O documento descreve o surgimento do primeiro jornal do Maranhão, O Conciliador do Maranhão, no contexto da Revolução do Porto em 1821 e da luta pela independência do Brasil. O jornal foi fundado pelo governador português da província para defender os ideais absolutistas e o regime colonial, mas acabou adotando uma linha mais liberal. Sua linha editorial atacava os opositores do governo português e defendia a Constituição de Portugal. O jornal circulou entre 1821 e 1823 de forma manuscrita e impressa
O primeiro jornal do Maranhão: O Conciliador entre política e jornalismo
1. Nas linhas de O Conciliador do: jornalismo e política no
primeiro jornal do Maranhão1
Roseane Arcanjo Pinheiro2
Instituição: Associação Maranhense de Imprensa
1. No rastilho da Revolução do Porto e da liberdade de imprensa
O jornal O Conciliador do Maranhão nasceu sob os ventos liberalizantes da
Revolução do Porto, instigada pela insatisfação de segmentos da população portuguesa
frente ao abandono do monarca D.João VII quanto ao destino da nação. A iniciativa de
deflagrar o movimento se deu no interior do Sinédrio, agrupamento de comerciantes,
pequenos proprietários, intelectuais e oficiais do Porto, apoiados pelos militares. Na
Europa, a arrancada liberal teve o impulso do exemplo espanhol que impôs o regime da
monarquia constitucional ao rei Fernando VII, como nos diz Labourdette (2001, p. 492)
a respeito desse episódio da história portuguesa:
Era natural que o movimento liberal partisse do grande porto do
Norte. A burguesia comerciante e as suas elites intelectuais tinham-se
mostrado particularmente permeáveis às idéias da Revolução
Francesa. Apesar da vigilância de Pina Manique, clubes jacobinos
haviam-se formando, e até à invasão napoleônica tinha havido depois
um verdadeiro afrancesamento da vida social e cultural do Porto (...)
O mundo dos negócios do Porto estava também muito descontente
com o tratado de comércio anglo-português de 1810, que em grande
parte arruinara a economia do Norte de Portugal.
O movimento liberal provocou a reunião das Cortes Constituintes, que deram as
ousadas feições liberais à Constituição de 1822, determinando a Portugal uma
legislação transformadora das suas estruturas políticas e econômicas. Com o fim do
regime senhorial praticamente decretado, o liberalismo recém-chegado colocou D. João
VI em uma situação delicada, voltar ao reino ou administrá-lo à distância correndo o
risco de perder os freios do governo para o movimento revolucionário liberal. Ele optou
1
Trabalho apresentado no GT de Jornalismo do V Congresso Nacional de História da Mídia, que ocorreu
na Universidade Federal Fluminense, entre 13 e 16 de maio de 2008.
2
Jornalista, Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Professora da
disciplina História do Jornalismo Regional da Faculdade São Luís e Coordenadora da Pós-Graduação em
Comunicação Empresarial/Universidade Estácio de Sá. Integrante da Coordenação científica do X
Congresso Nordeste de Ciências da Comunicação-Intercom Nordeste 2008.
2. por regressar a Lisboa e aderir à monarquia liberal, deixando o filho, D. Pedro a dirigir
o Brasil (LABOURDETTE, 2001, p. 496).
As bases da Constituição Portuguesa traziam uma novidade: a liberdade de
imprensa sob o calor dos embates entre liberais e absolutistas (LUSTOSA, 2003, p.21).
No Maranhão, o governador da Província, marechal Bernardo da Silveira Pinto da
Fonseca, entusiasta do movimento liberal, adquiriu oficialmente a primeira tipografia do
Maranhão sob o fim da censura e a liberdade de prelo. Jorge (2000, p. 18) observa que a
aquisição do maquinário e posteriormente a impressão do jornal pioneiro inauguraram
mais um espaço para a defesa da opinião política do dirigente e seu grupo:
Com a iniciativa, não desejava essa autoridade trabalhar pela
independência do país e seu povo, mas, sim, manter a situação do
Brasil-colônia e assegurar para os portugueses todos os direitos, que
eram negados aos nacionais. Foi esse o discurso do jornal que fez
campanha para juramento de uma Constituição Portuguesa, o que
provocou desentendimentos e problemas sérios (JORGE, 2000, p. 18).
A primeira Tipografia Nacional do Maranhão, fundada em outubro de 1821 e
responsável pela impressão do primeiro jornal do Maranhão, O Conciliador do
Maranhão, reitera Cheche (2006), nasceu em um panorama de disputas políticas no
terreno local e no Brasil. Para o pesquisador, é necessário considerar as condições nas
quais surgiu o jornal, mantido pelo cofre público e fundado após a Revolução do Porto,
em 1820, que mudou os rumos do império português. Para Cheche (2006), o governador
da província, Bernardo da Fonseca, que terá seus discursos transcritos em edições do
jornal oficial, lançou mão da imprensa com vistas a ter mais um espaço para manter-se
no poder, frente ao caldeirão político que se descortinava e no qual debatiam-se
portugueses e brasileiros.
Para compreender essas ponderações, é necessário olhar de perto as relações
entre Maranhão e Portugal, que a proximidade geográfica, as afinidades do expressivo
contingente de lusitanos no território e os interesses comerciais tornavam mais estreitas.
É notável que um dirigente, a princípio absolutista por apoiar o regime de D. João VI,
aproveitou a liberdade de imprensa para lançar um periódico e defender o
constitucionalismo, sobre o qual o monarca português se equilibrava pressionado pelos
liberais. Como sinaliza Jorge (2000, p.20), essas contradições históricas desencadearam
o surgimento da imprensa no Maranhão: “Esta Província sempre se colocou ao lado de
3. Portugal (...) As relações com a metrópole era grandes, chegando a ignorar as demais
províncias e até mesmo o Rio de Janeiro, a sede das Cortes”.
2. O jornal O Conciliador do Maranhão na ebulição da
Independência
Entre a Revolução do Porto, em 1821, em Portugal, e a Independência brasileira,
em 1882, período de embates sobre o destino do Maranhão e do Brasil, nasceu o jornal
O Conciliador do Maranhão, sobre o qual pesquisadores como Lopes (1959), Achilles
(1976), Jorge (1987), Rizzini (1988) e Serra (2001), discorrem sobre sua fundação, sua
feição oficial, seu conteúdo, seus abusos contra os inimigos políticos do governador
Bernardo da Silveira e a breve circulação, de abril de 1821 (ainda manuscrito, na versão
impressa desde novembro daquele ano) a julho de 1823. A pecha de jornal oficial sobre
O Conciliador do Maranhão, cujo título foi abreviado para O Conciliador, a partir do nº
77, pesou e isso pode ter contribuído para a ausência de trabalhos mais fecundos que
transpusessem o rótulo de jornal de interesses portugueses ou folha do governo da
província.
Ao ser julgado pelo seu posicionamento político e não analisado pelos
parâmetros jornalísticos, deixou-se de se responder à seguinte pergunta: O Conciliador
do Maranhão praticou o jornalismo, pautando os acontecimentos de sua época, ou foi
um impresso divulgador de ofícios, decretos e infâmias contra os adversários?
Contribuiremos para clarear essa questão na última parte deste capítulo, que tratará da
análise de conteúdo de vinte e três edições do referido jornal.
Conforme Serra (2001, p.23), o impresso pioneiro foi “oficial e noticioso” e
“ocupou-se de assuntos próprios a seu destino”. O jornal, com formato de folha de papel
almaço comum, trazia notícias do exterior e anúncios de caráter oficial. Ao comentar
sobre seu conteúdo editorial, Serra (2001, p. 47) contextualiza-o com a fundação do
partido conspícuo, contrário às causas portuguesas. Esse acontecimento tem sua origem
na proclamação da Constituição Portuguesa de 1820 e as idéias liberalizantes que
inspiraram a Revolução do Porto: “Esse partido era acrimoniosamente atacado no
Maranhão, no periódico governista O Conciliador, que publicava correspondências
pessoais, cheias de alusões aos vultos mais salientes da oposição” (SERRA, 2001, p.
47).
4. Sobre os funcionários de O Conciliador, Achilles (1976, p. 92), ao abordar a
imprensa e independência brasileira, ressalta Costa Soares e o padre Ferreira Tezinho,
“rixentos e inimigos da causa nacional”, bem como o fato inédito do jornal pioneiro ter
circulado regularmente entre abril de 1821 e julho de 1823, ora manuscrito e em seguida
impresso, fato singular na história da imprensa brasileira.
O primeiro crime de imprensa, conhecido no jornalismo maranhense, recaiu
sobre padre Tezinho, por abuso de liberdade de imprensa, cujo autor do processo,
Caetano José da Cunha, acusava o jornalista de atacar sua reputação através do
impresso. O acusado foi indiciado no artigo 16, referente ao ataque a particulares pelas
folhas noticiosas (JORGE, 987, p. 34), no entanto, o réu foi absolvido pelos jurados.
Esse processo pode evidenciar que os redatores de O Conciliador não tinham proteção
da administração governamental para encobrir seus atos, o que sinaliza a ausência de
um forte controle sobre a elaboração do jornal. Os vínculos com o governo da Província
não impediam que seus jornalistas fossem questionados, processados ou tampouco
acobertados por leis sancionadas pelo governo, autor das mesmas e fundador do próprio
jornal.
Sobre a circulação do jornal, Lopes (1959, p. 27) discorda de Joaquim Serra ao
afirmar que a tiragem manuscrita não chegava a centenas de pessoas em razão do
periódico ser escrito a bico de pena, situação que mudará com a chegada da primeira
tipografia ao território maranhense. O pesquisador observa que foram ao todo 210
edições, sendo que os números manuscritos que haviam circulado entre abril e
novembro de 1821 foram substituídos por outros impressos na Tipografia Maranhense.
Sobre esse item, Jorge (1987, p. 28) acredita que a tiragem seria em média de 300
jornais por edição, para um jornal bi-semanal, um número mais modesto, porém
adequado a condições históricas da época quanto a quantidade de leitores e assinantes.
Um episódio, na história do jornal, é frisado por Lopes (1959, p.29): a
representação dos 65 cidadãos contra o governador Bernardo da Silveira, que estaria
pagando com dinheiro dos cofres públicos o redator Antônio Marques da Costa Soares,
acusado de elogiar excessivamente o chefe do poder executivo e caluniar os adversários
dele através da folha oficial. No entanto, citando César Marques, o autor afirma que
nunca se soube o grau de veracidade dessas informações, afiançadas por pessoas ilustres
da cidade. Com o conteúdo editorial sob suspeita, Lopes (1959, p.29) arremata: “A
leitura de alguns números do órgão fundado pelo Marechal Bernardo da Silveira
dissipou do nosso espírito dúvidas quanto a facciosidade dessa folha”.
5. À exceção da obra Os primeiros passos da imprensa no Maranhão (JORGE,
1987), que faz uma pesquisa qualitativa sobre a história dos primeiros periódicos com
circulação, entre 1821 e 1841, em São Luís, as demais referências fazem menção à
fundação do primeiro periódico sem alcançar de forma concreta o papel que exerceu na
história da imprensa maranhense.
O autor informa que o periódico trazia notícias nacionais, notícias estrangeiras,
transcrição de decretos, correspondências, avisos, entre outras matérias. As fontes de
notícias do impresso seriam jornais franceses, alemães, ingleses e austríacos. Os avisos
se remetiam à compra e venda de produtos; procura de escravos, apelos de credores,
embora o autor não se aprofunde sobre essas questões (JORGE, 1987, p. 28). Sobre o
conteúdo ideológico nos diz:
O vocabulário usado nas matérias de colorido doutrinário
abusava de palavras e expressões como: erudição, liberalidade,
patriotismo, protesto, coação, honra, liberdade, reputação, lei,
rebeldia, constituição, monarquia, despotismo, maquiavelismo,
infame, sórdido, trapaças, sistema, nação, discurso, embusteiro
(...) A utilização de palavras e expressões consideradas
grosseiras era comum: furibundo, sandeo, súcio, degenerados
bonifácios, tupinambás corcundas, corcundas caninos... (...) De
estilo retórico, com uso exagerado de palavras de puro
nacionalismo (JORGE, 1987, p.30-31).
As críticas às notícias e aos funcionários do jornal O Conciliador do Maranhão
surgiram em um momento político com clara divisão de forças, por isso ora um grupo
atacava-o, no caso os partidários da independência, ora era elogiado pela agremiação
política do governador Bernardo da Silveira, defensora do pacto colonial, por isso
devem ser analisadas debaixo de reflexões sobre uma cena histórica prestes a entrar em
ebulição. Rizzini (1988, p. 424) afirma que o calor dos acontecimentos políticos norteou
a linha editorial do periódico:
Irrompida em fevereiro de 22, com a substituição de Silveira por uma
Junta Provisória encabeçada pelo ultra-retrógrado bispo Frei Joaquim
de N. S. de Nazaré, a insanável divergência entre reinóis e nativos,
atirou-se O Conciliador contra os últimos, braviamente aplaudido
pelos primeiros, cuja influência era na província tão poderosa quanto,
no Pará, a dos seus patrícios. E no Maranhão nem havia lugar para um
Patroni ou um cônego Baptista Campos. Ficaram indefesos os
6. brasileiros aos botes da gazeta dos ‘marinheiros’ ou ‘puças’. O título,
Conciliador (...) não foi correspondido pelo contexto daquele escrito
incendiário (RIZZINI, 1988, p. 424).
3. Entre liberais e conservadores: jornalismo político em O
Conciliador do Maranhão
O fato de ser um jornal vinculado ao Governo da Província fez o jornal O
Conciliador abordar principalmente em suas matérias o tema política, categoria
encontrada em 67% das matérias jornalísticas, como mostram os quadros abaixo. São
textos situados ao longo do jornal, não havendo preferência de editados na página
inicial, já que 75% dos textos não estavam na capa. Outro fator que pode ter colaborado
para pautar foram os desdobramentos da Revolução do Porto, que trouxe a liberdade de
imprensa, levou a mudança do monarca português à Lisboa, ocasionando o juramento à
Constituição e os embates visando o destino do Reino Português.
Primeira Página
% Nº/matérias
Sim 25% 27
Não 75% 85
100 112
Categorias da Matéria
Categorias % nº/matérias
Política 67 76
Economia 0,8 1
Cultura 1,7 2
Ciência ____ ____
Cidade 17,8 20
Polícia 0,8 1
Internacional 0,8 1
Educação ___ ___
Esportes ___ ___
Religião ___ ___
Outros 9,8 11
TOTAL 100 112
O segundo tema mais encontrado nas páginas do impresso são notícias
relacionadas ao cotidiano de São Luís e outras cidades, tais como Alcântara, Caxias,
7. Itapecuru-Mirim, Guimarães, Pastos Bons, entre outras, bem como as localizadas em
outras províncias, como Pará, Pernambuco e Bahia. São registros da chegada de nomes
ilustres das decisões das casas legislativas municipais, dos despachos de juiz em suas
comarcas e outros temas relacionados à administração pública. Abaixo uma mensagem,
da edição71, 26 de março de 18221, sobre a chegada no Porto de um navio com o
governador da província do Pará:
Ante-hontem fundeou neste Porto a Curveta de Guerra Princeza Real,
que sahio de Pernambuco e se dirige ao Pará, conduzindo s seu bordo
o Illustríssimo, e Excelentíssimo Governador das Armadas daquela
Província.
Sua Excelllencia foi hontem cumprimentado a bordo por parte da
Excellentíssima Junta Provisória, e do Excellentissimo Governador
das Armas desta Província.
As notícias do interior da província constavam nas edições, como esta de Caxias,
a respeito de comunicação às Cortes, da edição 83, de 27 de abril de 1822. Como a
mensagem anterior, implicitamente reforça o poder instalado e os grupos que os
representam:
A Câmara da villa de Aldeias Altas, da Província da Maranhão, dirige
as suas felicitações às Cortes, e o firme protesto de adesão à causa da
Nação; o mesmo fez o ex-governador do ceará, Francisco Alberto
Rubim. Vários moradores da Villa do Mearim, da Província do
Maranhão, dirigem a sua felicitação às Cortes, e pedem a conservação
do seu governador Bernardo da Silveira Pinto
A cobertura política, ampliada com a publicação das atas das reuniões do
Soberano Congresso, fez com que saíssem até as críticas ao governador. Na mesma
edição, referente a uma das sessões destacou elogios ao governador provincial, e no
texto seguinte, seguiu a informação da existência de uma representação contra o
dirigente em Lisboa (edição 62, 13 de fevereiro de 1822). Seria um lapso do redator ou
não havia um controle sobre o conteúdo do jornal? Segue trecho da notícia:
À Comissão da Constituição foi remettida huma representação de
vários Cidadãos da Cidade de São Luiz do Maranhão, queixando-se
do Governador daquella Província, e das mais authoridades della, a
mesma commisao se mandou outra representação de outros Cidadãos,
da mesma província, sobre vários objetos. A commissao de Ultramar
8. passou huma representação do Coronel do 1º Regimento de Milícias
de São Luís do Maranhão...
No tocante ao jornalismo político feito por O Conciliador, os eventos e
acontecimentos conectados ao governo foram divulgados ao lado da cobertura das
Cortes, desde o nº 38 (21 de novembro de 1821), que informou a população sobre o
andamento dos trabalhos da casa e o processo decisório, marcado por embates e
discordância. Vejamos notícia da sessão 299º, de 11 de fevereiro de 1822, publicada
dois meses depois na edição nº 83:
(...) O sr. Rodrigo Ferreira, relator da Commissão dos Poderes, lêo o
parecer da Comissão pela qual se legalisarao os diplomas dos srs.
Deputados pela Província de São Paulo.
O sr. Presidente declarou continuar a discussão sobre a indicação do
Sr. B. Carneiro, para que no Ultramar houvesse huma authoridade, ou
atribuição annexa a alguma das Authoridades, alli estabelecidas que
tivesse a mesma alçada que El Rei tinha para poder suspender os
magistrados.
(...) o Sr. Freire se oppoz fortemente a estas idéias, com o fundamento
de que não podia delegar a o poder Real, por ser privado d’ El Rei,
assim como era de declarar guerra, e fazer a paz (...) O Sr. Trigoso
largamente falou em abono desta mesma opinião mostrando as
irregularidades que produzirão huma tal adopção, ponderando muitas
outras razões ...
Parece-nos que tal abertura à divulgação de eventos políticos, não
somente restrita ao poder local ou atos burocráticos no Maranhão, mostrou a intenção
dos redatores em levar mais informações aos assinantes e leitores, divulgando
concomitantemente o funcionamento da estrutura política que comandava o destino da
nação.
A informação, eixo central das notícias
A maior parte do material jornalístico não tinha a assinatura do autor, com
exceção dos artigos, de autoria de militares ou magistrados. Apenas 30,4%, como
apontam os quadros a seguir, levaram o nome dos colaboradores e redatores. Como
jornal ligado ao governo da Província do Maranhão, O Conciliador tinha como
principais fontes de suas matérias – opinativas ou informativas – as autoridades do
9. governo, sendo outras vozes mais citadas os militares e os parlamentares, fato que
confirma o volume de matérias ligadas à vida política do território e da Metrópole.
Redatores do jornal
Redatores % nº/matérias
Informados 30,4 34
Não- 69,6 78
informados
TOTAL 100 112
Principais Fontes
Fontes % nº/matérias
Autoridades do 19,6 22
governo
Militares 2,0 2
Religiosos ___ __
Comerciantes ___ __
Políticos ou 7,1% 8
parlamentares
Outros 50 56
Não cita 20,5 23
TOTAL 100 112
A população ou segmentos dela se manifestavam em suas páginas na seção de
cartas ou correspondências, onde faziam solicitações, cumprimentavam os jornalistas,
defendiam sua honra contra inimigos ou detratores. Em outras seções, como a de
política, não tinham vez nem outros grupos como religiosos e comerciantes. Essa
característica sinaliza a valorização de personagens do poder central e neste aspecto
pesa a questão do jornal pioneiro ser umbilicalmente ligado ao governo e à Coroa
Portuguesa.
A natureza do trabalho jornalístico de O Conciliador vem na análise dos gêneros
jornalísticos mais adotados. Aponta-se na pesquisa que o jornalismo praticado tinha a
predominância do padrão informativo, presente em 56,3% das 112 matérias estudadas,
contra 43,7% de textos essencialmente opinativos. Foram comuns as notas, notícias e
reportagens. No quesito opinativo, as cartas, artigos e comentários estiveram entre os
mais freqüentes. Ressaltamos que não havia o uso de ilustrações ou desenhos, que vão
se incorporados pela imprensa apenas no final do século XIX.
A partir dos pressupostos teóricos do jornalismo que a investigação tem como
referenciais, podemos afirmar que o impresso pratica o jornalismo informativo-
10. opinativo, onde se mesclam a opção política do jornal – visível em textos oficiais e de
colaboradores – e as informações sobre acontecimentos cotidianos, representados a
partir da perspectiva do veículo impresso. O jornal não pode ser visto então como
partidário, não estava agregado a agremiações nem tampouco se via como tal, não se
intitulava um jornal governista. Suas ligações se faziam com um governo, que abrigou
liberais e conservadores, conflito sobre o qual irá se posiciona e informar seus leitores
sobre os derradeiros fatos, consumados com a independência brasileira.
Gêneros Jornalísticos
Gêneros % Nº/matérias
Informativo 56,3% 63
Opinativo 43,7% 49
TOTAL 100 112
Gênero Informativo
Categorias % nº/matérias
Nota 41,3 26
Notícia 47,6 30
Reportagem 11,1 7
Entrevista ______ _____
TOTAL 100 63
Gênero Opinativo
Categorias % Nº/matérias
Editorial 4,1 2
Artigo 28,5 14
Resenha ___ ____
Coluna ___ ____
Crônica ___ ____
Caricatura ___ ____
Carta 44,9 22
Comentário 22,5 11
TOTAL 100 49
Ilustrações
% nº/matérias
Sim 0 ______
Não 0 ______
TOTAL 0 ______
Um jornal da cidade e da província
As notícias referentes a São Luís disputavam espaço com as de Portugal, esse
embate ficou claro no decorrer da investigação entre as matérias com suas procedências
11. identificadas. Sobre a capital foram encontradas 17 matérias, correspondo a 15% do
total. Sobre a Metrópole existem 18 textos, ou seja, 16% do total. Essa característica
evidencia a busca pelo jornal de uma identidade local, com noticiário voltado para
informações relativas ao meio no qual está inserido, perfil que será característico dos
jornais vindouros, que constroem vínculos com as comunidades e evitam espelhar uma
realidade distante dos seus leitores. Uma dessas notícias, de 3 de maio de 1821, edição
nº 6, diz respeito à existência de um teatro em São Luís e abaixo transcrevemos parte
dela:
O Theatro desta Cidade he hum dos mais notáveis estabelecimentos,
que provao a sua progressiva civilizasao: a construcção do grande
edifício, e transporte, da primitiva Companhia de Artistas, devesse a
liberalidade dos comerciantes, agricultores e outras muitas pessoas
principaes do Paiz, que voluntariamente concorrerão para o principio e
conservação deste espetáculo tão agradável como proveitoso (...)
Huma das mais efficases providencias do Exmo Bernardo da Silveira
Pinto, quando chegou a esta Província, foi a de restaurar, e apoiallo,
procurando-lhe assignatura numerosa, e prestando-se sempre a tudo
quanto podia conservallo de hum modo digno da espectação (sic) de
huma Cidade tão culta, como opulenta.
Essa informação casa-se com a do item Vinculação Geográfica, que traz o
Maranhão também em primeiro lugar – o território como um todo, com 25%, e São Luís
em segundo lugar, com 18,7% das referências, contra 12,5%, de Portugal e do Brasil.
Há um equilíbrio quanto às notícias sobre a Metrópole e o Brasil e discreta cobertura
sobre fatos ocorridos no interior da Província, a ele reportado somente 5,3% das
matérias. Vejamos os resultados:
Procedência das Notícias
Procedência % nº/matérias
Portugal 16 18
São Luís 15,1 17
Maranhão 7,1 8
Outra 6,3 7
Província
Interior 6,3 7
Não informa 49,2 55
TOTAL 100 112
12. Vinculação Geográfica
Categorias % nº/matérias
Maranhão 25 28
São Luís 18,7 21
Brasil 12,5 14
Portugal 12,5 14
Outras 9 10
Províncias
Outros 9 10
países
Interior 5,3 6
TOTAL 100 112
Posicionamento sobre a Independência do Brasil
Tendência % nº/matérias
Não se refere 84 94
Desfavorável 14,3 16
Favorável 1,7 2
TOTAL 100 112
Ao contrário do que se possa imaginar, a independência do Brasil não foi um
tema corriqueiro nas páginas de O Conciliador. Como mostra o índice 84% das
matérias não se referirem ao assunto, que pôde ser observado ao longo de vários meses
da existência do periódico. A cobertura sobre esse fato ocorreu quando a Província e o
Brasil achavam-se no redemoinho das agitações políticas, sendo o quadro de 14,3% das
notícias desfavoráveis concentrados nos últimos meses de 1822 e início de 1823,
quando a Província do Maranhão aderiu à causa após envio de tropas e pressão do novo
regime. Foi um jornal oficial que chegou a noticiar a adesão à emancipação brasileira, o
que pode parecer um contra-senso para um veículo oficial, mas que seguiu um preceito
jornalístico: não brigou com esse acontecimento.
Do primeiro editorial à última reportagem
Seu papel estava impresso
Um jornal nascido na primeira tipografia oficial maranhense, mas o derradeiro
impresso de uma província que foi anexada ao território brasileiro após 1822. O
Conciliador, pelo contrário, não se via enquanto um porta-voz do governo local. Em sua
13. identidade visual, não há referências explícitas ao poder governamental ou ao jugo
português. Não constam endereços para contato ou informações semelhantes, apresenta
apenas o nome “Tipografia Nacional Maranhense”, ou então, simplesmente “Maranhão
na Tipografia Nacional”, ao final de sua última página.
O fato de ser único a circular, embora surgiram outros posteriormente, o fez não
assumir o vínculo com o governo – não precisava pontuar sua presença – ou pretendia
cumprir outro papel? O seu primeiro editorial, de 15 de abril de 1821, da ediçãonº 01,
indica algumas reflexões:
Eis o fim a que se dirige o trabalho dos Historiadores, porem como
estes, ainda mesmo sendo contemporâneos dos fatos, não podem
presenciallos em todo o território da Nação, cuja Historia escrevem
carece de documentos mais verídicos do que os de huma tradição,
quase sempre suspeita; e eis hum dos fins úteis dos jornaes. Outro
ainda mais essencial he o de servirem de mediadores entre os
Governos e os Povos, máxime nas extraordinárias crises, que sempre
originarão as alterações no Systema Político de hum Estado. Por hum
jornal conhecem os Povos os passos, que os Governos seguem para
regêllos, e estes se instruem sobre os sentimentos com que aquelles
olhão as suas deliberações. Que evidente e inegável utilidade para
hum Paiz onde são admissíveis as idéias liberais.
As auto-referências, além do primeiro editorial, não foram comuns. Seus
redatores dedicaram-se então a divulgar notícias e providenciar a cobertura dos fatos
relacionados à província, sem contudo voltar a questionar com freqüência sobre o papel
do jornal na sociedade ludovicense. Outras indicações voltaram a aparecer em
suplementos, que não tinham freqüência correta. Na edição de 23 de janeiro de 1822,
em um artigo, o autor afirma que o jornal é visto como o “primeiro relator dos factos
históricos acontecidos nesta Província nos dias de sua união à Causa Nacional”.
O diálogo com os leitores era costumeiro e se fazia por meio da divulgação da
listas de assinantes, da impressão dos primeiros manuscritos e a venda desses
exemplares; notas sobre outros jornais, como A Palmatória, também editado pela
tipografia oficial, a partir de 17 de março de 1822; a legislação sobre a liberdade de
imprensa; informe da entrega nas residências, lembretes a respeito do fim das
assinaturas, bem como as dificuldades em imprimir por completo as edições iniciais.
Outro meio comum para obter retorno dos leitores era a seção de Cartas ou
14. Correspondência, como que vem a seguir, edição 107, de 20 de julho de 1822, assinada
por “Hum Anonymo”:
Srs. Redactores do Conciliador,
Rogo a vossas mercês o obsequio de admittirem n’huma pagina do seu
saudável periódico, com a maior brevidade, as perguntas que tenho a
honra de enviar a Vv Mm feitas pelo despótico Juiz Ordinário da Villa
de Santa Maria do Icatu, Antonio Francisco de Aguiar Lapamberg, ao
Bacharel Zadico, a fim de que o respeitável público venha no
conhecimento das opressões, que soffrem estes Povos por taes juizes.
Deos guarde a Vv. Mm por muitos annos como deseja seu attento
venerando e criado. Maranhão, 13 de julho de 1822.
Falaciosas ou não, as cartas são indícios desse contato com o público e nesse
processo os leitores faziam pedidos ao jornal, como este a seguir, de 28 de agosto de
1822, nº118:
Pela primeira vez tomo a liberdade de encomodar a V... exigindo o
obsequio de pelo seu periódico fazer público que fugira desta Villa,
há cinco para seus mezes hum escravo crioulo, baixo, grosso, e bem
figurado, de idade pouco mais de vinte e cincos anos (...) Rogo por
isso publicar esta fuga s fim de que sendo prezo, ser entregue (...)
favor este pelo qual serei sumamente grato...
Sobre a imprensa brasileira, O Conciliador, em função da sua opção política, em alguns
momentos entrou em rota de colisão com o primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense,
de Hipólito da Costa. Na edição de 28 de dezembro de 1821 fez críticas à cobertura do
impresso sobre a Regeneração Portuguesa: “vimos que a boa fé do seu Redactor, o
ilustre decano dos nossos jornalistas em Londres, esteve a ponto de ser surpreza poh um
correspondente do Maranhão, que parece ter querido sugerir-lhe noções pouco exatas da
Gloriosa Regeneração Política desta Província”.
Mais de um ano depois, em dezembro de 1822, com a independência brasileira a
passos largos, os redatores de O Conciliador divergem de Hipólito da Costa duramente.
O jornal assume prontamente a defesa da causa portuguesa:
Entre os muitos absurdos que conthem o Correio Braziliense de
outubro próximo, está o seguinte apontoado de absurdos, que
copiamos, para que os nossos eleitores se divirtão. Para se pôr em
15. marca a Constituição pela parte que pertence aos Povos, não achamos
que seja necessário nem grandes mysterios, nem extraordinários
conhecimentos; basta que o Governo deixe de olhar o bom senso do
povo, e não lhe embarasse a faculdade de raciocinar, como fazia o
governo passado
Em um texto de um colaborador, em 14 de novembro de 1822, cujo artigo
aborda um despacho da Câmara da Villa de Parnahiba, há uma crítica mais contundente
sobre o fim do pacto colonial: “Vivas à Independência do Brasil, e à sua União com
Portugal, he hum absurdo político, e huma contradição manifesta!...”.
Meses depois o jornal sairia de circulação, sendo substituído por uma gazeta do
novo governo, a Gazeta Extraordinária do Governo Provisório, que circulou entre 1823
e 1824. Não houve tempo hábil para repensar as atribuições do jornal frente a todas as
mudanças que se avizinhavam. Com 27 meses de existência, de abril de 1821 a julho de
1823, deixou de circular, não havendo mais registros do periódico. No nº 210, de 16 de
julho do mesmo ano, permaneceram três matérias sobre os últimos momentos do
periódico com a notícia da adesão à independência:
Constando ao Governo desta Província que as Tropas dissidentes do
Itapecuru desciao com o projecto de passar a esta Ilha; e que o partido
pela independente havia augmentado nesta cidade, pela demora das
Tropas esperadas de Portugal, mudança do systema político daquelle
Reyno, e falta de carne motivada pela occupação dos portos onde se
embarcava o gado; pareceo que se deveria adoptar a bem da salvação
publica desta Província o meio de huma suspenção d’ armas com as
Tropas dissidentes (...) Effetuando-se o Conselho julgou-se que pelos
expostos princípios devia ser prestada adherencia à causa da
independência do Brasil, ficando porem provisoriamente conservada a
Constituição, que athe agora tem regido esta Província. A falta de
tempo para se resolverem outros objetos fez addiar o Conselho, para
amanhã...
O jornal O Conciliador transformou-se no primeiro documento da história da
imprensa maranhense e do seu jornalismo, além de tornar-se referência sobre as
mudanças políticas ocorridas no território e no Brasil. Cumpriu com seu papel,
inaugurou o jornalismo informativo-opinativo em São Luís ao mapear os registros
diários mais relevantes e ao defender uma bandeira política, sina dos jornais da sua
época histórica e dos que viriam depois, com a mesma postura, porém em outros tempos
16. e sob outros referenciais. O jornal entrou para a história, como antecipou em seu
primeiro editorial.
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