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Febre reumática: revisão e discussão dos
novos critérios diagnósticos
Rheumatic fever: review and discussion of
the new diagnostic criteria
Resumo
Objetivo: A febre reumática é uma doença que ainda contempla grandes dificuldades
em seu diagnóstico. Provoca graves sequelas que perduram por toda a vida do indivíduo
com alto custo pessoal e para a saúde pública. Nosso objetivo é discutir os novos critérios
diagnósticos publicados pela American Heart Association em 2015, revisando a literatura
sobre a doença.
Fonte de dados: Revisão com base em busca de artigos com a palavra-chave “febre reu-
mática” em português, inglês ou espanhol, em plataformas de artigos Medline, PubMed e
Scielo sem limitação de data.
Síntese dos dados: Os novos critérios diagnósticos publicados pela American Heart
Association em 2015 propõem categorizar a apresentação da doença conforme a identifi-
cação das populações em alto, moderado e baixo risco e estipula a conduta perante a es-
ses diversos tipos de pacientes.
Conclusão: Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, onde a desigualdade socioe-
conômica entre populações é um problema reconhecido, essa nova categorização pode
auxiliar na melhor condução diagnóstica e terapêutica da doença.
Palavras-chave: Febre reumática; critérios; artrite; cardite; coreia; Streptococcus.
Andrea Valentim Goldenzon1
Marta Cristine Felix Rodrigues2
Christianne Costa Diniz3
1	 Mestrado em Saúde Pública
	 Reumatologista pediátrica do Hospital
Municipal Jesus e professora assistente
de Pediatria da Faculdade de Medicina
da Fundação Técnico Educacional Souza
Marques
2	 Mestrado em Clínica Médica
	 Reumatologista pediátrica do Instituto de
Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira
– Universidade Federal do Rio de Janeiro
e reumatologista pediátrica do Hospital
Municipal Jesus
3	 Mestrado em Clínica Médica
	 Reumatologista pediátrica do Instituto de
Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira –
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Correspondência:
Andréa Valentim Goldenzon
Av. Ernâni Cardoso, 335
Cascadura
21310-310 - Rio de Janeiro-RJ
E-mail: draandrea@goldenzon.com.br.
Recebimento	20.03.2016
Aprovação	14.04.2016
Artigo de Revisão
Revista de Pediatria SOPERJ - v. 16, no
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metade desses pacientes desenvolven-
do lesões cardíacas que podem ser ir-
reversíveis, ao contrário das manifes-
tações articulares que não deixam se-
quelas. É doença de grande importân-
cia em países em desenvolvimento e
caracteriza-se por manifestações mus-
culoesqueléticas, cardíacas, neurológi-
cas e cutâneas.
A inflamação do endocárdio com
acometimento das valvas é responsá-
vel pela cardiopatia adquirida mais fre-
quente em nosso meio.4
A cardiopatia
reumática crônica é responsável por
até 233.000 óbitos prematuros por ano
e é a maior causa de mortalidade car-
diovascular em crianças e adultos jo-
vens em países em desenvolvimento.
A doença afeta a qualidade de vida de
15,6 a 19,6 milhões de pessoas no mun-
do com 470.000 novos casos por ano,
quase todos em países em desenvolvi-
mento. Mais de 2,4 milhões dos casos
ocorrem em pacientes entre 5 e 14 anos
de idade.1
Atendimento médico e programas
educacionais no ambiente escolar são
capazes de identificar tanto pacientes
com indicação de tratamento quanto
grupos com indicação de prevenção. Foi
evidenciado que uma proporção signi-
ficativa de pacientes é tratada com an-
tibióticos não indicados e por períodos
inadequados ou simplesmente não é
tratada.5
Etiopatogenia
Em 1941, Kuttner e Krumweide defi-
niram como reumatogenicidade a pro-
priedade de partes do estreptococo de de-
sencadear o desenvolvimento da febre
reumática. Existe uma relação entre
Introdução
A febre reumática é uma doença mul-
tissistêmica que acomete aproximada-
mente 3% dos pacientes com faringi-
te por estreptococo beta-hemolítico do
grupo A, após um período de latência
de cerca de 2 a 3 semanas, e caracteri-
za-se por envolvimento do tecido con-
juntivo dos órgãos e dos sistemas, com
preferência pelo coração, pelos vasos,
pelas articulações e pelo sistema ner-
voso central.1,2
Epidemiologia
Estima-se que 37% das faringites são
secundárias a Streptococcus do grupo
A. Dentro desse grupo, de 0,3% a 3%
dos pacientes podem desenvolver fe-
bre reumática se não forem adequada-
mente tratados.3
No Brasil, calculam-
-se 30.000 casos novos por ano com
Abstract
Objective: Rheumatic fever is a disease that still faces great difficulties in its diagnosis. RF
causes serious lifelong sequelae that demands high personal and public health cost. Our
goal is to discuss the new diagnostic criteria published by the American Heart Association
in 2015 and review the literature about the disease.
Data source: Review based on keyword “rheumatic fever” in Portuguese, English or
Spanish on Medline, PubMed and Scielo without date limitation.
Data synthesis: These criteria rank the presentation of the disease by the identification
of populations at high, moderate or low risk, and provides the correct approach to these
different patients.
Conclusion: In developing countries, like Brazil, where the socio-economic inequality
between populations is a known problem, this categorization can assist in better disease
management.
Keywords: Rheumatic fever; criteria; arthritis; carditis; chorea; Streptococcus.
Revista de Pediatria SOPERJ - v. 16, no
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o estímulo infeccioso e o desenvolvi-
mento da doença autoimune celular e
humoral (mimetismo molecular) em
indivíduos predispostos, demonstrada
pela associação com diversos antígenos
do sistema HLA, em particular o lócus
HLA-DR.6,7
Fatores sociais também pa-
recem contribuir, aparentemente por
aumentar a chance de aparecimento da
faringoamigdalite.8
Anticorpos antiestreptocóccicos
são produzidos pelos linfócitos B que
reagem de forma cruzada com epítopos
do tecido do hospedeiro, causando
inflamação em vários órgãos e siste-
mas.9,10
Ao mesmo tempo, fragmentos
peptídeos bacterianos, similares às pro-
teínas do hospedeiro, são apresentados
a linfócitos T via Complexo Maior de
Histocompatibilidade (MHC), indu-
zindo a resposta imune. Os linfócitos T
CD4+ têm participação importante na
lesão valvar reumática. Epítopos com-
partilhados são encontrados em tecidos
cardíacos (miosina), sinoviais e nervo-
sos humanos, como na proteína M da
parede celular bacteriana.6
Profilaxia primária
O tratamento da faringite (profilaxia
primária) visa a reduzir a exposição an-
tigênica do paciente ao estreptococo e
impedir a propagação de cepas reuma-
togênicas, além de prevenir complica-
ções agudas.3
A distinção entre as amig-
dalites virais e bacterianas, bem como
as considerações quanto à presença de
fatores de risco, devem ser consideradas
para indicar a profilaxia primária. A
prevenção da doença baseia-se no tra-
tamento adequado da faringoamidalite
estreptocócica, preferencialmente com
a penicilina G benzatina.11
O risco de
alergia ao fármaco é mínimo e passí-
vel de ser resolvido com medicação. A
Portaria nº 3.161, de 27 de dezembro
de 2011, normatiza a utilização de pe-
nicilina nas unidades básicas de saúde
e em outras unidades do sistema SUS.
O Escore de Centor Modificado
(Figura 1) é uma ferramenta validada
para a indicação dessa profilaxia, de-
vendo indicar tratamento sempre que
somar 3 ou 4 pontos. Se houver somen-
te 2 pontos, o tratamento depende da
realização do teste rápido, o que pode
ser impraticável em nosso meio, justifi-
cando o tratamento em populações de
médio e alto risco.12,13
Tabela 1 – Escore de Centor
Modificado11,12,13
Escore de Centor Modificado
3 - 14 anos + 1
15 - 44 anos 0
= ou> 45 anos - 1
Edema ou exudato tonsilar + 1
Linfadenomegalia + 1
Ausência de tosse + 1
Presença de tosse 0
Manifestações clínicas
A febre reumática pode ser considera-
da um quebra-cabeça que só foi monta-
do completamente em 1886, quando as
manifestações articulares, cardíacas e
neurológicas foram reconhecidas como
parte da síndrome.2,6
Assim como em
outras doenças reumatológicas, o diag-
nóstico da febre reumática pode não ser
evidente, e há grande risco de ser mas-
carado por tratamentos precoces, espe-
cialmente com anti-inflamatórios não
hormonais. Não existe um sinal patog-
nomônico da doença.
O diagnóstico, até início de 2015, ba-
seava-se em uma soma de critérios clí-
nicos e laboratoriais para o primeiro
surto definidos e modificados por Jones
e publicados em 1992, posteriormen-
te adotados pela Organização Mundial
de Saúde, que definiu, em 2004, novos
critérios para o diagnóstico do primeiro
surto, para recorrência e para cardio-
patia reumática crônica. Com base nos
critérios de Jones modificados, o diag-
nóstico é confirmado pela presença de
2 critérios maiores ou 1 critério maior
e 2 menores, associados à infecção es-
treptocócica prévia.
A febre reumática pode ser conside-
rada um instrumento para identificar
a desigualdade social e na oferta de
serviços de saúde, permitindo definir
essas diferenças como fatores de risco
para a doença.14
Os critérios diagnósti-
cos foram recentemente revisados pela
American Heart Association (2015), que
passou a adotar critérios diferenciados
conforme populações classificadas em
baixo, médio ou alto risco (Figura 2),
incluindo a monoartrite aguda e a po-
liartralgia aguda como critérios maio-
res, e a monoartralgia aguda e a eleva-
ção da velocidade de hemossedimen-
tação acima de 30 mm como critérios
menores em populações de moderado
e alto risco.15
É importante frisar que o
diagnóstico depende de uma avaliação
inicial que leve em consideração a pos-
sibilidade da doença.16
Poliartrite
O critério maior mais prevalente é a po-
liartrite migratória de grandes articu-
lações. Ocorre em 75% das crianças e
tem como características importantes
ser migratória e incapacitante, mas res-
ponder rapidamente ao uso de anti-in-
flamatórios e não produzir dano per-
manente. As articulações mais afetadas
são os joelhos (75%), tornozelos (50%),
cotovelos, punhos, quadril e pequenas
articulações dos pés (12% a 15% cada
uma) e ombros e pequenas articulações
das mãos (7% a 8%). Raramente se es-
tende a outras articulações como co-
luna cervical ou lombossacra, articu-
lações esternoclaviculares e temporo-
maxilares.3,6
O uso indiscriminado de
medicações como analgésicos e antitér-
micos frequentemente mascara o qua-
dro clínico, dificultando o diagnóstico
Revista de Pediatria SOPERJ - v. 16, no
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acometidas são a mitral, seguida da val-
va aórtica e com menor frequência da
tricúspede.18
Desde 2004, a Organização Mundial
de Saúde recomenda a realização de
ecocardiograma bidimensional em to-
dos os pacientes com suspeita de febre
reumática em países em desenvolvi-
mento, independentemente da presen-
ça de sopro cardíaco. Em 2012, foram
publicados novos critérios ecocardio-
gráficos pela World Heart Federation, que
enfatizam a importância de programas
de rastreamento da doença pelo uso
de exame de imagem dinâmica, im-
portante devido à existência de formas
subclínicas, sem ausculta cardíaca ao
exame físico, mas com lesão valvar.2,7
Coreia
A coreia de Sydenhan é uma desordem
neurológica que ocorre em 20% a 30%
dos pacientes, causa movimentos invo-
luntários, distúrbios emocionais e fra-
queza muscular. Os movimentos são
bruscos, vagos e não repetitivos e cos-
tumam ser unilaterais. São comuns as
expressões faciais peculiares, como sor-
riso sem motivo, associadas a grandes
explosões de comportamento, inclusive
com choros.2,19
Eritema marginado e nódulos
subcutâneos
Ainda entre os critérios maiores, o eri-
tema marginado e os nódulos subcutâ-
neos são manifestações cutâneas com
frequência em torno de 3%, associadas
à cardite. O eritema marginado é repre-
sentado por lesões eritematosas de 1 cm
a 3 cm de diâmetro, não pruriginosas,
passageiras e de cor rosada ou roxo pá-
lido, que afetam principalmente o tron-
co e membros, nunca atingindo a face.
Cada lesão se difunde centrifugamen-
te, deixando o centro claro, resultando
em um aspecto serpiginoso. Os nódu-
los subcutâneos são pequenos, firmes,
arredondados e indolores, sem carac-
terísticas inflamatórias. Localizam-se
próximos a proeminências e tendões
extensores, aparecendo depois das pri-
meiras semanas de doença.2
Critérios menores
Os critérios menores são representados
por artralgia, febre, reagentes de fase
aguda, como proteína C reativa, veloci-
dade de hemossedimentação e elevação
da alfa 1 glicoproteína ácida. Todos os
reagentes são inespecíficos, mas podem
auxiliar no monitoramento do processo
inflamatório e de sua remissão. Outros
achados podem contribuir para o diag-
nóstico da doença, como a radiografia
de tórax para avaliar cardiomegalia e
congestão pulmonar, o ECG que pode
mostrar aumento do espaço PR, taqui-
cardia sinusal, distúrbios de condução,
Revista de Pediatria SOPERJ - v. 16, no
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precoce e piorando o prognóstico.
Cardite
A cardite é a manifestação mais se-
vera que ocorre em 50% das crian-
ças. É a única a levar ao óbito durante
a fase aguda, além de ter o potencial
para acarretar anormalidades estrutu-
rais que podem determinar incapaci-
dade funcional permanente.17
Pode ter
desde um curso rapidamente letal, seja
por ruptura de cordas tendíneas, per-
furação de folhetos valvares ou insu-
ficiência cardíaca congestiva, até uma
evolução totalmente assintomática. As
manifestações decorrem do acometi-
mento do pericárdio, miocárdio ou
endocárdio. O desenvolvimento de se-
quela cardíaca é determinado pelo aco-
metimento do endocárdio, manifesta-
do por sopro cardíaco. As valvas mais
Tabela 2 – Alteração dos critérios diagnósticos15
CRITÉRIOS DE JONES
MODIFICADOS
CRITÉRIOS DE JONES REVISADOS
Populações de Baixo Risco
Populações de Risco Moderado
a Alto
CRITÉRIOS MAIORES
Cardite Cardite Cardite
Poliartrite Poliartrite (somente) Mono ou Poliartrite ou Poliartralgia
Coréia Coréia Coréia
Nódulos subcutâneos Nódulos subcutâneos Nódulos subcutâneos
Eritema marginado Eritema marginado Eritema marginado
CRITÉRIOS MENORES
Febre Febre Febre
Artralgia Poliartralgia Monoartralgia
Provas de atividade inflamatória
elevadas
VHS ≥60 mm e/ou PCR ≥3.0 mg/dl VHS ≥30 mm e/ou PCR ≥3.0 mg/dl
Aumento de PR no ECG Aumento de PR no ECG Aumento de PR no ECG
EVIDÊNCIAS DE ESTREPTOCOCCIA RECENTE
Cultura positiva da orofaringe para estreptococo b-hemolítico do grupo A
Títulos elevados de ASO ou outro anticorpo estreptocócico, teste rápido para antígenos do estreptococo,
escarlatina recente
O diagnóstico será positivo para FEBRE REUMÁTICA se houver a presença de dois critérios maiores ou de
um critério maior e dois menores, se acompanhados de evidência de infecção estreptocócica anterior.
34
alterações de ST-T e baixa voltagem do
complexo QRS e da onda T no plano
frontal.
Tratamento
O tratamento visa a 4 objetivos especí-
ficos: a erradicação do estreptococo, o
controle dos fenômenos inflamatórios
e cicatriciais, o controle sintomático e
o tratamento das demais complicações
da febre reumática aguda (cardite, po-
liartrite e coreia).20
A erradicação do estreptococo é feita
com a penicilina G benzatina (600.000
a 1.200.00UI) em dose única. Existem
outras opções como amoxicilina, peni-
cilina V e ampicilina, mas com resulta-
dos menos satisfatórios. A administra-
ção de dose única de penicilina benza-
tina não corre o risco de administra-
ção incompleta, tem um custo menor e
maior eficácia. Nos pacientes alérgicos à
penicilina, é recomendada a eritromi-
cina na dose de 20 a 40mg/kg/dia du-
rante 10 dias, podendo ser utilizada a
azitromicina ou a clindamicina. Apesar
de o retardo no tratamento aumentar o
risco do desenvolvimento da febre reu-
mática, mesmo após os 5 dias habitual-
mente sintomáticos de uma tonsilite es-
treptocócica não tratada, a instituição
do tratamento adequado com penicili-
na mostrou-se eficaz na prevenção da
doença.21
Para evitar novos surtos da doença,
indica-se a profilaxia secundária que
consiste na aplicação de penicilina G
benzatina na mesma dose a cada 21
dias até 21 anos ou até 5 anos após o
último surto, nos pacientes sem doen-
ça cardíaca, e até 25 anos ou 10 anos
após o último surto, nos pacientes com
febre reumática com cardite prévia, in-
suficiência mitral residual ou resolução
da lesão valvar. Nos pacientes com le-
são valvar residual moderada a seve-
ra, a profilaxia será mantida até a 4a
década de vida ou por toda a vida. A
sulfadiazina é utilizada nos pacientes
alérgicos, em dose de 500mg/dia até 30
quilos e 1.000mg/dia acima desse peso.
Nos casos de alergia à penicilina e à sul-
fa, utiliza-se eritromicina em dose de
250mg de 12/12 horas.
O controle sintomático é realizado
com uso de analgésicos como parace-
tamol ou dipirona, que aliviam a febre
e as artralgias sem interferir no desen-
volvimento completo da poliartrite mi-
gratória. A primeira opção para trata-
mento da poliartrite é o ácido acetilsa-
licílico na dose inicial de 80 a 100mg/
kg/dia, reduzida de forma empírica
de acordo com a resposta individual.
O naproxeno, com a mesma eficácia,
tem maior facilidade posológica e me-
lhor tolerância.
Nos pacientes com cardite, o medi-
camento de escolha para controle da
doença inflamatória é a prednisona em
dose de 1 a 2 mg/kg/dia, mantida por 2
a 4 semanas e depois reduzida em até
20% por semana, associada ao repouso
absoluto, fator essencial para a recupe-
ração dos pacientes. Devem-se associar
medidas farmacológicas de controle da
insuficiência cardíaca. Raramente se
faz necessário o uso de metilpredniso-
lona endovenosa.
Os pacientes com coreia deverão per-
manecer em ambiente tranquilo, com
repouso no leito, principalmente para
aqueles com movimentos intensos. A
medicação mais utilizada é o halope-
ridol na dose de 0,01 a 0,03mg/kg/dia,
associado à prednisona.
A monitorização da resposta terapêu-
tica deve ser realizada por observação
clínica, acompanhamento das provas
de atividade inflamatória, ecocardio-
grama, radiografia de tórax e ECG após
4 semanas do início do quadro.2
Diagnóstico diferencial
Diversas doenças pediátricas cursam
com manifestações articulares, as quais
geralmente levam o paciente a buscar
atendimento. Inicialmente, é impor-
tante afastar causas infecciosas, como
artrite séptica e outras artrites pós-in-
fecciosas não relacionadas ao estrepto-
coco. É necessário excluir artrites rea-
cionais das diversas doenças virais, tais
como rubéola, dengue, hepatite, erite-
ma infeccioso e mononucleose. Artrites
reativas podem também ocorrer após
infecções bacterianas como meningo-
coccemia, septicemias, disenterias e
até doenças sexualmente transmissí-
veis. Outras doenças reumatológicas,
como artrite idiopática juvenil, o lúpus
eritematoso sistêmico, as vasculites e a
síndrome antifosfolípede, podem tam-
bém se manifestar com artrite e alte-
rações cardíacas e neurológicas seme-
lhantes à febre reumática; porém, seu
curso crônico e a presença de outras ca-
racterísticas auxiliam na diferenciação
do diagnóstico.
Um diagnóstico diferencial impor-
tante é a leucemia linfocítica aguda,
que pode cursar eventualmente com
poliartrite migratória de grandes arti-
culações e dores ósseas, levando à con-
fusão no diagnóstico. Outras doenças
neoplásicas menos frequentes, princi-
palmente metástases de tumores sóli-
dos e tumores ósseos, também podem
se manifestar por dores ósseas. A doen-
ça falciforme, frequente em nosso meio,
causa dor isquêmica aguda e deve ser
diferenciada.
Conclusão
A doença recebe pouca atenção da co-
munidade médica, com número redu-
zido de publicações e apresentações em
congressos. As consequências são pou-
co divulgadas para a população, geran-
do pouco investimento público e priva-
do em novos tratamentos ou na tenta-
tiva de desenvolvimento de vacina se-
gura e eficaz contra o estreptococo do
grupo A.22,23
Revista de Pediatria SOPERJ - v. 16, no
3, p30-35 out 2016
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25.	Lennon D, Stewart J. An important invest-
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needs to run its course. N Z Med J. 2015
Jun 12;128(1416):6-9.
26.	Thompson SB, Brown CH, Edwards AM,
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rheumatic fever, Jamaica. Pathog Glob
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27.	Mirabel M, Fauchier T, Bacquelin R,
Tafflet M, Germain A, Robillard C, et al.
Echocardiography screening to detect
rheumatic heart disease: A cohort study of
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28.	Reményi B, Wilson N, Steer A, Ferreira
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Federation criteria for echocardiographic
diagnosis of rheumatic heart disease--an
evidence-based guideline. Nat Rev Cardiol.
2012 Feb 28;9(5):297-309.
29.	Zachariah JP, Samnaliev M. Echo-based
screeening of rheumatic heart disease in
children: a cost effectiveness. J Med Econ.
2015 Jun 18(6):410-9.
30.	Zühlke L, Engel ME, Lemmer CE, van de
Wall M, Nkepu S, Meiring A, et al. The na-
tural history of latent rheumatic heart di-
sease in a 5 year follow-up study: a prospec-
tive observational study. BMC Cardiovasc
Disord. 2016 Feb 19;16(1):46.
Revista de Pediatria SOPERJ - v. 16, no
3, p30-35 out 2016
Reafirmar as vantagens da penicili-
na G benzatina no tratamento da farin-
goamidalite bacteriana entre os profis-
sionais de saúde e reduzir resistência à
sua utilização entre a população teriam
um impacto muito significativo na in-
cidência da doença e consequente re-
dução das complicações.19,24
Em países em desenvolvimento, ainda
se enfrenta a necessidade de criação de
estruturas de serviços de saúde prepa-
rados para o diagnóstico, o tratamento
e o acompanhamento desses casos.25,26
O desenvolvimento de programas de
rastreamento da doença para identifi-
cação de apresentações subclínicas em
países em desenvolvimento, onde há
uma prevalência maior da doença, já é
uma recomendação da literatura, mas
requer estrutura ainda inexistente.27-29
Os critérios de Jones devem ser su-
plementados pela exclusão ativa de
diagnósticos diferenciais e acompa-
nhamento vigilante, inclusive ecocar-
diográfico.30
A febre reumática prová-
vel e a febre reumática possível devem
ser reconhecidas como categorias diag-
nósticas, implicando profilaxia com pe-
nicilina, pelo menos, até a revisão do
acompanhamento.1,6

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Novos critérios diagnósticos da febre reumática

  • 1. 30 Febre reumática: revisão e discussão dos novos critérios diagnósticos Rheumatic fever: review and discussion of the new diagnostic criteria Resumo Objetivo: A febre reumática é uma doença que ainda contempla grandes dificuldades em seu diagnóstico. Provoca graves sequelas que perduram por toda a vida do indivíduo com alto custo pessoal e para a saúde pública. Nosso objetivo é discutir os novos critérios diagnósticos publicados pela American Heart Association em 2015, revisando a literatura sobre a doença. Fonte de dados: Revisão com base em busca de artigos com a palavra-chave “febre reu- mática” em português, inglês ou espanhol, em plataformas de artigos Medline, PubMed e Scielo sem limitação de data. Síntese dos dados: Os novos critérios diagnósticos publicados pela American Heart Association em 2015 propõem categorizar a apresentação da doença conforme a identifi- cação das populações em alto, moderado e baixo risco e estipula a conduta perante a es- ses diversos tipos de pacientes. Conclusão: Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, onde a desigualdade socioe- conômica entre populações é um problema reconhecido, essa nova categorização pode auxiliar na melhor condução diagnóstica e terapêutica da doença. Palavras-chave: Febre reumática; critérios; artrite; cardite; coreia; Streptococcus. Andrea Valentim Goldenzon1 Marta Cristine Felix Rodrigues2 Christianne Costa Diniz3 1 Mestrado em Saúde Pública Reumatologista pediátrica do Hospital Municipal Jesus e professora assistente de Pediatria da Faculdade de Medicina da Fundação Técnico Educacional Souza Marques 2 Mestrado em Clínica Médica Reumatologista pediátrica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira – Universidade Federal do Rio de Janeiro e reumatologista pediátrica do Hospital Municipal Jesus 3 Mestrado em Clínica Médica Reumatologista pediátrica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira – Universidade Federal do Rio de Janeiro Correspondência: Andréa Valentim Goldenzon Av. Ernâni Cardoso, 335 Cascadura 21310-310 - Rio de Janeiro-RJ E-mail: draandrea@goldenzon.com.br. Recebimento 20.03.2016 Aprovação 14.04.2016 Artigo de Revisão Revista de Pediatria SOPERJ - v. 16, no 3, p30-35 out 2016
  • 2. 31 metade desses pacientes desenvolven- do lesões cardíacas que podem ser ir- reversíveis, ao contrário das manifes- tações articulares que não deixam se- quelas. É doença de grande importân- cia em países em desenvolvimento e caracteriza-se por manifestações mus- culoesqueléticas, cardíacas, neurológi- cas e cutâneas. A inflamação do endocárdio com acometimento das valvas é responsá- vel pela cardiopatia adquirida mais fre- quente em nosso meio.4 A cardiopatia reumática crônica é responsável por até 233.000 óbitos prematuros por ano e é a maior causa de mortalidade car- diovascular em crianças e adultos jo- vens em países em desenvolvimento. A doença afeta a qualidade de vida de 15,6 a 19,6 milhões de pessoas no mun- do com 470.000 novos casos por ano, quase todos em países em desenvolvi- mento. Mais de 2,4 milhões dos casos ocorrem em pacientes entre 5 e 14 anos de idade.1 Atendimento médico e programas educacionais no ambiente escolar são capazes de identificar tanto pacientes com indicação de tratamento quanto grupos com indicação de prevenção. Foi evidenciado que uma proporção signi- ficativa de pacientes é tratada com an- tibióticos não indicados e por períodos inadequados ou simplesmente não é tratada.5 Etiopatogenia Em 1941, Kuttner e Krumweide defi- niram como reumatogenicidade a pro- priedade de partes do estreptococo de de- sencadear o desenvolvimento da febre reumática. Existe uma relação entre Introdução A febre reumática é uma doença mul- tissistêmica que acomete aproximada- mente 3% dos pacientes com faringi- te por estreptococo beta-hemolítico do grupo A, após um período de latência de cerca de 2 a 3 semanas, e caracteri- za-se por envolvimento do tecido con- juntivo dos órgãos e dos sistemas, com preferência pelo coração, pelos vasos, pelas articulações e pelo sistema ner- voso central.1,2 Epidemiologia Estima-se que 37% das faringites são secundárias a Streptococcus do grupo A. Dentro desse grupo, de 0,3% a 3% dos pacientes podem desenvolver fe- bre reumática se não forem adequada- mente tratados.3 No Brasil, calculam- -se 30.000 casos novos por ano com Abstract Objective: Rheumatic fever is a disease that still faces great difficulties in its diagnosis. RF causes serious lifelong sequelae that demands high personal and public health cost. Our goal is to discuss the new diagnostic criteria published by the American Heart Association in 2015 and review the literature about the disease. Data source: Review based on keyword “rheumatic fever” in Portuguese, English or Spanish on Medline, PubMed and Scielo without date limitation. Data synthesis: These criteria rank the presentation of the disease by the identification of populations at high, moderate or low risk, and provides the correct approach to these different patients. Conclusion: In developing countries, like Brazil, where the socio-economic inequality between populations is a known problem, this categorization can assist in better disease management. Keywords: Rheumatic fever; criteria; arthritis; carditis; chorea; Streptococcus. Revista de Pediatria SOPERJ - v. 16, no 3, p30-35 out 2016
  • 3. 32 o estímulo infeccioso e o desenvolvi- mento da doença autoimune celular e humoral (mimetismo molecular) em indivíduos predispostos, demonstrada pela associação com diversos antígenos do sistema HLA, em particular o lócus HLA-DR.6,7 Fatores sociais também pa- recem contribuir, aparentemente por aumentar a chance de aparecimento da faringoamigdalite.8 Anticorpos antiestreptocóccicos são produzidos pelos linfócitos B que reagem de forma cruzada com epítopos do tecido do hospedeiro, causando inflamação em vários órgãos e siste- mas.9,10 Ao mesmo tempo, fragmentos peptídeos bacterianos, similares às pro- teínas do hospedeiro, são apresentados a linfócitos T via Complexo Maior de Histocompatibilidade (MHC), indu- zindo a resposta imune. Os linfócitos T CD4+ têm participação importante na lesão valvar reumática. Epítopos com- partilhados são encontrados em tecidos cardíacos (miosina), sinoviais e nervo- sos humanos, como na proteína M da parede celular bacteriana.6 Profilaxia primária O tratamento da faringite (profilaxia primária) visa a reduzir a exposição an- tigênica do paciente ao estreptococo e impedir a propagação de cepas reuma- togênicas, além de prevenir complica- ções agudas.3 A distinção entre as amig- dalites virais e bacterianas, bem como as considerações quanto à presença de fatores de risco, devem ser consideradas para indicar a profilaxia primária. A prevenção da doença baseia-se no tra- tamento adequado da faringoamidalite estreptocócica, preferencialmente com a penicilina G benzatina.11 O risco de alergia ao fármaco é mínimo e passí- vel de ser resolvido com medicação. A Portaria nº 3.161, de 27 de dezembro de 2011, normatiza a utilização de pe- nicilina nas unidades básicas de saúde e em outras unidades do sistema SUS. O Escore de Centor Modificado (Figura 1) é uma ferramenta validada para a indicação dessa profilaxia, de- vendo indicar tratamento sempre que somar 3 ou 4 pontos. Se houver somen- te 2 pontos, o tratamento depende da realização do teste rápido, o que pode ser impraticável em nosso meio, justifi- cando o tratamento em populações de médio e alto risco.12,13 Tabela 1 – Escore de Centor Modificado11,12,13 Escore de Centor Modificado 3 - 14 anos + 1 15 - 44 anos 0 = ou> 45 anos - 1 Edema ou exudato tonsilar + 1 Linfadenomegalia + 1 Ausência de tosse + 1 Presença de tosse 0 Manifestações clínicas A febre reumática pode ser considera- da um quebra-cabeça que só foi monta- do completamente em 1886, quando as manifestações articulares, cardíacas e neurológicas foram reconhecidas como parte da síndrome.2,6 Assim como em outras doenças reumatológicas, o diag- nóstico da febre reumática pode não ser evidente, e há grande risco de ser mas- carado por tratamentos precoces, espe- cialmente com anti-inflamatórios não hormonais. Não existe um sinal patog- nomônico da doença. O diagnóstico, até início de 2015, ba- seava-se em uma soma de critérios clí- nicos e laboratoriais para o primeiro surto definidos e modificados por Jones e publicados em 1992, posteriormen- te adotados pela Organização Mundial de Saúde, que definiu, em 2004, novos critérios para o diagnóstico do primeiro surto, para recorrência e para cardio- patia reumática crônica. Com base nos critérios de Jones modificados, o diag- nóstico é confirmado pela presença de 2 critérios maiores ou 1 critério maior e 2 menores, associados à infecção es- treptocócica prévia. A febre reumática pode ser conside- rada um instrumento para identificar a desigualdade social e na oferta de serviços de saúde, permitindo definir essas diferenças como fatores de risco para a doença.14 Os critérios diagnósti- cos foram recentemente revisados pela American Heart Association (2015), que passou a adotar critérios diferenciados conforme populações classificadas em baixo, médio ou alto risco (Figura 2), incluindo a monoartrite aguda e a po- liartralgia aguda como critérios maio- res, e a monoartralgia aguda e a eleva- ção da velocidade de hemossedimen- tação acima de 30 mm como critérios menores em populações de moderado e alto risco.15 É importante frisar que o diagnóstico depende de uma avaliação inicial que leve em consideração a pos- sibilidade da doença.16 Poliartrite O critério maior mais prevalente é a po- liartrite migratória de grandes articu- lações. Ocorre em 75% das crianças e tem como características importantes ser migratória e incapacitante, mas res- ponder rapidamente ao uso de anti-in- flamatórios e não produzir dano per- manente. As articulações mais afetadas são os joelhos (75%), tornozelos (50%), cotovelos, punhos, quadril e pequenas articulações dos pés (12% a 15% cada uma) e ombros e pequenas articulações das mãos (7% a 8%). Raramente se es- tende a outras articulações como co- luna cervical ou lombossacra, articu- lações esternoclaviculares e temporo- maxilares.3,6 O uso indiscriminado de medicações como analgésicos e antitér- micos frequentemente mascara o qua- dro clínico, dificultando o diagnóstico Revista de Pediatria SOPERJ - v. 16, no 3, p30-35 out 2016
  • 4. 33 acometidas são a mitral, seguida da val- va aórtica e com menor frequência da tricúspede.18 Desde 2004, a Organização Mundial de Saúde recomenda a realização de ecocardiograma bidimensional em to- dos os pacientes com suspeita de febre reumática em países em desenvolvi- mento, independentemente da presen- ça de sopro cardíaco. Em 2012, foram publicados novos critérios ecocardio- gráficos pela World Heart Federation, que enfatizam a importância de programas de rastreamento da doença pelo uso de exame de imagem dinâmica, im- portante devido à existência de formas subclínicas, sem ausculta cardíaca ao exame físico, mas com lesão valvar.2,7 Coreia A coreia de Sydenhan é uma desordem neurológica que ocorre em 20% a 30% dos pacientes, causa movimentos invo- luntários, distúrbios emocionais e fra- queza muscular. Os movimentos são bruscos, vagos e não repetitivos e cos- tumam ser unilaterais. São comuns as expressões faciais peculiares, como sor- riso sem motivo, associadas a grandes explosões de comportamento, inclusive com choros.2,19 Eritema marginado e nódulos subcutâneos Ainda entre os critérios maiores, o eri- tema marginado e os nódulos subcutâ- neos são manifestações cutâneas com frequência em torno de 3%, associadas à cardite. O eritema marginado é repre- sentado por lesões eritematosas de 1 cm a 3 cm de diâmetro, não pruriginosas, passageiras e de cor rosada ou roxo pá- lido, que afetam principalmente o tron- co e membros, nunca atingindo a face. Cada lesão se difunde centrifugamen- te, deixando o centro claro, resultando em um aspecto serpiginoso. Os nódu- los subcutâneos são pequenos, firmes, arredondados e indolores, sem carac- terísticas inflamatórias. Localizam-se próximos a proeminências e tendões extensores, aparecendo depois das pri- meiras semanas de doença.2 Critérios menores Os critérios menores são representados por artralgia, febre, reagentes de fase aguda, como proteína C reativa, veloci- dade de hemossedimentação e elevação da alfa 1 glicoproteína ácida. Todos os reagentes são inespecíficos, mas podem auxiliar no monitoramento do processo inflamatório e de sua remissão. Outros achados podem contribuir para o diag- nóstico da doença, como a radiografia de tórax para avaliar cardiomegalia e congestão pulmonar, o ECG que pode mostrar aumento do espaço PR, taqui- cardia sinusal, distúrbios de condução, Revista de Pediatria SOPERJ - v. 16, no 3, p30-35 out 2016 precoce e piorando o prognóstico. Cardite A cardite é a manifestação mais se- vera que ocorre em 50% das crian- ças. É a única a levar ao óbito durante a fase aguda, além de ter o potencial para acarretar anormalidades estrutu- rais que podem determinar incapaci- dade funcional permanente.17 Pode ter desde um curso rapidamente letal, seja por ruptura de cordas tendíneas, per- furação de folhetos valvares ou insu- ficiência cardíaca congestiva, até uma evolução totalmente assintomática. As manifestações decorrem do acometi- mento do pericárdio, miocárdio ou endocárdio. O desenvolvimento de se- quela cardíaca é determinado pelo aco- metimento do endocárdio, manifesta- do por sopro cardíaco. As valvas mais Tabela 2 – Alteração dos critérios diagnósticos15 CRITÉRIOS DE JONES MODIFICADOS CRITÉRIOS DE JONES REVISADOS Populações de Baixo Risco Populações de Risco Moderado a Alto CRITÉRIOS MAIORES Cardite Cardite Cardite Poliartrite Poliartrite (somente) Mono ou Poliartrite ou Poliartralgia Coréia Coréia Coréia Nódulos subcutâneos Nódulos subcutâneos Nódulos subcutâneos Eritema marginado Eritema marginado Eritema marginado CRITÉRIOS MENORES Febre Febre Febre Artralgia Poliartralgia Monoartralgia Provas de atividade inflamatória elevadas VHS ≥60 mm e/ou PCR ≥3.0 mg/dl VHS ≥30 mm e/ou PCR ≥3.0 mg/dl Aumento de PR no ECG Aumento de PR no ECG Aumento de PR no ECG EVIDÊNCIAS DE ESTREPTOCOCCIA RECENTE Cultura positiva da orofaringe para estreptococo b-hemolítico do grupo A Títulos elevados de ASO ou outro anticorpo estreptocócico, teste rápido para antígenos do estreptococo, escarlatina recente O diagnóstico será positivo para FEBRE REUMÁTICA se houver a presença de dois critérios maiores ou de um critério maior e dois menores, se acompanhados de evidência de infecção estreptocócica anterior.
  • 5. 34 alterações de ST-T e baixa voltagem do complexo QRS e da onda T no plano frontal. Tratamento O tratamento visa a 4 objetivos especí- ficos: a erradicação do estreptococo, o controle dos fenômenos inflamatórios e cicatriciais, o controle sintomático e o tratamento das demais complicações da febre reumática aguda (cardite, po- liartrite e coreia).20 A erradicação do estreptococo é feita com a penicilina G benzatina (600.000 a 1.200.00UI) em dose única. Existem outras opções como amoxicilina, peni- cilina V e ampicilina, mas com resulta- dos menos satisfatórios. A administra- ção de dose única de penicilina benza- tina não corre o risco de administra- ção incompleta, tem um custo menor e maior eficácia. Nos pacientes alérgicos à penicilina, é recomendada a eritromi- cina na dose de 20 a 40mg/kg/dia du- rante 10 dias, podendo ser utilizada a azitromicina ou a clindamicina. Apesar de o retardo no tratamento aumentar o risco do desenvolvimento da febre reu- mática, mesmo após os 5 dias habitual- mente sintomáticos de uma tonsilite es- treptocócica não tratada, a instituição do tratamento adequado com penicili- na mostrou-se eficaz na prevenção da doença.21 Para evitar novos surtos da doença, indica-se a profilaxia secundária que consiste na aplicação de penicilina G benzatina na mesma dose a cada 21 dias até 21 anos ou até 5 anos após o último surto, nos pacientes sem doen- ça cardíaca, e até 25 anos ou 10 anos após o último surto, nos pacientes com febre reumática com cardite prévia, in- suficiência mitral residual ou resolução da lesão valvar. Nos pacientes com le- são valvar residual moderada a seve- ra, a profilaxia será mantida até a 4a década de vida ou por toda a vida. A sulfadiazina é utilizada nos pacientes alérgicos, em dose de 500mg/dia até 30 quilos e 1.000mg/dia acima desse peso. Nos casos de alergia à penicilina e à sul- fa, utiliza-se eritromicina em dose de 250mg de 12/12 horas. O controle sintomático é realizado com uso de analgésicos como parace- tamol ou dipirona, que aliviam a febre e as artralgias sem interferir no desen- volvimento completo da poliartrite mi- gratória. A primeira opção para trata- mento da poliartrite é o ácido acetilsa- licílico na dose inicial de 80 a 100mg/ kg/dia, reduzida de forma empírica de acordo com a resposta individual. O naproxeno, com a mesma eficácia, tem maior facilidade posológica e me- lhor tolerância. Nos pacientes com cardite, o medi- camento de escolha para controle da doença inflamatória é a prednisona em dose de 1 a 2 mg/kg/dia, mantida por 2 a 4 semanas e depois reduzida em até 20% por semana, associada ao repouso absoluto, fator essencial para a recupe- ração dos pacientes. Devem-se associar medidas farmacológicas de controle da insuficiência cardíaca. Raramente se faz necessário o uso de metilpredniso- lona endovenosa. Os pacientes com coreia deverão per- manecer em ambiente tranquilo, com repouso no leito, principalmente para aqueles com movimentos intensos. A medicação mais utilizada é o halope- ridol na dose de 0,01 a 0,03mg/kg/dia, associado à prednisona. A monitorização da resposta terapêu- tica deve ser realizada por observação clínica, acompanhamento das provas de atividade inflamatória, ecocardio- grama, radiografia de tórax e ECG após 4 semanas do início do quadro.2 Diagnóstico diferencial Diversas doenças pediátricas cursam com manifestações articulares, as quais geralmente levam o paciente a buscar atendimento. Inicialmente, é impor- tante afastar causas infecciosas, como artrite séptica e outras artrites pós-in- fecciosas não relacionadas ao estrepto- coco. É necessário excluir artrites rea- cionais das diversas doenças virais, tais como rubéola, dengue, hepatite, erite- ma infeccioso e mononucleose. Artrites reativas podem também ocorrer após infecções bacterianas como meningo- coccemia, septicemias, disenterias e até doenças sexualmente transmissí- veis. Outras doenças reumatológicas, como artrite idiopática juvenil, o lúpus eritematoso sistêmico, as vasculites e a síndrome antifosfolípede, podem tam- bém se manifestar com artrite e alte- rações cardíacas e neurológicas seme- lhantes à febre reumática; porém, seu curso crônico e a presença de outras ca- racterísticas auxiliam na diferenciação do diagnóstico. Um diagnóstico diferencial impor- tante é a leucemia linfocítica aguda, que pode cursar eventualmente com poliartrite migratória de grandes arti- culações e dores ósseas, levando à con- fusão no diagnóstico. Outras doenças neoplásicas menos frequentes, princi- palmente metástases de tumores sóli- dos e tumores ósseos, também podem se manifestar por dores ósseas. A doen- ça falciforme, frequente em nosso meio, causa dor isquêmica aguda e deve ser diferenciada. Conclusão A doença recebe pouca atenção da co- munidade médica, com número redu- zido de publicações e apresentações em congressos. As consequências são pou- co divulgadas para a população, geran- do pouco investimento público e priva- do em novos tratamentos ou na tenta- tiva de desenvolvimento de vacina se- gura e eficaz contra o estreptococo do grupo A.22,23 Revista de Pediatria SOPERJ - v. 16, no 3, p30-35 out 2016
  • 6. 35 1. Taranta A, Markowitz M. Definições, histo- ria e geografia. In: Taranta, A, Markowitz, M, editors. A febre reumática. Lancaster, Kluwer Academic Publshers; 1989. p. 1-10. 2. Taranta, A., Markowitz, M. Diagnósticos. In: Taranta, A, Markowitz, M, editors. A febre reumática. Lancaster, Kluwer Academic Publshers; 1989. p. 50-5. 3. Shaikh N, Leonard E, Martin JM. Prevalence of streptococcal pharyngitis and strepto- coccal carriage in children: a meta-analy- sis. Pediatrics. 2010 Sep;126(3):e557-64. 4. Ralph A, Jacupus S, McGough K, McDonald M, Currie BJ. The challenge of acute rheu- matic fever diagnosis in a high-incidence population: a prospective study and propo- sed guidelines for diagnosis in Australia’s Northern Territory. Heart Lung Circ 2006 Apr;15(2):113-8. 5. Shetty A, Mills C, Eggleton K. Primary care management of group A streptococcal pharyngitis in Northland. J Prim Health Care. 2014 Sep 1;6(3):189-94. 6. Taranta A, Markowitz M. 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Revista de Pediatria SOPERJ - v. 16, no 3, p30-35 out 2016 Reafirmar as vantagens da penicili- na G benzatina no tratamento da farin- goamidalite bacteriana entre os profis- sionais de saúde e reduzir resistência à sua utilização entre a população teriam um impacto muito significativo na in- cidência da doença e consequente re- dução das complicações.19,24 Em países em desenvolvimento, ainda se enfrenta a necessidade de criação de estruturas de serviços de saúde prepa- rados para o diagnóstico, o tratamento e o acompanhamento desses casos.25,26 O desenvolvimento de programas de rastreamento da doença para identifi- cação de apresentações subclínicas em países em desenvolvimento, onde há uma prevalência maior da doença, já é uma recomendação da literatura, mas requer estrutura ainda inexistente.27-29 Os critérios de Jones devem ser su- plementados pela exclusão ativa de diagnósticos diferenciais e acompa- nhamento vigilante, inclusive ecocar- diográfico.30 A febre reumática prová- vel e a febre reumática possível devem ser reconhecidas como categorias diag- nósticas, implicando profilaxia com pe- nicilina, pelo menos, até a revisão do acompanhamento.1,6