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17Boa Vista, 23 de dezembro de 2014Variedade
Sem troca-troca
Enquanto o processo rola, vale
prestar atenção aos bandidos e à língua.
Falantes costumam trocar uma letrinha
do lugar. Em vez de estupro, dizem “es-
trupo”. Nada feito. Pra acertar sempre,
há uma saída — memorizar a palavra.
Como? Repeti-la, repeti-la, repeti-la.
Dominada, ela mostra o horror da du-
pla violência. Uma delas: a pronúncia.
A outra: o significado da ameaça.
Palavrão
A palavra vem do latim stuprum.
De lá, embarcou pra outras terras. En-
tre elas, o português. A língua de Ca-
mões manteve o significado da língua
dos Césares. É este: obrigar alguém a
fazer sexo sem querer — com violên-
cia ou grave ameaça. Valha-nos, Deus!
Sócio
Réu é a pessoas que está presa ou
na iminência de ser presa. Ninguém
vai pro xilindró de graça.  A criatura
vê o Sol nascer quadrado porque co-
meteu um crime. Às vezes, comparsas
participam da violência. São corréus.
A palavra se escreve assim mesmo —
coladinha da silva.
Por falar em corréu…
Antes da reforma ortográfica, o
prefixo co- aceitava o hífen. Agora
não. O monossílabo, que indica com-
panhia, contiguidade ou sociedade,
contraiu incurável alergia ao tracinho.
Pra evitar espirros, tosses e erupções
cutâneas, só há uma saída — escrever
tudo coladinho. É o caso de coautor,
coparticipante, corréu.
A dose dupla não vem de hoje. Do-
bramos r e s pra manter a pronúncia
original da palavra: minissaia (mini +
saia), microrregião (micro + região),
videorrevista e, claro, corréu.
Meu bem, meu mal
Deputados presentes à sessão fala-
vam da bobeira de Jair Bolsonaro. Um
deles fez esta comparação:
— A agressão faz mais mal do que bem.
Pintou, então a dúvida. Mais mal e
mais bem existem? Ou só pior e melhor
têm vez? 
Resposta:Maisbememaismalestão
vivinhos da silva. E, porque frequentam
o dia a dia dos falantes, exigem respeito
no trato.Asduplinhassãopraládebem-
vindas em duas construções:
1. antes de particípio: João foi mais bem
classificado que Maria. Não há redação
mais bem desenvolvida que a de João.
A questão mais bem formulada foi esta.
As francesas são as mulheres mais bem
vestidas da Europa. A pergunta mais
mal formulada foi a do senador. Nunca
vi texto tão mal escrito.
2. na comparação de qualidades: O re-
médio faz mais bem do que mal. A dro-
ga faz mais mal do que bem.
No mais, melhor e pior pedem pas-
sagem: Fala melhor (pior) do que escre-
ve. Saiu-se melhor (pior) do que espe-
rava. Nara pinta melhor (pior) do que
Tânia. Ganha melhor (pior) no emprego
diurno que no noturno.
........................................
Leitor pergunta
Tenho dificuldade com a concor-
dância em frases em que aparece “o
mais ... possível”. Pode me dar uma
ajudinha?
Mirtes Sereno, Brasíla
Compare as frases, Mirtes:
Mulheres o elegantes possível.
Mulheres as mais elegantes possíveis.
Reparou na malandragem? O possível
em o…mais possível e os mais possí-
veis concorda com o artigo. Artigo no
singular? O trissílabo fica no singular.
Artigo no plural? O trissílabo idem.
Recado
“Desculpe-me, senhora, se escrevi carta tão comprida.
Não tive tempo de fazê-la curta.”
Voltaire
Ninguém merece
Brasileiros se perguntam: chegamos ao
fundo do poço? Depois dos rios de denúncias
de corrupção, dos desmandos do governo e
dos maus exemplos de parlamentares, eis que
Jair Bolsonaro consegue indignar ainda mais
a população. Do plenário da Câmara, solta
esta frase raivosa: “Não estupro a senhora
porque a senhora não merece”.
Ops! A aberração, transmitida ao vivo e
em cores, gerou críticas em Europa, França e
Bahia. As redes sociais a multiplicaram. Re-
sultado: a Procuradoria da Repúblia denun-
ciou o deputado por incitação ao crime. Se a
ação for aceita, o homem vai prestar contas à
Justiça. Vira réu.

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