento da ocupação para não terem que compensar a privatização de
áreas públicas que estão dentro dos muros, em outros locais.
        Por outro lado a regularização de áreas ocupadas pelos trabalhadores,
reivindicação antiga de movimentos populares, que significa o reconhecimento do
valor de uso das ocupações tramita desde o final da década de 80 do século XX e
a possibilidade de conseguir a regularização urbanística e fundiária esboça-se
com a Constituição Federal de 1988 mas só começa a se tornar efetiva com a Lei
10.257/01, Estatuto da Cidade e a Medida Provisória                      2220/01. A regularização
fundiária tem sido realizada em terras da União desde 2005 e em áreas municipais
e estaduais, dependendo da determinação política, num processo lento e tortuoso.
O reconhecimento de usucapião depende de uma grande mobilização e
organização dos moradores e de estabelecer formas de resolver os tramites
burocráticos.
        Comparando o tempo, para entrar na agenda política, da regularização de
áreas ocupadas por trabalhadores com o tempo para a regularização dos
condomínios murados verifica-se que o que importa é o valor de troca
contrapondo-se ao valor de uso, das áreas ocupadas como moradia,                                 pois o


8
 - O Pl 20 de 2007 (anteriormente 3027 de 2000) propõe a revisão da Lei 6766/79 que rege o parcelamento
do solo urbano.
progresso é atribuído aos agentes tipicamente capitalistas e os problemas
atribuídos aos trabalhadores.
           Há que se destacar que a regularização fundiária com o Usucapião Urbano
(terras privadas) e a Concessão de Uso em Terras Públicas mostram o
reconhecimento da importância do valor de uso para os moradores, pelo Estado
Capitalista.
           A intensificação da desigualdade socioespacial tem sido analisada por
vários autores em seus diversos aspectos para compreender o processo
(re)produção do espaço na reprodução ampliada do capital.                              No texto, damos
ênfase ao significado do valor (valor como um direito de viver) e do valor de uso
de       troca, para aqueles que ocupam e vivem em áreas segregadas, e as
representações sobre a produção do urbano.
           A terra urbana, as edificações, e a própria cidade são mercadorias do modo
de produção capitalista com valor de uso e valor de troca. Para a maioria dos
moradores, a moradia de qualquer classe social tem como predomínio para a sua
casa, o valor de uso. Representa um abrigo, uma morada, o lugar da reprodução
da vida. Embora como toda mercadoria tenha embutido o valor de troca que se
concretiza no momento de compra/venda e/ou no aluguel, estamos falando da
propriedade pessoa9 e de sua representação social.
            O preço da mercadoria casa/terreno a ser obtido no momento de troca está
relacionado com as características do lugar e do imóvel, quando edificado. Os
imóveis, terrenos, glebas situadas em áreas segregadas, que contam com poucos
e/ou precários equipamentos de consumo coletivo, de infra-estrutura têm menor
preço no mercado quando comparados aos localizados nas chamadas áreas
nobres, equipadas com toda a infra-estrutura e serviços.
           Nas áreas segregadas com ilegalidade jurídica, e/ou urbanística os lotes,
casas, glebas, terrenos não entram no mercado tipicamente capitalista e mesmo
quando entram no mercado, predomina o significado de valor de uso, dada a
singularidade desse mercado. Para os moradores o que importa é o valor de uso.



9
    Sobre as características da mercadoria terra e da cidade veja-se Rodrigues, Arlete Moysés 1988
Para o capital a irregularidade significa que não estão no mercado formal e, em
princípio, não tem preço e nem valor de troca.
      Na lógica do Estado capitalista, que é incorporada no imaginário coletivo, a
desigualdade sócioespacial é o resultado, como já dito, de desvios do modelo de
urbanização. Considera-se que a forma de tentar resolver o desvio do modelo é a
de enquadrar as áreas nas normas urbanísticas e jurídicas e, assim, o Estado
mostra sua presença. Uma presença que implica em alterar a predominância do
valor de uso para o predomínio do valor de troca como se verifica na implantação
de conjuntos habitacionais, revitalização de áreas centrais, “urbanização” de
áreas, remoção de favelas para áreas distantes (removendo o câncer urbano)
distantes das áreas equipadas de infra-estrutura.
      Na ótica de moradores, organizados em movimentos populares, enfatiza-se
o predomínio do valor de uso, com a necessidade de ter um teto, um abrigo de
poder freqüentar    escolas, posto de saúde, poder recorrer a postos policiais,
contar com    luz domiciliar e pública, água potável. A lógica é de garantir a
permanência dos moradores nas áreas ocupadas, nas áreas centrais, na
possibilidade de continuar pagando a prestação da casa financiada em conjuntos
habitacionais mesmo que distantes, ter reconhecido a compra que realizaram de
um lote/ casa, em loteamentos irregulares.


Os movimentos de Moradia e a luta contra a exploração e espoliação


      A desigualdade sócio-espacial, a precariedade para a reprodução da vida,
produto do modo de produção torna-se condição de permanência de pobreza
e de falta de urbanidade.     É contra a condição de permanência na pobreza
absoluta que os movimentos se organizam. Querem alterar a desigualdade
espacial tornando o lugar de morada em possibilidade de mudança.
Possibilidade de mudança que está no reconhecimento do valor de uso e no
direito à urbanidade.
      Objetivam o direito a ter direitos e um deles é o direito de usufruir na
cidade da riqueza que também produzem.
No mundo do trabalho as lutas dos trabalhadores possibilitaram conquistas
nas relações de trabalho (carga horária, férias, direito à licença médica, direito à
maternidade, aumento de salários, organização sindical livre), que podem ou não
ter alterado as características da produção e reprodução do urbano onde
conseguiram se instalar.
           Enquanto os trabalhadores, no âmbito das lutas na fábrica, dirigem-se
diretamente aos capitalistas, os movimentos de moradia dirigem-se diretamente
ao Estado, responsável, segundo as normas constitucionais, a garantirem a
reprodução da vida, estabelecer e fazer cumprir parâmetros para a ocupação do
solo, garantir a função social da cidade e da propriedade.
           A luta contra a desigualdade é parte integrante da vida cotidiana dos
trabalhadores, no lugar de morar e no lugar de trabalho. No local de moradia
organizam-se para conseguir abastecimento de água, iluminação pública e
domiciliar, captação de esgotos, coleta de lixo irregular, acessibilidade, transportes
coletivos menos precários, escolas e postos de saúde e vários equipamentos de
consumo coletivo.
                                   10
           Na década de 70           do século XX movimentos de favelas e de ocupações
coletivas de terras,          lutaram para obter instalação de luz elétrica domiciliar e
pública mostrando que a iluminação à vela e querosene provocavam incêndios e
que a falta de iluminação pública dificultava o deslocamento para o trabalho e
escola e propiciava a violência; para obter água potável alegavam que se água
potável       morreriam       contaminados         e   poderia      haver   epidemias,   endemias
provocáveis pela contaminação hídrica; locais para colocar o lixo evitando
epidemias e mais recentemente lugares para separar o lixo reciclável; transportes
coletivos para se deslocarem da casa para o trabalho; creches e escolas para
atender às crianças e jovens e possibilitar a condição de mudança; postos de
saúde e atendimento hospitalar para minorar as precárias condições de saúde e,
principalmente pelo direito de permanecer nas áreas ocupadas. Busca-se obter
uma vida decente.



10
     - Fazemos aqui apenas uma breve síntese do processo de organização.
Moradores que pagam aluguel e os cortiços organizaram-se para limitar o
preço extorsivo de aluguéis, morar com um mínimo de salubridade, ter banheiros
para um menor número de famílias, entre outras questões. Nas áreas centrais
“degradadas” onde há um número expressivo de cortiços, os moradores lutam
para que os centros antigos sejam utilizados também como moradia para
trabalhadores.
      È bom lembrar que as propostas de intervenção de empresários e mesmo
de governos municipais são para transformar as áreas centrais em um lugar de
consumo visual e turístico. Mas os moradores lutam pela sua permanência nas
áreas centrais urbanizadas o que significa a possibilidade de diminuir a
segregação socioespacial. O Estado capitalista parece não compreender que a
ocupação mista de áreas urbanizadas diminui os custos de gestão do urbano.
      Moradores das casas precárias de periferia, que compraram lotes em
loteamentos irregulares, lutam para conseguir a regularização dos terrenos e
garantirem sua permanência. Pagaram pela mercadoria terra-casa e podem
perde-las se não for realizada a legalização jurídica da propriedade. A organização
social dos moradores expressa também o direito ao         reconhecimento de seu
direito de permanência e da compra que realizaram o que pode significar uma
condição de mudança de vida apesar de obterem o direito que já têm e do qual
foram usurpados.
      Os moradores de conjuntos habitacionais se organizaram na década de 70
contra os aumentos das prestações do Sistema Financeiro de Habitação e para
que houvesse a implantação de equipamentos de consumo coletivo. Procuram
nos dias atuais, além disso, alterar a idéia de construção de grandes conjuntos
segregados que os isolam do trabalho e das demais atividades urbanas. Os
grandes conjuntos habitacionais localizados em áreas distantes e sem infra-
estrutura representam a condição de permanência da segregação e da
espoliação. As lutas pelas alterações em relação ao local onde devem se localizar
significa a possibilidade de pensar o espaço como condição de mudança.
      O processo cotidiano de tentar minorar as agruras da vida é inicialmente
fragmentado em diversos bairros, em favelas, em cortiços e também por tipo de
reivindicação. Mas, as idéias e experiências que alavanca mudanças nas
condições de vida se propagam. Amplia-se o leque de reivindicações dado o
conhecimento dos problemas, alterando as formas e os conteúdos de
organização coletiva. As cooperativas habitacionais passam a integrar o ideário
de alguns grupos, para outros interessa a auto-gestão de mutirões, ampliam-se
as ocupações coletivas de terra que antes da ocupação traçam ruas, demarcam
lugares para construção de escolas, creches, mostrando uma organização prévia
a ocupação, o que não ocorria com as favelas. O debate político se amplia com o
conhecimento da importância do espaço e do lugar de morar.
       Isoladamente ou em conjunto, os moradores das chamadas áreas precárias
organizam-se para conseguir transportes adequados, escolas, creches, postos de
saúde, postos policiais. Um processo que significa o reconhecimento do direito a
ter direitos e a politização do espaço não apenas no sentido da propriedade mas
também no de pertencimento.
       Os que se inserem em movimentos populares passam a ter conhecimento
das causas que modelam a morfologia e o conteúdo da exploração e espoliação.
Mas também há os que nela se inserem pela necessidade imediata de
reprodução da vida, o direito de morar, permanecer nas terras ocupadas, ter
emprego, salários dignos, infra-estrutura, equipamentos e meios de consumo
coletivo.   Não há, nos     movimentos, uma homogeneização mas divulgam
coletivamente uma condição libertária.
       Um processo que constrói a utopia de direitos sociais coletivos cuja meta é
transformar o espaço segregado, produto da desigualdade social, em um espaço
com menor opressão, exploração e espoliação, onde esteja ausente o preconceito
de raça, classe, etnia, gênero. A intenção é tornar o lugar em que moram,
integrado na cidade.
       As manifestações relacionadas às necessidades específicas inicialmente
fragmentadas expandem-se tanto na compreensão de direitos como em relação
ao espaço. No Brasil, no final da década de 80 do Século XX, com a instalação
do Congresso Constituinte, agregaram-se movimentos na defesa de princípios e
direitos fundamentais como a educação, saúde, reforma agrária, ambiente
saudável, água potável, energia elétrica, reforma urbana, entre outros, propondo
emendas populares à Constituição.
         Em relação a reforma urbana houve tentativas anteriores de aglutinação
como a      que ocorreu na primeira metade da década de 60 no Congresso de
Arquitetos realizado em 1963 cuja proposta centrou-se em mecanismos de
intervenção do governo federal nos problemas habitacionais. Com modificações e
alterações a proposta do Hotel Quitandinha (local onde se reuniram os arquitetos)
foi apropriada pelos governos da ditadura milita com a criação em 1964 do Banco
Nacional de Habitação e do Sistema Financeiro de Habitação.11
        Em 1967 o governo militar põe fim a estabilidade do trabalhador, criando
o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) transformando um direito
numa forma de obter recursos para “resolver“ problemas de habitação e ativar a
economia por meio da indústria da construção civil. Inicia-se, como já dito, o
processo de precarização do trabalho com o fim da estabilidade do trabalhador.
Nos discursos as classes sociais, os trabalhadores em geral desaparecem para
dar lugar a classes de renda.
        No período da ditadura militar os movimentos sociais centram-se no
movimento contra a carestia e similares mas desde a década de 80 o movimento
da reforma urbana articula-se colocando em pauta problemas de habitação,
transporte, acesso a terra urbanizada, saneamento.12 As lutas para garantir o
direito à moradia, aos transportes coletivos, a permanência nas áreas ocupadas,
equipamentos e meios de consumo coletivo, ao emprego, a infra-estrutura são e
foram fundamentais para desvendar formas de opressão, de segregação, de
promessas nunca cumpridas pelo estado e pelo capital.
        No final da década de 80 o movimento pela reforma urbana elabora a
Emenda Constitucional pela Reforma Urbana. Alguns princípios propostos na
Emenda pela Reforma Urbana constam da Constituição Brasileira, como a função
social da propriedade e da cidade (artigos 182 e 183). Contudo na Constituição a

11
   - Contrariamente ao que pensam alguns intelectuais que querem atribuir ao congresso de arquitetos os
pressupostos da reforma urbana, são os movimentos populares que estabelecem os princípios da reforma
urbana.
12
   - O movimento da Reforma Urbana conta com movimento sociais populares, trabalhadores da área urbana,
arquitetos, geógrafos, urbanistas, Ongs, sindicatos de engenheiros, arquitetos entre outros.
função social da propriedade é postergada pois se exige a elaboração de um
Plano Diretor onde se delimite as áreas que não cumprem sua função social. O
plano diretor é exigido para os municípios com mais de 20 mil habitantes.
           As ”topias”, ou seja, as normas como lembra Henry Lefebvre, são
resguardadas com a definição e obrigatoriedade de um plano diretor que implica
em planejamento governamental do uso da terra urbana.
           A regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição ocorre em 2001
com a aprovação da Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade que trata da cidade
como produção coletiva e da função social da cidade e a Medida Provisória
2220/2001 que trata especificamente das terras públicas e criação do Conselho
das Cidades. A função social da cidade como expressa no Estatuto da Cidade
reconhece os direitos de ocupação com o usucapião individual e coletivo, tenta
impor limites à especulação imobiliária e ao mesmo tempo reafirma a propriedade
da terra.13
            Em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e
Meio Ambiente (CNUMAD) organiza-se o Fórum das Organizações não
Governamentais e Movimentos Sociais que elaboram vários Tratados para
explicitar o que desejam. O Tratado da Questão Urbana é assinado por
representantes de movimentos populares de vários países,                 em especial pelo
Fórum Nacional da Reforma Urbana, HIC e FCOC. È bom lembrar que as
propostas do Fórum das Ongs e movimentos sociais não foram incorporadas na
Agenda 21, documento assinado pelos representantes de paises presentes na
CNUMAD.
           Ao longo da década de 90 as lideranças dos movimentos estão presentes
em vários lugares do mundo para mostrar o significado do direito a ter direitos
debatendo o conteúdo do Tratado da Questão Urbana.
           O preâmbulo da carta que veicula o Tratado da Questão Urbana resgata
como se processou o debate:
         “Sin embargo, la promoción y difusión mundial de esta iniciativa, proveniente
         inicialmente de la sociedad civil latinoamericana, la concibió en su origen como un


13
     - veja-se Rodrigues, Arlete Moysés 2005
documento político que sirviera para movilizar a amplios sectores sociales
         potencialmente interesados en el tema. Se orientó principalmente a organizaciones
         civiles y movimientos sociales y paulatinamente se ha abierto a la incorporación de
         autoridades locales, organismos internacionales y otros actores públicos, privados y
         sociales” (Carta sobre o Tratado da Questão Urbana)
           Em 1996, a Conferência das Nações Unidas sobre os Assentamentos
Humanos (Habitat II) realizada em Istambul contou com ampla participação dos
movimentos populares reunidos também em Fórum próprio mas com a
possibilidade de assistir os debates, o que significou um novo marco em relação
aos direitos sociais e ao reconhecimento de formas de organização da sociedade.
           A agenda Habitat II assegurou, com ressalvas, o direito a moradia como
direito humano e o fim dos despejos forçados. A construção coletiva dos
movimentos sociais se apropria do avanço técnico e computacional formam redes
                     14
internacionais            e divulgam os princípios e pressupostos pelo direito à moradia
como direito humano e constroem coletivamente o ideário do Direito à Cidade.
           Os Fóruns Sociais Mundiais (Um Outro Mundo é Possível), fortalecem a
união de movimentos sociais populares que debatem o Direito à Cidade, ou
melhor a Cidade como Direito. Trata-se do movimento da sociedade que têm
como objetivo, objeto, meta, princípios a Utopia da Cidade como Direito.
           Utilizamos Cidade como Direito para dar a dimensão espacial, territorial
que interessa sobretudo aos geógrafos.
           A luta pelo direito à cidade é um germe da utopia para conquista do
reconhecimento que os que produzem a cidade querem dela também usufruir. È a
constituição de um direito coletivo. Direito coletivo que implica não apenas na
assimilação de direitos individuais mas em sua coletivização.
         A luta pela Cidade como Direito surge e se explicita pelos que vivem nas
áreas segregadas e assim são os hipercarentes, ou seja aqueles que moram em
condições precárias, que não tem emprego permanente, que constroem um
contraponto as normas jurídicas, urbanísticas que regem a terra urbana e a vida
social nas cidades, que se opõem a cidade-mercadoria e que entendem que a


14
     Rodrigues, Arlete Moysés - 2006
cidade é produzida coletivamente e que deve ser usufruída por todos. Henrique
Ortiz15 afirma que:
      “A iniciativa de formular os princípios do direito à cidade tem como principal
     pressuposto lutar contra todas as causas e manifestações de                           exclusão:
     econômicas, sociais, territoriais, culturais, políticas e psicológicas. È uma resposta
     social, um contraponto à          cidade mercadoria.         A luta pelo direito à cidade é a
     expressão do interesse coletivo”. (Ortiz, Enrique, 2006)
       Assim a luta pelo           direito à cidade não se restringe                a construção, e
obtenção de direitos individuais. O objetivo central                    é tornar o    valor de uso
predominante sobre o valor de troca e construir o direito coletivo.
       O processo de mobilização internacional dos movimentos propõe a
coletivização dos direitos, como se verifica em trecho da Carta Mundial pelo
Direito à Cidade.
     “O Direito à Cidade amplia o tradicional enfoque sobre a melhora da qualidade de
     vida das pessoas centrado na moradia e no bairro até abarcar a qualidade de vida à
     escala da cidade e de seu entorno rural, como um mecanismo de proteção da
     população que vive nas cidades ou regiões em acelerado processo de urbanização.
     Isso implica em enfatizar uma nova maneira de promoção, respeito, defesa e
     realização dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais
     garantidos nos instrumentos regionais e internacionais de direitos humanos”
     “É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos
     vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização,
     baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do
     direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado.”
       Os direitos individuais, por mais importantes que sejam, foram capturados
pelo “mercado” dirigido para “escolhas” individuais com predomínio do valor de
troca. Foram e são importantes para a consciência coletiva dos trabalhadores e/ou
das classes populares e permitem avançar com a proposição de direitos coletivos
e predomínio do valor de uso como proposto na Carta Mundial pelo Direito à
Cidade.



15
 - Henrique Ortiz é diretor Presidente do HIC – Habitat Internacional Coalisation
A luta pelo direito à cidade diz respeito à sociedade urbanizada e não ao
limites das cidades mas ao processo de urbanização, como aponta a própria Carta
Mundial pelo Direito à Cidade.
     Para os efeitos dessa Carta, o conceito de cidade possui duas acepções. Por seu
     caráter físico, a cidade é toda metrópole, urbe, vila ou povoado que esteja
     organizado institucionalmente como unidade local de governo de caráter municipal
     ou metropolitano. Inclui tanto o espaço urbano como o entorno rural ou semi-rural
     que forma parte de seu território. Como espaço político, a cidade é o conjunto de
     instituições e atores que intervêm na sua gestão, como as autoridades
     governamentais, legislativas e judiciárias, as instâncias de participação social
     institucionalizadas, os movimentos e organizações sociais e a comunidade em geral.


Neoliberalismo - Contrapondo dos movimentos populares.
      A separação “artificial” das lutas no local de trabalho e o de viver dificultou
que se compreendesse que fazem parte do mesmo processo de exploração e
espoliação.
       Mas a separação do lugar de trabalhar e viver é produto da exploração,
dominação e espoliação dos trabalhadores que se concretizam na fábrica, no local
de moradia, no deslocamento da moradia para o trabalho. A força de trabalho é
uma mercadoria e preço não é suficiente para que a maioria consiga sobreviver
decentemente. Portanto são aspectos da luta pelo direito à vida.
      As lutas no local de moradia foram, durante muito tempo, consideradas
secundárias porque não se referiam aos conflitos diretos entre capital e trabalho
ou tidas como reformistas na medida em que reivindicavam casa própria.
Entendemos que a casa própria para quem nela mora tem valor de uso, é uma
mercadoria de uso pessoal. Se os moradores pagarem aluguel estarão pagando a
renda da      mercadoria terra-edificação em parcelas mensais. Não é possível
separar o lugar do viver do lugar de trabalhar sem incorrer em simplificações e não
é possível considerar que a sociedade se move como querem os intelectuais.
      É verdade que a ideologia da casa própria foi o mito da ditadura militar
para movimentar o setor industrial e incentivar a compra da casa para quem não
pode pagar aluguel. O Brasil tem algumas singularidades, entre elas, a de que
quem não pode pagar aluguel compra casa com financiamento do seu próprio
dinheiro. Dinheiro público proveniente do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS).
      A acumulação flexível do capital, a alteração de grandes plantas industriais
com predomínio de      produção dispersa no espaço, just-in time, o avanço de
tecnologias que substituem força de trabalho, o aumento do desemprego e
subemprego, a precarização das relações de trabalho expressam novas questões
e tornam mais evidente que as lutas do mundo do trabalho embora realizadas de
modos diversos têm o mesmo conteúdo: lutar contra as formas de dominação e
opressão.
      O neoliberalismo aumenta e acelera a desigualdade socioespacial e a
segregação social e espacial e impõe a fragmentação de políticas públicas.
Conquistas históricas dos trabalhadores são desmanteladas com a hegemonia do
pensamento neoliberal que se torna a ideologia dominante. Reginaldo Moraes
aponta que “neoliberalismo constitui em primeiro lugar uma ideologia, uma forma
de ver o mundo social, uma corrente de pensamento” (Moraes, p.27). Ideologia de
um “consenso” forjado como mostra Francisco Fonseca. (Fonseca, 2005)
      Os inimigos declarados dos neoliberais são o Estado em especial o que
propaga um bem estar social, a planificação, a intervenção estatal na economia,
os sindicatos, as centrais sindicais, a ideologia nacionalista e desenvolvimentista,
o populismo e os direitos coletivos.
      Os neoliberais têm duas grandes exigências complementares: privatizar
empresas estatais e serviços públicos e desregulamentar as normas de estados
nacionais e o repasse da regulamentação para as organizações multilaterais como
o G-7, a OMC, Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, dominados pelas
corporações multinacionais e pelo pensamento neoliberal.
      Na década de 80 do século XX generalizam-se os mercados financeiros
que tenta subtrair dos governos nacionais grande parte do seu poder. O novo
fetiche passa a ser as “contas         nacionais”. Os países devedores tornam-se
prisioneiros das “contas” e não têm como garantir políticas de pleno emprego e/ou
diminuir a desigualdade sócio-espacial. O rebatimento do neoliberalismo
intensifica as desigualdades sócio-espaciais com a transformação da coisa pública
em privada, resolvível no mercado. A “public choise” é centro das propostas de
privatização:
           “bens públicos não dependem clara e objetivamente de pagamento que é o
       que vale no mercado- os economistas reconheciam aí a existência de atividades
       geradoras de benefícios que não podem ser comercializados no mercado . Há
       uma    pseudodemanda não concretizável no mercado mas         em disputa numa
       determinada arena política, um simulacro de mercado” (Moraes, p. 56).
           Esse quase mercado, um mercado específico, vira um “mercado” mesmo
quando a provisão de bens não coincide com a produção. O mercado capitalista
de terras e de edificações urbanas não é completamente conhecido como o são
outras mercadorias, depende de uma plêiade de proprietários privados mas se
constitui num mercado especifico16.
           Quanto mais cidade de produz, na lógica do capital, maior o preço da terra
e das edificações, como se verifica no processo de expulsão explicitada ou
implícita dos trabalhadores.
             A focalização em ações direcionadas, como preconizada pela agenda
neoliberal, delimita o receptor de benefícios e assim substitui a política de acesso
universal pelo acesso seletivo. Impede que os direitos sociais sejam atinentes aos
bens públicos e que se transformem em direitos coletivos. O que tem valor são os
“direitos individuais, seletivos” que se concretizam no mercado.
           Enquanto o neoliberalismo insiste na focalização, as lutas dos movimentos
societários colocam o pressuposto que a produção do espaço é social, que a
desigualdade na obtenção de direitos sociais coletivos não pode ser resolvida no
e pelo mercado.
           São os movimentos sociais de todos os matizes que recolocam o direito
universal do trabalho, educação, saúde, terra para plantar, terra para morar, da
igualdade entre etnias, do direito à cidade como direitos coletivos e que tendo
conhecimento ou não se colocam contra as políticas neoliberais.




16
     - Veja-se Rodrigues, A. Moyses (1988)
Utopia do Tempo Presente
      A luta pelo direito à cidade é uma demonstração de que para alterar a
desigualdade sócio-espacial é preciso construir novas utopias, que possibilitem
que a produção coletiva do espaço seja apropriada coletivamente. È necessário
também constituir novos instrumentais de análises sobre a produção reprodução
da cidade e da reprodução ampliada do capital, que permitam compreender as
contradições e os conflitos.
     A Carta Mundial da Cidade aponta que se pretende obter a justa distribuição
da riqueza produzida:
     “O objetivo é promover a justa distribuição dos benefícios e responsabilidades
     resultantes do processo de urbanização; o cumprimento das funções sociais da
     cidade e da propriedade; a distribuição da renda urbana; a democratização do
     acesso à terra e aos serviços públicos para todos os cidadãos, especialmente
     àqueles com menos recursos econômicos ou em situação de vulnerabilidade”
      Fica explicito que se objetiva fortalecer e articular os movimentos sociais. E
que se pretende instituir como direito humano o direito coletivo.
      “Por sua origem e significado social, a Carta Mundial do Direito à Cidade é, antes
      de tudo, um instrumento dirigido ao fortalecimento dos processos, reivindicações e
      lutas urbanas. Está chamado a constituir-se em plataforma capaz de articular os
      esforços de todos aqueles atores – públicos, sociais e privados – interessados em
      dar plena vigência e efetividade a esse novo direito humano mediante sua
      promoção, reconhecimento legal, implementação, regulação e prática.”
       O Direito a Cidade é definido como o usufruto eqüitativo das cidades dentro
dos princípios de equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes
das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes
confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes,
com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e
a um padrão de vida adequado.
      A utopia da Cidade como Direito busca, nos seus princípios, pressupostos,
propósitos, integrar e ultrapassar os direitos humanos internacionalmente
reconhecidos, ou seja, os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e
ambientais que contam nos tratados internacionais de direitos humanos buscando
o direito coletivo. O direito à Cidade inclui o direito ao desenvolvimento à
participação no planejamento e gestão urbanos e à herança histórica e cultural.
     O direito à cidade, a cidade como direito constrói a utopia do tempo presente.
Não nega o que não existe porque quer alterar o que existe para melhor. Pretende
mudar a realidade da vida nas cidades. Mostra a realidade como ela é mas quer
ultrapassar a pobreza, a carência, não no futuro distante e num eldorado mas
desde já e no lugar onde se vive.      Não se trata de uma sociedade e cidade
idealizadas mas da possibilidade de concretizar a melhora do que existe.
       A utopia não é imaginar um eldorado separado da vida cotidiana mas
como todas as utopias há : “oposição da imaginação ao que existe, em nome de
algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e pelo qual
vale a pena lutar”. (Santos, p.323).
      A luta pelo direito à cidade e todos aqueles que dela partilham, seja na
academia, seja nos movimentos sociais é uma plataforma de luta a construção da
utopia de ter a cidade como um direito com a idéia de que um outro mundo é
possível. È possível diminuir a desigualdade socioespacial se os direitos
individuais que constam nos tratados internacionais sejam efetivos e constitui a
Cidade como Direito.


Referencias bibliograficas
Carta Mundial pelo Direito à Cidade – 2006
Davis, Mark – 2006 - Planeta Favela – Boitempo Editora – SP- SP
Fonseca, Francisco 2005 - O Consenso Forjado : A grande imprensa e formação
      da Agenda Neoliberal no Brasil – Editora Hucitec – SP-SP
Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade
Moraes, Reginaldo, 2001 – Neoliberalismo : de onde vem para onde vai?
      Editora Senac – SP. SP
Ortiz, Henrique – pronunciamento como diretor Presidente do HIC – Habitat
      Internacional Coalisation
Projeto de Lei   20/2007 – Projeto de Lei sobre Responsabilidade Territorial –
      Câmara Federal – Brasília – DF.
Rodrigues, Arlete Moysés    1988   Na procura do lugar o Encontro da
      Identidade – As ocupações coletivas de terra – Osasco- São Paulo.
      Tese de doutoramento.
      2005 – Direito a Cidade e o Estatuto da Cidade – Revista Cidades
      n.3 vol.2 –Presidente Prudente- SP.
      2006 – Movimentos Sociais Urbanos in      Sociedades em Redes,
      Cidades Globais, Tecnologias Informacionais. CD do Encontro
Santos, Boaventura Souza – 1995 – Pela Mão de Alice – O social e o Político na
      pós modernidade- Cortez Editora – SP SP

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Texto desigualdades sociespaciais-

  • 1. PUBLICADO NO LIVRO – QUINTAS URBANAS Rio Grande do Sul – Rio Grande – 2007 – FURGS Pg.83 a 103 Movimentos Populares urbanos e as lutas contra a Segregação Socioespacial 1 Arlete Moysés Rodrigues2 Introdução A desigualdade sócio-espacial, produto do modo de produção capitalista expressa a desigualdade entre classes sociais no processo de (re)produção ampliada do capital. Imbrica-se com a exploração e espoliação da força de trabalho, com a mercantilização da terra e edificações, com a venda da imagem da cidade-mercadoria. Conta com a presença e num aparente paradoxo com a ausência do Estado capitalista3. O Estado capitalista faz-se presente ao regular o valor do salário, definir as leis e normas de uso do solo tendo como premissa que a terra urbana é uma mercadoria. Também é verificável a atuação do Estado quando o mesmo implanta vias de circulação intra e interurbana, infraestrutura, equipamentos e meios de consumo coletivo, seguindo as normas de propriedade e do mercado. Atua, como diz, Topalov na socialização da produção capitalista.(Rodrigues, 1988) A socialização da produção capitalista atende sobretudo aos interesses do capital e secundariamente à reprodução da força de trabalho. O Estado capitalista parece estar ausente quando define um salário mínimo que não permite a reprodução da força de trabalho o que implica em tornar a cidade inacessível aos trabalhadores, mas é exatamente quando é presente ao 1 - As idéias aqui contidas foram apresentadas em junho de 2007 em Rio Grande – RS. Assertivas e afirmações, noções constam também de outros textos da autora. 2 - Prof.Livre Docente – UNICAMP – amoyses@ terra.com.br. 3 - Estamos nos referindo ao Estado capitalista e não a governos que se sucedem no tempo e que podem apresentar nuances de formas de atuação.
  • 2. atender os interesses do capital. Assim a aparente ausência para atender as necessidades da maioria é a presença para atender os interesses do capital. Mas o Estado é ausente quando ações diversas possibilitariam a constituição de um espaço de interesse público. A “ausência” do Estado em suprir infraestrutura, moradia digna, equipamentos de consumo coletivo, parece ser compensada pelo atendimento de chamadas “demandas” dos trabalhadores como se fossem doações. Com o predomínio da política neoliberal o atendimento de “demandas” constitui as políticas focalizadas. Analisar as desigualdades socioespaciais, a segregação social e espacial, implica em utilizar um arcabouço teórico que permita compreender as contradições inerentes ao modo de produção e como estas se manifestam no território. Uma das possibilidades de entender a perpetuação da desigualdade socioespacial está ligada as representações do urbano e da cidade, em especial nas agendas governamentais tendo em vista a complexidade envolvida na produção e reprodução do espaço. Uma das representações é a que atribui ao crescimento populacional, especialmente às migrações o que se chama de problemas urbanos. Embutido nas representações está a idéia de “êxodo rural”, de “cidades inchadas” de favelas como “câncer urbano”.4 A população urbana é utilizada como parâmetro para medir o tamanho das cidades (grandes, médias, pequenas), mas ao mesmo tempo, é considerada como problema porque não tem empregos, salários suficientes para lhe permitir entrar no mundo do consumo. Atribui-se a responsabilidade de ter empregos, salários decentes ao indivíduo e não ao modo de produção e ao seu progresso. Como é possível compreender que a riqueza de uma cidade seja sua população e ao mesmo tempo dizer que os pobres é que criam problemas? Afirma-se que os problemas são causados porque a população urbana cresce mais do que os investimentos do Estado o que implicaria na “ausência do 4 - Utilizar termos inchaço, câncer , entre outros, mostra que os discursos naturalizam a sociedade. O inchaço mostra um problema e um câncer um problema ainda maior. Na medicina procura-se a causa do edema para ser resolvido e câncer procura-se extirpa-lo.
  • 3. estado” e assim ele é chamado a resolve-los. Atribui-se assim a “responsabilidade” a ausência do Estado e aos deslocamentos e crescimentos populacionais. Nas representações oficiais a expansão provocada pelos agentes imobiliários é tida como progresso, urbanização, urbanidade. Mesmo quando a expansão, por exemplo, ocorre além dos limites da área urbana, deixa espaços vazios para especulação criando a necessidade de expandir a infra-estrutura que implica em aumentar os custos para o poder público, é considerado progresso e não uma forma de criar e recriar problemas. Atualmente é visível a implantação de “condomínios murados”5 que provoca aumento do preço da terra, discrimina os moradores de outras áreas, acirra a desigualdade sócioespacial e onera o poder público com a implantação de infra-estrutura. O movimento da sociedade tem, contudo, alterado a compreensão das representações oficiais. Aponta que o Estado é ausente/presente ao lutarem para obter a garantia de reconhecimento de seus direitos fundamentais. Mostram as contradições da produção e reprodução do espaço urbano e da intensificação da segregação e desigualdade socioespacial. Valor de uso e valor de troca – Desigualdade socioespaciais. È possível, para um olhar atento, ver as desigualdades socioespaciais na expressão dos extremos a riqueza e pobreza de áreas e da população que as ocupam. Em algumas áreas a riqueza é visível em edificações “modernas” e/ou suntuosas, cercadas com grades e muros, tanto no setor residencial como onde estão os equipamentos coletivos, de serviço e de comércio. Uma especificidade das áreas “nobres” é o zoneamento de áreas exclusivamente residências em ruas, avenidas asfaltadas, iluminação pública onde trafegam predominantemente 5 - Condomínios fechados não constam de legislação vigente. Utilizamos o termo “murados” por considerarmos que explicitam sua forma e sua ilegalidade urbanística. Mike Davis (Davis, M. 2006), também utiliza “murados” para tratar dessa forma de produção do espaço urbano.
  • 4. automóveis individuais modernos. Nas ruas poucas pessoas e muitos veículos de último “tipo”. Na maioria das áreas a pobreza aparece no conjunto de edificações precárias, nas pessoas que circulam por ruas esburacadas, sem iluminação pública. A circulação de automóveis, vans, ônibus lotados contrasta com a das áreas “nobres”. Não há separação, zoneamento que estabeleça limites entre as moradias e outras atividades, mesmo as que colocam risco de vida para os moradores. Nas áreas mais pobres os moradores ficam segregados em seus próprios lugares de moradia e exceto quando estão cumprindo a jornada de trabalho, não circulam na área onde predomina a riqueza. Riqueza que ajudam a produzir. 6 Nas áreas “pobres”, segregadas encontram-se as favelas, cortiços, ocupações coletivas de terra, loteamentos precários, conjuntos habitacionais precários. As áreas que foram segregadas são tidas como anomalias da urbanização embora dela sejam decorrentes. As favelas e as ocupações coletivas de terra e seus barracos representam, na ótica do capitalismo e do estado capitalista, a ilegalidade jurídica (desrespeito a propriedade privada) e urbanística (desobediência às regras e normas de parcelamento do solo urbano). No imaginário coletivo criado pela ideologia dominante a desigualdade social é difundida como resultado da falta esforço de seus moradores, que são considerados causadores de sua própria miséria e pobreza. As casas precárias, os loteamentos irregulares, os conjuntos habitacionais apresentam vários níveis de ilegalidade urbanística embora alguns deles possam estar dentro das normas de apropriação e propriedade da terra, ou seja, têm legalidade jurídica mas não conforme as normas urbanísticas e/ou edilícias. Os conjuntos habitacionais, edificados e financiados pelo Estado destinados à chamada população de baixa renda foram, de modo geral, construídos em descontinuidade com o tecido urbano, em áreas sem infra- estrutura e equipamentos de consumo coletivo. Financiados com recursos 6 - veja-se Rodrigues, 1988
  • 5. públicos (FGTS) atendem a um mercado “especial” dirigido aos que ganham baixos salários. Ao comprar uma unidade que pagam em 25 anos ficam prisioneiros da prestação do “imóvel”. Como diz Milton Santos o espaço pode ser uma prisão. Em geral são urbanisticamente irregulares o que impede que os moradores tenham a propriedade definida.7 Desde a criação do Banco Nacional de Habitação (BHN) em 1964 e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) os trabalhadores passam a ser classificados por faixas de renda salarial o que mostra o início de um processo de deslocamento discursivo de classe social para faixas de renda. È bom lembrar também o trabalhador perde sua estabilidade com a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) em 1967 que altera as normas de contrato de trabalho e fundamenta a precarização das relações de trabalho. A pobreza da população e das áreas que ocupam se alastram pelo tecido urbano. As áreas carentes de infra-estrutura e equipamentos de consumo coletivo, que apenas permite precárias condições de vida para seus moradores, são consideradas decorrentes de desvios do modelo da cidade ideal. A solução para corrigir os desvios estaria em investimento do Estado nas áreas e no atendimento individual. Contraditoriamente, na agenda neoliberal, o Estado tem que diminuir suas atividades, tornar-se “mínimo”, mas ao mesmo tempo tem que atender, de modo focalizado a população para resolver problemas. O atendimento focalizado implica em atendimento setorial com habitação, saneamento, transportes, urbanização de favelas, etc. e pagamento pela população “beneficiada”, dos benefícios recebidos. Para os loteadores dos conjuntos “fechados”, condomínios “murados”, não há nenhuma referência de que devam pagar pelo “benefícios” de se apropriarem da produção coletiva da cidade. Não há também “penalização” ou pagamento de tributo por privatizarem áreas que deveriam integrar-se à área urbana, de acordo com a legislação vigente. Também não se considera que recebem benefícios ou 7 - O parcelamento do solo e edificação é regularizado, via de regra, vários anos após a edificação, comercialização das unidades.
  • 6. que devam receber um atendimento focalizado para resolver a irregularidade. São tidos como portadores do progresso. Procura-se, assim, rapidamente regularizar as dissonâncias urbanísticas e jurídicas com ocorre com parágrafos do Projeto de Lei 20/20078 no qual se verifica que os objetivos são de promover a regularização urbanística de condomínios fechados. Cria, o PL a figura de “condomínios urbanísticos” que visa garantir a regularização “urbanística”. No Projeto de Lei sobre os condomínios urbanísticos há propostas conflitantes. O Fórum de Reforma Urbana defende que pelo menos os logradouros públicos, áreas de uso comum, áreas institucionais, exigidas por lei, sejam localizadas fora da área murada ou sejam que cumpram a legislação atual. Os loteadores, em especial de loteamento já implantados, querem apenas o reconhecimento da ocupação para não terem que compensar a privatização de áreas públicas que estão dentro dos muros, em outros locais. Por outro lado a regularização de áreas ocupadas pelos trabalhadores, reivindicação antiga de movimentos populares, que significa o reconhecimento do valor de uso das ocupações tramita desde o final da década de 80 do século XX e a possibilidade de conseguir a regularização urbanística e fundiária esboça-se com a Constituição Federal de 1988 mas só começa a se tornar efetiva com a Lei 10.257/01, Estatuto da Cidade e a Medida Provisória 2220/01. A regularização fundiária tem sido realizada em terras da União desde 2005 e em áreas municipais e estaduais, dependendo da determinação política, num processo lento e tortuoso. O reconhecimento de usucapião depende de uma grande mobilização e organização dos moradores e de estabelecer formas de resolver os tramites burocráticos. Comparando o tempo, para entrar na agenda política, da regularização de áreas ocupadas por trabalhadores com o tempo para a regularização dos condomínios murados verifica-se que o que importa é o valor de troca contrapondo-se ao valor de uso, das áreas ocupadas como moradia, pois o 8 - O Pl 20 de 2007 (anteriormente 3027 de 2000) propõe a revisão da Lei 6766/79 que rege o parcelamento do solo urbano.
  • 7. progresso é atribuído aos agentes tipicamente capitalistas e os problemas atribuídos aos trabalhadores. Há que se destacar que a regularização fundiária com o Usucapião Urbano (terras privadas) e a Concessão de Uso em Terras Públicas mostram o reconhecimento da importância do valor de uso para os moradores, pelo Estado Capitalista. A intensificação da desigualdade socioespacial tem sido analisada por vários autores em seus diversos aspectos para compreender o processo (re)produção do espaço na reprodução ampliada do capital. No texto, damos ênfase ao significado do valor (valor como um direito de viver) e do valor de uso de troca, para aqueles que ocupam e vivem em áreas segregadas, e as representações sobre a produção do urbano. A terra urbana, as edificações, e a própria cidade são mercadorias do modo de produção capitalista com valor de uso e valor de troca. Para a maioria dos moradores, a moradia de qualquer classe social tem como predomínio para a sua casa, o valor de uso. Representa um abrigo, uma morada, o lugar da reprodução da vida. Embora como toda mercadoria tenha embutido o valor de troca que se concretiza no momento de compra/venda e/ou no aluguel, estamos falando da propriedade pessoa9 e de sua representação social. O preço da mercadoria casa/terreno a ser obtido no momento de troca está relacionado com as características do lugar e do imóvel, quando edificado. Os imóveis, terrenos, glebas situadas em áreas segregadas, que contam com poucos e/ou precários equipamentos de consumo coletivo, de infra-estrutura têm menor preço no mercado quando comparados aos localizados nas chamadas áreas nobres, equipadas com toda a infra-estrutura e serviços. Nas áreas segregadas com ilegalidade jurídica, e/ou urbanística os lotes, casas, glebas, terrenos não entram no mercado tipicamente capitalista e mesmo quando entram no mercado, predomina o significado de valor de uso, dada a singularidade desse mercado. Para os moradores o que importa é o valor de uso. 9 Sobre as características da mercadoria terra e da cidade veja-se Rodrigues, Arlete Moysés 1988
  • 8. Para o capital a irregularidade significa que não estão no mercado formal e, em princípio, não tem preço e nem valor de troca. Na lógica do Estado capitalista, que é incorporada no imaginário coletivo, a desigualdade sócioespacial é o resultado, como já dito, de desvios do modelo de urbanização. Considera-se que a forma de tentar resolver o desvio do modelo é a de enquadrar as áreas nas normas urbanísticas e jurídicas e, assim, o Estado mostra sua presença. Uma presença que implica em alterar a predominância do valor de uso para o predomínio do valor de troca como se verifica na implantação de conjuntos habitacionais, revitalização de áreas centrais, “urbanização” de áreas, remoção de favelas para áreas distantes (removendo o câncer urbano) distantes das áreas equipadas de infra-estrutura. Na ótica de moradores, organizados em movimentos populares, enfatiza-se o predomínio do valor de uso, com a necessidade de ter um teto, um abrigo de poder freqüentar escolas, posto de saúde, poder recorrer a postos policiais, contar com luz domiciliar e pública, água potável. A lógica é de garantir a permanência dos moradores nas áreas ocupadas, nas áreas centrais, na possibilidade de continuar pagando a prestação da casa financiada em conjuntos habitacionais mesmo que distantes, ter reconhecido a compra que realizaram de um lote/ casa, em loteamentos irregulares. Os movimentos de Moradia e a luta contra a exploração e espoliação A desigualdade sócio-espacial, a precariedade para a reprodução da vida, produto do modo de produção torna-se condição de permanência de pobreza e de falta de urbanidade. É contra a condição de permanência na pobreza absoluta que os movimentos se organizam. Querem alterar a desigualdade espacial tornando o lugar de morada em possibilidade de mudança. Possibilidade de mudança que está no reconhecimento do valor de uso e no direito à urbanidade. Objetivam o direito a ter direitos e um deles é o direito de usufruir na cidade da riqueza que também produzem.
  • 9. No mundo do trabalho as lutas dos trabalhadores possibilitaram conquistas nas relações de trabalho (carga horária, férias, direito à licença médica, direito à maternidade, aumento de salários, organização sindical livre), que podem ou não ter alterado as características da produção e reprodução do urbano onde conseguiram se instalar. Enquanto os trabalhadores, no âmbito das lutas na fábrica, dirigem-se diretamente aos capitalistas, os movimentos de moradia dirigem-se diretamente ao Estado, responsável, segundo as normas constitucionais, a garantirem a reprodução da vida, estabelecer e fazer cumprir parâmetros para a ocupação do solo, garantir a função social da cidade e da propriedade. A luta contra a desigualdade é parte integrante da vida cotidiana dos trabalhadores, no lugar de morar e no lugar de trabalho. No local de moradia organizam-se para conseguir abastecimento de água, iluminação pública e domiciliar, captação de esgotos, coleta de lixo irregular, acessibilidade, transportes coletivos menos precários, escolas e postos de saúde e vários equipamentos de consumo coletivo. 10 Na década de 70 do século XX movimentos de favelas e de ocupações coletivas de terras, lutaram para obter instalação de luz elétrica domiciliar e pública mostrando que a iluminação à vela e querosene provocavam incêndios e que a falta de iluminação pública dificultava o deslocamento para o trabalho e escola e propiciava a violência; para obter água potável alegavam que se água potável morreriam contaminados e poderia haver epidemias, endemias provocáveis pela contaminação hídrica; locais para colocar o lixo evitando epidemias e mais recentemente lugares para separar o lixo reciclável; transportes coletivos para se deslocarem da casa para o trabalho; creches e escolas para atender às crianças e jovens e possibilitar a condição de mudança; postos de saúde e atendimento hospitalar para minorar as precárias condições de saúde e, principalmente pelo direito de permanecer nas áreas ocupadas. Busca-se obter uma vida decente. 10 - Fazemos aqui apenas uma breve síntese do processo de organização.
  • 10. Moradores que pagam aluguel e os cortiços organizaram-se para limitar o preço extorsivo de aluguéis, morar com um mínimo de salubridade, ter banheiros para um menor número de famílias, entre outras questões. Nas áreas centrais “degradadas” onde há um número expressivo de cortiços, os moradores lutam para que os centros antigos sejam utilizados também como moradia para trabalhadores. È bom lembrar que as propostas de intervenção de empresários e mesmo de governos municipais são para transformar as áreas centrais em um lugar de consumo visual e turístico. Mas os moradores lutam pela sua permanência nas áreas centrais urbanizadas o que significa a possibilidade de diminuir a segregação socioespacial. O Estado capitalista parece não compreender que a ocupação mista de áreas urbanizadas diminui os custos de gestão do urbano. Moradores das casas precárias de periferia, que compraram lotes em loteamentos irregulares, lutam para conseguir a regularização dos terrenos e garantirem sua permanência. Pagaram pela mercadoria terra-casa e podem perde-las se não for realizada a legalização jurídica da propriedade. A organização social dos moradores expressa também o direito ao reconhecimento de seu direito de permanência e da compra que realizaram o que pode significar uma condição de mudança de vida apesar de obterem o direito que já têm e do qual foram usurpados. Os moradores de conjuntos habitacionais se organizaram na década de 70 contra os aumentos das prestações do Sistema Financeiro de Habitação e para que houvesse a implantação de equipamentos de consumo coletivo. Procuram nos dias atuais, além disso, alterar a idéia de construção de grandes conjuntos segregados que os isolam do trabalho e das demais atividades urbanas. Os grandes conjuntos habitacionais localizados em áreas distantes e sem infra- estrutura representam a condição de permanência da segregação e da espoliação. As lutas pelas alterações em relação ao local onde devem se localizar significa a possibilidade de pensar o espaço como condição de mudança. O processo cotidiano de tentar minorar as agruras da vida é inicialmente fragmentado em diversos bairros, em favelas, em cortiços e também por tipo de
  • 11. reivindicação. Mas, as idéias e experiências que alavanca mudanças nas condições de vida se propagam. Amplia-se o leque de reivindicações dado o conhecimento dos problemas, alterando as formas e os conteúdos de organização coletiva. As cooperativas habitacionais passam a integrar o ideário de alguns grupos, para outros interessa a auto-gestão de mutirões, ampliam-se as ocupações coletivas de terra que antes da ocupação traçam ruas, demarcam lugares para construção de escolas, creches, mostrando uma organização prévia a ocupação, o que não ocorria com as favelas. O debate político se amplia com o conhecimento da importância do espaço e do lugar de morar. Isoladamente ou em conjunto, os moradores das chamadas áreas precárias organizam-se para conseguir transportes adequados, escolas, creches, postos de saúde, postos policiais. Um processo que significa o reconhecimento do direito a ter direitos e a politização do espaço não apenas no sentido da propriedade mas também no de pertencimento. Os que se inserem em movimentos populares passam a ter conhecimento das causas que modelam a morfologia e o conteúdo da exploração e espoliação. Mas também há os que nela se inserem pela necessidade imediata de reprodução da vida, o direito de morar, permanecer nas terras ocupadas, ter emprego, salários dignos, infra-estrutura, equipamentos e meios de consumo coletivo. Não há, nos movimentos, uma homogeneização mas divulgam coletivamente uma condição libertária. Um processo que constrói a utopia de direitos sociais coletivos cuja meta é transformar o espaço segregado, produto da desigualdade social, em um espaço com menor opressão, exploração e espoliação, onde esteja ausente o preconceito de raça, classe, etnia, gênero. A intenção é tornar o lugar em que moram, integrado na cidade. As manifestações relacionadas às necessidades específicas inicialmente fragmentadas expandem-se tanto na compreensão de direitos como em relação ao espaço. No Brasil, no final da década de 80 do Século XX, com a instalação do Congresso Constituinte, agregaram-se movimentos na defesa de princípios e direitos fundamentais como a educação, saúde, reforma agrária, ambiente
  • 12. saudável, água potável, energia elétrica, reforma urbana, entre outros, propondo emendas populares à Constituição. Em relação a reforma urbana houve tentativas anteriores de aglutinação como a que ocorreu na primeira metade da década de 60 no Congresso de Arquitetos realizado em 1963 cuja proposta centrou-se em mecanismos de intervenção do governo federal nos problemas habitacionais. Com modificações e alterações a proposta do Hotel Quitandinha (local onde se reuniram os arquitetos) foi apropriada pelos governos da ditadura milita com a criação em 1964 do Banco Nacional de Habitação e do Sistema Financeiro de Habitação.11 Em 1967 o governo militar põe fim a estabilidade do trabalhador, criando o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) transformando um direito numa forma de obter recursos para “resolver“ problemas de habitação e ativar a economia por meio da indústria da construção civil. Inicia-se, como já dito, o processo de precarização do trabalho com o fim da estabilidade do trabalhador. Nos discursos as classes sociais, os trabalhadores em geral desaparecem para dar lugar a classes de renda. No período da ditadura militar os movimentos sociais centram-se no movimento contra a carestia e similares mas desde a década de 80 o movimento da reforma urbana articula-se colocando em pauta problemas de habitação, transporte, acesso a terra urbanizada, saneamento.12 As lutas para garantir o direito à moradia, aos transportes coletivos, a permanência nas áreas ocupadas, equipamentos e meios de consumo coletivo, ao emprego, a infra-estrutura são e foram fundamentais para desvendar formas de opressão, de segregação, de promessas nunca cumpridas pelo estado e pelo capital. No final da década de 80 o movimento pela reforma urbana elabora a Emenda Constitucional pela Reforma Urbana. Alguns princípios propostos na Emenda pela Reforma Urbana constam da Constituição Brasileira, como a função social da propriedade e da cidade (artigos 182 e 183). Contudo na Constituição a 11 - Contrariamente ao que pensam alguns intelectuais que querem atribuir ao congresso de arquitetos os pressupostos da reforma urbana, são os movimentos populares que estabelecem os princípios da reforma urbana. 12 - O movimento da Reforma Urbana conta com movimento sociais populares, trabalhadores da área urbana, arquitetos, geógrafos, urbanistas, Ongs, sindicatos de engenheiros, arquitetos entre outros.
  • 13. função social da propriedade é postergada pois se exige a elaboração de um Plano Diretor onde se delimite as áreas que não cumprem sua função social. O plano diretor é exigido para os municípios com mais de 20 mil habitantes. As ”topias”, ou seja, as normas como lembra Henry Lefebvre, são resguardadas com a definição e obrigatoriedade de um plano diretor que implica em planejamento governamental do uso da terra urbana. A regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição ocorre em 2001 com a aprovação da Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade que trata da cidade como produção coletiva e da função social da cidade e a Medida Provisória 2220/2001 que trata especificamente das terras públicas e criação do Conselho das Cidades. A função social da cidade como expressa no Estatuto da Cidade reconhece os direitos de ocupação com o usucapião individual e coletivo, tenta impor limites à especulação imobiliária e ao mesmo tempo reafirma a propriedade da terra.13 Em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente (CNUMAD) organiza-se o Fórum das Organizações não Governamentais e Movimentos Sociais que elaboram vários Tratados para explicitar o que desejam. O Tratado da Questão Urbana é assinado por representantes de movimentos populares de vários países, em especial pelo Fórum Nacional da Reforma Urbana, HIC e FCOC. È bom lembrar que as propostas do Fórum das Ongs e movimentos sociais não foram incorporadas na Agenda 21, documento assinado pelos representantes de paises presentes na CNUMAD. Ao longo da década de 90 as lideranças dos movimentos estão presentes em vários lugares do mundo para mostrar o significado do direito a ter direitos debatendo o conteúdo do Tratado da Questão Urbana. O preâmbulo da carta que veicula o Tratado da Questão Urbana resgata como se processou o debate: “Sin embargo, la promoción y difusión mundial de esta iniciativa, proveniente inicialmente de la sociedad civil latinoamericana, la concibió en su origen como un 13 - veja-se Rodrigues, Arlete Moysés 2005
  • 14. documento político que sirviera para movilizar a amplios sectores sociales potencialmente interesados en el tema. Se orientó principalmente a organizaciones civiles y movimientos sociales y paulatinamente se ha abierto a la incorporación de autoridades locales, organismos internacionales y otros actores públicos, privados y sociales” (Carta sobre o Tratado da Questão Urbana) Em 1996, a Conferência das Nações Unidas sobre os Assentamentos Humanos (Habitat II) realizada em Istambul contou com ampla participação dos movimentos populares reunidos também em Fórum próprio mas com a possibilidade de assistir os debates, o que significou um novo marco em relação aos direitos sociais e ao reconhecimento de formas de organização da sociedade. A agenda Habitat II assegurou, com ressalvas, o direito a moradia como direito humano e o fim dos despejos forçados. A construção coletiva dos movimentos sociais se apropria do avanço técnico e computacional formam redes 14 internacionais e divulgam os princípios e pressupostos pelo direito à moradia como direito humano e constroem coletivamente o ideário do Direito à Cidade. Os Fóruns Sociais Mundiais (Um Outro Mundo é Possível), fortalecem a união de movimentos sociais populares que debatem o Direito à Cidade, ou melhor a Cidade como Direito. Trata-se do movimento da sociedade que têm como objetivo, objeto, meta, princípios a Utopia da Cidade como Direito. Utilizamos Cidade como Direito para dar a dimensão espacial, territorial que interessa sobretudo aos geógrafos. A luta pelo direito à cidade é um germe da utopia para conquista do reconhecimento que os que produzem a cidade querem dela também usufruir. È a constituição de um direito coletivo. Direito coletivo que implica não apenas na assimilação de direitos individuais mas em sua coletivização. A luta pela Cidade como Direito surge e se explicita pelos que vivem nas áreas segregadas e assim são os hipercarentes, ou seja aqueles que moram em condições precárias, que não tem emprego permanente, que constroem um contraponto as normas jurídicas, urbanísticas que regem a terra urbana e a vida social nas cidades, que se opõem a cidade-mercadoria e que entendem que a 14 Rodrigues, Arlete Moysés - 2006
  • 15. cidade é produzida coletivamente e que deve ser usufruída por todos. Henrique Ortiz15 afirma que: “A iniciativa de formular os princípios do direito à cidade tem como principal pressuposto lutar contra todas as causas e manifestações de exclusão: econômicas, sociais, territoriais, culturais, políticas e psicológicas. È uma resposta social, um contraponto à cidade mercadoria. A luta pelo direito à cidade é a expressão do interesse coletivo”. (Ortiz, Enrique, 2006) Assim a luta pelo direito à cidade não se restringe a construção, e obtenção de direitos individuais. O objetivo central é tornar o valor de uso predominante sobre o valor de troca e construir o direito coletivo. O processo de mobilização internacional dos movimentos propõe a coletivização dos direitos, como se verifica em trecho da Carta Mundial pelo Direito à Cidade. “O Direito à Cidade amplia o tradicional enfoque sobre a melhora da qualidade de vida das pessoas centrado na moradia e no bairro até abarcar a qualidade de vida à escala da cidade e de seu entorno rural, como um mecanismo de proteção da população que vive nas cidades ou regiões em acelerado processo de urbanização. Isso implica em enfatizar uma nova maneira de promoção, respeito, defesa e realização dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais garantidos nos instrumentos regionais e internacionais de direitos humanos” “É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado.” Os direitos individuais, por mais importantes que sejam, foram capturados pelo “mercado” dirigido para “escolhas” individuais com predomínio do valor de troca. Foram e são importantes para a consciência coletiva dos trabalhadores e/ou das classes populares e permitem avançar com a proposição de direitos coletivos e predomínio do valor de uso como proposto na Carta Mundial pelo Direito à Cidade. 15 - Henrique Ortiz é diretor Presidente do HIC – Habitat Internacional Coalisation
  • 16. A luta pelo direito à cidade diz respeito à sociedade urbanizada e não ao limites das cidades mas ao processo de urbanização, como aponta a própria Carta Mundial pelo Direito à Cidade. Para os efeitos dessa Carta, o conceito de cidade possui duas acepções. Por seu caráter físico, a cidade é toda metrópole, urbe, vila ou povoado que esteja organizado institucionalmente como unidade local de governo de caráter municipal ou metropolitano. Inclui tanto o espaço urbano como o entorno rural ou semi-rural que forma parte de seu território. Como espaço político, a cidade é o conjunto de instituições e atores que intervêm na sua gestão, como as autoridades governamentais, legislativas e judiciárias, as instâncias de participação social institucionalizadas, os movimentos e organizações sociais e a comunidade em geral. Neoliberalismo - Contrapondo dos movimentos populares. A separação “artificial” das lutas no local de trabalho e o de viver dificultou que se compreendesse que fazem parte do mesmo processo de exploração e espoliação. Mas a separação do lugar de trabalhar e viver é produto da exploração, dominação e espoliação dos trabalhadores que se concretizam na fábrica, no local de moradia, no deslocamento da moradia para o trabalho. A força de trabalho é uma mercadoria e preço não é suficiente para que a maioria consiga sobreviver decentemente. Portanto são aspectos da luta pelo direito à vida. As lutas no local de moradia foram, durante muito tempo, consideradas secundárias porque não se referiam aos conflitos diretos entre capital e trabalho ou tidas como reformistas na medida em que reivindicavam casa própria. Entendemos que a casa própria para quem nela mora tem valor de uso, é uma mercadoria de uso pessoal. Se os moradores pagarem aluguel estarão pagando a renda da mercadoria terra-edificação em parcelas mensais. Não é possível separar o lugar do viver do lugar de trabalhar sem incorrer em simplificações e não é possível considerar que a sociedade se move como querem os intelectuais. É verdade que a ideologia da casa própria foi o mito da ditadura militar para movimentar o setor industrial e incentivar a compra da casa para quem não pode pagar aluguel. O Brasil tem algumas singularidades, entre elas, a de que
  • 17. quem não pode pagar aluguel compra casa com financiamento do seu próprio dinheiro. Dinheiro público proveniente do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A acumulação flexível do capital, a alteração de grandes plantas industriais com predomínio de produção dispersa no espaço, just-in time, o avanço de tecnologias que substituem força de trabalho, o aumento do desemprego e subemprego, a precarização das relações de trabalho expressam novas questões e tornam mais evidente que as lutas do mundo do trabalho embora realizadas de modos diversos têm o mesmo conteúdo: lutar contra as formas de dominação e opressão. O neoliberalismo aumenta e acelera a desigualdade socioespacial e a segregação social e espacial e impõe a fragmentação de políticas públicas. Conquistas históricas dos trabalhadores são desmanteladas com a hegemonia do pensamento neoliberal que se torna a ideologia dominante. Reginaldo Moraes aponta que “neoliberalismo constitui em primeiro lugar uma ideologia, uma forma de ver o mundo social, uma corrente de pensamento” (Moraes, p.27). Ideologia de um “consenso” forjado como mostra Francisco Fonseca. (Fonseca, 2005) Os inimigos declarados dos neoliberais são o Estado em especial o que propaga um bem estar social, a planificação, a intervenção estatal na economia, os sindicatos, as centrais sindicais, a ideologia nacionalista e desenvolvimentista, o populismo e os direitos coletivos. Os neoliberais têm duas grandes exigências complementares: privatizar empresas estatais e serviços públicos e desregulamentar as normas de estados nacionais e o repasse da regulamentação para as organizações multilaterais como o G-7, a OMC, Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, dominados pelas corporações multinacionais e pelo pensamento neoliberal. Na década de 80 do século XX generalizam-se os mercados financeiros que tenta subtrair dos governos nacionais grande parte do seu poder. O novo fetiche passa a ser as “contas nacionais”. Os países devedores tornam-se prisioneiros das “contas” e não têm como garantir políticas de pleno emprego e/ou diminuir a desigualdade sócio-espacial. O rebatimento do neoliberalismo
  • 18. intensifica as desigualdades sócio-espaciais com a transformação da coisa pública em privada, resolvível no mercado. A “public choise” é centro das propostas de privatização: “bens públicos não dependem clara e objetivamente de pagamento que é o que vale no mercado- os economistas reconheciam aí a existência de atividades geradoras de benefícios que não podem ser comercializados no mercado . Há uma pseudodemanda não concretizável no mercado mas em disputa numa determinada arena política, um simulacro de mercado” (Moraes, p. 56). Esse quase mercado, um mercado específico, vira um “mercado” mesmo quando a provisão de bens não coincide com a produção. O mercado capitalista de terras e de edificações urbanas não é completamente conhecido como o são outras mercadorias, depende de uma plêiade de proprietários privados mas se constitui num mercado especifico16. Quanto mais cidade de produz, na lógica do capital, maior o preço da terra e das edificações, como se verifica no processo de expulsão explicitada ou implícita dos trabalhadores. A focalização em ações direcionadas, como preconizada pela agenda neoliberal, delimita o receptor de benefícios e assim substitui a política de acesso universal pelo acesso seletivo. Impede que os direitos sociais sejam atinentes aos bens públicos e que se transformem em direitos coletivos. O que tem valor são os “direitos individuais, seletivos” que se concretizam no mercado. Enquanto o neoliberalismo insiste na focalização, as lutas dos movimentos societários colocam o pressuposto que a produção do espaço é social, que a desigualdade na obtenção de direitos sociais coletivos não pode ser resolvida no e pelo mercado. São os movimentos sociais de todos os matizes que recolocam o direito universal do trabalho, educação, saúde, terra para plantar, terra para morar, da igualdade entre etnias, do direito à cidade como direitos coletivos e que tendo conhecimento ou não se colocam contra as políticas neoliberais. 16 - Veja-se Rodrigues, A. Moyses (1988)
  • 19. Utopia do Tempo Presente A luta pelo direito à cidade é uma demonstração de que para alterar a desigualdade sócio-espacial é preciso construir novas utopias, que possibilitem que a produção coletiva do espaço seja apropriada coletivamente. È necessário também constituir novos instrumentais de análises sobre a produção reprodução da cidade e da reprodução ampliada do capital, que permitam compreender as contradições e os conflitos. A Carta Mundial da Cidade aponta que se pretende obter a justa distribuição da riqueza produzida: “O objetivo é promover a justa distribuição dos benefícios e responsabilidades resultantes do processo de urbanização; o cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade; a distribuição da renda urbana; a democratização do acesso à terra e aos serviços públicos para todos os cidadãos, especialmente àqueles com menos recursos econômicos ou em situação de vulnerabilidade” Fica explicito que se objetiva fortalecer e articular os movimentos sociais. E que se pretende instituir como direito humano o direito coletivo. “Por sua origem e significado social, a Carta Mundial do Direito à Cidade é, antes de tudo, um instrumento dirigido ao fortalecimento dos processos, reivindicações e lutas urbanas. Está chamado a constituir-se em plataforma capaz de articular os esforços de todos aqueles atores – públicos, sociais e privados – interessados em dar plena vigência e efetividade a esse novo direito humano mediante sua promoção, reconhecimento legal, implementação, regulação e prática.” O Direito a Cidade é definido como o usufruto eqüitativo das cidades dentro dos princípios de equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado. A utopia da Cidade como Direito busca, nos seus princípios, pressupostos, propósitos, integrar e ultrapassar os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, ou seja, os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que contam nos tratados internacionais de direitos humanos buscando
  • 20. o direito coletivo. O direito à Cidade inclui o direito ao desenvolvimento à participação no planejamento e gestão urbanos e à herança histórica e cultural. O direito à cidade, a cidade como direito constrói a utopia do tempo presente. Não nega o que não existe porque quer alterar o que existe para melhor. Pretende mudar a realidade da vida nas cidades. Mostra a realidade como ela é mas quer ultrapassar a pobreza, a carência, não no futuro distante e num eldorado mas desde já e no lugar onde se vive. Não se trata de uma sociedade e cidade idealizadas mas da possibilidade de concretizar a melhora do que existe. A utopia não é imaginar um eldorado separado da vida cotidiana mas como todas as utopias há : “oposição da imaginação ao que existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e pelo qual vale a pena lutar”. (Santos, p.323). A luta pelo direito à cidade e todos aqueles que dela partilham, seja na academia, seja nos movimentos sociais é uma plataforma de luta a construção da utopia de ter a cidade como um direito com a idéia de que um outro mundo é possível. È possível diminuir a desigualdade socioespacial se os direitos individuais que constam nos tratados internacionais sejam efetivos e constitui a Cidade como Direito. Referencias bibliograficas Carta Mundial pelo Direito à Cidade – 2006 Davis, Mark – 2006 - Planeta Favela – Boitempo Editora – SP- SP Fonseca, Francisco 2005 - O Consenso Forjado : A grande imprensa e formação da Agenda Neoliberal no Brasil – Editora Hucitec – SP-SP Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Moraes, Reginaldo, 2001 – Neoliberalismo : de onde vem para onde vai? Editora Senac – SP. SP Ortiz, Henrique – pronunciamento como diretor Presidente do HIC – Habitat Internacional Coalisation Projeto de Lei 20/2007 – Projeto de Lei sobre Responsabilidade Territorial – Câmara Federal – Brasília – DF.
  • 21. Rodrigues, Arlete Moysés 1988 Na procura do lugar o Encontro da Identidade – As ocupações coletivas de terra – Osasco- São Paulo. Tese de doutoramento. 2005 – Direito a Cidade e o Estatuto da Cidade – Revista Cidades n.3 vol.2 –Presidente Prudente- SP. 2006 – Movimentos Sociais Urbanos in Sociedades em Redes, Cidades Globais, Tecnologias Informacionais. CD do Encontro Santos, Boaventura Souza – 1995 – Pela Mão de Alice – O social e o Político na pós modernidade- Cortez Editora – SP SP