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PROGRAMA BNB DE CULTURA – EDIÇÃO 2011 –
              PARCERIA BNDES
PROJETO: PANACÉIA VIAJANTE, CIRCULAÇÃO DO ESPETÁCULO
                      DOROTÉIA.



                  MILENA FLICK ARRUDA




                     CÁ ENTRE NÓS:
        conversações sobre desejo e desvio em Dorotéia



                                      Artigo apresentado ao Programa BNB
                                      (Banco do Nordeste) de Cultura e ao
                                      BNDES       (Banco     Nacional    de
                                      Desenvolvimento),     resultante   do
                                      projeto Panacéia Viajante, Circulação
                                      do Espetáculo Dorotéia.




                           Salvador
                             2011
                                                                         1
Cá Entre Nós: conversações sobre desejo e desvio em Dorotéia (artigo por
Milena Flick1)



                                            RESUMO

O presente artigo discute noções de desejo e desvio, bem como seus processos de
produção, reafirmação e normatização, em três recortes principais: Dorotéia, a “farsa
irresponsável” do dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, a encenação do texto,
resultante do projeto de pesquisa Da Negação do Amor: Um Estudo da Anatomia
Emocional das Personagens da peça Dorotéia de Nelson Rodrigues (vinculado ao
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal da
Bahia – PIBIC UFBA), e as ações do Panacéia Viajante – projeto de circulação do
espetáculo Dorotéia, patrocinado pelo Programa BNB de Cultura – Edição 2011 –
Parceria BNDES. Para tanto, apresenta uma breve descrição dos recortes citados e
analisa suas distintas abordagens no que concerne aos discursos que engendram
as noções de desejo e desvio, bem como seus pontos de transversalidade e
contaminação.


Palavras-chave: Artes Cênicas. Dorotéia. Nelson Rodrigues. Desejo. Desvio.




1
  Atriz, produtora cultural, bacharel em interpretação Teatral pela Universidade Federal da Bahia e
mestranda no Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da mesma instituição (PPGAC-UFBA),
integrante do grupo de teatro Panacéia Delirante e do Colectivo Âmbar (rede de artistas latino-
americanos), é, também, membro fundadora do Teatro den-di-Casa e do Núcleo de Estudos,
Processos e Criação da Cena.
                                                                                                      2
Cá Entre Nós: conversações sobre desejo e desvio em Dorotéia


                                                                    Meia palavra mordida

                                                                        me foge da boca.

                                                                                      [...]

                                                                            Em baixa voz

                                                           violento os tímpanos do mundo.

                                                                     (Conceição Evaristo)



Em Dorotéia, texto do dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, delineia-se um
violento discurso sobre desejo e repressão. Através de uma estilização grotesca e
da criação de personagens hiperbólicas, o autor constrói um universo dogmático, de
clausura e negação do amor, promovendo um jogo de distorções que proporciona
intenso questionamento e inquietações pertinentes às relações entre desejo, pudor,
moralismo e desvio.

A trama se desenvolve numa casa sem móveis nem quartos (só de salas), onde
vivem três mulheres, viúvas e puritanas – que nunca dormem, para não sonhar – e
uma menina natimorta: Maria das Dores, chamada Das Dores, filha de Dona Flávia,
“a mais velha de todas”. As três vivem em eterna vigília, num fervor religioso de
exaltação da feiúra como maior qualidade moral e protetora dos males e pecados
companheiros da sensualidade, da beleza, tristeza (associada ironicamente à
melancolia dos românticos) e doçura:



                   Dorotéia, classificada pelo autor como de (sic) uma “farsa
                   irresponsável”, [...] apresenta a história de mulheres que se trancam
                   em casa em eterna vigília para defender as tradições da família. São
                   mulheres que se negam ao convívio social, resignando-se a uma vida
                   de obscura e dolorosa espera. Hieráticas sentinelas, vigiam-se
                   mutuamente a fim de que “a carne não sonhe”, vivem em função dos
                   rituais de manutenção da tradição familiar: o repúdio ao amor. Para
                   elas o amor está associado à degradação moral; então elas se negam
                   a vivê-lo (Hebe Alves, Cá Entre Nós, p.4).



Entre os dogmas e tradições da família, aquela que dá sentido à existência das
mulheres é a Náusea: enjôo nupcial que as atinge durante a sua primeira noite e
última. As mulheres da família não conseguem ver homens, são impedidas de
                                                                                         3
enxergá-los: logo após a Náusea, o marido se dissolve pouco a pouco até
desaparecer por completo e com ele, desaparecem seus desejos e sonhos. Dona
Flávia explica: “É assim desde que nossa bisavó teve a sua indisposição na noite de
núpcias...” (RODRIGUES, 1981, p.201) – a Náusea teria ocorrido porque sua bisavó
amava um homem e foi obrigada a se casar com outro.

No texto, Nelson se utiliza da hipérbole e ironia, freqüentemente evocando o cômico
e o risível na caracterização de personagens e situações. Por meio do escárnio, ele
promove rupturas, cisões no que habitualmente chamamos ‘realidade’, revelando a
fantasia escondida no ‘natural’. Estes traços, apresentados através das construções
dos diálogos, revelações inusitadas, exasperação e dilatação dos padrões e valores
convencionais familiares de moralidade, religiosidade e rigor sugerem a subversão
daquelas estruturas identificadas pelo sociólogo francês Michel Maffesoli2 como a
lógica do dever-ser:



                          Cada época tem suas ideias obsedantes que, é claro, não são nada
                          além de pessoais. (...) Uma dessas ideias obsedantes, que de uma
                          maneira transversal percorre todas as civilizações, está no sentido
                          simples do termo vida moral. (...) às vezes, ela exprime-se enquanto
                          morale stricto sensu, isto é, assume a forma de uma categoria
                          dominante, universal, rígida, e privilegia, com isso, o projeto, a
                          produtividade e o puritanismo, numa palavra, a lógica do dever-ser
                          (MAFFESOLI. 2005, p.25).




A feiúra e a negação do prazer carnal são, para as mulheres dessa família, símbolos
da virtude suprema, diametralmente oposta ao pecado da beleza, da felicidade e do
gozo. Nesse caminho, reconheço as potencialidades subversivas presentes em
Dorotéia. A lógica do dever-ser levada às últimas consequências e defendida por
elas, expõe o caráter absurdo e fantástico desta mesma lógica, por meio da ação
das personagens da obra, que delimita as polaridades dicotômicas da vida ideal,
opondo moralidade, bons costumes e virtude à sexualidade, ao prazer e aos desejos
do corpo. É assim que o desejo é então construído, normatizado e reiterado dentro
do discurso da família, como “forças de poder exercidas em nome da teoria, para
controlar o desejo e impedir o gozo” (LACERDA, 2010, p.18).

A situação limite na qual vivem as personagens da trama é revelada a partir da
chegada de uma prima distante: Dorotéia, “mulher de vida livre”, ex-prostituta que,
após a morte trágica do filho, decide reintegrar-se ao seio da família. Consumida
pela dor e culpa, pois o recém-nascido morreu enquanto ela atendia um cliente.

2
    Professor da Université de Paris-Descartes – Sorbonne.
                                                                                            4
Dorotéia chega à casa das viúvas em busca de proteção e abrigo. A personagem,
que dá nome ao texto, é bonita, sensual e impetuosa, é aquela que desencadeia o
conflito, promovendo a revelação da força repressiva e violenta com a qual as
tradições da família – representadas e defendidas por Dona Flávia – se impõem aos
corpos3 e desejos das mulheres que ali habitam encarceradas em si mesmas.

Dessa forma, ao personificar o comportamento desviante que se define por oposição
às normas e regras da Família4, Dorotéia concorre para a formatação do discurso
desta, pois que obriga as demais, sobre tudo Dona Flávia, a justificar sua rejeição e
marginalização. É interessante perceber no texto, em diversas falas da viúva, o
discurso sendo construído no ato da fala, pois que nos surpreendemos com as
contradições presentes nas histórias inventadas, através das quais ela se trai e
acaba por denunciar a fragilidade do que sustenta este lugar de fala, quase mítico e,
para ela, inquestionável.

Entendendo o desvio como “uma consequência da aplicação por outras pessoas de
regras e sanções a um ‘transgressor’” (GOLDENBERG, 2005, p.20), o único
caminho de retorno à família, seria apagar singularidades e incorporar-se em suas
normas. Dorotéia precisa, então, ser moralmente aceita pelas primas, tornando-se
feia como elas. Com este intuito, ela aceita receber chagas no corpo (estas lhe
serão ofertadas por Nepomuceno, homem com qual ela contrairá as chagas como
um conjunto de doenças venéreas), deformando sua aparência, antes agradável e
atraente. Nesse contexto, a tentação surge representada pela projeção de um jarro,
que persegue Dorotéia ao longo da trama e do qual ela foge, numa tentativa
desesperada de encontrar seu espaço de salvação ao atender às exigências de
Dona Flávia.

A filha nartimorta de Dona Flávia, Das Dores, pensa que vive e ajuda nos pequenos
trabalhos domésticos da casa, ignora a sua verdadeira condição: segundo sua mãe,
seria pecado enterrá-la antes de ter sentido a Náusea. Por isso, a menina vive a
espera de seu noivo, Euzébio (que é reduzido a um par de botinas), sonhando com
este encontro e com o dia em que, finalmente, receberá a Náusea da família.
Entretanto, é ela quem vai subverter o destino inexorável imposto pela mãe e se
rebelar contra a ordem vigente, retornando ao útero materno para renascer e,
finalmente, tornar-se mulher.

O desfecho desta farsa apresenta-se com uma morbidez e desesperança
agravantes: Dona Flavia, que assassina suas duas irmãs quando elas admitem a
existência de seus desejos, negados e reprimidos durante toda a vida, encontra em

3
  O corpo apresenta-se, aqui, associado a uma ‘categoria política dominante’ que configura, determina
e confina o desejo de forma a privilegiar certo “puritanismo”.
4
  Para Bourdieu a Família (assim como a Igreja, a Escola e o Estado) é um dos “lugares de
elaboração e de imposição de princípios de dominação que se exercem dentro mesmo do universo
mais privado” (apud LACERDA, 2010, p.46).
                                                                                                   5
Dorotéia a companheira ideal. As duas mulheres, então, terminam a peça com a
terrificante previsão de Dona Flávia “Vamos apodrecer juntas” (RODRIGUES, 1981,
p. 253). Assim, neste drama farsesco, Nelson promove questionamentos que
colocam em cheque os padrões morais que confinam o desejo dentro das estruturas
dominantes de poder e traz à tona a possibilidade deste subjugo nos carregar ao
encontro do esconderijo da falsa virtude, da fé covarde, da pseudo-cegueira:
esconder-se de si mesma, abnegar o próprio prazer numa prática constante de
violência irreflexiva e displicentemente reiterada.



“Da Negação do Amor” – a encenação de Dorotéia

Fruto de um projeto de pesquisa acadêmico vinculado ao Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Científica da UFBA (PIBIC-UFBA) no período de 2008 a 2010,
intitulado Da Negação do Amor: Um Estudo da Anatomia Emocional das
Personagens da peça Dorotéia de Nelson Rodrigues, surgiu o espetáculo
homônimo. Ao lado das atrizes do grupo Panacéia Delirante5 e sob a direção de
Hebe Alves, tive a oportunidade de levar ao palco esta farsa de Nelson, pela
primeira vez, em agosto de 2010, no Espaço Cultural da Barroquinha e,
posteriormente, em uma segunda temporada, no mês de janeiro de 2011, no Espaço
Xisto Bahia (ambos em Salvador). Além das duas temporadas, estivemos em
apresentações públicas de eventos acadêmicos e, recentemente, participamos de
um festival internacional de estudantes de arte, realizado na cidade de Minsk,
Belarus, no qual recebemos o Prêmio Especial Inovação e Criatividade.

Na encenação de Dorotéia, as atrizes se revezam para dar vida às personagens da
obra: a escolha de utilizar o artifício da ‘coringagem’ como um efeito estético alia-se
à intenção de revelar o caráter múltiplo e variável das identidades apresentadas e
discutir o corpo classificado como ‘feminino’ (um “corpo sexuado”) como uma
construção política e social complexa, que não se emoldura em padrões restritos de
normatização: contradizendo o discurso das próprias personagens.

O jogo de transições proposto pela encenação, na qual trabalhamos como
atrizes/pesquisadoras, permite um confronto histórico com o período em que o
drama se desenrola e a verificação da atualidade crítica dos questionamentos
suscitados, sobretudo aos que fazem referencia às classificações binômias (e
excludentes) que persistem - em uma sociedade que ainda nos divide entre santas e
putas.



5
  Grupo do qual faço parte ao lado das atrizes Camila Guilera, Jane Santa Cruz, Lara Couto e Lílith
Marques, desenvolvendo trabalhos contínuos de diálogos com a sociedade desde 2008.


                                                                                                      6
Inspiradas nas pinturas de Toulouse-Lautrec e Edgar Degas, nossas corporeidades -
de jovens atrizes - delineadas no espetáculo, sugerem um simbolismo que os
expande para além das habituais interpretações de Dorotéia, possibilitando o
reconhecimento de que a negação do desejo é uma prática constantemente e
reiterada na ‘educação’ dos nossos corpos, ainda jovens.

Para trabalhar neste caminho, optamos por utilizar estudos em torno do corpo
grotesco, como concebido, antes de tudo, como um corpo social - cujas imagens são
aquelas degradadas pelos cânones da estética clássica –, sendo, portanto, “(...)
aberto, protuberante, irregular, secretante, múltiplo e mutável”. (RUSSO, 2000,
p.21). Neste sentido, poderia afirmar também, que o espetáculo, ao propor uma
estrutura ‘estranha’ aos corpos e identidades e naturalizá-las na interpretação das
personagens, acaba por denunciar seu caráter estrutural e a invenção do ‘natural’,
que, por sua vez, define o que é desviante. Tratam-se, portanto, de estruturas que
se denunciam como tal.

Na concepção do espetáculo, escolhemos, ainda, deslocar a centralidade do
discurso dominado por Dona Flávia, para a potência de vida reclamada por Das
Dores, sua filha. Trata-se do empoderamento de um discurso desviante, dentro das
normas desta família: uma mulher que compreende que a negação do amor,
amplamente reiterada e pregada por sua mãe (simulacro maior do universo familiar)
ofereceu existência e potência para a afirmação de seus desejos. Foi esta
descoberta que a levou de volta ao útero materno, na certeza de que tem, em suas
mãos, o direito à vida, ao amor, à carne e ao renascimento do prazer através da
materialidade do seu corpo vivo, pulsante.

Dessa forma, Das Dores seria a porta-voz de um grito por outras concepções de
desejo e prazer, que não se submetem a dicotomias, preconceitos ou normatizações
excludentes e asfixiantes:



                   Desejo não cria multiplicidades permanentes; ele experimenta,
                   produzindo sempre novos alinhamentos, ligações e conexões,
                   fazendo coisas. É fundamentalmente nômade não teleológico,
                   vagueante, criativo, não-repetitivo, proliferativo, imprevisível (GROSZ
                   apud. LACERDA, 2010, p.19).



“Panacéia Viajante” – a circulação de Dorotéia

Em 2011, através do programa BNB (Banco do Nordeste) de Cultura – Edição 2011/
parceria com BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), o espetáculo Dorotéia
ganhou novas dimensões, agregando ao seu projeto de execução outras ações

                                                                                        7
artísticas que nos permitiram ampliar o diálogo da equipe com a comunidade e
multiplicar os focos de discussão do espetáculo.

O projeto “Panacéia Viajante – circulação do espetáculo Dorotéia”, contemplado pelo
programa, esteve em duas cidades do interior da Bahia (Valença e Santo Amaro),
nas quais desenvolveu as seguintes atividades:

- Apresentações do espetáculo Dorotéia (elenco: Panacéia Delirante, direção: Hebe
Alves) no Centro de Cultura Olívia Barradas, em Valença, e no Teatro Dona Canô
em Santo Amaro, Bahia.

- Oficinas de jogos teatrais para mulheres voltadas para a propriocepção e
exercícios de relaxamentos e consciência corporal. As oficinas foram ministradas
pelas atrizes do Panacéia Delirante e contaram com a orientação da educadora
sexual Maria Paquelet e da professora doutora Hebe Alves.

- Conversando com Dorotéia: Bate-papo entre público e equipe do espetáculo, com
a mediação e palestra de Maria Paquelet.

- Cá Entre Nós: Uma Cartilha Informativa Para a Mulher.

Das ações citadas, para a discussão proposta neste artigo, interessa-me focar os
bate-papos realizados e a produção da Cartilha, idealizada pelo Grupo Panacéia
Delirante, sob a orientação e revisão de Maria Paquelet e Hebe Alves, edição e arte
gráfica de Lucas Modesto.



“Cá Entre Nós” – palavras encenadas em uma cartilha e conversando com
Dorotéia
                                              A vida exige decisão. O querer impõe limites.

                                                                  O saber nos dita regras.

                                           Vivendo e sobrevivendo, o corpo cobra o desejo.

                                                                          (Maria Paquelet)



Em Dorotéia, a cobrança do corpo leva à morte as duas primas Maura e Carmelita,
que rompem ferozmente num estado de delírio voluptuoso, como leoas escapando
do cárcere, em direção ao abismo do desvio. Dona Flávia não suporta a traição
revelada em veemente afirmação do desejo e assassina as duas por asfixia, sem,
contudo, toca-las (a força, o poder mortal do discurso, da imagem: apenas com um
gesto de mãos, concentra-se todo o poder e a violência da repressão, que mata,
sufocando o que existe de vida e prazer naqueles corpos).

                                                                                         8
Mas, o corpo também cobra uma tomada de decisão perante a vida, impõe à Das
Dores a necessidade de se reinventar, de se recriar: nascer novamente e tornar-se
agente dos seus desejos. Uma vez recobrado o direito sobre seu corpo, Das Dores
recupera, também, a necessidade de reconhecê-lo enquanto carne, vida, e,
portanto, movimento de eterno vir-a-ser.

Questões como estas, vinculadas ao discurso do corpo e da sexualidade (sobretudo
a dita ‘sexualidade feminina’), são temas fortemente abordados na encenação,
assim como o absurdo dos preconceitos e a necessidade social e normativa de
adestramento e definição dos corpos que se confinam em condutas morais. É o que
acontece com a personagem Dorotéia, que sucumbe ao conformismo e entrega o
direito do seu corpo de reivindicação do desejo, para perder o rótulo de “desviante” e
ser aceita na correta normalidade ditada por Dona Flavia, tornando-se outra
‘encarcerada em si mesma’, como todas as mulheres da família.

A promoção destas discussões através do espetáculo nos acendeu a necessidade
de abrir novos espaços para compartilhar e discutir a despeito de outros temas,
relacionados não somente ao corpo e a sexualidade, mas às responsabilidades e
direitos que viver seus desejos impõe (sejam eles desejos sexuais, desejos de
autonomia no mercado de trabalho, de libertação de uma violência imposta – moral,
religiosa, física ou de qualquer espécie –, de uma vida saudável etc.). Foram nos
bate-papos mediados por Maria Paquelet e na concepção, produção e distribuição
das Cartilhas Informativas para a Mulher, que encontramos e alimentamos estes
espaços.

No intuito de não criar normatizações que impusessem, por oposição, o fantasma
moral do desvio, tentamos trabalhar os textos da cartilha, bem como as nossas falas
nos bate-papos, de forma a promover debates polifônicos, preocupados com
esclarecimentos práticos de atitudes do nosso dia-a-dia que conformam a qualidade
de vida que temos. Assim, abordamos questões como higiene pessoal e cuidados
com o corpo, informações pertinentes à Lei Maria da Penha e como denunciar um
agressor, homofobia, proteção de si e do outro para uma relação sexual saudável, a
mulher no mercado de trabalho, além de divulgar contatos importantes para
encontrar manter-se informado sobre os assuntos indicados e buscar uma
autonomia na defesa dos seus direitos.

Sobretudo, numa encenação em que todos os corpos podem atuar e servir a todos
os papéis, numa cartilha que trata a diversidade de forma a não valorizar a ideia de
desvio e a partir de diálogos que tratam o desejo como um conceito aberto à
vertigem e ao delírio, ainda que imponha limites e cuidados ao corpo (orgânico,
político, social, sexual...), convidamos o público, leitores e debatedores, a refletir:
será que somos sempre uma coisa “ou” outra? Será que não há espaço para um
“entre-lugar”, para um “e”? Por que é tão difícil conviver com a multiplicidade? Por

                                                                                     9
que ainda precisamos tratar de temas como “igualdade de gênero”, racismo,
homofobia, misoginia, violência, estupro, quando já poderiam ser questões a muito
superadas?

Nós somos Dorotéias, Mauras, Carmelitas, Donas Flávias e Das Dores: somos
múltiplas e, também, mutáveis. Mas nos cabe a escolha de que discurso queremos
viver, empoderar: “a vida exige decisão” e mesmo que sejamos muitos, esse desejo,
esse querer é o que nos define...



                        REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:



BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão de Identidade.
Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

GOLDENBERG, Mirian. De perto ninguém é normal: Estudos sobre corpo,
sexualidade, gênero e desvio na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2ªed,
2005.

LACERDA, Cláudio. Representações de Masculinidade na Dança e no Esporte: Um
olhar sobre Nijinsky e Jeux. Recife: Edição do Autor, 2010.

MAFFESOLI, Michel. No Fundo das Aparências. Pretópolis: Vozes, 3ªed, 2005.

RODRIGUES, Nelson. Teatro Completo de Nelson Rodrigues 2: Peças Míticas.
Organização e introdução: MAGALDI, Sábato. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1981.

RUSSO, Mary. O Grotesco Feminino - risco, excesso e modernidade. Rio de
Janeiro: Rocco, 2000.

SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. O Império do Grotesco. Rio de Janeiro: Mauad,
2002.

Outros:

Cá Entre Nós – Uma cartilha Informativa Para a Mulher. Diversos Autores. Material
integrante do projeto Panacéia Viajante – Circulação do Espetáculo Dorotéia,
contemplado pelo programa BNB de Cultura – Edição 2011 / parceria com BNDES.
Salvador: Edição dos autores, 2011.
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Cá entre nós conversações sobre desejo e desvio em dorotéia (por milena flick)

  • 1. PROGRAMA BNB DE CULTURA – EDIÇÃO 2011 – PARCERIA BNDES PROJETO: PANACÉIA VIAJANTE, CIRCULAÇÃO DO ESPETÁCULO DOROTÉIA. MILENA FLICK ARRUDA CÁ ENTRE NÓS: conversações sobre desejo e desvio em Dorotéia Artigo apresentado ao Programa BNB (Banco do Nordeste) de Cultura e ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento), resultante do projeto Panacéia Viajante, Circulação do Espetáculo Dorotéia. Salvador 2011 1
  • 2. Cá Entre Nós: conversações sobre desejo e desvio em Dorotéia (artigo por Milena Flick1) RESUMO O presente artigo discute noções de desejo e desvio, bem como seus processos de produção, reafirmação e normatização, em três recortes principais: Dorotéia, a “farsa irresponsável” do dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, a encenação do texto, resultante do projeto de pesquisa Da Negação do Amor: Um Estudo da Anatomia Emocional das Personagens da peça Dorotéia de Nelson Rodrigues (vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal da Bahia – PIBIC UFBA), e as ações do Panacéia Viajante – projeto de circulação do espetáculo Dorotéia, patrocinado pelo Programa BNB de Cultura – Edição 2011 – Parceria BNDES. Para tanto, apresenta uma breve descrição dos recortes citados e analisa suas distintas abordagens no que concerne aos discursos que engendram as noções de desejo e desvio, bem como seus pontos de transversalidade e contaminação. Palavras-chave: Artes Cênicas. Dorotéia. Nelson Rodrigues. Desejo. Desvio. 1 Atriz, produtora cultural, bacharel em interpretação Teatral pela Universidade Federal da Bahia e mestranda no Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da mesma instituição (PPGAC-UFBA), integrante do grupo de teatro Panacéia Delirante e do Colectivo Âmbar (rede de artistas latino- americanos), é, também, membro fundadora do Teatro den-di-Casa e do Núcleo de Estudos, Processos e Criação da Cena. 2
  • 3. Cá Entre Nós: conversações sobre desejo e desvio em Dorotéia Meia palavra mordida me foge da boca. [...] Em baixa voz violento os tímpanos do mundo. (Conceição Evaristo) Em Dorotéia, texto do dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, delineia-se um violento discurso sobre desejo e repressão. Através de uma estilização grotesca e da criação de personagens hiperbólicas, o autor constrói um universo dogmático, de clausura e negação do amor, promovendo um jogo de distorções que proporciona intenso questionamento e inquietações pertinentes às relações entre desejo, pudor, moralismo e desvio. A trama se desenvolve numa casa sem móveis nem quartos (só de salas), onde vivem três mulheres, viúvas e puritanas – que nunca dormem, para não sonhar – e uma menina natimorta: Maria das Dores, chamada Das Dores, filha de Dona Flávia, “a mais velha de todas”. As três vivem em eterna vigília, num fervor religioso de exaltação da feiúra como maior qualidade moral e protetora dos males e pecados companheiros da sensualidade, da beleza, tristeza (associada ironicamente à melancolia dos românticos) e doçura: Dorotéia, classificada pelo autor como de (sic) uma “farsa irresponsável”, [...] apresenta a história de mulheres que se trancam em casa em eterna vigília para defender as tradições da família. São mulheres que se negam ao convívio social, resignando-se a uma vida de obscura e dolorosa espera. Hieráticas sentinelas, vigiam-se mutuamente a fim de que “a carne não sonhe”, vivem em função dos rituais de manutenção da tradição familiar: o repúdio ao amor. Para elas o amor está associado à degradação moral; então elas se negam a vivê-lo (Hebe Alves, Cá Entre Nós, p.4). Entre os dogmas e tradições da família, aquela que dá sentido à existência das mulheres é a Náusea: enjôo nupcial que as atinge durante a sua primeira noite e última. As mulheres da família não conseguem ver homens, são impedidas de 3
  • 4. enxergá-los: logo após a Náusea, o marido se dissolve pouco a pouco até desaparecer por completo e com ele, desaparecem seus desejos e sonhos. Dona Flávia explica: “É assim desde que nossa bisavó teve a sua indisposição na noite de núpcias...” (RODRIGUES, 1981, p.201) – a Náusea teria ocorrido porque sua bisavó amava um homem e foi obrigada a se casar com outro. No texto, Nelson se utiliza da hipérbole e ironia, freqüentemente evocando o cômico e o risível na caracterização de personagens e situações. Por meio do escárnio, ele promove rupturas, cisões no que habitualmente chamamos ‘realidade’, revelando a fantasia escondida no ‘natural’. Estes traços, apresentados através das construções dos diálogos, revelações inusitadas, exasperação e dilatação dos padrões e valores convencionais familiares de moralidade, religiosidade e rigor sugerem a subversão daquelas estruturas identificadas pelo sociólogo francês Michel Maffesoli2 como a lógica do dever-ser: Cada época tem suas ideias obsedantes que, é claro, não são nada além de pessoais. (...) Uma dessas ideias obsedantes, que de uma maneira transversal percorre todas as civilizações, está no sentido simples do termo vida moral. (...) às vezes, ela exprime-se enquanto morale stricto sensu, isto é, assume a forma de uma categoria dominante, universal, rígida, e privilegia, com isso, o projeto, a produtividade e o puritanismo, numa palavra, a lógica do dever-ser (MAFFESOLI. 2005, p.25). A feiúra e a negação do prazer carnal são, para as mulheres dessa família, símbolos da virtude suprema, diametralmente oposta ao pecado da beleza, da felicidade e do gozo. Nesse caminho, reconheço as potencialidades subversivas presentes em Dorotéia. A lógica do dever-ser levada às últimas consequências e defendida por elas, expõe o caráter absurdo e fantástico desta mesma lógica, por meio da ação das personagens da obra, que delimita as polaridades dicotômicas da vida ideal, opondo moralidade, bons costumes e virtude à sexualidade, ao prazer e aos desejos do corpo. É assim que o desejo é então construído, normatizado e reiterado dentro do discurso da família, como “forças de poder exercidas em nome da teoria, para controlar o desejo e impedir o gozo” (LACERDA, 2010, p.18). A situação limite na qual vivem as personagens da trama é revelada a partir da chegada de uma prima distante: Dorotéia, “mulher de vida livre”, ex-prostituta que, após a morte trágica do filho, decide reintegrar-se ao seio da família. Consumida pela dor e culpa, pois o recém-nascido morreu enquanto ela atendia um cliente. 2 Professor da Université de Paris-Descartes – Sorbonne. 4
  • 5. Dorotéia chega à casa das viúvas em busca de proteção e abrigo. A personagem, que dá nome ao texto, é bonita, sensual e impetuosa, é aquela que desencadeia o conflito, promovendo a revelação da força repressiva e violenta com a qual as tradições da família – representadas e defendidas por Dona Flávia – se impõem aos corpos3 e desejos das mulheres que ali habitam encarceradas em si mesmas. Dessa forma, ao personificar o comportamento desviante que se define por oposição às normas e regras da Família4, Dorotéia concorre para a formatação do discurso desta, pois que obriga as demais, sobre tudo Dona Flávia, a justificar sua rejeição e marginalização. É interessante perceber no texto, em diversas falas da viúva, o discurso sendo construído no ato da fala, pois que nos surpreendemos com as contradições presentes nas histórias inventadas, através das quais ela se trai e acaba por denunciar a fragilidade do que sustenta este lugar de fala, quase mítico e, para ela, inquestionável. Entendendo o desvio como “uma consequência da aplicação por outras pessoas de regras e sanções a um ‘transgressor’” (GOLDENBERG, 2005, p.20), o único caminho de retorno à família, seria apagar singularidades e incorporar-se em suas normas. Dorotéia precisa, então, ser moralmente aceita pelas primas, tornando-se feia como elas. Com este intuito, ela aceita receber chagas no corpo (estas lhe serão ofertadas por Nepomuceno, homem com qual ela contrairá as chagas como um conjunto de doenças venéreas), deformando sua aparência, antes agradável e atraente. Nesse contexto, a tentação surge representada pela projeção de um jarro, que persegue Dorotéia ao longo da trama e do qual ela foge, numa tentativa desesperada de encontrar seu espaço de salvação ao atender às exigências de Dona Flávia. A filha nartimorta de Dona Flávia, Das Dores, pensa que vive e ajuda nos pequenos trabalhos domésticos da casa, ignora a sua verdadeira condição: segundo sua mãe, seria pecado enterrá-la antes de ter sentido a Náusea. Por isso, a menina vive a espera de seu noivo, Euzébio (que é reduzido a um par de botinas), sonhando com este encontro e com o dia em que, finalmente, receberá a Náusea da família. Entretanto, é ela quem vai subverter o destino inexorável imposto pela mãe e se rebelar contra a ordem vigente, retornando ao útero materno para renascer e, finalmente, tornar-se mulher. O desfecho desta farsa apresenta-se com uma morbidez e desesperança agravantes: Dona Flavia, que assassina suas duas irmãs quando elas admitem a existência de seus desejos, negados e reprimidos durante toda a vida, encontra em 3 O corpo apresenta-se, aqui, associado a uma ‘categoria política dominante’ que configura, determina e confina o desejo de forma a privilegiar certo “puritanismo”. 4 Para Bourdieu a Família (assim como a Igreja, a Escola e o Estado) é um dos “lugares de elaboração e de imposição de princípios de dominação que se exercem dentro mesmo do universo mais privado” (apud LACERDA, 2010, p.46). 5
  • 6. Dorotéia a companheira ideal. As duas mulheres, então, terminam a peça com a terrificante previsão de Dona Flávia “Vamos apodrecer juntas” (RODRIGUES, 1981, p. 253). Assim, neste drama farsesco, Nelson promove questionamentos que colocam em cheque os padrões morais que confinam o desejo dentro das estruturas dominantes de poder e traz à tona a possibilidade deste subjugo nos carregar ao encontro do esconderijo da falsa virtude, da fé covarde, da pseudo-cegueira: esconder-se de si mesma, abnegar o próprio prazer numa prática constante de violência irreflexiva e displicentemente reiterada. “Da Negação do Amor” – a encenação de Dorotéia Fruto de um projeto de pesquisa acadêmico vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da UFBA (PIBIC-UFBA) no período de 2008 a 2010, intitulado Da Negação do Amor: Um Estudo da Anatomia Emocional das Personagens da peça Dorotéia de Nelson Rodrigues, surgiu o espetáculo homônimo. Ao lado das atrizes do grupo Panacéia Delirante5 e sob a direção de Hebe Alves, tive a oportunidade de levar ao palco esta farsa de Nelson, pela primeira vez, em agosto de 2010, no Espaço Cultural da Barroquinha e, posteriormente, em uma segunda temporada, no mês de janeiro de 2011, no Espaço Xisto Bahia (ambos em Salvador). Além das duas temporadas, estivemos em apresentações públicas de eventos acadêmicos e, recentemente, participamos de um festival internacional de estudantes de arte, realizado na cidade de Minsk, Belarus, no qual recebemos o Prêmio Especial Inovação e Criatividade. Na encenação de Dorotéia, as atrizes se revezam para dar vida às personagens da obra: a escolha de utilizar o artifício da ‘coringagem’ como um efeito estético alia-se à intenção de revelar o caráter múltiplo e variável das identidades apresentadas e discutir o corpo classificado como ‘feminino’ (um “corpo sexuado”) como uma construção política e social complexa, que não se emoldura em padrões restritos de normatização: contradizendo o discurso das próprias personagens. O jogo de transições proposto pela encenação, na qual trabalhamos como atrizes/pesquisadoras, permite um confronto histórico com o período em que o drama se desenrola e a verificação da atualidade crítica dos questionamentos suscitados, sobretudo aos que fazem referencia às classificações binômias (e excludentes) que persistem - em uma sociedade que ainda nos divide entre santas e putas. 5 Grupo do qual faço parte ao lado das atrizes Camila Guilera, Jane Santa Cruz, Lara Couto e Lílith Marques, desenvolvendo trabalhos contínuos de diálogos com a sociedade desde 2008. 6
  • 7. Inspiradas nas pinturas de Toulouse-Lautrec e Edgar Degas, nossas corporeidades - de jovens atrizes - delineadas no espetáculo, sugerem um simbolismo que os expande para além das habituais interpretações de Dorotéia, possibilitando o reconhecimento de que a negação do desejo é uma prática constantemente e reiterada na ‘educação’ dos nossos corpos, ainda jovens. Para trabalhar neste caminho, optamos por utilizar estudos em torno do corpo grotesco, como concebido, antes de tudo, como um corpo social - cujas imagens são aquelas degradadas pelos cânones da estética clássica –, sendo, portanto, “(...) aberto, protuberante, irregular, secretante, múltiplo e mutável”. (RUSSO, 2000, p.21). Neste sentido, poderia afirmar também, que o espetáculo, ao propor uma estrutura ‘estranha’ aos corpos e identidades e naturalizá-las na interpretação das personagens, acaba por denunciar seu caráter estrutural e a invenção do ‘natural’, que, por sua vez, define o que é desviante. Tratam-se, portanto, de estruturas que se denunciam como tal. Na concepção do espetáculo, escolhemos, ainda, deslocar a centralidade do discurso dominado por Dona Flávia, para a potência de vida reclamada por Das Dores, sua filha. Trata-se do empoderamento de um discurso desviante, dentro das normas desta família: uma mulher que compreende que a negação do amor, amplamente reiterada e pregada por sua mãe (simulacro maior do universo familiar) ofereceu existência e potência para a afirmação de seus desejos. Foi esta descoberta que a levou de volta ao útero materno, na certeza de que tem, em suas mãos, o direito à vida, ao amor, à carne e ao renascimento do prazer através da materialidade do seu corpo vivo, pulsante. Dessa forma, Das Dores seria a porta-voz de um grito por outras concepções de desejo e prazer, que não se submetem a dicotomias, preconceitos ou normatizações excludentes e asfixiantes: Desejo não cria multiplicidades permanentes; ele experimenta, produzindo sempre novos alinhamentos, ligações e conexões, fazendo coisas. É fundamentalmente nômade não teleológico, vagueante, criativo, não-repetitivo, proliferativo, imprevisível (GROSZ apud. LACERDA, 2010, p.19). “Panacéia Viajante” – a circulação de Dorotéia Em 2011, através do programa BNB (Banco do Nordeste) de Cultura – Edição 2011/ parceria com BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), o espetáculo Dorotéia ganhou novas dimensões, agregando ao seu projeto de execução outras ações 7
  • 8. artísticas que nos permitiram ampliar o diálogo da equipe com a comunidade e multiplicar os focos de discussão do espetáculo. O projeto “Panacéia Viajante – circulação do espetáculo Dorotéia”, contemplado pelo programa, esteve em duas cidades do interior da Bahia (Valença e Santo Amaro), nas quais desenvolveu as seguintes atividades: - Apresentações do espetáculo Dorotéia (elenco: Panacéia Delirante, direção: Hebe Alves) no Centro de Cultura Olívia Barradas, em Valença, e no Teatro Dona Canô em Santo Amaro, Bahia. - Oficinas de jogos teatrais para mulheres voltadas para a propriocepção e exercícios de relaxamentos e consciência corporal. As oficinas foram ministradas pelas atrizes do Panacéia Delirante e contaram com a orientação da educadora sexual Maria Paquelet e da professora doutora Hebe Alves. - Conversando com Dorotéia: Bate-papo entre público e equipe do espetáculo, com a mediação e palestra de Maria Paquelet. - Cá Entre Nós: Uma Cartilha Informativa Para a Mulher. Das ações citadas, para a discussão proposta neste artigo, interessa-me focar os bate-papos realizados e a produção da Cartilha, idealizada pelo Grupo Panacéia Delirante, sob a orientação e revisão de Maria Paquelet e Hebe Alves, edição e arte gráfica de Lucas Modesto. “Cá Entre Nós” – palavras encenadas em uma cartilha e conversando com Dorotéia A vida exige decisão. O querer impõe limites. O saber nos dita regras. Vivendo e sobrevivendo, o corpo cobra o desejo. (Maria Paquelet) Em Dorotéia, a cobrança do corpo leva à morte as duas primas Maura e Carmelita, que rompem ferozmente num estado de delírio voluptuoso, como leoas escapando do cárcere, em direção ao abismo do desvio. Dona Flávia não suporta a traição revelada em veemente afirmação do desejo e assassina as duas por asfixia, sem, contudo, toca-las (a força, o poder mortal do discurso, da imagem: apenas com um gesto de mãos, concentra-se todo o poder e a violência da repressão, que mata, sufocando o que existe de vida e prazer naqueles corpos). 8
  • 9. Mas, o corpo também cobra uma tomada de decisão perante a vida, impõe à Das Dores a necessidade de se reinventar, de se recriar: nascer novamente e tornar-se agente dos seus desejos. Uma vez recobrado o direito sobre seu corpo, Das Dores recupera, também, a necessidade de reconhecê-lo enquanto carne, vida, e, portanto, movimento de eterno vir-a-ser. Questões como estas, vinculadas ao discurso do corpo e da sexualidade (sobretudo a dita ‘sexualidade feminina’), são temas fortemente abordados na encenação, assim como o absurdo dos preconceitos e a necessidade social e normativa de adestramento e definição dos corpos que se confinam em condutas morais. É o que acontece com a personagem Dorotéia, que sucumbe ao conformismo e entrega o direito do seu corpo de reivindicação do desejo, para perder o rótulo de “desviante” e ser aceita na correta normalidade ditada por Dona Flavia, tornando-se outra ‘encarcerada em si mesma’, como todas as mulheres da família. A promoção destas discussões através do espetáculo nos acendeu a necessidade de abrir novos espaços para compartilhar e discutir a despeito de outros temas, relacionados não somente ao corpo e a sexualidade, mas às responsabilidades e direitos que viver seus desejos impõe (sejam eles desejos sexuais, desejos de autonomia no mercado de trabalho, de libertação de uma violência imposta – moral, religiosa, física ou de qualquer espécie –, de uma vida saudável etc.). Foram nos bate-papos mediados por Maria Paquelet e na concepção, produção e distribuição das Cartilhas Informativas para a Mulher, que encontramos e alimentamos estes espaços. No intuito de não criar normatizações que impusessem, por oposição, o fantasma moral do desvio, tentamos trabalhar os textos da cartilha, bem como as nossas falas nos bate-papos, de forma a promover debates polifônicos, preocupados com esclarecimentos práticos de atitudes do nosso dia-a-dia que conformam a qualidade de vida que temos. Assim, abordamos questões como higiene pessoal e cuidados com o corpo, informações pertinentes à Lei Maria da Penha e como denunciar um agressor, homofobia, proteção de si e do outro para uma relação sexual saudável, a mulher no mercado de trabalho, além de divulgar contatos importantes para encontrar manter-se informado sobre os assuntos indicados e buscar uma autonomia na defesa dos seus direitos. Sobretudo, numa encenação em que todos os corpos podem atuar e servir a todos os papéis, numa cartilha que trata a diversidade de forma a não valorizar a ideia de desvio e a partir de diálogos que tratam o desejo como um conceito aberto à vertigem e ao delírio, ainda que imponha limites e cuidados ao corpo (orgânico, político, social, sexual...), convidamos o público, leitores e debatedores, a refletir: será que somos sempre uma coisa “ou” outra? Será que não há espaço para um “entre-lugar”, para um “e”? Por que é tão difícil conviver com a multiplicidade? Por 9
  • 10. que ainda precisamos tratar de temas como “igualdade de gênero”, racismo, homofobia, misoginia, violência, estupro, quando já poderiam ser questões a muito superadas? Nós somos Dorotéias, Mauras, Carmelitas, Donas Flávias e Das Dores: somos múltiplas e, também, mutáveis. Mas nos cabe a escolha de que discurso queremos viver, empoderar: “a vida exige decisão” e mesmo que sejamos muitos, esse desejo, esse querer é o que nos define... REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS: BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão de Identidade. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. GOLDENBERG, Mirian. De perto ninguém é normal: Estudos sobre corpo, sexualidade, gênero e desvio na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2ªed, 2005. LACERDA, Cláudio. Representações de Masculinidade na Dança e no Esporte: Um olhar sobre Nijinsky e Jeux. Recife: Edição do Autor, 2010. MAFFESOLI, Michel. No Fundo das Aparências. Pretópolis: Vozes, 3ªed, 2005. RODRIGUES, Nelson. Teatro Completo de Nelson Rodrigues 2: Peças Míticas. Organização e introdução: MAGALDI, Sábato. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1981. RUSSO, Mary. O Grotesco Feminino - risco, excesso e modernidade. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. O Império do Grotesco. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. Outros: Cá Entre Nós – Uma cartilha Informativa Para a Mulher. Diversos Autores. Material integrante do projeto Panacéia Viajante – Circulação do Espetáculo Dorotéia, contemplado pelo programa BNB de Cultura – Edição 2011 / parceria com BNDES. Salvador: Edição dos autores, 2011. 10