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Vendo postagens do dia das Mães de mães duvidosas... de filhos duvidosos... só
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V
Escuta a hora formidável do almoço
na cidade. Os escritórios, num passe, esvaziam-se.
As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas vitaminosas.
Salta depressa do mar a bandeja de peixes argênteos!
Os subterrâneos da fome choram caldo de sopa,
olhos líquidos de cão através do vidro devoram teu osso.
Come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo de comida,
mais tarde será o de amor.
O que vive choca,
tem dentes,arestas,é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.
Como todo o real
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.
Espesso
como uma maçã é espessa.
Como uma maçã
é muito mais espessa
se um homem a come
do que se um homem a vê.
Como é ainda mais espessa
se a fome a come.
Como é ainda muito mais espessa
se não a pode comer
a fome que a vê.
Aquele rio
é espesso
como o real mais espesso.
Espesso
por sua paisagem espessa,
onde a fome
estende seus batalhões de secretas
e íntimas formigas.
Escuta a hora espandongada da volta.
Homem depois de homem, mulher, criança, homem,
roupa, cigarro, chapéu, roupa, roupa, roupa,
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imaginam esperar qualquer coisa,
e se quedam mudos, escoam-se passo a passo, sentam-se,
últimos servos do negócio, imaginam voltar para casa,
já noite, entre muros apagados, numa suposta cidade, imaginam.
Escuta a pequena hora noturna de compensação, leituras, apelo ao cassino,
passeio na praia,
o corpo ao lado do corpo, afinal distendido,
com as calças despido o incômodo pensamento de escravo,
escuta o corpo ranger, enlaçar, refluir,
errar em objetos remotos e, sob eles soterrados sem dor,
confiar-se ao que bem me importa
do sono.
Escuta o horrível emprego do dia
em todos os países de fala humana,
a falsificação das palavras pingando nos jornais,
o mundo irreal dos cartórios onde a propriedade é um bolo com flores,
os bancos triturando suavemente o pescoço do açúcar,
a constelação das formigas e usurários,
a má poesia, o mau romance,
os frágeis que se entregam à proteção do basilisco,
o homem feio, de mortal feiúra,
passeando de bote
num sinistro crepúsculo de sábado.
O que vive
incomoda de vida
o silêncio,o sono,o corpo
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
O que vive choca,
tem dentes,arestas,é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.
Como todo o real
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.
Espesso
como uma maçã é espessa.
Como uma maçã
é muito mais espessa
se um homem a come
do que se um homem a vê.
Como é ainda mais espessa
se a fome a come.
Como é ainda muito mais espessa
se não a pode comer
a fome que a vê.
Aquele rio
é espesso
como o real mais espesso.
Espesso
por sua paisagem espessa,
onde a fome
estende seus batalhões de secretas
e íntimas formigas.
E espesso
por sua fábula espessa;
pelo fluir
de suas geléias de terra;
ao parir
suas ilhas negras de terra.
Porque é muito mais espessa
a vida que se desdobra
em mais vida,
como uma fruta
é mais espessa
que sua flor;
como a árvore
é mais espessa
que sua semente;
como a flor
é mais espessa
que sua árvore,
etc. etc.
Espesso,
porque é mais espessa
a vida que se luta
cada dia,
o dia que se adquire
cada dia
(como uma ave
que vai cada segundo
conquistando seu vôo).
( João Cabral de Melo Neto )
*
Uma faca só lâmina
(Para Vinícius de Morais)
Assim como uma bala
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;
assim como uma bala
do chumbo pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado
qual bala que tivesse
um vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo
igual ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,
fome
estarosa é definitivaaindaque pobre dissoluçãoarosada flore a náusea(osacontecimentos
entediantes)
CLAROENIGMA ENQUANTO RUPTURA,AMADURECIMENTO, ABSENTEÍSMO:
DAS Inúmerasdiscussõeslevantadasacercadaobra que parece destordas demais,fica-nosa
recorrênciaao palestrasobre líricae sociedade,afome acimacitada,a desistênciaacercada
máquinadomundoe de Drummond provém do fato de que “o
eu é uma espécie de pecado poético inevitável, em que [o poeta]
precisa incorrer para criar, mas que o horroriza à medida que o
atrai” (CANDIDO, 1995, p. 113) – e, assim, mais uma vez o conflito
ou o embate de forças antagônicas é apontado como inerente
à poética drummondiana.
a obra de arte se apresenta, quase sempre, como uma “unidade
alcançada a partir da variedade”, como uma unidade que “justifica
a vida insatisfatória [porque sempre incompleta], o sofrimento,
a decepção e [mesmo] a morte que se aproxima” (CANDIDO,
1995, p. 116). No entanto a concepção da obra de arte como
uma “unidade” apaziguadora, tendo em vista um passado ambíguo
(que é ao mesmo tempo vida que se consumou, impedindo
outras maneiras de existir, e conhecimento da vida, permitindo
pensar outras formas de existência), faz ecoar a concepção de lírica
hegeliana, bastante insuficiente para abarcar as multiplicidades
de uma poética que, para além de seu polimorfismo – ou alotropismo
– constitutivo, atravessa todos os grandes ciclos estéticos e
históricos do século XX, no Brasil e no mundo.
injeção de fantasia nas coisas banais à busca do passado
mítico através da família e da paisagem natural; do niilismo à
violênciasinalizam apenas diferença, não oposição – mesmo
que esta organização culmine por abalar as bases de sua tese,
de que as inquietudes na poesia de Drummond nascem de uma
oscilação entre uma postura mais narcísea e outra mais coletivista.
A dalvi
família que, embora singular, é universalizada.Assim, as oscilações entre a atração do mundo
grande e o ensimesmamento da província já
estão de alguma forma prenunciadas pela própria
sequência dos poemas no livro de estreia
(SECCHIN, 2002, p. 36).
o mundo exclui a poesia, e a poesia insiste ainda em
incluir o mundo (p. 76).
Entristece-me aslinhascommauspoemas
Pergunta-me que achoeu
Há tempopara ouvir,ver?
Vestirmortoque já morreu?
Tempopara matar o tempocomo se prazerfosse
Auscultaro ocasode nossosdias
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Há o tempoemboraotempo
torne léguastodososprós
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Se bons diasdou,se aindaarrisco
Mentirmaisdo que menosminto
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Rimar tão mal como me visto
Ousar umpoema
Embora tão isto
Pergunta-me acada verso
Quão dele doisespelhos se espelham
Há o infinitoemcadaresto
Há uma ideiapara cada ideia
Há cem anos para cada dia
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Há o sujeitoque asi no outrose interroga
Se há o resto, se há o mundo.
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  • 1. Vendo postagens do dia das Mães de mães duvidosas... de filhos duvidosos... só offff ng V Escuta a hora formidável do almoço na cidade. Os escritórios, num passe, esvaziam-se. As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas vitaminosas. Salta depressa do mar a bandeja de peixes argênteos! Os subterrâneos da fome choram caldo de sopa, olhos líquidos de cão através do vidro devoram teu osso. Come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo de comida, mais tarde será o de amor. O que vive choca, tem dentes,arestas,é espesso. O que vive é espesso como um cão, um homem, como aquele rio. Como todo o real é espesso. Aquele rio é espesso e real. Como uma maçã é espessa. Como um cachorro é mais espesso do que uma maçã. Como é mais espesso o sangue do cachorro do que o próprio cachorro. Como é mais espesso um homem do que o sangue de um cachorro. Como é muito mais espesso o sangue de um homem do que o sonho de um homem. Espesso como uma maçã é espessa. Como uma maçã é muito mais espessa se um homem a come do que se um homem a vê. Como é ainda mais espessa se a fome a come. Como é ainda muito mais espessa se não a pode comer a fome que a vê. Aquele rio é espesso como o real mais espesso. Espesso
  • 2. por sua paisagem espessa, onde a fome estende seus batalhões de secretas e íntimas formigas. Escuta a hora espandongada da volta. Homem depois de homem, mulher, criança, homem, roupa, cigarro, chapéu, roupa, roupa, roupa, homem, homem, mulher, homem, mulher, roupa, homem, imaginam esperar qualquer coisa, e se quedam mudos, escoam-se passo a passo, sentam-se, últimos servos do negócio, imaginam voltar para casa, já noite, entre muros apagados, numa suposta cidade, imaginam. Escuta a pequena hora noturna de compensação, leituras, apelo ao cassino, passeio na praia, o corpo ao lado do corpo, afinal distendido, com as calças despido o incômodo pensamento de escravo, escuta o corpo ranger, enlaçar, refluir, errar em objetos remotos e, sob eles soterrados sem dor, confiar-se ao que bem me importa do sono. Escuta o horrível emprego do dia em todos os países de fala humana, a falsificação das palavras pingando nos jornais, o mundo irreal dos cartórios onde a propriedade é um bolo com flores, os bancos triturando suavemente o pescoço do açúcar, a constelação das formigas e usurários, a má poesia, o mau romance, os frágeis que se entregam à proteção do basilisco, o homem feio, de mortal feiúra, passeando de bote num sinistro crepúsculo de sábado.
  • 3. O que vive incomoda de vida o silêncio,o sono,o corpo que sonhou cortar-se roupas de nuvens. O que vive choca, tem dentes,arestas,é espesso. O que vive é espesso como um cão, um homem, como aquele rio. Como todo o real é espesso. Aquele rio é espesso e real. Como uma maçã é espessa. Como um cachorro é mais espesso do que uma maçã. Como é mais espesso o sangue do cachorro do que o próprio cachorro. Como é mais espesso um homem do que o sangue de um cachorro. Como é muito mais espesso o sangue de um homem do que o sonho de um homem. Espesso como uma maçã é espessa. Como uma maçã é muito mais espessa se um homem a come do que se um homem a vê. Como é ainda mais espessa se a fome a come. Como é ainda muito mais espessa se não a pode comer a fome que a vê. Aquele rio é espesso como o real mais espesso. Espesso por sua paisagem espessa, onde a fome estende seus batalhões de secretas e íntimas formigas. E espesso por sua fábula espessa; pelo fluir de suas geléias de terra;
  • 4. ao parir suas ilhas negras de terra. Porque é muito mais espessa a vida que se desdobra em mais vida, como uma fruta é mais espessa que sua flor; como a árvore é mais espessa que sua semente; como a flor é mais espessa que sua árvore, etc. etc. Espesso, porque é mais espessa a vida que se luta cada dia, o dia que se adquire cada dia (como uma ave que vai cada segundo conquistando seu vôo). ( João Cabral de Melo Neto ) * Uma faca só lâmina (Para Vinícius de Morais) Assim como uma bala enterrada no corpo, fazendo mais espesso um dos lados do morto; assim como uma bala do chumbo pesado, no músculo de um homem pesando-o mais de um lado qual bala que tivesse um vivo mecanismo, bala que possuísse um coração ativo igual ao de um relógio submerso em algum corpo, ao de um relógio vivo e também revoltoso, fome estarosa é definitivaaindaque pobre dissoluçãoarosada flore a náusea(osacontecimentos entediantes) CLAROENIGMA ENQUANTO RUPTURA,AMADURECIMENTO, ABSENTEÍSMO:
  • 5. DAS Inúmerasdiscussõeslevantadasacercadaobra que parece destordas demais,fica-nosa recorrênciaao palestrasobre líricae sociedade,afome acimacitada,a desistênciaacercada máquinadomundoe de Drummond provém do fato de que “o eu é uma espécie de pecado poético inevitável, em que [o poeta] precisa incorrer para criar, mas que o horroriza à medida que o atrai” (CANDIDO, 1995, p. 113) – e, assim, mais uma vez o conflito ou o embate de forças antagônicas é apontado como inerente à poética drummondiana. a obra de arte se apresenta, quase sempre, como uma “unidade alcançada a partir da variedade”, como uma unidade que “justifica a vida insatisfatória [porque sempre incompleta], o sofrimento, a decepção e [mesmo] a morte que se aproxima” (CANDIDO, 1995, p. 116). No entanto a concepção da obra de arte como uma “unidade” apaziguadora, tendo em vista um passado ambíguo (que é ao mesmo tempo vida que se consumou, impedindo outras maneiras de existir, e conhecimento da vida, permitindo pensar outras formas de existência), faz ecoar a concepção de lírica hegeliana, bastante insuficiente para abarcar as multiplicidades de uma poética que, para além de seu polimorfismo – ou alotropismo – constitutivo, atravessa todos os grandes ciclos estéticos e históricos do século XX, no Brasil e no mundo. injeção de fantasia nas coisas banais à busca do passado mítico através da família e da paisagem natural; do niilismo à violênciasinalizam apenas diferença, não oposição – mesmo que esta organização culmine por abalar as bases de sua tese, de que as inquietudes na poesia de Drummond nascem de uma oscilação entre uma postura mais narcísea e outra mais coletivista. A dalvi família que, embora singular, é universalizada.Assim, as oscilações entre a atração do mundo grande e o ensimesmamento da província já estão de alguma forma prenunciadas pela própria sequência dos poemas no livro de estreia (SECCHIN, 2002, p. 36). o mundo exclui a poesia, e a poesia insiste ainda em incluir o mundo (p. 76). Entristece-me aslinhascommauspoemas Pergunta-me que achoeu Há tempopara ouvir,ver? Vestirmortoque já morreu? Tempopara matar o tempocomo se prazerfosse Auscultaro ocasode nossosdias na inérciadoslençóis
  • 6. Há o tempoemboraotempo torne léguastodososprós Pergunta-me de mimamimmesmo Se passo bem,se prazersinto Se bons diasdou,se aindaarrisco Mentirmaisdo que menosminto Omitirmenosdoque maisomito Rimar tão mal como me visto Ousar umpoema Embora tão isto Pergunta-me acada verso Quão dele doisespelhos se espelham Há o infinitoemcadaresto Há uma ideiapara cada ideia Há cem anos para cada dia Cemmortespara cada segundo Há o sujeitoque asi no outrose interroga Se há o resto, se há o mundo. Nasceucorpo Banhar o corpo Consultaro corpo Vestirocorpo