Notícia explicativa da Carta Geológica de Vila do Bispo (1979)
Iluminados passeios nocturnos
1. ILUMINADOS
PASSEIOS
NOCTURNOS
PEDRAS
QUE
FALAM,
ECOS
QUE
SE
REVELAM...
Ricardo
Soares
|
Arqueólogo
|
Câmara
Municipal
de
Vila
do
Bispo
Na
qualidade
de
arqueólogo
ao
serviço
do
Município
de
Vila
do
Bispo,
há
muito
apaixonado
por
esta
região
e,
a
cada
dia
que
por
aqui
passo,
cada
vez
mais
consciente
da
sua
riqueza
e
diversidade
arqueológica,
mas
também
natural,
paisagística
e
cultural,
cumpre-‐me,
necessariamente,
promover
acções
de
divulgação,
dinamização
e
valorização
de
todo
este
nosso
potencial
patrimonial.
Nesta
perspectiva,
a
comunidade
local
e
os
operadores
turísticos
tornam-‐se
peças
chave
num
discurso
integrado
e
de
alcance
social.
Não
só
sobre
as
autarquias
recai
a
responsabilidade
de
zelar
por
um
património
que
é
de
todos.
Estado,
Autarquias,
Freguesias,
Direcções
Regionais
de
Cultura,
Universidades,
Associações,
Empresas,
Técnicos
e
Cidadãos
devem,
em
uníssono,
promover
plataformas
de
convergência
para
objectivos
fundamentais
e
comuns.
Por
cá,
as
coisas
vão
acontecendo
naturalmente.
Por
exemplo,
esta
experimental
iniciativa,
que
hoje
aqui
partilhamos,
resulta
de
uma
muito
natural
convergência
em
torno
de
um
interesse
comum
–
OS
MENIRES
DE
VILA
DO
BISPO.
Na
aventura
da
noite,
ao
calor
do
fogo,
pela
luz
reveladora
dos
segredos,
nascem
amizades,
cultiva-‐se
o
passado,
semeia-‐se
o
futuro
e
muitos
mais
virão.
Quanto
aos
nossos
menires...
por
cá
vão
persistir,
com
saudades
de
uma
memória
futura...
Carla
Cabrita
|
Walkin’
Sagres
Walkin’
Sagres
é
uma
empresa
de
Sagres
que
realiza
passeios
pedestres
no
PNSACV.
É
um
projecto
concretizado
há
5
anos
e
cuja
finalidade
é
partilhar
o
que
de
melhor
temos
no
nosso
concelho:
natureza,
história,
cultura
e
suas
gentes.
Se
o
futuro
for
a
manutenção,
usufruto
e
preservação
das
riquezas
que
herdámos,
este
será
um
projecto
ganho!
Os
Iluminados
Passeios
Nocturnos
serão
o
descobrir
de
parte
do
nosso
património
arqueológico.
Venham
daí!
Dionísio
Pedro
|
Vivenda
Pedro
A
Vivenda
Pedro
tem
por
intento
promover
uma
familiar
alternativa
hoteleira,
dirigida
a
quem
busque
um
contacto
próximo
com
a
natureza,
oferecendo
uma
estadia
mais
rica
e
diversificada,
associada
a
temas
como
a
fauna,
a
flora,
a
história,
a
cultura
e
os
costumes
locais.
Acreditamos
que
o
desenvolvimento
sustentável
da
região,
potenciado
por
diferenciados
produtos
de
turismo
de
qualidade,
nas
suas
vertentes
ecológica,
paisagística
e
cultural,
permitirá,
no
futuro,
a
própria
manutenção
da
nossa
identidade
local.
Neste
sentido,
muito
além
de
uma
perspectiva
meramente
comercial,
apoiamos
e
associamo-‐nos
a
iniciativas
locais
que
promovam
a
nossa
História
e
que
nos
devolvam
o
nosso
Passado.
2. O
fenómeno
megalítico
e
os
menires
de
Vila
do
Bispo
Reflexo
do
gradual
aumento
demográfico,
propiciado
pela
sedentarização
neolítica
e
pelos
excedentes
alimentares
da
produção
agro-‐pecuária,
as
sociedades,
originalmente
igualitárias,
complexificam-‐se
estruturalmente,
exigindo
uma
nova
organização
social
e
emergentes
discursos
de
poder.
O
fenómeno
megalítico,
na
nossa
região
exuberantemente
representado
pelos
menires,
poderá
ser
precisamente
entendido
como
a
materialização
de
um
discurso
ideológico
que
irá
agregar
as
comunidades
em
torno
de
um
mega-‐objectivo
comum,
de
um
monumental
empreendimento
colectivo.
O
Homem
é
um
ser
gregário,
dependente
de
propósitos
colectivos,
de
linhas
de
comando
grupal,
de
necessárias
estruturas
de
orientação
e
contenção
de
esforços
e
de
tenções
sociais
–
a
génese
de
todos
os
discursos
de
poder!
Genericamente,
o
Megalitismo
caracteriza-‐se
pela
monumentalização
da
paisagem
com
o
recurso
a
grandes
blocos
de
pedra,
enquanto
expressão
cultural,
mágico-‐religiosa
e
territorial.
Recorrentes
em
todo
o
mundo,
em
diversas
culturas
e
em
todos
os
tempos,
os
menires
ocorrem
isolados,
agrupados
em
alinhamentos
ou
em
recintos
(os
cromeleques).
No
ocidente
europeu,
as
inaugurais
composições
megalíticas
surgem
associadas
ao
próprio
fenómeno
neolítico.
Estes
primeiros
menires
podem
ser
interpretados
como
a
primeira
manifestação
do
Homem
na
paisagem,
a
sua
própria
personificação
cultural
num
virgem
palco
natural
–
um
Homem
sedentário
que
se
apropria
de
territórios,
transformando-‐os,
cultivando-‐os,
marcando-‐os
com
marcos
identitários
de
propriedade
cultural.
A
propósito
da
referida
complexificação
social,
o
pesado
investimento
necessário
à
deslocação,
afeiçoamento
e
erecção
de
tantos
menires
poderá
ser
explicado
por
uma
motivação
de
ordem
simbólica.
Ao
contrário
de
uma
muralha,
em
si
mesma
também
revestida
de
simbolismo
visual,
enquanto
estrutura
de
pedra
que
defende
um
povoado,
as
suas
gentes
e
os
seus
bens,
a
justificação
prática
para
um
empreendimento
megalítico
será
menos
lógica
do
ponto
de
vista
funcional,
pelo
menos
à
luz
da
preconceituosa
visão
do
Homem
actual.
Ou
seja,
a
monumentalização
das
paisagens,
a
sua
marcação
com
recurso
a
grande
pedras,
implicaria,
necessariamente,
um
discurso
de
poder,
uma
liderança
tendencialmente
espiritual,
uma
estrutura
mental
de
ordem
mágico-‐religiosa
–
uma
remota
e
há
muito
perdida
“religião
megalítica”,
com
líderes
espirituais,
anciãos,
xamãs
e
objectos
de
culto,
materializados
na
forma
de
menires.
Quanto
à
mensagem
implícita
neste
presumível
discurso
simbólico,
a
distância
temporal
e
cultural
não
nos
permite
seguros
considerandos.
Ainda
assim,
com
base
em
dados
arqueológicos,
torna-‐se
possível
recuperar
alguns
longínquos
significados.
Por
exemplo,
tanto
no
vizinho
Alentejo
Central,
como
na
nossa
região,
as
escavações
dos
alvéolos
de
implantação
dos
menires
têm
permitido
exumar,
em
diversos
casos
e
entre
outros
artefactos,
recorrentes
fragmentos
de
mós
manuais.
Sempre
fragmentárias,
ou
seja,
uma
parte
de
um
todo,
estas
peças
remetem
para
os
povoados,
para
o
mundo
quotidiano
da
vida
rural,
para
a
importância
do
cereal
e
da
sua
moagem.
Estes
indícios
artefactuais
levam-‐nos
a
presumir
que
os
menires
foram
erguidos
por
comunidades
de
pastores-‐agricultores,
dedução
reforçada
por
outra
recorrente
evidência
arqueológica:
no
3. Alentejo
Central,
região
vizinha
que
também
serviu
de
palco
para
a
implantação
de
uma
numerosa
concentração
de
menires,
o
mais
repetido
elemento
iconográfico
gravado
nos
monumentos
representa,
justamente,
o
“báculo”,
ou
cajado
de
pastor.
Nas
decorações
inscritas
nos
menires
de
Vila
do
Bispo
há
também
quem
vislumbre
significâncias
esquematizadas,
invocadoras
da
fecundidade
e
da
abundância
proporcionada
pela
terra
agricultada
e
pelos
animais
pastoreados:
as
elipses
segmentadas
têm
sido
interpretadas
como
grãos
de
trigo;
as
semi-‐elipses
como
mamilos
de
gado
(o
leite);
as
linhas
ondulantes
como
nascentes
de
água
e
cursos
de
rio;
os
cordões,
junto
ao
topo
dos
menires,
como
glandes
fálicas...
enfim,
quem
sabe?
Este
distante
e
subjectivo
universo
dos
significados,
o
reportório
simbólico
que
as
gentes
neolíticas
atribuíram
aos
seus
monumentos
meníricos
e
às
decorações
neles
inscritas
constituirá,
para
sempre,
um
fértil
campo
para
a
imaginação,
de
impossível
descodificação
pela
ciência
arqueológica.
Outras
questões
são
mais
tangíveis,
merecendo,
assim,
uma
maior
atenção
e
investimento.
No
que
diz
respeito
à
antiguidade
dos
nossos
menires,
trata-‐se
de
um
assunto
ainda
não
resolvido.
Não
é
fácil
a
datação
destes
monumentos
de
pedra
por
métodos
absolutos,
restando-‐nos,
por
hora,
analisar
um
conjunto
de
evidências
relativas,
como
associações
artefactuais
ou
a
avaliação
dos
dados
de
povoamento
regional.
Também
devemos
considerar
tratar-‐se
de
um
fenómeno
de
longa
diacronia,
ou
seja,
uma
moda
que
se
arrastou
no
tempo
e
em
diversas
épocas
e
culturas,
o
que
justifica
a
sua
invulgar
quantidade;
bem
como
situações
de
reaproveitamento,
exemplarmente
documentadas
no
nosso
Concelho,
designadamente
num
menir
erguido
no
topo
do
Cerro
do
Camacho
(Monte
dos
Amantes,
Vila
do
Bispo)
que,
além
da
decoração
pré-‐
histórica,
apresenta
um
conjunto
de
inscrições
de
épocas
mais
recentes:
uma
cruz
incisa,
outra
cruz
formada
por
5
círculos
em
relevo
(as
5
chagas
de
Cristo),
uma
data
gravada
(1644)
e
uma
gravação
mais
recente
onde
se
pode
ler
“Lisboa”
–
a
apropriação
de
um
monumento
pré-‐histórico
pelo
culto
cristão
e
pelos
visitantes
de
Época
Moderna.
Desde
1987,
graças
ao
incontornável
trabalho
desenvolvido
por
Mário
Varela
Gomes
e
Carlos
Tavares
da
Silva,
que
resultou
na
publicação
do
Levantamento
Arqueológico
do
Concelho
Vila
do
Bispo,
convencionou-‐se
que
os
nossos
numerosos
menires
teriam
sido
erguidos
entre
o
IV
e
o
III
milénio
antes
de
Cristo,
ou
seja,
no
final
do
Neolítico,
inícios
do
Calcolítico
(a
Idade
do
Cobre).
Porém,
esta
atribuição
cronológica
levanta
algumas
questões
a
considerar.
Por
um
lado,
avaliando
os
dados
disponíveis
no
referido
levantamento
arqueológico
de
1987
(e
que
não
são
assim
tão
poucos
–
130
arqueossítios),
ressalta
uma
evidência,
neste
caso,
uma
ausência:
onde
estão
os
povoados
do
Neolítico
Final
e
do
Calcolítico?
ou
seja,
as
gentes
responsáveis
pelos
coevos
e
abundantes
empreendimentos
meníricos.
Estranhamente,
os
referidos
autores
não
apontam
um
único
indício
de
povoamento
atribuível
ao
Calcolítico,
listando
apenas
dois
povoados
enquadráveis
em
cronologias
do
Neolítico
Final:
na
Cabranosa
(Sagres)
e
no
Marmeleiro
(Vila
do
Bispo),
sendo
que,
no
povoado
da
Cabranosa,
investigação
posterior
permitiu
datações
absolutas
que
o
remetem,
sim,
para
o
Neolítico
Antigo.
Em
contrapartida,
os
indícios
para
habitats
do
Paleolítico
Superior,
do
Mesolítico
e
do
Neolítico
Antigo
são
bem
mais
copiosas
e
efectivas.
4. Por
outro
lado,
uma
sondagem
realizada
em
1984
no
menir
do
Padrão
(Raposeira),
por
Mário
Varela
Gomes,
permitiu
identificar,
na
sua
base
de
implantação,
um
povoado
do
Neolítico
Antigo,
testemunhado
por
diversos
artefactos,
estruturas
habitacionais
e
restos
de
fauna.
A
subsequente
escavação
desta
realidade
arqueológica,
dirigida
pelo
mesmo
autor
em
1994,
e
que
resultou
no
levantamento
do
menir
para
a
sua
posição
original
(vertical),
também
facultou
a
datação
absoluta,
por
Carbono
14
,
do
seu
estrato
de
base,
sendo
estimada
uma
antiguidade
de
cerca
de
6500
anos
(Antes
do
Presente),
ou
seja,
em
meados
do
VI
milénio
antes
de
Cristo,
contrariando
a
tradicional
perspectiva,
proposta
pelo
próprio
autor
em
1987,
e
que
integrava
os
menires
de
Vila
do
Bispo
entre
o
IV
e
o
III
milénio
a.C.
Posto
isto,
considerando
dados
mais
actuais,
adquiridos
noutras
regiões
da
Europa,
Península
Ibérica
e,
sobretudo,
no
vizinho
Alentejo
Central,
será
de
ponderar,
em
definitivo,
a
integração
deste
fenómeno
em
cronologias
mais
recuadas,
no
dealbar
do
Neolítico
Antigo!
Porém,
só
por
via
de
mais
sondagens
e
datações
absolutas
será
possível
clarificar
esta
problemática
fundamental.
Um
último
apontamento
diferenciador
dos
nossos
menires,
é
o
facto
destes
terem
sido
afeiçoados
com
o
recurso
a
blocos
de
calcário
branco
regional,
ao
contrário
dos
menires
alentejanos,
petrificados
em
granito.
Além
do
calcário,
os
nossos
antepassados
também
recorreram,
pelo
menos
em
dois
casos
conhecidos,
ao
arenito
vermelho,
rocha
também
conhecida
por
“grés
de
Silves”
ou
por
“pedra
farinheira”
(designação
regional).
Para
terminar,
e
mais
uma
vez,
junto
ao
menir
do
Padrão
foram
documentadas
posteriores
apropriações
daquela
área
monumental,
designadamente
em
duas
necrópoles:
uma
de
época
romana
e
outra
da
Alta
Idade
Média.
Tanto
para
os
romanos,
como
para
árabes
e
cristãos,
os
menires
ainda
possuíam
algum
significado
sagrado,
pelo
que
foram
respeitados
e
reinvestidos
enquanto
guardiões
dos
mortos
daquelas
civilizações
e
religiões.
Aliás,
ainda
hoje,
não
será
difícil
sentir
uma
certa
espiritualidade
que
radia
destes
monólitos
e
das
paisagens
que
teimosamente
dominam.
Ora
experimentem...
Ricardo
Soares
|
2014