1. O PROTESTO COLECTIVO DOS BISPOS PORTUGUESES CONTRA O
DECRETO DE 20 DE ABRIL DE 1911, QUE SEPARA O ESTADO DA IGREJA
Foi vibrado o golpe!
Realizou-se a previsão... Realizou-se? Não: foi excedida.
O facto passou além da expectativa. A calamidade superou o receio.
Receava-se a dureza, veio a atrocidade; receava-se a sujeição, veio a tirania: receava-se
o cercear de garantias e direitos, veio a humilhação vilipendiosa; receava-se a grave e
penosa redução dos necessários recursos materiais, veio a confiscação; receava-se, enfim, a
injustiça, veio com ela o sarcasmo.
E poderemos nós calar-nos?
Deveremos, resignados e impassíveis, curvar o colo ao fulminar da espada, e assistir
silenciosos à declaração de guerra e aos preliminares da luta cujo desfecho – afirma-se e
promete-se já –, será a agonia do Catolicismo em nossa Pátria querida?
Pretenderá alguém que só tenhamos voz para aplaudir o feito e para saudar o seu
autor? Querer-se-á que os Bispos Portugueses imitem os abjectos gladiadores, bradando
como eles, “Ave Cesar morituri te salutant”?
Ninguém tem o direito de esperar de nós essa indignidade. Temos sido acusados de
tímidos, porque temos sido respeitosos.
É possível que o tenhamos sido em demasia. Mais à vontade estamos agora para falar
com a legítima energia e a santa liberdade, que não destoa, antes se ajusta, ao nosso
carácter de Bispos e ao nosso foro de portugueses.
Temos sido, não nos pesa disso, continuaremos a ser respeitadores da autoridade e
obedientes aos poderes constituídos. Continuaremos; mas só enquanto a obediência for
conciliável com os infrangíveis deveres que nos impõe a nossa sagrada missão, e de modo
que o respeito não degenere em deserção do nosso posto e traição à nossa consciência.
Ninguém, todavia, nos julgue sediciosos e revolucionários: somos apenas queixosos.
Não pregamos revoltas, reclamamos contra injustiças.
Não excitamos hostilidades, defendemo-nos de violências.
Não nos movem (Deus nos é testemunha e nos será juiz) paixões baixas e
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interesseiras; não nos inspira a ambição lesada ou a vaidade ferida; falamos em nome da
Igreja abatida, e em prol da consciência católica ultrajada.
Não nos dirigimos como Prelados ao clero e aos fiéis diocesanos, falamos a todos os
nossos concidadãos, abstraindo das suas crenças religiosas.
Não são determinações que prescrevemos, são razões que alegamos para
demonstrarmos fundadas as nossas queixas. Perante o Governo, perante a Nação toda,
erguemos vozes ordeiras, mas firmes, reclamando contra a escravização da Igreja, cuja
liberdade Deus ama singular mente, e nos manda sustentar a todo o preço.
Não é, em suma, não é uma Pastoral que escrevemos: é um protesto que lavramos.
Parece que não poderá negar-se-nos este direito ao menos - o direito que as vítimas
têm de se lamentar, e os indiciados de se defender.
Indiciados? Mais: condenados foram os ministros da Religião e Igreja Católica –
condenados sem processo e punidos sem culpa.
Foi lavrada a sentença condenatória pelo Decreto do Governo Provisório da
República Portuguesa datado de 20 de Abril de 1911.
A história julgará com a merecida severidade este acta; e as nações cultas, aquelas
mesmas em cujo seio tem penetrado mais fundo o anticlericalismo, hão-de pasmar do ódio
gratuito e da violência impolítica que ele revela – sem falar da ingratidão que traduz.
Ódio gratuito: o Clero português não tem criado, por iniciativa sua, embaraços à
marcha do novo regime.
Que razão havia para verberar e desprestigiar assim uma classe inteira de cidadãos
pacíficos, e de lançar mais um germe de descontentamento e perturbação no campo da
sociedade portuguesa?... Seria oportuna tal medida, quando tudo parecia aconselhar
providências de conciliação e harmonia e segurança da ordem e paz?...
Na República francesa os governos hesitaram por 35 anos. E a questão foi largamente
debatida no Parlamento.
Em Portugal não podia aguardar-se mais uns meses nem mais uns dias. Era
necessário, era urgente, era inadiável o corte antes de terminar o período ditatorial!
Nem houve a mínima atenção para com o Supremo Chefe da Igreja Católica antes de
se quebrar e dissolver o sistema concordatário, o qual, como os tratados internacionais, é
um contrato bilateral, que a uma das partes não é lícito anular sem acordo com a outra.
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Nem sequer se excogitaram, como em França, pretextos e recriminações, como
preparativos que dessem à separação a aparência ao menos de medida imposta pelas
circunstâncias e exigida pela opinião pública.
A opinião pública em Portugal não reclamava a separação; e pode aplicar-se ao nosso
caso o que, em 1880, entre aplausos gerais, dizia Littré em França: – “O Catolicismo é a
religião da maioria dos franceses: e essa multidão dar-se-ia por seriamente ofendida se
fosse contrariada no exercício do seu culto. Não reconhecer esta condição fundamental é
preparar a si próprio quem seja filósofo especulativo, graves desenganos teóricos, e quem
seja homem de Estado não menos graves desilusões políticas.”
Com efeito, ainda que uma lei seja em si excelente, se não for oportuna, se não tiver o
carácter de acomodação ao estado dos espíritos, produzirá não só a surpresa mas o
desagrado, o descontentamento em grande parte dos cidadãos, e talvez a perturbação da paz
pública. Quando, por exemplo, em 1891 se discutiu em França a questão da denúncia da
concordata, M. de Freycinet, então presidente do Conselho de Ministros, dizia que, fossem
quais fossem as suas ideias e as suas aspirações, não julgava ainda o país suficientemente
preparado para tal medida.
Estará neste momento preparado Portugal para a abrupta separação decretada?
Ninguém sinceramente o afirmará,
Que contradição! Os sistemas liberais e os regimes democráticos assentam como um
dos seus princípios basilares o respeito de opinião e a conformidade com o sentir e querer
das maiorias: e todavia, sendo enorme, segundo as estatísticas oficiosas, a maioria dos
portugueses que professam o Catolicismo, esta maioria é esmagada, é sacrificada às
exigências de um insignificante grupo de não católicos e de livres pensadores. Foi essa
audaz, mas reduzida minoria que triunfou; foi por sugestões desse pequeno número de
exaltados, de fanáticos anti-religiosos, que se decretou a lei de 20 de Abril.
Lei?!
Não há lei digna deste nome, quando não há conformidade com os evidentes ditames
da justiça, nem expressão da vontade social, pelo menos da maioria da colectividade.
E ao Decreto de 20 de Abril faltam ambos estes requisitos para dever reconhecer-se-lhe
a força, de lei que a si próprio atribui: nem traduz o eterno e inviolável princípio do
justo nem reflecte o sentimento e a vontade da maioria dos cidadãos portugueses, isto é, dos
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católicos.
Não nos propomos fazer uma análise jurídica completa do decreto, estudando uma a
uma as suas diversas prescrições. Limitamo-nos, a apreciá-lo no seu conjunto, dum modo
genérico.
No seu conjunto, que é que contém o diploma?
Resume-se todo em quatro palavras: injustiça, opressão, espoliação, ludíbrio.
Breves considerações sobre cada uma delas.
Injustiça
É oposto o Decreto de 20 de Abril ao Direito Divino positivo, por ser antagónico à
constituição divina da Igreja católica e à sua independência na esfera espiritual.
É oposto ao Direito Público, por ser (como já fica apontado) arbitrária abrogação do
sistema concordatário que, desde muitos séculos, desde o alvorecer da nossa nacionalidade,
tinha vigorado (salvos passageiros eclipses, que não chegaram a rompimento absoluto e
insanável, entre o Estado Português e a Santa Sé).
É oposto ao Direito Canónico.
Porque invade a competência e atribuições da jurisdição eclesiástica, e despreza a
autoridade e hierarquia da Igreja, dando ao Estado a faculdade de se ingerir no provimento
e administração de dioceses e freguesias sem acordo nem intervenção do poder eclesiástico,
e o direito de alterar a circunscrição de dioceses, anulando, patrimónios, permitindo e até
excitando à violação da lei do celibato...
É oposto ao Direito Civil, porque infringe, relativamente a muitas pessoas, o
princípio fundamental da não retroactividade das leis: desrespeitando os legítimos direitos
dos beneficiados, com ou sem cura de almas, aos frutos dos seus benefícios – direitos
adquiridos à sombra não só da legislação canónica mas também da civil, com prévios
cursos de estudos e concursos, com pagamento de encartes e direitos de mercê, lesa um
grande número de cidadãos. E anula o direito daqueles que pela naturalização o Código
Civil (art. 18.°, n.º 5.º) conta também entre os cidadãos portugueses esbulhando-os, sem
processo nem culpa, desta qualidade.
E é oposto até ao Direito Natural, rasgando testamentos, desprezando as últimas
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vontades dos instituidores de legados pios, ofendendo o direito de associação e o de
propriedade particular, coarctando a liberdade de esmola para o culto, lesando a liberdade
de consciência de grande número de indivíduos, como colegiais, enfermos, presos,
marinheiros em viagem, soldados em campanha, a todos os quais, dificulta os socorros
religiosos.
Opressão
Não é separação, não é divórcio, é prepotência. Não é neutralidade, é o propósito
ostensivo e inegável, não diremos só de fiscalizar (que a fiscalização seria admissível, nos
limites razoáveis ou segundo o direito comum), mas de escravizar.
Opressão no exercício do culto, sujeito ao arbítrio de corporações laicas, às quais
compete regular os emolumentos ou benesses dos párocos (que são autorizados a recebê-las
em nome delas!) e até a escolha e nomeação dos sacristães (guardas das igrejas públicas),
ficando os párocos na situação de empregados e mandatários dessas associações, de cuja
gerência são absolutamente excluídos, sendo também inelegíveis para as juntas de
paróquia. A consequência necessária dum tal estado de coisas seria a impossibilidade moral
de entrar um Bispo na sua Sé e a cura de almas na sua igreja paroquial.
Opressão no ensino religioso, cativo de entraves e peias multíplices.
Opressão na formação dos candidatos ao sacerdócio e no regime dos seminários, dos
quais é banido o ensino das disciplinas preparatórias, e cuja vida fica em absoluto
dependente do favor provisório do Estado...
Opressão nas relações quer entre Bispos e fiéis, quer de fiéis e Bispos com o Sumo
Pontífice – pela exigência do beneplácito (que separação! Que liberdade de consciência!
Que coerência lógica!) para as Constituições Pontifícias, e até para as Pastorais e
determinações dos Prelados!
O próprio hábito talar é proscrito, é proibido fora dos lugares do culto. Por ofender os
livres pensadores? Mas esses hábitos são distintivos duma classe cujas doutrinas nada têm
de antisocial e são por ela publicamente professados. E não se terão presenciado em público
emblemas de associações que, sendo secretas, nenhum Estado pode reconhecer? Ah! que a
veste lúgubre do Sacerdote anuncia luto e lembra a morte... e a sociedade moderna quer
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alegria sem sombras e vida sem cuidados! Para longe tudo o que recorda a eternidade!
“Coroemo-nos de rosas, antes que elas emurcheçam”; é velha linguagem de materialistas.
Espoliação
Nega de facto à Igreja católica o direito de propriedade e domínio sobre bens móveis
e imóveis – direito que à Igreja pertence, como sociedade externa, visível, perfeita e
independente.
O Estado proclama-se o único proprietário (doutrina do colectivismo socialista);
absorve e empolga, desde já ou para mais tarde, todos os bens eclesiásticos – de alguns dos
quais, em certos casos e com grandes restrições e imposições pesadíssimas, concede a
usufruição simples e precária.
Ao cabo de noventa e nove anos, apropria-se (art. 30.°) dos templos edificados com o
dinheiro livremente dado pelos católicos para o culto da sua Religião. A que título? Com
que direito se apossa o Estado de bens pertencentes a pessoas particulares, de edifícios
levantados por subscrições e donativos dos fiéis?
O título é sempre o mesmo: a vontade discricionária do legislador. O direito é um só:
o da força.
E que dá o Estado em troca desses bens (restos, ainda importantes, da passada
abastança, de que tantos milhares de necessitados com participavam), que dá ao Clero? Que
dá ao Clero paroquial, ainda há pouco privado de considerável parte de receita, pela
instituição do Registo Civil obrigatório?
Que dá? Coisa nenhuma. Promete ou permite apenas a alguns dos actuais ministros
da Religião umas pensões vitalícias, indefinidas, sem fixação de mínimo, ao talante de
certas comissões, das quais, por grande generosidade, faz parte um eclesiástico eleito ou
nomeado, e que têm de tomar em conta uma dúzia de circunstâncias (até, entre elas, a
fortuna pessoal do interessado e o valor locativo da habitação, cuja cedência, aliás declara
gratuita!) –, pensões sujeitas a muitos encargos e provisórias, por um ano, a título de
ensaio, quase umas migalhas esmoladas. E essas migalhas podem ser suprimidas pela mais
leve, e quase inevitável, infracção dos preceitos deste e de outros decretos... o gládio de
ameaça está sempre suspenso sobre as cabeças sacerdotais.
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Pela nossa parte, nós desde já terminantemente declaramos renunciar a tais
pensões, que não podemos decorosamente aceitar.
E em todo o caso não passam as pensões para os sucessores dos actuais ministros da
Igreja.
Mas os bens imobiliários da Igreja, esses ficam, não se extinguem, não deixam de
produzir rendimento...
Com que direito (perguntamos mais uma vez) se apossa o Estado destes bens, em
grande parte devidos à piedade generosa dos fiéis, a legados e doações de pessoas
particulares?...
Não se procede assim em outras Repúblicas.
Na América há exemplos de protecção decisiva, e às vezes exclusiva à Igreja
católica.
O Governo central dos Estados Unidos Norte-Americanos não subsidia, é certo, culto
algum; mas respeita os legados feitos em favor das igrejas da comunhão católica. Os
membros do Clero católico são, em razão dais suas funções, isentos do serviço militar. Aos
Bispos é reconhecida a individualidade jurídica e o poder judicial e coercitivo da Igreja em
matéria espiritual é garantido pelos tribunais. É sabido o rigor da observância do descanso
dominical. É destinado cada ano um dia para a nação render oficialmente graças a Deus
pelos benefícios recebidos.
Ludíbrio
Ludibriosa para o Clero é uma lei que o abate e deprime, reduzindo-o a funcionário às
ordens das associações cultuais, pondo de parte completamente a hierarquia eclesiástica, e
impondo aos Prelados a exigência de placet, sempre injurídica, e de todo infundada e
absurda no regime de pretendida separação e liberdade de cultos.
Ludibriosa para o Clero é uma lei que não somente o negoceia com umas pensões
problemáticas, oferecidas sob condições indecorosas, mas lhe arremessa às faces a suprema
afronta do convite à indisciplina e à imoralidade, mantendo essas pensões aos clérigos
suspensos, e tornando-os (caso virgem!) transmissíveis às viúvas e aos filhos, quer
legítimos quer ilegítimos, dos Padres que queiram aproveitar a concessão da lei civil para
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casar!...
É preciso que no conceito do legislador tenha descido muito o Clero português, para
que isto se escrevesse...
Este artigo 150.° bastaria para definir a lei, patentear os seus propósitos.
Haverá, infelizmente, fragilidades e até misérias. Pode haver Padres que, fazendo do
seu ministério não sacerdócio, mas profissão, repitam o “Quid vultis mihi dare?”.
Pode haver degenerados e trânsfugas.
Mas o Clero nacional, na sua grande maioria, há-de repelir a afronta; porque
compreende bem as altíssimas razões de conveniência moral e social da lei eclesiástica da
consciência; e sabe que o celibato é, se não o principal, um dos principais factores da
superioridade do sacerdócio católico em confronto com os ministros de outras confissões
ou seitas que se dizem cristãs.
“L’anathème (disse muito bem um pensador profundo) est inévitable: tout prêtre
marié tombera toujours au dessous de son caractère. La supériorité incontestable du
Clergé catholique tient à la loi du célibat” (J. de Maistre).
Muito, muitíssimo mais haveria a notar de injusto, de opressivo, de espoliador e de
ludibrioso no Decreto de 20 de Abril.
Resta, porém, o que perfunctoriamente fica apontado, para, que não apenas nós os
Prelados, não apenas o Clero e os católicos sinceros e fiéis à sua crença, mas todos os
homens de recto pensar e ânimo desapaixonado, todos quantos sabem a significação e
apreciam o valor das palavras liberdade, coerência, justiça, respeito dos direitos alheios e
interesse social bem entendido, – todos connosco reconheçam que a nossa consciência, a
nossa missão divina, e até a nossa dignidade nos obrigam a protestar solenemente contra o
referido diploma.
À Santa Sé compete proferir o juízo definitivo.
Mas não é possível, nem por só um momento, nem por mera suposição, duvidar de
que ele será a repetição do apostólico Non possumus.
Embora a Igreja não aprove nem possa aprovar, em tese ou em linha de princípio, a
doutrina que considera a separação como o regime melhor e mais consentâneo ao
progresso, pode, todavia, em hipótese, atentas peculiares circunstâncias, aceitar como
tolerável, com mal menor, essa separação. O essencial é que ela deixe salva à Igreja, a
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liberdade de exercer a sua missão sagrada e a posse e o domínio dos seus bens1.
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Se a fórmula “Igreja livre no Estado livre” não representa o ideal, pode ser aceitável,
e é sempre preferível a esta outra “Igreja escrava no estado Senhor”.
Mas é exactamente esta última a que se traduz no recente diploma, cuja sumária
apreciação fizemos.
É inquestionável: Neste decreto a denominada separação aparece legislada em termos
tais, que toda a ilusão é impossível. É a hostilidade formal, é a perseguição iminente. Ao
menos o merecimento de franqueza ninguém o pode contestar a esse documento que à
história ficou já pertencendo.
Há o confessado intento de dar morte ao Catolicismo em Portugal. Possível... é. – Se
a Igreja, fundada na pedra inconcussa, teve as promessas de imortalidade no mundo.
Não sucede o mesmo às nações.
Têm-se visto algumas que, renegando e perdendo a fé verdadeira e pura, a si próprias
se perderam.
“Que é feito, – pergunta Fenelon, – dessas famosas igrejas de Antioquia, de
Jerusalém, de Constantinopla, que tinham inumeráveis outras subordinadas?…
Que é que resta, nas costas africanas, onde as assembleias de Bispos eram tão
numerosas como os Concílios universais, e onde a lei de Deus aguardava o seu comentário
dos lábios de Agostinho? Não vejo mais que uma terra fumegando ainda do raio que a
feriu.” (Sermon pour l’Epiphanie).
Mas sucederá assim em Portugal? Quererão os Portugueses renegar do seu glorioso
passado e voltar costas à Igreja, em cujo seio maternal cresceu e medrou, se enobreceu e
prosperou esta nação admirável? Quererão repelir Deus da consciência e do lar, como foi
expulso já do tribunal e da escola?
Quererão viver sem Deus nos dias de felicidade e até nas horas do infortúnio?
Quererão prescindir de Deus na vida e na morte?.. Ai! depois da morte é que embora o
queiram, não podem prescindir d’Ele. Será então a sua hora.
Esperemos, confiemos que não acontecerá tal desgraça à nossa amada Pátria. Haverá
1 Quod si quospiam civitas (escrevia o actual Pontífice Romano aos Bispos de França em 10 de Agosto de 1906)
ita a se se paravit Ecclesiam, ut plenam ei communis libertatis copiam fecerit liberumque in propria bona arbitrium
reliquerit non uno quidem nomine injuste se gessit, sed tamen in conditione Ecclesiam collocare dicenda est non omnino
intolerabili.
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muitos filhos que, pródigos e inconsiderados abandonem a casa paterna; mas, a despeito de
todas as procelas e de todas as tribulações, a maioria, a grandíssima maioria deste povo,
purificado no crisol de perseguição, permanecerá abraçado à cruz, fiel a Jesus Cristo e
obediente à Santa Igreja.
A Religião Católica deixou de ser a do Estado; não deixará porém de ser a do povo
português.
O povo português não pode separar-se do centro de unidade católica, não há-de
apartar-se d’Aquele que é na terra o Vigário de Cristo, o Sucessor de Pedro, a cabeça donde
se derive e sem a qual é impossível a vida deste organismo social que se chama a Igreja de
Deus: ubi Petrus ibi Ecclesia.
O povo português escutará e respeitará a voz da Santa Sé.
A Santa Sé, repetimos, não pode vacilar, medindo embora a gravidade do lance.
Nestes tempos de utilitarismo, dará mais uma vez o nobilíssimo exemplo de sacrificar
as vantagens terrenas à santidade dos princípios.
Depois de Roma falar, o Clero católico do nosso País sabe o caminho a seguir:
obediência ou apostasia.
Estamos no momento da máxima gravidade na vida do Catolicismo em Portugal.
A joeira de Satanás vai trabalhar. Haverá joio? É crível, é condição humana e é lição
da história. Mas esperamos que a zizania não será muita.
Os factos já conhecidos autorizam-no a confiar que os Padres Portugueses estarão ao
lado dos seus Prelados; e Prelados e Padres bem como os simples fiéis, intimamente unidos
entre si pelos laços da coordenação e comunhão de crenças e de sentimentos, de corações e
de vontades, darão testemunho eloquente de subordinação perfeita e de fidelidade
inquebrantável à voz do Supremo Hierarca, que faz as vezes do Filho de Deus na terra.
E ao Filho de Deus dirá cada um, – com sinceridade igual, mas com firmeza superior
à de Pedro: – Domine, tecum paratus sum et in carcerem et in mortem ite2.
5 de Maio de 1911.
† ANTÓNIO, Patriarca de Lisboa
2 Senhor, estou pronto a ir convosco ao cárcere e à morte.
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† MANUEL, Arcebispo de Braga, Primaz
† AUGUSTO, Arcebispo de Évora
† MANUEL, Arcebispo-Bispo da Guarda
† JOSÉ, Bispo de Viseu
† MANUEL, Bispo Conde
† JOSÉ, Bispo de Bragança
† FRANCISCO JOSÉ, Bispo de Lamego
† ANTÓNIO, Bispo de Portalegre
† ANTÓNIO, Bispo do Algarve
† ANTÓNIO, Bispo de Martiropolis
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