Este documento discute três tópicos principais:
1) A Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Brasil estão financiando grandes projetos de infraestrutura na Amazônia, com impactos severos e irreversíveis na floresta e seus povos.
2) As instituições financeiras multilaterais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial estão por trás do financiamento
1. Janeiro 2009
CONTRA CORRENTE para quem desafia o pensamento único
QUEM GANHA COM
A DESTRUIÇÃO ( ) os governos
( ) as transnacionais
DA AMAZÔNIA? ( ) BID, Banco Mundial, FMI
( ) mineradoras
( ) agronegócio
( ) bancos privados
( ) empreiteiros
• IIRSA e PAC: • Alfredo Wagner • A política equivocada • Crise: reformar ou
a floresta e seus povos fala do atual paradoxo do BNDES salvar o capitalismo?
são obstáculos na região
2.
3. Editorial Índice
Porque a vida 4
A Rede Brasil na contra-corrente
da hegemonia do capital
nos pede coragem
Financiamento a megaprojetos:
6 novos desafios
8 Surfando na crise
A Amazônia como alvo principal
É com muita satisfação que apresentamos 10 da IIRSA, BNDES...
Contra Corrente a você. 12 É preciso um Anti-PAC
C
Complexo Madeira - A evolução
om esta publicação, queremos contribuir para o debate do financia- 14 de uma mentira
mento ao desenvolvimento a partir do acúmulo gerado nesses 14 anos
de existência da Rede Brasil. Nossa proposta é subsidiar movimentos, 16 Os impactos do Prosamim
organizações, homens e mulheres engajados nos processos de resistência
Paradoxo Amazônico – entrevista
ou comprometidos com a construção de um mundo justo. 18 com Alfredo Wagner
Nesta edição especial para o Fórum Social Mundial 2009, os artigos e refle- BID - 50 anos financiando
xões retratam a atual conjuntura de crises – econômica, ambiental, energé- 23 a desigualdade
tica, alimentar - e têm como principal foco a Amazônia. Essa opção se deve
Fundo Amazônia: mais do mesmo
não só pelo fato de que esse evento será realizado em Belém, no Pará, e
a região estará no centro do debate. Recentemente, a Amazônia tornou-se
24 ou um instrumento para a justiça?
um dos maiores alvos dos projetos das Instituições Financeiras Multilaterais Mudanças Climáticas e IFIS:
(IFMs) e, sem dúvida, o principal da Iniciativa para a Integração da Infra-es-
trutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e da sua versão brasileira, o Progra-
26 salvando o planeta
ou o capitalismo?
ma de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal.
28 Em dívida com a Amazônia
A realização desses projetos impactará a floresta e a realidade de seus povos
Nós somos a teia
de modo severo e irreversível. No entanto, a sociedade, de um modo geral, 30 que sustenta a Rede!
pouco sabe sobre eles. A IIRSA, por exemplo, é ignorada pela mídia e até por
importantes setores do governo. 31 Criada a CPI da dívida
O exercício de monitoramento das IFMs tem permitido às organizações que
integram a Rede Brasil a constatação de que o financiamento ao desenvolvi-
mento tem sido usado como um instrumento de dominação política ao longo Contra Corrente é uma publicação da Rede Brasil
da história recente. Os artigos publicados aqui refletem justamente sobre o sobre Instituições Financeiras Multilaterais.
Janeiro de 2009
que resulta desse entendimento trazido pela Rede, ou seja, que as propostas
Revisão: Gabriel Strautman, Guilherme Carvalho,
de soluções apresentadas à atual crise – sobretudo pelos centros de poder Magnólia Said
global, como as próprias IFMs – vão no sentido de um novo ciclo perverso Projeto Gráfico: Guilherme Resende
Edição: Patrícia Bonilha
de endividamento dos países mais pobres.
Os artigos assinados refletem a opinião de seus autores/as.
E não, necessariamente, são questões consensuadas
Por último, gostaríamos de agradecer imensamente às pessoas que con- na Rede Brasil.
tribuíram para a primeira edição de Contra Corrente: autores/as dos textos, Foto na capa: Nilo D’Avila
fotógrafos/as, revisores/as, e diagramador, que dedicaram muitas horas de Foto na contracapa: João Correia Filho
um valioso e árduo trabalho. SCS, Qd 08, Edifício Venâncio 2000, Bloco B-50, sala 415
70333-970, Brasília – DF Brasil • t + 55 61 3321-6108
www.rbrasil.org.br
Boa leitura! Apoio:
4. Magnólia Said*
Na contra-corrente
da hegemonia do capital
Um olhar sobre os quase 15 anos de vida da Rede Brasil, a proposta inicial,
suas estratégias, conquistas e desafios na luta pela superação das injustiças
D
a decisão de um grupo de organiza-
ções da sociedade civil e movimen-
tos que necessitavam de um espaço
amplo e diverso de discussão sobre as Ins-
tituições Financeiras Multilaterais (IFMs)
surge a Rede Brasil, no ano de 1995. Esse
espaço deveria dar ressonância às denún-
cias sobre os impactos das políticas e pro-
jetos dessas instituições e influenciar os
seus sistemas de poder. Abrir canais de
interlocução sobre essas instituições com
o governo, o parlamento e com elas pró-
prias era um outro objetivo que esta Rede
se propunha a realizar.
Arquivo Rede Brasil
O entendimento era que a criação de
redes nacionais em torno de uma temáti-
ca específica favoreceria uma mobilização
maior da sociedade civil e uma participa-
ção mais ativa junto ao governo. A pro- Apoiar e subsidiar os movimentos de resistência: uma das prioridades da Rede Brasil
posta também era influenciar a criação de
redes nacionais em outros países com es- ções. Além disso, tem desempenhado um contram para se manterem relevantes e
se mesmo tema e, portanto, uma atuação importante papel na articulação de organi- atuantes no desenvolvimento dos países,
mais coordenada para enfrentar as políti- zações e movimentos sociais em momentos usando a dívida como moeda de troca pa-
cas das instituições financeiras materiali- significativos de suas lutas e resistências. ra regular as suas políticas.
zadas nos países do Sul Global, a partir de Combinando várias estratégias, como
decisões unilaterais. o diálogo, a denúncia, a produção crítica e Frutos da experiência
Baseada nessa premissa, a Rede se am- a mobilização social, a Rede manteve uma Inicialmente, a Rede considerava que a
pliou, demarcou um posicionamento críti- agenda sintonizada com as exigências do questão da relação IFMs–governos–socie-
co frente às IFMs e à relação, ora de pacto contexto nacional e internacional. Mesmo dade civil estaria resolvida caso essas ins-
ora de subordinação, dos governos do Sul em momentos de arrefecimento das forças tituições fossem democratizadas, viabili-
diante delas. Como conseqüência, tornou- sociais e crise de projetos políticos, conse- zando-se uma participação cada vez mais
se referência nacional e internacional tanto guiu sustentar a idéia da importância de qualificada, tanto dos governos do Sul co-
no debate como na produção analítica so- termos no País um espaço que complexi- mo das organizações da sociedade civil.
bre a atuação e as políticas dessas institui- fique as diferentes formas que as IFMs en- Ocorre que as experiências mostraram
4
5. Contra Corrente I Janeiro 2009
que reformas não são capazes de superar A colheita compensadora bre como se constroem os mecanismos de
vícios de origem, ou seja, a própria cons- Nessa perspectiva, fatos e ações importan- endividamento do País;
tituição dessas instituições – onde países tes têm marcado a trajetória da Rede: • O incentivo e apoio à criação da
centrais definem o poder de mando atra- • O primeiro Painel de Inspeção na his- Frente Parlamentar em Defesa do Finan-
vés de cotas – impede que elas propug- tória do Banco Mundial, liderado pela Re- ciamento Público e da Soberania Nacio-
nem por políticas incentivadoras de um de Brasil, mobilizou a sociedade brasileira nal, gerando competências técnico-polí-
desenvolvimento promotor dos direitos e mundial, potencializando outras inicia- ticas nas assessorias parlamentares para
humanos e com perspectivas de supera- tivas no plano internacional; uma interlocução mais consistente junto
ção das injustiças. • A abertura pública do CAS – Docu- ao governo;
O recrudescimento das desigualdades - mento de Estratégia de Assistência ao País • A denúncia pública sobre a propos-
resultado já previsto de políticas de de- - incentivou organizações de outros paí- ta de perdão da dívida dos países po-
senvolvimento pautadas na desregula- ses a exigirem a publicação dos documen- bres, por parte do Banco Mundial e BID,
mentação, na liberalização, privatizações tos de estratégia do Banco Mundial e do obrigando o Banco Mundial a promo-
e livre mercado, embora criticadas por es- Banco Interamericano de Desenvolvimen- ver um debate (em abril de 2008) com as
trategistas renomados do Banco Mundial to (BID) para seus países; organizações, em nível global, sobre as
- confirmou, na década atual, a impossi- diferentes concepções de dívida odiosa
bilidade de uma aposta na reforma dessas e ilegítima;
instituições. Começa, então, a se fortale- “Está colocado para • E a denúncia da farsa da Ajuda Pú-
cer no interior da Rede, em conjunto com blica ao Desenvolvimento para os paí-
outras articulações parceiras que tratam a Rede o desafio de ses mais pobres e/ou acometidos por ca-
de temas correlatos, como o Jubileu Sul, tástrofes ou guerras – uma forma de im-
a idéia de rechaço a essas instituições, pe- construir uma agenda por mais abertura desses países à entrada
la co-responsabilidade na implementação das transnacionais.
do modelo neoliberal. Outra demanda que clara e agregadora Todo esse acúmulo foi fundamental pa-
ganha força é a necessidade de pautar o
debate, em âmbito internacional, a respei- que conduza a um ra que nossos esforços hoje estejam volta-
dos para: a construção de uma institui-
to de uma nova arquitetura financeira que
incida sobre as assimetrias entre os países,
avanço na realização ção que possa financiar o processo de in-
tegração entre países desde os povos; para
superando o que alimenta a razão da exis-
tência dessas instituições: países cada vez
do projeto de uma auditoria global da dívida e dessas
instituições; e para um trabalho de alerta
mais empobrecidos e dependentes. desenvolvimento que aos estados e municípios que estão geran-
Hoje, estamos diante de um contex- do dívida a partir dos empréstimos diretos
to bem mais complexo, com novos atores queremos ter”. com essas instituições.
nacionais e internacionais e várias estru- A referência desses quase 15 anos é o
turas sendo criadas, num ambiente de dis- que nos leva a fomentar um debate estra-
putas por espaços de poder e de liderança • A denúncia dos limites das salva- tégico sobre o projeto da Iniciativa de In-
entre países. guardas ambientais desses bancos levou tegração da Infra-estrutura Regional Sul-
Essa conjuntura traz outras exigên- a uma revisão das suas políticas para o Americana (IIRSA), o Banco do Sul, o Banco
cias para a Rede: fortalecer as articula- meio ambiente; Nacional de Desenvolvimento Econômico e
ções nacionais e internacionais; qualifi- • A desmistificação do chamado “No- Social (BNDES) e a dívida. Esses temas for-
car suas associadas; e romper o bloqueio vo Mundo Rural”, programa proposto e mam o pano de fundo do que se coloca ho-
da mídia oficial, demonstrando que as de- financiado pelo Banco Mundial desde os je, para o nosso continente, como os desa-
sigualdades que se manifestam no local anos de 1990 e baseado numa Reforma fios a serem superados na construção de um
são resultado de processos decisórios que Agrária de Mercado, foi favorecida pela instrumento que, de fato, financie o nosso
se constroem em nível global, e que es- denúncia da situação de endividamento desenvolvimento com justiça social.
sas instituições têm um papel fundamen- dos “beneficiários” dessa política;
tal nesses processos. Também está coloca- • O bloqueio do pedido de aprovação
* Magnólia Said é advogada, membro do Esplar –
do para a Rede o desafio de construir uma de empréstimo do presidente Fernando
agenda clara e agregadora que conduza Centro de Pesquisa e Assessoria e da coordenação da
Henrique Cardoso (FHC) ao Banco Mun-
a um avanço na realização do projeto de dial, processo que demorou seis meses, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais -
desenvolvimento que queremos ter. propiciando um grande debate público so- magnolia@esplar.org.br
5
6. Ricardo Verdum*
Financiamento
a megaprojetos:
novos desafios
A América do Sul se vê diante de novos cenários e uma complexidade que exige um
incomum esforço crítico de análise e interpretação da atual realidade da região
F
ocar a atenção exclusivamente nas nanciamento de projetos de infra-es- argumento de que irá aumentar a “capa-
clássicas Instituições Financeiras trutura física (como estradas, hidrovias, cidade competitiva” dos países na eco-
Internacionais (IFIs), como o Banco ferrovias, gasodutos e usinas hidrelétri- nomia globalizada. Na prática, isto tem
Internacional de Reconstrução e Desen- cas). Em linhas gerais, a ação destas ins- significado gerar condições de maior
volvimento (BIRD), Banco Interamerica- tituições está voltada para viabilizar as acessibilidade a diferentes áreas do con-
no de Desenvolvimento (BID) e o Fun- tinente, permitindo a extração de recur-
do Monetário Internacional (FMI), não “Uma parcela sos naturais (tais como minérios, petró-
contempla os múltiplos fatores, meios leo, soja, etc) e facilitado a inserção da
e percursos envolvidos na relação entre importante da produção nos mercados globais.
financiamento, megaprojetos e a pers-
pectiva neoliberal que orientam as po- engrenagem financeira Adoção dos preceitos neoliberais
líticas da maioria (se não da totalida- Passados oito anos desde quando foi lan-
de) dos Estados na América do Sul1. Não dos megaprojetos na çada oficialmente, a Iniciativa de Inte-
porque estas agências político-financei- gração da Infra-estrutura Regional Sul-
ras não tenham mais um papel relevante América do Sul que Americana (IIRSA) conta com o apoio
nessa relação; pelo contrário, continu- da maioria dos governos, inclusive da-
am tendo. O fato é que novos atores po- não tem merecido queles que chegaram ao poder com uma
líticos e projetos econômico-financeiros plataforma crítica ao neoliberalismo e
são, na atualidade, tão ou mais impor- a atenção devida é à tutela das IFIs. Além disto, os dados
tantes que essas instituições2. publicados pelo Comitê de Coordenação
Além da Corporacão Andina de Fo- representada pelos Técnica da IIRSA, em dezembro de 2007,
mento (CAF) e do Banco Nacional de De-
senvolvimento Econômico e Social (BN-
bancos privados.” indicam que dos US$ 21 bilhões investi-
dos na carteira prioritária de projetos da
DES), um conjunto importante de Ins- IIRSA até então, o BID e a CAF repre-
tituições Financeiras Regionais (IFRs), condições físicas para o aumento da in- sentam respectivamente 7% e 8% dos
que têm a particularidade de estarem terdependência econômica em nível re- compromissos totais de financiamento,
nas mãos dos próprios governos latino- gional, impulsionada por acordos prefe- em comparação aos 62% alocados pe-
americanos, vêm adquirindo uma cres- renciais de integração, em um contexto los orçamentos nacionais dos doze paí-
cente participação na promoção e no fi- de abertura e desregulamentação sob o ses membros da IIRSA e 21% pelo respec-
6
7. Contra Corrente I Janeiro 2009
tivo setor privado. Neste processo, o Bra- tiplano colombiano e o litoral atlântico,
sil fortaleceu sua influência sobre a gestão destinada a transportar carvão para ex-
do BID, onde passou a liderar a vice-pre- portação. Esta estrada deverá ter um ra-
sidência com mais poder nesta institui- mal para a região de Paz del Rio, onde
ção, a da Divisão de Infra-estrutura, além está instalada uma grande siderúrgica
de diversos postos do alto escalão. De ou- adquirida pelo Grupo Votorantim, que
tro lado, o BNDES não só empresta atual- recentemente foi “socorrido” pelo go-
mente cerca de oito vezes do total combi- verno Lula da Silva, por intermédio do
nado das IFIs por ano como também con- Banco do Brasil, que assumiu 49,99% do
cede empréstimos fora do Brasil - cerca de capital acionário do Banco Votorantim.
US$ 4,2 bilhões em empréstimos de 2007
a 2008. Furor privado
Outro aspecto que vem chamando a Uma parcela importante da engrenagem
atenção é a expansão empresarial brasilei- financeira dos megaprojetos na América
ra para os países vizinhos, principal mar- do Sul que não tem merecido a atenção
ca do processo recente de transnacionaliza- devida é representada pelos bancos pri-
ção do capital brasileiro, em estreita vincu- vados. Há muito que ser feito em termos
lação com a concepção e implementação da de análise e avaliação sistemática da sua
estratégia embutida na IIRSA. A crescente participação na promoção e no financia-
presença do capital internacionalizado bra- mento dessas obras. Em setembro passa-
sileiro nas economias da região andina vem do, por exemplo, o BNDES (em parceria
colocando por terra as expectativas de mui- com o BID, o IFC/BIRD e bancos privados)
tos analistas que, nos países dessa região, anunciou a criação da Empresa Brasilei-
acreditaram que, com o governo Lula, os ra de Projetos (EBP). Seu objetivo é estru-
processos de integração poderiam alcançar turar e modelar projetos de infra-estrutu-
novas dimensões e superar os conteúdos es- ra nas modalidades “concessão pública” e
sencialmente neoliberais que haviam carac- “Parceria Público-Privado” no Brasil e na
terizado os anos de 1990. América do Sul. Integram esta empresa os
As empresas brasileiras de grande bancos Bradesco, Itaú-Unibanco, Santan-
porte com atuação global estão presen- der, Citibank, Votorantim, Espírito Santo e
tes na maioria dos países andinos. É o ca- Banco do Brasil.
so dos grupos Petrobrás, Vale (do Rio Do- Enfim, o tema é complexo e exige um “ A crescente presença
ce), Gerdau, Votorantim, Odebrecht e Ca- novo esforço crítico de análise e interpre-
margo Corrêa. Um exemplo da expansão tação das transformações havidas na úl- do capital brasileiro
empresarial brasileira para os países vi- tima década nas relações entre financia-
zinhos e sua vinculação com a estraté- mento, megaprojetos e neoliberalização na região andina vem
gia embutida na IIRSA são as obras das
rodovias inter-oceânicas que cortam a
na América do Sul.
colocando por terra
Bolívia e o Peru, onde atuam as princi-
pais empreiteiras brasileiras, que bene-
as expectativas de
* Ricardo Verdum é doutor em Antropologia Social da
ficiam enormemente o setor do agrone-
gócio do Centro-Oeste e Norte do Brasil,
América Latina e Caribe, assessor do Instituto de Estudos que, com o governo
Socioeconômicos (Inesc) e membro da coordenação da
o centro industrial instalado no Sudes-
te brasileiro e as principais cadeias pro-
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais - Lula, os processos de
verdum@inesc.org.br
dutivas das transnacionais que operam
1- David Harvey, em O Neoliberalismo: história e implicações integração superariam
no continente. (São Paulo, Edições Loyola, 2008), proporciona uma interessante
Na Colômbia, a Camargo Corrêa e a história político econômica da origem do neoliberalismo, forma
de organização político-econômica hoje hegemônica no âmbito
os conteúdos
Odebrecht receberão, a título de finan-
essencialmente
do capitalismo global.
ciamento, US$ 650 milhões do BNDES
2- Financiamento e Megaprojetos: Uma interpretação da
para a construção da Ferrovia Carare,
neoliberais”
dinâmica regional sul-americana (Brasília, Instituto de Estudos
uma estrada de ferro conectando o al- Socioeconômicos, 2008).
7
8. Gabriel Strautman*
Surfando na crise
A crise mundial tirou as Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs) do buraco.
De um déficit de US$ 294 milhões, a previsão para abril de 2009 do FMI, por
exemplo, mudou para um lucro líquido de US$ 11 milhões
atores, bem como para a rearticulação apenas os que já são fortes. Vício esse
dos processos de resistência a esse sis- que não pode ser corrigido, a menos que
tema. Porém, a máxima de que a cri- seja transformado. Isso significa que as
se abre novas portas é uma faca de dois instituições que zelam pelo bem-estar
gumes. Atentos a essa observação, líde- desse sistema, como as Instituições Fi-
res dos países que comandam o capita- nanceiras Multilaterais (IFMs), são tam-
lismo em escala mundial estão aprovei- bém as mantenedoras desse vício e, por-
tando a crise para consolidar ainda mais tanto, devem deixar de existir.
as bases desse sistema, dando maior po- Criadas no pós guerra, no que ficou co-
der às suas instituições. nhecido como Consenso de Bretton Woo-
Reunidos em Washington, nos Esta- ds, essas instituições deveriam financiar
dos Unidos, no final do ano de 2008, o desenvolvimento – começando pela re-
líderes de países que integram o G20 construção dos países europeus devasta-
apontaram para a necessidade de re- dos pelas guerras – e zelar pelo bem-estar
formas no sistema financeiro interna- da economia mundial, evitando, através da
cional como saída para a crise. Foram regulação e da aplicação de políticas an-
discutidas propostas como a conclusão ti-cíclicas, os desequilíbrios e as situações
da Rodada Doha de comércio interna- de crise. Décadas mais tarde, o que se viu
cional, maior transparência das aplica- foi exatamente o contrário. As instituições,
ções financeiras e regulação do sistema, que surgiram para proteger o sistema, es-
incluindo as agências de avaliação de tavam agora contribuindo decisivamente
crédito. Além disso, discutiu-se uma re- para o aprofundamento das suas contra-
forma no Fundo Monetário Internacio- dições. Através do instrumento político do
C
nal (FMI) e no Banco Mundial, buscan- endividamento público, e a serviço dos pa-
omo dizem por aí, crise é oportu- do dar maior peso aos países emergen- íses capitalistas do Norte, as IFMs impuse-
nidade. Isso significa que o caos e tes de forma a “refletir as mudanças na ram ao mundo o conjunto de reformas li-
o desequilíbrio causados pelas di- economia mundial”. beralizantes que criou as bases jurídicas e
ficuldades, muitas vezes, abrem novas econômicas para a abertura das economias
possibilidades e revelam outras opções, As coisas, como elas são e a transnacionalização do capital, aumen-
até então escondidas. Para os movimen- Porém, antes de falar em reformas, deve- tando o risco e a vulnerabilidade do sis-
tos sociais, organizações e partidos de mos reconhecer que a estrutura da atu- tema econômico, quando deveriam atuar
esquerda, a atual crise financeira mun- al arquitetura financeira mundial refle- justamente para evitar as crises.
dial, considerada como a pior crise des- te as assimetrias de poder existentes nas
de a devastadora crise de 1929, ofere- relações econômicas internacionais. A Lei da ação e reação
ce uma excelente oportunidade para um roleta em que se transformou a econo- Crises são inerentes ao sistema capitalista.
profundo questionamento sobre as con- mia global nas últimas décadas possui A dimensão da atual é uma conseqüência
tradições do sistema capitalista e seus um vício de origem que a faz privilegiar direta do neoliberalismo e das suas insti-
8
9. Contra Corrente I Janeiro 2009
tuições. Durante os últimos vinte anos, o Assim, fala-se em uma reforma do siste-
intenso processo de desmonte dos Esta- ma financeiro e até em um novo “Bretton
dos levou à liberalização dos mercados e Woods”. Mas a quem servirá isso tudo?
ao fim do controle de capitais, em favor da
ganância e do lucro sem lastro na produ- Dívida pra lá e pra cá
ção. O desenvolvimento de uma sofisticada Fazendo valer a idéia de que crise é opor-
tecnologia de meios de comunicação, so- tunidade, ao longo dos últimos meses, ins-
mado às privatizações e às pesadas políti- tituições como o Banco Interamericano de
cas de ajustes fiscais, permitiu que quanti- Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial
dades cada vez maiores de recursos fossem e o FMI apressaram-se em anunciar que
retirados da esfera produtiva das econo- estão prontos para conceder, de maneira
mias para percorrer o planeta através dos ágil e desburocratizada, empréstimos para
mercados financeiros em busca da máxima os países afetados pela crise. Diante dis-
valorização. Sofisticados produtos finan-
ceiros – como derivativos e títulos securi-
so, o FMI, por exemplo, acaba de rever a
previsão para o fechamento de suas con-
“ Manter intacto
tizados – foram desenvolvidos para reduzir tas em 2009: em vez de um déficit de US$
294 milhões, a perspectiva agora é de que
o período seja fechado com um lucro (ren-
o atual sistema
“A roleta em que da líquida) de pelo menos US$ 11 milhões,
que poderá ser ainda maior caso a crise fi-
econômico, orientado
se transformou a nanceira se agrave. Logo, a saída aponta-
da por estas instituições para a crise é um
economia global nas novo ciclo de endividamento dos países,
ou seja, o mesmo remédio que no passado
para o processo de
levou à redução do papel dos Estados na
últimas décadas possui economia e ao aprofundamento do funda- mundialização das
mentalismo dos mercados.
um vício de origem que Parece que ainda somos incapazes de
enfrentar a causa real das falhas do sis- finanças, significa
a faz privilegiar apenas tema capitalista: sua própria lógica. So-
mos incapazes ou não queremos enfren-
os que já são fortes.” tar essa discussão? Manter intacto o atual proteger os interesses
sistema econômico, orientado para o pro-
cesso de mundialização das finanças, sig-
o risco destes investimentos especulativos. nifica proteger os interesses dos que dele dos que dele se
No entanto, a crise atual acabou mostran- se beneficiam. Na atual conjuntura políti-
do que o tiro saiu pela culatra, pois o frágil ca e econômica, apenas falar em reformas
castelo de cartas do sistema financeiro in- e recuperação da atividade econômica co- beneficiam.”
ternacional desmoronou. mo meios de superação da crise é inútil.
Sem se importar em gerar contradições É preciso ir além e questionar as ba-
ou em negar seus próprios dogmas, os ses do capitalismo e de suas contradições
mercados, afundados pela crise, pediram pois, se não há lugar para todos e todas à
socorro aos Estados, deixando claro que sombra do sistema capitalista, é nossa res-
não se trata de desmontá-los, mas sim de ponsabilidade ética imaginar e construir
privatizá-los cada vez mais. Quantidades um novo sistema que elimine as diferen-
impressionantes de recursos foram canali- ças, ao invés de aumentá-las.
zadas para o socorro de bancos enquanto
os trabalhadores e trabalhadoras do mun-
*Gabriel Strautman é economista e secretário executivo
do inteiro, assolados pelas crises alimen-
tar e climática, e pela aguda recessão, con- da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais –
tinuam abandonados à sua própria sorte. gabriel@rbrasil.org.br
9
10. Carlos Tautz*
A Amazônia
como alvo principal
Após o protagonismo da Alca, a IIRSA, sorrateiramente, se afirma como principal
projeto expansionista para a América do Sul. Com a tutela e o dinheiro do
BNDES, objetiva a exportação das riquezas da região
P
romovida pelo Estado brasileiro ca de tal modo que ela seja transformada institucional redobrada para a legislação
como a alternativa que levaria o em uma grande plataforma de forneci- ambiental. É a chamada Agenda de Im-
Brasil e toda a América do Sul a mento de insumos básicos, no campo da plementação Consensuada 2005-2010,
encontrarem seu espaço específico na energia e da alimentação, para centros constituída por 31 projetos estimados em
geopolítica internacional, a Iniciativa consumidores nos Estados Unidos, zona US$ 10,2 bilhões.
de Integração da Infra-estrutura Regio- do Euro, China e Japão.
nal Sul-Americana (IIRSA), aos poucos, Recursos públicos, lucros privados
mostrou a sua essência. Ao propor a A IIRSA é formalmente coordenada téc-
construção de rodovias, hidrovias, hi- “O BNDES vai conceder nica, política e financeiramente pelo
drelétricas e a normatização do comércio Banco Interamericano de Desenvolvi-
entre as nações, este projeto evidenciou ao Complexo Madeira mento (BID). Mas, como boa parte de
que o uso do termo “integração”, evoca- seus projetos envolvem a porção brasi-
dor dos melhores sentimentos de solida- o maior financiamento leira da Bacia Amazônica, tem o decisivo
riedade entre os povos, não passava de aporte financeiro do BNDES.
cortina de fumaça que esconde o proje- da sua história e Este Banco tem, por exemplo, apos-
to expansionista de atores econômicos tado todas as suas fichas na construção
brasileiros, financiados principalmente
pelo Banco Nacional de Desenvolvimen-
cobrará por ele taxas das obras consideradas peças-chave da
Iniciativa: as usinas Jirau e Santo An-
to Econômico e Social (BNDES), sobre os
recursos naturais brasileiros e dos nossos
comparáveis àquelas tônio, no Rio Madeira, em Rondônia.
Somente a construção destas duas usi-
vizinhos sul-americanos.
Criada durante a onda neoliberal dos cobradas de projetos nas, sem considerar o custo das eclusas
e da linha de transmissão, foi orçada em
anos de 1980 e 1990, a IIRSA se inicia mais de R$ 20 bilhões, segundo divulgou
em 2000 sob o governo do presidente sociais sem fim a Agência Nacional de Energia Elétrica
Fernando Henrique e se confirma desde (Aneel) em abril de 2007. Antes mesmo
2003 com o mandato de Lula da Silva. de lucro.” de qualquer avaliação da viabilidade
A Iniciativa tem como alvo principal a econômica e socioambiental do projeto,
Bacia Amazônica, onde se localizam os São, exatamente, 514 projetos de o BNDES assumiu o compromisso de fi-
maiores dos seus mais de quinhentos transporte, energia e comunicações, nanciar 80% da obra em conjunto com
projetos. São obras com capacidade de como consta na página www.iirsa.org. fundos de pensão de estatais (a maioria
reorganizar o território, desprezando Eles se dividem em 47 grupos de proje- dos quadros nas suas direções é indica-
culturas, direitos e o equilíbrio socioam- tos orçados em US$ 69 bilhões, mas há da pelo governo brasileiro).
biental. O alvo principal da IIRSA é dotar aqueles “especiais”, merecedores de me- As usinas do Madeira são um labo-
a Amazônia de infra-estrutura econômi- lhores condições de crédito e de atenção ratório em que os agentes econômicos
10
11. Contra Corrente I Janeiro 2009
“ A verdadeira
intenção da IIRSA:
extrair em escala
nunca antes vista os
recursos naturais
da América do Sul e,
principalmente, da
Bacia Amazônica.”
Fonte: http://www.foei.org/es/campaigns/finance/iirsa-integracion-en-riesgo
internacionais, com predominância dos vimento. Na prática, a rentabilidade do da sede do BNDES, no Rio de Janeiro).
brasileiros, tentam estabelecer novos projeto dependerá de eventuais anteci- Mas, hoje, sequer isso acontece, eviden-
marcos de desrespeito à legislação am- pações da entrada em operação das usi- ciando que, à medida que o escopo verda-
biental e de amplo favorecimento finan- nas e da colocação de grandes blocos de deiro dos projetos vem à tona, nem a uti-
ceiro às empresas envolvidas nos proje- energia no mercado livre. lização do simpático epíteto “integração”
tos. São uma espécie de cabeça de ponte A IIRSA também está subliminarmen- é mais suficiente para esconder a verda-
para estabelecer novos parâmetros de te vinculada à adormecida Área de Livre deira intenção da IIRSA: extrair em esca-
atuação do Estado, que tende a suavizar Comércio das Américas (Alca). Planeja- la nunca antes vista os recursos naturais
suas obrigações regulatórias. da para tornar as Américas um territó- da América do Sul e, principalmente, da
rio econômico livre, a Alca seria apenas Bacia Amazônica. Nem que para isso seja
Investimento alto, sem garantia um acordo legal. Para ser real, concre- necessário criar amplos territórios econô-
Apesar do projeto conter riscos graves, to, precisaria de dois complementos que micos, internos às nações da região, com
de vários tipos, o BNDES vai conceder estrategicamente seriam fornecidos pela sua própria institucionalidade e conecta-
às obras o maior financiamento da sua IIRSA: uma base física sobre a qual tran- dos diretamente ao mercado internacio-
história e cobrará por ele taxas com- sitassem as commodities e uma legis- nal, sem qualquer vínculo de solidarieda-
paráveis àquelas cobradas de projetos lação aduaneira comum. É sintomático de entre as demais regiões dos países em
sociais sem fim de lucro. A modalidade que o congelamento da Alca – origina- que se localizam.
de financiamento escolhida, o project fi- do de um amplo desacordo interno entre A IIRSA continua bem e a Alca não
nance, faz com que o Banco passe a de- as forças que a apoiavam, além de uma está derrotada. Ela pode renascer a qual-
pender de uma receita que não está ga- conjuntura eleitoral adversa na Améri- quer momento.
rantida. Qualquer atraso no pagamento ca Latina – tenha se dado em paralelo a
do empréstimo afetará a rentabilidade e, uma aparente maré de baixa da IIRSA.
*Carlos Tautz é jornalista e pesquisador do Instituto
devido à escala dos valores envolvidos, a Antes, os defensores desta última rea-
própria reputação do BNDES como ente lizavam audiências sem grandes divulga- Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) -
público de financiamento do desenvol- ções (pelo menos duas delas nos subsolos tautz@ibase.br
11
12. Luis Fernando Novoa Garzon*
É preciso
um Anti-PAC
Para não capitularmos diante da bárbarie, é preciso construir desde já um
projeto de desenvolvimento definido a partir das necessidades, direitos e
urgências do conjunto da população brasileira
E
m seu lançamento, em janeiro de cursos naturais não é nada desprezível programas orientados de crescimento. O
2007, o Programa de Aceleração do na disputas inter-oligopolistas. Estraté- Projeto Piloto de Investimentos (PPI) é um
Crescimento (PAC) foi recebido co- gias de deslocalização e de especializa- produto de encomenda, um programa de
mo uma retomada da intervenção estatal, ção regressiva e progressiva hierarquizam oxigenação condicional do que interessa
depois de décadas de auto-mutilação de os benefícios materiais e imateriais e os para sua posterior privatização e trans-
prerrogativas de política econômica. Mas instrumentos de comando. Esse contro- nacionalização. Trata-se de autorização
o dito retorno veio disciplinado pé ante le da periferia não é possível sem par- de gasto público sem ônus para as metas
pé em trilhas pré-definidas pelos setores cerias “locais”, sem núcleos endógenos de ajuste fiscal (superávit primário), desde
econômicos relevantes no País. Os grupos que neutralizem movimentos de oposição que os projetos - em Parcerias Público-
financeiros à cabeça das fusões e reestru- majoritários, sem a pacificação dos bol- Privado (PPPs) com participação predo-
turações ditadas de fora para dentro, as sões de miséria com políticas assistenciais minante do setor privado - comprovem
redes de serviços agraciadas com as priva- eficientes. A gestão de uma economia de ser de alto retorno econômico, inclusive
tizações e os fornecedores de insumos pri- enclaves, ou mais precisamente de redes fiscal, em benefício da “sustentabilidade
mários ou semi-elaborados para as cadeias de fornecimento global de produtos com da dívida pública”. O PAC ergue-se e con-
transnacionais ascenderam em escala in- alta escala e baixo valor agregado, exige figura-se no PPI. É sua referência meto-
versa à da economia nacional. Definido o a recomposição parcial do mercado inter- dológica e sua base normativa, inscrita
crescimento que importa, cabe ao governo no e do setor público. no último acordo do Brasil com o Fundo
proporcionar meios de acelerá-lo. Monetário Internacional (FMI) e mantida
O PAC expressa o espaço residual a O que pilota o PAC depois como política de Estado a partir de
que foi confinado o Estado brasileiro en- Este programa representa uma tentati- 2005, depois de dispensados os serviços
quanto arena pública. O modelo econô- va de alargamento da brecha criada pe- externos do Fundo. Conseqüentemente,
mico hegemônico, ou seja, a forma co- las Instituições Financeiras Multilaterais expandiu-se o teto do PPI de 0,15% para
mo se ajustam e se combinam as frações (IFMs) para transferir recursos destinados 0,5% do PIB, por ano.
dominantes, está cada vez mais fora do à dívida pública para investimentos em O PAC foi concebido para otimizar o
âmbito de avaliação, monitoramento e projetos estratégicos de infra-estrutura. A modelo produtivo rebaixado vigente no
interferência dos eleitores e dos governos lógica do sistema financeiro é aumentar a País, em coerência com as políticas macro-
por eles constituídos. Em países financei- solvência do País, otimizando sua capaci- econômicas restritivas da nossa real capa-
rizados e com função destacada na divi- dade exportadora, e melhorar a “qualida- cidade de gerar e distribuir renda. O PAC se
são internacional do trabalho, as eleições de do gasto público”, ou seja, o seu nível legitima, portanto, como indutor, multipli-
pouco interferem na condução dos minis- de suplementaridade com os requerimen- cador e facilitador de investimentos priva-
térios da área econômica e, especialmen- tos dos mercados. dos em infra-estrutura, ou seja, na melho-
te, do Banco Central. Em 2004, o Banco Mundial patroci- ria da produtividade dos grandes negócios.
O controle sobre um território com na estudos para apresentar programas de “Em vez de risco-Brasil: negócio-Brasil”
tamanha abundância e variedade de re- flexibilização fiscal a fim de viabilizar seria um lema apropriado para o Programa.
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13. Contra Corrente I Janeiro 2009
Ao observarmos os destinatários últi- tecnológica e de densificação de cadeias à substituição de importações e ao de-
mos dos projetos de expansão das redes de produtivas? Querer atrair capitais nessas senvolvimento tecnológico, de prioriza-
comunicações, de transportes e de ener- condições significa disposição de rebai- ção das pequenas e médias empresas e da
gia, caberia falar de indução pública do xar direitos sociais, regulamentações e agricultura familiar. O retorno econômi-
investimento privado ou de formatação exigências ao nível das perdas de mer- co dos projetos precisa ser antes retorno
privada e oligopolista dessa mesma indu- cado dos setores exportadores. Os por- duradouro e para todos. Os critérios de
ção pública? ta-vozes das empresas especializadas na financiamento público - cobiçadíssimo
O objetivo do PAC é a redução de custos degradação de trabalhadores, de cidades em tempos de vacas magras - precisam
operacionais para negócios de larga esca- e do meio ambiente, depois de promo- incorporar componentes sociais, ambien-
la, bem como o enquadramento dos riscos verem demissões em massa, não hesitam tais e territoriais que sejam inerentes a
regulatórios no setor de infra-estrutura. Na em reivindicar medidas de precarização um novo tipo de cálculo econômico. Jus-
prática, significa adotar um espelhismo das laboral de emergência, entre outras pro- tamente o que não precisamos é de mais
necessidades das grandes empresas como postas indecorosas. Medidas públicas de PAC , um “PAC plus”, a mão visível ades-
necessidades nacionais, com uma franja de trada pela invisível, a cartorialização das
beneficiários indiretos como efeito colate- economias de enclave.
ral. E para aquilo que seria essencial: tetos “Os recursos Precisamos de um anti-PAC, em que
limitados e contingenciamentos, ficando o
passivo social a cargo de políticas com- públicos, as estatais o setor público passe a ser condutor, na
exata medida do poder de conduzir que
pensatórias focalizadas.
e o Banco Nacional dispõe, nas condições colocadas e em
potência. Definidas as características
A crise internacional: PAC ou anti-PAC?
Como se sabe, dos R$ 503,9 bilhões pre-
de Desenvolvimento basilares do PAC - de suplementaridade
dos setores econômicos antes competiti-
vistos para serem investidos até 2010, Econômico e Social vos, de passividade frente ao modelo e
58% serão para geração e transmissão de de atividade consentida apenas para sua
energia, 30% para infra-estrutura social (BNDES) não podem otimização -, a antítese do PAC seria um
e urbana e 12% em logística. Desse total, programa de desenvolvimento nacional e
R$ 67,8 bilhões proviriam do orçamen- continuar a ser regional definido a partir das necessida-
to do governo central e R$ 436,1 bilhões des, direitos e urgências do conjunto da
das estatais federais e do setor privado. instrumentalizados população brasileira. A premissa óbvia é
Todo esse esforço concentrado precisa o desembaraço da camisa de força ma-
ser reavaliado em função das conseqüên- por uma massa croeconômica, é romper com o cativei-
cias de se exercer um papel subsidiário de ro rentista gerido por um Banco Central
um modelo beneficiário de uma globali- privada falida, por um manietado por conglomerados financei-
zação desregrada e assimétrica, agora em ros causadores e alimentadores da pre-
crise profunda. Não há porque acelerar ralo sem fundo.” sente crise. Que em 2009 a reavaliação
em direção ao abismo. A demanda ex- da política econômica do papel das esta-
terna por matérias-primas e semi-ela- socorro ao setor privado estão sendo im- tais, do BNDES e do Banco Central possa
boradas decrescerá fortemente por plementadas e anunciadas, sem exigência ser o ponto focal de nossos debates, re-
anos seguidos. de qualquer contrapartida, por exemplo, flexões e mobilizações. Diante da crise,
O crédito internacional encolherá na algo elementar como a exigência de ma- ou capitulamos frente aos corretivos da
mesma medida em que aumentarão os re- nutenção dos empregos. crise, nos submetendo à mais barbárie
quisitos para a sua liberação. Os investi- Os recursos públicos, as estatais e o institucionalizada amanhã, ou reunimos
mentos externos diretos que se mantive- Banco Nacional de Desenvolvimento capacidade de talhar uma alternativa de
rem serão ainda mais incondicionados. Econômico e Social (BNDES) não po- poder de forma conseqüente nas fissuras
Não há mais justificativa para priori- dem continuar a ser instrumentalizados sistêmicas que se apresentam.
zar política de atração de investimentos, por uma massa privada falida, por um
de promover concessões unilaterais e an- ralo sem fundo. O dinamismo econômi-
*Luis Fernando Novoa Garzon é sociólogo, membro
tecipadas para obter e renovar a confian- co possível passa por uma reversão do
ça dos investidores. De que vale oferecer modelo econômico vigente, exógeno e do ATTAC, da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras
garantia de rentabilidade sem garantia segregador. Dar centralidade ao mercado Multilaterais e da Rede Brasileira para Integração dos Povos
de reciprocidade em termos de difusão interno através de políticas de fomento (Rebrip) - l.novoa@uol.com.br
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14. Telma Delgado Monteiro*
A evolução
de uma mentira
O Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira foi apresentado como a salvação econômica
e social para o povo de Rondônia e a solução energética para o Brasil.
Mas a verdade é outra
E
m 2003, o projeto do Complexo Hi-
drelétrico do Rio Madeira foi apre-
sentado no seminário internacional
de co-financiamento do Banco Nacional
de Desenvolvimento Social (BNDES) e da
Corporação Andina de Fomento (CAF) e
identificado como uma fonte de energia
renovável, de larga escala, competitiva
e, portanto, de interesse do País. Sob a
ótica dessa apresentação feita por Furnas
Centrais Elétricas S.A. e pela Construtora
Norberto Odebrecht, esse projeto lidera-
ria a era de interiorização do desenvolvi-
mento da região no bojo da Iniciativa de
Integração da Infra-Estrutura Regional
Sul-Americana (IIRSA).
A possibilidade fictícia de estabele-
Jota Gomes
cer um novo paradigma tecnológico de
geração hidrelétrica em rios de planície,
como o Rio Madeira, presentes na Bacia
Dezenas de toneladas de peixes morrem por falta de oxigenação: impactos das obras
Amazônica, com determinadas caracte-
rísticas de velocidade e volume de água, sico do porte do Complexo Hidrelétri- drelétricas Santo Antônio e Jirau. Mais
foi cantada em verso e em prosa pelos co do Rio Madeira, criaram o sonho. uma falácia para vender a obra.
empreendedores às fontes de financia- O Plano Decenal de Energia (PDE)
mento futuro. Energia essencial para quem? 2008/2017, lançado em dezembro de
Sob o aliciamento de instituições O primeiro devaneio que pretendia jus- 2008, pela Empresa de Pesquisa Energé-
públicas e privadas, os empreende- tificar esse projeto como âncora do ei- tica (EPE), mostra que as usinas Santo
dores acenaram criminosamente com xo de integração Brasil/Peru/Bolívia, da Antônio e Jirau deverão contribuir com
uma oportunidade para a população IIRSA, seria o de superar os obstáculos apenas 6,3% da capacidade instalada do
da região usufruir de benefícios utópi- naturais à navegação do Rio Madeira País, até o horizonte de 2017.
cos. Com a falsa intenção de preparar e seus afluentes, com a construção de Para reforçar a necessidade visceral
a sociedade para assumir compromissos eclusas. No segundo, o estado de Ron- do governo pelos empreendimentos que
e enfrentar os riscos e desafios oriun- dônia iria suprir o País de energia em mudariam para sempre a face da Ama-
dos da implantação de um capital fí- quantidade expressiva gerada pelas hi- zônia, e justificá-los, foram inventados
14
15. Contra Corrente I Janeiro 2009
outros “benefícios” que eles trariam, lança comercial com o aumento das ex- de pictóricas obras encravadas na Ama-
como a integração da infra-estrutura portações, a descompressão das grandes zônia. Pura fantasia de “benefícios” so-
energética e de transporte entre o Brasil, cidades, o impacto positivo na indústria cioambientais. Argumentos mirabolan-
Bolívia e Peru; a consolidação do pólo de equipamento e insumos agrícolas. O tes, como o de construir usinas de baixa
de desenvolvimento industrial do agro- Rio Madeira se transformaria num ver- queda e usar turbinas bulbo como forma
negócio na região Centro-Oeste; a inte- dadeiro milagre para o capitalismo. de reduzir as áreas alagadas, passaram
gração dos estados de Rondônia, Acre, Os “benefícios” continuariam, ainda, a ser veiculados pela imprensa como
Mato Grosso e Amazonas ao Sistema com o aumento das encomendas na in- verdades oniscientes. A ex-ministra do
Elétrico Interligado brasileiro; acréscimo dústria de base, de turbinas, geradores e Meio Ambiente, Marina Silva, chegou a
de 4.225 quilômetros de rios navegáveis outros equipamentos para as usinas. Em- dar entrevistas anunciando que haviam
à montante de Porto Velho – Brasil, Bo- preendedores e governo intuíram tam- resolvido o problema dos grandes im-
lívia e Peru; e a geração de energia a bém “benefícios” multinacionais como a pactos ambientais com a utilização de
baixo custo. turbinas bulbo.
Nessa época [2003], faziam parte do Considerar a viabilização da diversida-
Complexo outra hidrelétrica e a hidrovia “O Plano Decenal de de agrícola no Centro-Oeste como benefí-
no trecho binacional Abunã – Guajará- cio é o mesmo que incentivar o recrudes-
Mirim, que estavam na fase de estudos
de inventário. O governo boliviano já
Energia 2008/2017... cimento da marcha do agronegócio sobre
a floresta e sobre os biomas. Considerar
havia sido contatado e os estudos em
território nacional iniciados. Faltou in-
prevê um acréscimo que as hidrelétricas do Madeira iriam, in-
clusive, substituir a geração térmica foi
formarem aos bolivianos a técnica dos um outro grande engodo. Mais uma vez,
“Impactos Teleguiados”1. da ordem de o Plano Decenal de Energia 2008/2017 é a
Os valores dos investimentos previstos prova da grande mentira em que se trans-
para as usinas e as eclusas do Complexo 135% em geração formou o projeto do Madeira. Ele prevê um
do Madeira estavam calculados em dóla- acréscimo da ordem de 135% em geração
res. Para Santo Antônio seriam necessá- termelétrica que termelétrica que exigirá investimentos de
rios US$ 2,7 bilhões; para Jirau, US$ 2,5 R$ 9 bilhões. Então, onde está o milagre
bilhões; para o sistema de transmissão,
US$ 650 milhões; e para as duas eclusas,
exigirá investimentos do Madeira?
Outros “benefícios” ambientais, ainda,
US$ 106 milhões e US$ 127 milhões. Os foram inventados pelos planejadores de
investimentos para os projetos no trecho de R$ 9 bilhões. empreendimentos milagrosos. O Comple-
binacional Abunã – Guajará-Mirim, ainda xo do Madeira, enganoso paradigma na
na fase de estudos de inventário, não ti- Onde está o milagre implantação de projetos de infra-estrutura
nham sido estabelecidos. sustentável na Amazônia, traria, pasmem,
Trata-se da implantação de uma “ló- do Madeira?” até um descongestionamento do tráfego
gica econômica” e que, na verdade, é na região Sudeste.
uma lógica perversa. A de que os inves- Incrível poder de fascínio!
timentos trariam a ocupação de áreas de integração completa entre o Brasil, Bo-
baixa densidade populacional - a flores- lívia e Peru, a facilitação do acesso ao
ta - com benefício local e regional. Oceano Pacífico e ao mercado asiático
para o Brasil e a Bolívia, o combate ao
Um “santo” projeto narcotráfico, a facilitação do acesso ao
Calcularam, inclusive, um aumento da Oceano Atlântico e ao mercado europeu
produção agrícola de 25 milhões de to- para a Bolívia e o Peru, o incremento da
neladas/ano e redução do custo de pro- produção agrícola na Bolívia em 24 mi-
* Telma Delgado Monteiro é ambientalista,
dução, além de se induzir a maior aces- lhões toneladas/ano. O paraíso seria atin-
ativista e pesquisadora da área de energia -
sibilidade à região, que nessa lógica se- gido facilmente.
ria, na verdade, a indução à ocupação. Toda a lógica que foi criada em 2003 http://telmadmonteiro.blogspot.com
Acrescentaram à “lógica econômica” da para “vender” o Complexo do Madeira 1- Artigo sobre os impactos ambientais que “cessam” quando
alcançam as fronteiras, publicado em 2007.
destruição, os incríveis “benefícios” na- fez a sociedade acreditar numa utopia http://telmadmonteiro.blogspot.com/2009/01/as-hidreltricas-
cionais, como a melhoria do saldo da ba- de geração de riquezas com a construção do-madeira-e-os.html
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16. Marcos Roberto Brito de Carvalho*
Os impactos
do Prosamim
Milionário projeto de saneamento e recuperação dos igarapés de Manaus,
financiado pelo BID, revela-se uma triste ilusão e prejudica a vida dos moradores
ribeirinhos; empreiteiros, por outro lado, têm motivos para querer mais
A
partir da instalação da Zona Fran- vés do Programa Social e Ambiental dos va contemplado no projeto. Mas, infe-
ca de Manaus, em 1967, esta cidade Igarapés de Manaus (Prosamim). Devido ao lizmente, as lutas sob sol e chuva, du-
passou por um acelerado processo desabamento, o governo estadual assume, rante tantos e tantos anos, não resulta-
de crescimento urbano e populacional, que através de um Plano Emergencial, os traba- ram em melhoria da qualidade de vida.
impactou severamente as populações situ- lhos no Igarapé da Cachoeirinha - que não Ao contrário.
adas às margens dos igarapés. Desde aque- constavam originalmente no Prosamim. Foram muitos os problemas. Técnicos
la época, esses moradores ribeirinhos so- O projeto está estruturado em três contratados pelo governo induziram as
nham com a oportunidade de uma mora- grandes áreas, com os seus respecti- famílias humildes a comprarem suas casas
dia digna e com a recuperação da vida das vos componentes: através de corretores, o que não era per-
nascentes, dos leitos e da mata ciliar. 1 – Infra-estrutura sanitária: ampliação mitido. Os mesmos tinham suas propostas
Imbuídos dessa expectativa e cansados da cobertura dos serviços de água potá- aprovadas rapidamente, enquanto as pes-
das promessas feitas periodicamente, na vel e esgoto sanitário, incluindo disposi- soas que não aceitavam negociar com os
época de eleições, os moradores do Igarapé ção final de águas servidas; melhoria dos corretores dificilmente tinham suas pro-
da Cachoeirinha, situado na zona sul da ci- serviços de coleta e disposição adeqüa- postas aprovadas.
dade, começaram a se organizar. Em 1997, da de lixo. A senhora Marilda Teles Cardoso, 56
dispostos a conseguir resolver os proble- 2 – Recuperação ambiental: reassenta- anos, moradora há 16 anos do Igarapé da
mas de saneamento na comunidade, pas- mento de famílias retiradas das áreas de Cachoeirinha, aceitou a indicação do cor-
saram a reivindicar benfeitorias para o lei- risco; dotação de infra-estrutura básica, retor Valter Araújo para a aquisição de
to do igarapé e para as famílias que ali mo- incluindo implantação de vias marginais, sua nova casa. Desde o dia 15 de junho
ravam há gerações. Daquele ano até 2003, melhorias nos serviços de energia elétrica, de 2005, seis dias após ter se mudado pa-
apresentaram várias emendas ao orçamen- transporte urbano, educação ambiental e ra o bairro São José, localizado no extre-
to da prefeitura de Manaus, que, em sua participação comunitária. mo oposto da cidade, ela peregrina pela
maioria, foram rejeitadas a mando do exe- 3 – Sustentabilidade social institucional: sede do Prosamim para se desfazer da ca-
cutivo. Finalmente, as obras têm início em desenvolvimento de política urbana e so- sa. Induzida a assinar o termo da com-
2003. No entanto, devido ao descaso, falta cial que contemple alternativas habitacio- pra da casa quando estava bastante doen-
de planejamento e às péssimas condições nais para grupos de baixa renda, geração te e coagida, sob a ameaça de que aque-
de trabalho, como a utilização de máquinas de trabalho e renda e fortalecimento da la era a única oportunidade que teria para
sucateadas, sete casas desabam. Os mora- gestão urbana. adquirir um outro imóvel - em troca do
dores reagem, fechando avenidas e exigin- que seria destruído para dar lugar às obras
do um posicionamento das autoridades. O pesadelo traz à realidade do Prosamim –, ela não se ateve para as
Neste mesmo ano, o governo do estado O que está escrito no projeto é bonito péssimas condições do imóvel que estava
consegue a aprovação de um empréstimo e remete para os moradores a possibi- adquirindo. A casa alaga freqüentemente
de US$ 200 milhões junto ao Banco Intera- lidade de re-começarem as suas vidas. com as chuvas e não oferece nenhuma se-
mericano de Desenvolvimento (BID), atra- O sonho parecia possível, já que esta- gurança para ela, que vive sozinha.
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17. Contra Corrente I Janeiro 2009
Verena Glass
Os igarapés não são recuperados e os moradores continuam insatisfeitos: Prosamim, do BID, prioriza a satisfação dos grandes empreiteiros
Cotidianamente ignorada pelos “pro- radores, como Tereza Andrade da Silva, Fica evidente que a opção é, mais uma
fissionais” do programa, ela busca uma Haroldo Bastos de Oliveira e Raimundo vez, beneficiar os empreiteiros de plantão.
solução para o que não poderia ter acon- Afonso Barbosa de Aquino, dentre outros. Mesmo que isso custe a desapropriação de
tecido: a aprovação da proposta do corre- A recuperação dos igarapés e a resolu- várias famílias carentes.
tor que comprou a casa em um outro iga- ção dos problemas de saneamento é ob- Pior que isso, só mesmo a aprovação
rapé, o que também não é permitido. Es- viamente falaciosa, já que o trabalho se de mais US$ 154 milhões para a efetiva-
se caso foi denunciado nacionalmente no inicia na metade do igarapé e não na nas- ção do Prosamim 2, realizada em 10 de
jornal Folha de São Paulo1. cente, onde seria o correto. novembro de 2008. Se o governo conti-
O “reassentamento” das famílias é fei- Agora, é fundamental ressaltar que o nuar investindo neste projeto de maquiar
to para áreas distantes do local onde mora- que está sendo cumprido à risca rigoro- os reais problemas dos igarapés e de seus
vam, trabalhavam e tinham suas vidas es- samente é o trabalho de engenharia, com moradores, daqui a pouco, eles terão que
tabelecidas. Algumas vezes, elas se mudam prioridade para a canalização dos igara- se mudar é para outras cidades.
até mesmo para casas insalubres e em áre- pés, construção de duas avenidas, cons-
* Marcos Roberto Brito de Carvalho é coordenador da
as de risco. O absurdo chegou ao ponto de trução de espaços públicos, como o “shop- Comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que fica na
moradores que não aceitavam essas “pro- ping popular” que foi inaugurado em me- margem do Igarapé da Cachoeirinha -
postas” do governo serem intimados a de- ados do ano passado com a presença do socramrb@bol.com.br
por no distrito policial por “desacato à au- presidente Lula e até agora não foi aberto 1-“Corretor cobra propina em programa do BID”, Caderno
toridade”. Isso aconteceu com vários mo- para atender o público. Cotidiano, 27 de março de 2006
17
18. Entrevista: Alfredo Wagner Berno de Almeida
Paradoxo Amazônico
Conflitos sociais, territorialização, identidade cultural, povos tradicionais,
direitos coletivos. Todos esses elementos compõem o foco do trabalho do
professor Alfredo Wagner Berno de Almeida. Doutor em Antropologia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele pesquisa na Amazônia desde 1972.
Há quase quatro anos tem se dedicado ao projeto Nova Cartografia Social dos
Povos e Comunidades Tradicionais da Amazônia, que produz interpretações
atentas da problemática social, econômica e ecológica de quebradeiras de coco,
comunidades negras e indígenas, homossexuais, populações extrativistas,
ribeirinhos e pescadores, entre tantos outros. Leia abaixo trechos da entrevista
que Alfredo Wagner concedeu à Contra Corrente
A partir da perspectiva das
populações tradicionais, como o
senhor avalia o atual projeto do
governo brasileiro para a Amazônia?
Primeiramente, é importante constatar
que, até outubro de 2008, quando da de-
flagração de uma das mais graves “crises
financeiras” do capitalismo, persistia uma
visão triunfalista dos agronegócios e das
expectativas face ao mercado de commo-
dities agrícolas e minerais, sobretudo no
que concerne, de um lado, às empresas
mineradoras (ferro, ouro, caulim), às in-
dustrias de papel e celulose e às usinas de
ferro gusa, e de outro lado, às agropecuá-
rias e plantações industriais homogêneas.
No entanto, os grandes interesses, vincu-
lados à sojicultura, à agropecuária, à plan-
tação de eucalipto e demais grandes plan-
tações, face à queda abrupta de preços das
commodities, passaram a anunciar falta
de crédito, redução das áreas cultivadas,
demissão de trabalhadores e demandaram
do Estado a anistia de dívidas e créditos
facilitados. A flutuação do mercado de
Ana Paulina
commodities e o caráter volátil dos crédi-
tos do mercado futuro evidenciaram toda
a fragilidade de um sistema econômico O antropólogo Alfredo Wagner, com artesã de Itaquera, RR: “momento é de construção de sonhos”
18
19. Contra Corrente I Janeiro 2009
apoiado na monocultura, na flexibiliza- rais. Com a “crise”, no entanto, passaram Há uma inibição das agências multilate-
ção das leis trabalhistas, na exportação de a não dispor de recursos e a não ter como rais para investir na Amazônia. Os grandes
commodities e na destruição indiscrimi- financiar a implementação de suas pró- projetos, como o PPG-7 [Programa Piloto
nada de recursos naturais. Diferentemente prias “invenções”. para a Proteção das Florestas Tropicais do
do velho sistema agrário-exportador, que A retração na Amazônia não inicia por Brasil], estão praticamente parados.
resistiu por décadas, senão séculos, às flu- falência de bancos e empresas imobiliárias, O governo, por sua vez, acena com
tuações de preços e à derrocada, tem-se mas pelas empresas mineradoras reduzin- uma nova política agrária e com a cria-
agora um novo modelo de plantations, do a sua produção, demitindo em massa; ção de uma agência mais ágil e eficaz
paradoxalmente, com uma aparência de pelas usinas de ferro-gusa paralisando que o Instituto Nacional de Colonização
maior fragilidade às crises. seus fornos em Marabá e em Açailândia e Reforma Agrária (Incra). No entanto, os
Tem-se, portanto, uma grande planta- dispositivos que acionou só fizeram lega-
ção mais atrelada ao capital financeiro e lizar aqueles que ocuparam terras ilegal-
às flutuações de preços. A volatilidade de
recursos aplicados em bolsas de produtos
“Este é o paradoxo mente no passado e no presente, ou seja,
os grileiros.
agrícolas, contratos de curtíssimo prazo, O tipo de regularização agrária que
oscilação célere dos preços e a precarie- que a Amazônia se poderá ser implementado agora não vai
dade das relações de trabalho evidenciam alterar a estrutura agrária. Percebe-se
que esse tipo de unidade de produção pre- insere hoje: uma que, a despeito da “crise”, estão dadas as
cisa ser melhor estudado. condições institucionais para uma “reto-
Os mecanismos de inspiração neolibe- descontinuidade mada”, senão uma continuidade, daquela
ral que se revelaram absolutamente fragi- visão triunfalista. A MP 422 [que pas-
lizados, como o idealismo neoliberalista
de afastar o Estado da economia, de enxu-
econômica da sa de 500 para 1.500 hectares o limite
que dispensa a licitação para a venda de
gá-lo ao extremo e de imaginar que a ra- terras públicas] e a instrução normativa
cionalidade e a eficácia só se realizam ple- ofensiva dos grandes no. 49, para titulação das terras de qui-
namente nos empreendimentos privados, lombos, do Ministério do Desenvolvi-
desagüaram no “Estado-hospital”. Coube conglomerados mento Agrário, vão no sentido de flexi-
aos aparatos do Estado atender, mais uma bilizar os direitos territoriais de povos e
vez, às demandas de quem, até dias antes, financeiros e, por outro comunidades tradicionais.
tinha especulado à larga, ilegalmente, in- No legislativo, continuaram as tentati-
clusive, e obtido lucros astronômicos.
E aí o discurso do “capitalismo de cri-
lado, uma continuidade vas de reduzir a dimensão física da Ama-
zônia, facilitando a expansão dos agro-
se” apareceu com toda nitidez sob o man-
to de que é “mesmo assim” e que, após as
da ofensiva dos negócios. O ante-projeto de lei do sena-
dor Jonas Pinheiro e aquele do deputado
“crises”, o Estado tem que socorrer, como Osvaldo Reis, que pretendem tirar o Mato
já aconteceu depois de 1929. A ideologia dispositivos Grosso e Tocantins, respectivamente, da
dos ciclos volta a reinar e não há respon- Amazônia são dois exemplos. Em 1953,
sabilidade social naquilo que é vivido co- neoliberais.” todos os empresários queriam fazer parte
mo “natural”. Os empresários especulado- da Amazônia devido aos créditos facilita-
res se eximem de qualquer “culpa” e fica dos e incentivos fiscais. Agora, todos que-
por isso mesmo. Porém, tanto a ideologia (103 dos 161 fornos de ferro-gusa no Bra- rem sair, principalmente os produtores de
dos ciclos quanto aquela de que estamos a sil estão parados); e pelas áreas de plantio soja, ferro gusa e papel e celulose.
um passo da crise final e que a auto-des- de soja sendo reduzidas. A Vale reduziu a Outra ação que enfraquece a Amazô-
truição do capitalismo é questão de tempo sua produção em 10%, por exemplo. As nia é a diminuição da faixa de fronteira
devem ser relativizadas. entidades patronais rurais - onde se en- de 150 km para apenas 50 km, com o ob-
Na Amazônia, o mercado de terras es- castelam os pecuaristas, principais res- jetivo de abrir as terras para o mercado de
tava super-aquecido, o mercado de cré- ponsáveis diretos pelas elevadas taxas de commodities. A “crise” ou as alterações no
dito de carbono também. As agências de desmatamento na Amazônia nos últimos cenário econômico não se refletiram no le-
crédito multilaterais estavam intervindo dez anos, segundo relatórios do próprio gislativo, já que estes projetos continuam
na estrutura formal do mercado de terras Banco Mundial - agora demandam anistia tramitando a todo vapor. O objetivo das
e na política de acesso aos recursos natu- de suas dívidas junto ao governo federal. Ações Diretas de Inconstitucionalidade
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20. (ADIns) contra os direitos territoriais de conhecidas, propiciando condições para que 2009 seja o ano 1970-71 da ditadura
indígenas, quilombolas, quebradeiras de que ingressem no mercado de terras. militar, em que foi criado o próprio Incra
coco babaçu, ribeirinhos e comunidades Por outro lado, está havendo uma rea- e intensificada uma ação de colonização
de faxinais e fundos de pasto é claro: en- ção a estas tentativas de impedir a vigên- cujos efeitos dramáticos até hoje se fazem
fraquecer a Constituição de 1988, remover cia dos direitos territoriais. Os movimen- sentir. Existem novos instrumentos opera-
as bases legais que asseguram os direitos tos sociais estão conseguindo, em certa cionais de regularização, de desapropria-
territoriais de povos e comunidades tradi- medida, impor a sua pauta. Em Rio Preto ção e de reconhecimento fundiário? Não.
cionais. Eles são vistos como um obstácu- da Eva, no Amazonas, o prefeito muni- Se não há, será que adianta fazer mudan-
lo à expansão do mercado de commodi- cipal assinou uma Lei de Desapropriação ças burocráticas e artificiais?
ties, aos desmatamentos e à destruição de destinando um imóvel urbano de mais de O que mais se percebe na cartografia
rios e fontes d’água. Os direitos territoriais 40 hectares para os indígenas da Comu- social é o esforço de cada comunidade
das populações tradicionais acham-se tão nidade Beija-Flor. Em São Gabriel da Ca- tradicional na identificação dos recur-
ameaçados hoje quanto antes da “crise”. choeira, além de terem eleito um prefeito sos essenciais. O tradicional neste senti-
É sob este paradoxo que a Amazô- do nada tem a ver com o passado, com a
nia se insere hoje: por um lado, verifi- linearidade do tempo. O tradicional está
ca-se uma descontinuidade econômica “Os grupos sociais relacionado com a maneira de uso dos re-
da ofensiva dos grandes conglomerados cursos e com sua persistência. Ele tem a
financeiros sobre a terra e demais recur-
sos naturais e, do outro lado, uma conti-
estão construindo ver com o futuro. Os grupos sociais estão
construindo situações de auto-sustentabi-
nuidade política e uma continuidade da lidade. É um momento de construção de
ofensiva dos dispositivos neoliberais na situações de auto- sonhos e de possibilidades e não significa
esfera do legislativo. outra coisa que limites para o agronegó-
sustentabilidade. cio, que anseia uma expansão desmedida.
A sua atual experiência com o trabalho
de cartografia social conseguiu É um momento de Quais são as conseqüências de grandes
detectar como se dão essas ofensivas obras de infra-estrutura na Amazônia,
aos direitos territoriais e de identidade
das populações amazônicas?
construção de sonhos como o Complexo Hidrelétrico do
Rio Madeira?
O que se constata a todo momento são
sucessivas tentativas, por parte de seto- e de possibilidades Até hoje, você tem comunidades coladas
com Tucuruí e Balbina que não têm ener-
res conservadores, de flexibilizar estes gia elétrica. Comunidades localizadas ao
direitos territoriais. Atualmente, todas as e não significa outra lado da Alcoa, no Maranhão, ou da Al-
questões sobre as terras indígenas e qui- brás, em Barcarena, no Pará, que não têm
lombolas passam a ter no judiciário a sua coisa que limites acesso aos direitos agrários elementares.
palavra final. Tudo vai para o STF [Su- Esse modelo de “progresso” tem que ser
premo Tribunal Federal], como o caso da para o agronegócio” repensado. As beneficiadas com a constru-
homologação das Terras Indígenas Raposa ção de Tucuruí foram as grandes empresas
Serra do Sol e dos Pataxós. O sociólogo de alumínio, como a Alcoa e a Alcan, e
Boaventura de Souza Santos analisa pro- indígena, foi regulamentada a lei munici- as mineradoras. Os grandes projetos são
cesso similar como “judicialização da jus- pal que co-oficializa o tukano, o baniwa apresentados como ícones de progresso,
tiça”. O propósito conservador é rediscutir e o nheengatu como línguas oficiais. Há mas eles, na verdade, cristalizam as de-
todos os territórios de comunidades tradi- um outro padrão de relações políticas em sigualdades. Eles são apresentados como
cionais: indígenas, quilombolas, faxinais, curso? O debate vai começar a esquentar se, fora daquela realidade, viesse o caos. E
fundos de pasto, quebradeiras de coco ba- com a discussão sobre as ambigüidades ainda, minimizam toda uma complexida-
baçu, ribeirinhos etc. São tantas as formas do desenvolvimento capitalista na Ama- de, colocando de um lado as comunidades
de pressão, no judiciário e no legislativo, zônia. Desmatar no ritmo do agronegócio “atrasadas” e do outro lado o “progresso”.
e tantos são os meios para divulgá-las que ou preservar para se apropriar do patrimô- A atual crise financeira revela que a
parece uma campanha de des-territoriali- nio genético? Sem ter discernimento, fica irracionalidade se encontra justamente
zação. Trata-se de criar uma instabilidade difícil refletir sobre as medidas em curso. onde se afirma que a “eficácia” reina e
para as terras indígenas e quilombolas já A iniciativa de limitar o Incra, instituin- prospera. Assim se vêem e são vistas as
reconhecidas e as que estão por serem re- do uma agência agrária, pode fazer com mineradoras e empresas, como a Aracruz
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21. Contra Corrente I Janeiro 2009
Verena Glass
“Os grupos sociais não destroem as fontes de sua própria razão de ser e existir”: quebradeiras de coco babaçu protegem a floresta
e a Votorantim, que especulam e, pior, uti- uma quebradeira irá destruir babaçuais? especializados. O discurso incorporado
lizando recursos públicos. Afinal, o BN- Que os seringueiros vão destruir serin- e uma suposta consciência ambiental
DES financia essas empresas especulado- gais? Os ribeirinhos, os rios, as florestas profunda ganham destaque. Tudo isso
ras? Esta é uma pergunta que tem que ser de igapó? O suicídio de um grupo social é uma figura de retórica. Os procedi-
feita. Elas foram financiadas com recursos como um todo, é possível? Eles não vão mentos de conservação modelo destas
públicos? A Amazônia foi desmatada so- se suicidar. Não irão destruir as fontes de empresas não passam dos viveirinhos,
fregadamente, em um ritmo jamais visto, sua própria razão de ser e de existir. dos bosques e das cascatas artificiais. A
sob a batuta do mercado de commodities. Serra dos Carajás tem um pequeno zoo-
Para estes interesses não há limites. Eles Atualmente, até mesmo as transna- lógico, um jardim botânico, um pequeno
são capazes de transformar a maior flo- cionais da mineração afirmam que museu. Apresentam até preocupações de
resta tropical do mundo em savana para suas atividades são sustentáveis. pesquisa e preservação arqueológicas.
gerar dividendos para o agronegócio. Com Como o senhor avalia a real atuação Isso tudo faz parte desse suposto de-
a crise, essa concepção leva um choque e delas em contraposição ao discurso senvolvimento, que supostamente aten-
cria condição para que se reconheça que que propagam? de aos quesitos ambientais. Essas figu-
preservar a Raposa Serra do Sol é mais ra- De acordo com o antropólogo José Sér- ras de retórica, como “o maior lago do
cional do que entregá-la para seis arrozei- gio Leite Lopes, a “ambientalização” é mundo”, “muito piscoso”, “construção
ros. Não dá para dizer que limita-se a uma uma forma de discurso consensual. To- gigantesca”, criam uma visão idílica,
opção do “progresso” versus a economia do mundo passa a ter esta preocupação formada de pequenos bolsões. Cria-se
primitiva. As áreas mais preservadas são ecológica, de preservação, sustentável. uma idéia de arquipélago, de pequenas
as áreas onde residem os índigenas, os ri- Atributos são criados para designar as ilhas de florestas, mini zoológicos, que
beirinhos, as quebradeiras. Você acha que empresas, com seus gerentes e setores são criados junto com cada grande em-
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