2. O Tempo
Mário Quintana
A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal…
Quando se vê, já terminou o ano…
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado…
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava
o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a
casca dourada e inútil das horas…
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o
amo…
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à
falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser
feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente,
nunca mais voltará.
3. Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Fernando Pessoa
4. Saudade
Pablo Neruda
Saudade — O que será? … Não sei … Procurei
em alguns dicionários empoeirados e antigos
e em outros livros que não me deram o significado
desta doce palavra de perfis ambíguos.
Dizem que azuis são as montanhas como ela,
E que nela se obscurecem os amores longíguos,
e um nobre e bom amigo meu (e das estrelas)
Ele a denomina num tremor de tranças e mãos.
E hoje em Eça de Queiroz sem olhar a adivinho,
seu segredo se evade, sua doçura me obceca
como uma borboleta com um corpo estranho e fino
sempre longe — até agora! — das minhas redes silenciosas.
Saudade … Ei, vizinho, você conhece o significado
desta palavra em branco que, como um peixe evade?
Não … E me treme na boca seu tremor delicado…
Saudade …
5. DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não
fora
A presença distante das estrelas!
Mario Quintana
6. Arte de Amar
Manuel Bandeira
Se queres sentir a felicidade de amar,
esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro
corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as
almas não.
7. A HORA ÍNTIMA
Vinicius de Morais
Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: - Nunca fez mal...
Quem, bêbedo, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançará um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: - Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: - Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: - Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: - Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?