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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO
AMBIENTE – PRODEMA
LÓGICA E CRÍTICA DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA
PROFESSOR: DANIEL DURANTE PEREIRA ALVES
Danuta Werner Gabriel
LACEY, H. Valores e Atividades Científicas. São Paulo: Discurso Editorial, 1998. (Cap. 3,
pp. 61–86)
Durante muito tempo, tanto os empiristas quanto os racionalistas pensaram que a
sustentação dos juízos científicos corretos derivava de sua conformidade a certas regras:
indutivas, dedutivas, hipotético-dedutivas ou formalizáveis segundo o cálculo das
probabilidades. Hugh Lacey (1998) vêm nos trazer uma abordagem alternativa à questão
sobre o que constitui o juízo científico correto. Sua análise é feita no domínio da
racionalidade em termos de um conjunto de valores e não em termos de um conjunto de
regras, e propõe que os juízos científicos corretos são feitos por meio de diálogos acerca
do nível de manifestação de tais valores por uma teoria. McMullin e Kuhn distinguem
valores cognitivos de outros tipos de valores (morais e sociais). Os primeiros são critérios a
serem satisfeitos por uma boa teoria científica. As teorias científicas são formuladas,
transformadas, transmitidas e avaliadas no decorrer de práticas científicas, as quais
incluem a atividade de agentes inseridos em instituições sociais e, assim, envolvem a
expressão de vários valores, além dos valores cognitivos. As discordâncias na comunidade
científica são consistentes com a razoabilidade de suas práticas, embora se afaste do ideal
de que a razão deveria apontar inequivocamente para uma única conclusão. Para McMullin
uma boa teoria é a manifestação dos valores cognitivos relevantes num grau elevado,
independentemente dos valores que possam ser expressos nas práticas que a produziram.
No capitulo sobre Valores Cognitivos Hugh Lacey discutirá como decidimos o que deve
constar na lista de valores cognitivos e se os valores cognitivos podem, em suas
manifestações concretas, ser realmente separados dos demais valores. Lacey sugere que
para ser inserido na lista de valores cognitivos ele satisfaça duas condições: (1) Que seja
necessário para explicar as escolhas de teorias efetivamente realizadas pela comunidade
científica; (2) Que sua significação cognitiva ou racional seja bem sustentada. Na
elaboração da lista de valores cognitivos é preciso reconstruir racionalmente o processo de
escolha de teorias a fim de discernir os critérios utilizados. As condições relevantes para
escolha de teorias, segundo Lacey seriam: (a) os critérios que os cientistas declaram usar;
(b) divergências entre as práticas reais e os pronunciamentos; (c) critérios para
consolidação de uma teoria; (d) critérios propostos para escolha de teorias; (e) variações e
mudanças dos critérios através das épocas. Lacey considera que virtualmente todos os
cientistas afirmariam que “bem testado por experimentos” é um valor cognitivo primordial,
muito embora na ciência moderna, somente constatações observacionais com
determinadas características são de algum interesse, e, assim, somente teorias com
características afins são submetidas a testes observacionais. De acordo com o exposto
acima, é possível afirmar que as constatações observacionais de interesse na ciência
moderna incluem normalmente uma dupla seletividade: devem envolver descrições
materialistas e ser obtidas a partir de práticas observacionais. Considerando a presença
invariável de critérios na escolha de teorias Lacey propõe quatro considerações para
justificar que os mesmos são valores cognitivos, são elas: (1) Teorias a priori do
conhecimento freqüentemente sustentam as tentativas de fundamentar as explicações da
racionalidade científica em termos de regras; (2) Teorias da aquisição e avaliação do
conhecimento formuladas a partir do naturalismo evolucionista e da psicologia cognitiva
atribuem um caráter social a racionalidade científica; (3) Possibilidade de o critério
proposto ser concretamente exemplificado numa teoria explica a ausência de certos
valores na lista de valores cognitivos; (4) Se o critério serve ou não ao objetivo da ciência.
É uma tarefa difícil discernir objetivos por causa da diferença entre o que as pessoas
dizem e o que elas fazem. Numerosos cientistas e filósofos realistas expressaram o
objetivo da ciência de alguma forma próxima da seguinte: O1 - O objetivo da ciência é
representar (em teorias racionalmente aceitáveis) as estruturas, processos e leis
subjacentes aos fenômenos e, a partir disso, descobrir novos fenômenos. De acordo com
esse objetivo, a teoria científica representa objetos (coisas, eventos, domínios, etc.)
simplesmente em termos de suas estruturas e seus componentes que interagem entre si
segundo leis formuláveis matematicamente. Segundo O1 o objeto é entendido como
realmente é quando abstraído do contexto humano, sendo assim o produto da ciência não
possui sentido, pois não serve ao seu criador. Lacey sugere a formulação de um novo
objetivo, que inclui O1, mas é mais abrangente que ele, leia-se: O – O objetivo da ciência é
sintetizar (confiavelmente, em teorias racionalmente aceitáveis) as possibilidades de um
domínio de objetos e descobrir meios para a realização de algumas das possibilidades até
agora não realizadas. Ao formular O, Lacey pensa particularmente nas possibilidades
franqueadas a um objeto que somente pode ser descrito quando não o abstraímos de seus
contextos humano, social e ecológico. Surge a questão: “Por que a comunidade científica
tem adotado amplamente O1 em vez de O? Lacey sugere quatro respostas e esta
pergunta: (a) O recurso à metafísica materialista em longo prazo transforma O em O1; (b) A
utilidade baconiana; (c) O recurso ao puro interesse nos resultados positivos da adoção de
O1, combinado com a virtual certeza do sucesso posterior das práticas a ele vinculadas;
(d) Adota-se O1 porque de fato não se conhecem meios alternativos viáveis para perseguir
O. Podemos dizer que existe uma afinidade eletiva entre a ciência (que busca O1) e o
controle baconiano, porém o interesse intelectual em satisfazer O1 pode ser distinto do
interesse prático no controle baconiano, que busca a expansão da nossa capacidade de
controlar a natureza. A satisfação do interesse intelectual em O1 favorecerá os interesses
do controle baconiano, bem como a expansão das possibilidades do controle baconiano
será severamente limitada se não for conformada pelas proposições teóricas, formuladas
de acordo com O1. A afinidade eletiva existente entre O1 e o controle baconiano nos leva a
repensar em novos termos e concepções de que a ciência é ou deveria ser livre de
valores. O controle da natureza serve a um propósito, a interesses especiais, sendo assim
o mesmo corresponde a um certo conjunto de valores cognitivos que motivaram seu
desenvolvimento. Em uma análise da concepção de que a ciência é livre de valores, Lacey
lança três teses: imparcialidade, neutralidade e autonomia. Para a imparcialidade a teoria
apresenta um alto grau de valor cognitivo, à luz dos dados empíricos e de outras teorias
aceitas, sem se importar em como se relaciona com outros valores, apesar de os valores
sociais ocuparem um lugar importante e essencial na atividade científica. Ao adotar uma
estratégia e efetivamente definir os tipos de fenômenos e as possibilidades que são
consideradas interessantes os valores sociais se manifestam como parâmetros. A defesa
da imparcialidade requer uma distinção de níveis: aquele das estratégias que é
influenciado pelos valores sociais e aquele da escolha concreta das teorias que é
influenciado pelos valores cognitivos. É o papel dos valores sociais no nível das estratégias
que destrói a autonomia e a neutralidade. A neutralidade afirma que a teoria não se liga
mais a um valor do que outro e em princípio pode ser aplicada a práticas pertinentes em
qualquer cenário, independentemente da perspectiva de valor. A autonomia afirma que as
teorias procedem melhor sem influência externa. Um exemplo da falta de neutralidade é a
pesquisa com sementes híbridas. Da perspectiva de O1, a pesquisa seja sobre híbridos
seja sobre variedades “puras” é igualmente científica, mas apenas um desses programas
de pesquisa tem sido efetivamente levada adiante. Tais episódios ilustram como a
neutralidade não é característica de boa parte da pesquisa sob a orientação de O1. De
forma mais geral, as teorias são especialmente sintonizadas pêra serem aplicadas em
projetos moldados pelos valores dialeticamente vinculados às estratégias de restrição e
seleção pelas quais elas foram desenvolvidas. Pudemos observar porque adotar O1, mas
porque não adotar O? A adoção de O conduz a uma abordagem interdisciplinar mais rica,
mas também abre possibilidade de que necessitemos tratar certas questões de maneira
que atravessem as fronteiras das disciplinas tradicionais. Lacey sugere que uma
abordagem alternativa deveria ser outro objetivo, a saber: O2 – sintetizar (confiavelmente,
em teorias racionalmente aceitáveis, ou em corpos de conhecimento sistematicamente
organizados) as possibilidades acessíveis à interação humana com um domínio de objetos
(no nosso exemplo, objetos com os quais se interage nas práticas agrícolas) que
pudessem servir para intensificar a manifestação de valores da estabilidade social e
ecológica e para descobrir meios de realização de algumas possibilidades até o momento
não realizadas. Dentro de um determinado contexto, abordagens tais como O1 e O2
competem entre si, pois a pesquisa em qualquer uma das abordagens requer condições
materiais e sociais que somente estarão disponíveis sob uma organização particular da
sociedade. Além disso, a realização de uma classe de possibilidades pode impedir a
realização de outras no mesmo lugar e ao mesmo tempo, tornando-se inviável o ideal de
identificar todas as possibilidades da natureza ou todas possibilidades acessíveis à prática
humana. Lacey acredita que qualquer abordagem que se mostre atualmente viável deve
ao menos satisfazer O1, uma vez que as práticas de controle da natureza estão presentes
em qualquer perspectiva de valor. Alguém poderia, então, adotar estratégias de restrição e
seleção em virtude das relações quem mantém com os seus valores pessoais; as
possibilidades que deseja sintetizar informam os seus projetos morais e sociais. Isso não
significa que essa pessoa não leva em consideração teorias que não se ajustam àquelas
estratégias porque acredita que esta sejam falsas, mas sim porque não se provêem maios
para identificar as possibilidades de seu interesse. Portanto, a adoção de estratégias não
estão somente vinculada dialeticamente aos valores, mas também está sujeita a restrições
empíricas que se aplicam a longo prazo.

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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE – PRODEMA LÓGICA E CRÍTICA DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA PROFESSOR: DANIEL DURANTE PEREIRA ALVES Danuta Werner Gabriel LACEY, H. Valores e Atividades Científicas. São Paulo: Discurso Editorial, 1998. (Cap. 3, pp. 61–86) Durante muito tempo, tanto os empiristas quanto os racionalistas pensaram que a sustentação dos juízos científicos corretos derivava de sua conformidade a certas regras: indutivas, dedutivas, hipotético-dedutivas ou formalizáveis segundo o cálculo das probabilidades. Hugh Lacey (1998) vêm nos trazer uma abordagem alternativa à questão sobre o que constitui o juízo científico correto. Sua análise é feita no domínio da racionalidade em termos de um conjunto de valores e não em termos de um conjunto de regras, e propõe que os juízos científicos corretos são feitos por meio de diálogos acerca do nível de manifestação de tais valores por uma teoria. McMullin e Kuhn distinguem valores cognitivos de outros tipos de valores (morais e sociais). Os primeiros são critérios a serem satisfeitos por uma boa teoria científica. As teorias científicas são formuladas, transformadas, transmitidas e avaliadas no decorrer de práticas científicas, as quais incluem a atividade de agentes inseridos em instituições sociais e, assim, envolvem a expressão de vários valores, além dos valores cognitivos. As discordâncias na comunidade científica são consistentes com a razoabilidade de suas práticas, embora se afaste do ideal de que a razão deveria apontar inequivocamente para uma única conclusão. Para McMullin uma boa teoria é a manifestação dos valores cognitivos relevantes num grau elevado, independentemente dos valores que possam ser expressos nas práticas que a produziram. No capitulo sobre Valores Cognitivos Hugh Lacey discutirá como decidimos o que deve constar na lista de valores cognitivos e se os valores cognitivos podem, em suas manifestações concretas, ser realmente separados dos demais valores. Lacey sugere que para ser inserido na lista de valores cognitivos ele satisfaça duas condições: (1) Que seja necessário para explicar as escolhas de teorias efetivamente realizadas pela comunidade científica; (2) Que sua significação cognitiva ou racional seja bem sustentada. Na elaboração da lista de valores cognitivos é preciso reconstruir racionalmente o processo de escolha de teorias a fim de discernir os critérios utilizados. As condições relevantes para escolha de teorias, segundo Lacey seriam: (a) os critérios que os cientistas declaram usar; (b) divergências entre as práticas reais e os pronunciamentos; (c) critérios para consolidação de uma teoria; (d) critérios propostos para escolha de teorias; (e) variações e mudanças dos critérios através das épocas. Lacey considera que virtualmente todos os cientistas afirmariam que “bem testado por experimentos” é um valor cognitivo primordial, muito embora na ciência moderna, somente constatações observacionais com determinadas características são de algum interesse, e, assim, somente teorias com características afins são submetidas a testes observacionais. De acordo com o exposto acima, é possível afirmar que as constatações observacionais de interesse na ciência moderna incluem normalmente uma dupla seletividade: devem envolver descrições materialistas e ser obtidas a partir de práticas observacionais. Considerando a presença invariável de critérios na escolha de teorias Lacey propõe quatro considerações para
  • 2. justificar que os mesmos são valores cognitivos, são elas: (1) Teorias a priori do conhecimento freqüentemente sustentam as tentativas de fundamentar as explicações da racionalidade científica em termos de regras; (2) Teorias da aquisição e avaliação do conhecimento formuladas a partir do naturalismo evolucionista e da psicologia cognitiva atribuem um caráter social a racionalidade científica; (3) Possibilidade de o critério proposto ser concretamente exemplificado numa teoria explica a ausência de certos valores na lista de valores cognitivos; (4) Se o critério serve ou não ao objetivo da ciência. É uma tarefa difícil discernir objetivos por causa da diferença entre o que as pessoas dizem e o que elas fazem. Numerosos cientistas e filósofos realistas expressaram o objetivo da ciência de alguma forma próxima da seguinte: O1 - O objetivo da ciência é representar (em teorias racionalmente aceitáveis) as estruturas, processos e leis subjacentes aos fenômenos e, a partir disso, descobrir novos fenômenos. De acordo com esse objetivo, a teoria científica representa objetos (coisas, eventos, domínios, etc.) simplesmente em termos de suas estruturas e seus componentes que interagem entre si segundo leis formuláveis matematicamente. Segundo O1 o objeto é entendido como realmente é quando abstraído do contexto humano, sendo assim o produto da ciência não possui sentido, pois não serve ao seu criador. Lacey sugere a formulação de um novo objetivo, que inclui O1, mas é mais abrangente que ele, leia-se: O – O objetivo da ciência é sintetizar (confiavelmente, em teorias racionalmente aceitáveis) as possibilidades de um domínio de objetos e descobrir meios para a realização de algumas das possibilidades até agora não realizadas. Ao formular O, Lacey pensa particularmente nas possibilidades franqueadas a um objeto que somente pode ser descrito quando não o abstraímos de seus contextos humano, social e ecológico. Surge a questão: “Por que a comunidade científica tem adotado amplamente O1 em vez de O? Lacey sugere quatro respostas e esta pergunta: (a) O recurso à metafísica materialista em longo prazo transforma O em O1; (b) A utilidade baconiana; (c) O recurso ao puro interesse nos resultados positivos da adoção de O1, combinado com a virtual certeza do sucesso posterior das práticas a ele vinculadas; (d) Adota-se O1 porque de fato não se conhecem meios alternativos viáveis para perseguir O. Podemos dizer que existe uma afinidade eletiva entre a ciência (que busca O1) e o controle baconiano, porém o interesse intelectual em satisfazer O1 pode ser distinto do interesse prático no controle baconiano, que busca a expansão da nossa capacidade de controlar a natureza. A satisfação do interesse intelectual em O1 favorecerá os interesses do controle baconiano, bem como a expansão das possibilidades do controle baconiano será severamente limitada se não for conformada pelas proposições teóricas, formuladas de acordo com O1. A afinidade eletiva existente entre O1 e o controle baconiano nos leva a repensar em novos termos e concepções de que a ciência é ou deveria ser livre de valores. O controle da natureza serve a um propósito, a interesses especiais, sendo assim o mesmo corresponde a um certo conjunto de valores cognitivos que motivaram seu desenvolvimento. Em uma análise da concepção de que a ciência é livre de valores, Lacey lança três teses: imparcialidade, neutralidade e autonomia. Para a imparcialidade a teoria apresenta um alto grau de valor cognitivo, à luz dos dados empíricos e de outras teorias aceitas, sem se importar em como se relaciona com outros valores, apesar de os valores sociais ocuparem um lugar importante e essencial na atividade científica. Ao adotar uma estratégia e efetivamente definir os tipos de fenômenos e as possibilidades que são consideradas interessantes os valores sociais se manifestam como parâmetros. A defesa da imparcialidade requer uma distinção de níveis: aquele das estratégias que é influenciado pelos valores sociais e aquele da escolha concreta das teorias que é influenciado pelos valores cognitivos. É o papel dos valores sociais no nível das estratégias que destrói a autonomia e a neutralidade. A neutralidade afirma que a teoria não se liga mais a um valor do que outro e em princípio pode ser aplicada a práticas pertinentes em
  • 3. qualquer cenário, independentemente da perspectiva de valor. A autonomia afirma que as teorias procedem melhor sem influência externa. Um exemplo da falta de neutralidade é a pesquisa com sementes híbridas. Da perspectiva de O1, a pesquisa seja sobre híbridos seja sobre variedades “puras” é igualmente científica, mas apenas um desses programas de pesquisa tem sido efetivamente levada adiante. Tais episódios ilustram como a neutralidade não é característica de boa parte da pesquisa sob a orientação de O1. De forma mais geral, as teorias são especialmente sintonizadas pêra serem aplicadas em projetos moldados pelos valores dialeticamente vinculados às estratégias de restrição e seleção pelas quais elas foram desenvolvidas. Pudemos observar porque adotar O1, mas porque não adotar O? A adoção de O conduz a uma abordagem interdisciplinar mais rica, mas também abre possibilidade de que necessitemos tratar certas questões de maneira que atravessem as fronteiras das disciplinas tradicionais. Lacey sugere que uma abordagem alternativa deveria ser outro objetivo, a saber: O2 – sintetizar (confiavelmente, em teorias racionalmente aceitáveis, ou em corpos de conhecimento sistematicamente organizados) as possibilidades acessíveis à interação humana com um domínio de objetos (no nosso exemplo, objetos com os quais se interage nas práticas agrícolas) que pudessem servir para intensificar a manifestação de valores da estabilidade social e ecológica e para descobrir meios de realização de algumas possibilidades até o momento não realizadas. Dentro de um determinado contexto, abordagens tais como O1 e O2 competem entre si, pois a pesquisa em qualquer uma das abordagens requer condições materiais e sociais que somente estarão disponíveis sob uma organização particular da sociedade. Além disso, a realização de uma classe de possibilidades pode impedir a realização de outras no mesmo lugar e ao mesmo tempo, tornando-se inviável o ideal de identificar todas as possibilidades da natureza ou todas possibilidades acessíveis à prática humana. Lacey acredita que qualquer abordagem que se mostre atualmente viável deve ao menos satisfazer O1, uma vez que as práticas de controle da natureza estão presentes em qualquer perspectiva de valor. Alguém poderia, então, adotar estratégias de restrição e seleção em virtude das relações quem mantém com os seus valores pessoais; as possibilidades que deseja sintetizar informam os seus projetos morais e sociais. Isso não significa que essa pessoa não leva em consideração teorias que não se ajustam àquelas estratégias porque acredita que esta sejam falsas, mas sim porque não se provêem maios para identificar as possibilidades de seu interesse. Portanto, a adoção de estratégias não estão somente vinculada dialeticamente aos valores, mas também está sujeita a restrições empíricas que se aplicam a longo prazo.