O documento resume um inquérito policial militar sobre um policial que disparou contra um civil, matando-o. Há indícios de que a reação do policial foi desproporcional e que ele violou protocolos ao não preservar a cena do crime. O promotor declina da competência da justiça militar e requer que o caso seja julgado na justiça comum, devido aos indícios de crime doloso contra a vida.
Protocolo Pisc Protocolo de Rede Intersetorial de Atenção à Pessoa Idosa em S...
Inquérito sobre disparos de PM que mataram civil
1. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporSILVANASCHMIDTVIEIRAEWILSONPAULOMENDONCANETO.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeo
processo08.2019.00203762-0eocódigo150A358.
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INQUÉRITO POLICIAL MILITAR N. 0005549-05.2019.8.24.0091
SIG N. 08.2019.00203762-0
EMENTA: Inquérito Policial Militar. Policial Militar que durante ocorrência realiza 6 disparos de arma de fogo causando a morte de civil.
Eventual delito contra a vida que refoge da competência da justiça militar. Elementos coletados que, por ora, não indicam extreme de
dúvida a ocorrência de qualquer descriminante legal. Circunstâncias da infração que não permitem afastar a incidência de eventual crime
contra a vida. Inteligência do art. 9º, parágrafo único do CPM e 125, § 4º da Constituição Federal. Declinação do processo e julgamento
do feito para à Comarca em que ocorreram os fatos para análise e processamento do feito.
Meritíssimo Juiz:
Trata-se de Inquérito Policial Militar instaurado para apurar a conduta
do Policial Militar Sd Guilherme Palhano que, durante ocorrência, no dia 18 de abril de
2019, por volta das 13 horas e 21 minutos, na Servidão Netuno n. 1.528, Ingleses, em
Florianópolis, teria efetuado disparos de arma de fogo contra Vitor Henrique Xavier da
Silva, que não resistiu aos ferimentos e entrou em óbito no local.
1Concluídas as investigações, a autoridade policial lançou relatório ,
remetendo o feito a este Juízo, dizendo não haver indícios suficientes de prática crime
militar, mas apenas transgressão disciplinar, entendendo que o caso está acobertado
pela excludente da legítima defesa putativa.
Conforme se apurou, na data dos fatos, a guarnição foi abordada por
populares que informaram que um masculino estava manuseando uma arma de fogo.
Após buscas pelo local, os policiais localizaram e verbalizaram com o jovem, mas Vítor
Henrique teria apontado a arma que portava em direção aos policiais, os quais revidaram
fatalmente a injusta agressão [p. 8 e 10/13].
Segundo a testemunha Vivian Silva dos Santos, seu irmão decidiu ir
para varanda da casa atirar com a arma de pressão e de repente ouviu cinco ou seis
tiros, deparando-se com dois policiais com uma balaclava, os quais pediram para ela se
afastar, ficar calma e que estava acionando o socorro [p. 23/25].
No mesmo norte, George Xavier da Silva contou que a vítima pegou a
arma de pressão e foi brincar na frente de casa, em um espaço que existe entre o portão
e a casa, sentado em um puff. Que ele e Vivian estavam no interior da casa fazendo
1 Vide relatório de p. 198/212.
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faxina quando ouviram cinco ou seis disparos e, ao verificarem, se depararam com
policiais que responderam 'este maluco foi apontar a arma pra guarnição'. Disse que
esclareceu que Vítor não era maluco, apenas tomava remédio para ansiedade e os
policiais estavam de balaclava [p. 35/37].
Por outro lado, o Policial Militar investigado relatou que verbalizou com
a vítima 'Polícia, larga a arma', mas Vítor não atendeu à ordem e apontou a arma em sua
direção, foi quando revidou com cinco disparos. Contou que apenas depois foi
constatado que se tratava de uma arma de brinquedo e colocou a balaclava depois dos
fatos devido à aglomeração de pessoas e para preservar sua identidade [p. 72/74], cujas
declarações foram corroboradas pelo PM Herberte Rezende da Silva [p. 76/78].
Acostou-se ao feito parecer médico legal [p. 83], laudo pericial
cadavérico [p. 85/92], laudo pericial em local de morte violenta [p. 93/110], informações
sobre o regulamento de uniformes da Corporação [p. 126/138] e diretrizes de ação
operacional [p. 139/155], diligências [p. 173/177] e fotografias da dinâmica no local do
crime [p. 213/233].
Ainda, destaca-se que, de acordo com os Laudos Periciais n.
9400.2019.2201 e 9100.19.001229, foram desferidos 6 projéteis [p. 96], tendo 4 atingido
a vítima [p. 85], o que demonstra desproporcionalidade de reação em face da
suposta ameaça, ao menos neste juízo de cognição sumária.
Isso porque, segundo apurado, os disparos ocorreram em uma
distância aproximada de 3 a 5 metros em um ângulo de 45 graus [p. 107 e 110].
Ressalta-se, por oportuno, que o local dos fatos foi isolado porém não estava
preservado [p. 93], o que aliás, viola frontalmente norma operacional da própria polícia
militar.
Em relação a preservação do local, extrai-se do Laudo Pericial n.
9100.19.001229:
"Quando da chegada da equipe pericial, o local estava isolado, mas não
preservado" [p. 93].
"[...] a arma de pressão que estaria com Vítor, não estava no local dos fatos,
sendo apresentada a esta equipe pericial, pela guarnição da Polícia Militar que
estava presente no local" [p. 95].
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"Da arma de pressão supostamente utilizada pela vítima. Conforme relatado
anteriormente, foi apresentada a este subscrevente, pelos policiais militares que
guarneciam o local, a arma que Vítor estaria portando. Ressalte-se que este
vestígio não estava no local examinado, mas de posse daqueles policiais" [p.
97].
"[...] A arma que estaria de posse da vítima não estava no local examinado,
sendo entregue por policiais militares que guarneciam o local" [p. 109].
"[...] para estimar a posição de um determinado atirador, é necessário que a
posição final dos estojos não seja alterada, sendo imprescindível para tal, que
haja a preservação do local do crime, a qual depende de seu isolamento. No
caso em tela, a despeito do isolamento, não há garantias da preservação dos
elementos de munição que restaram sobre a via pública. Além disso, há que se
considerar possível deslocamento do atirador no momento da ação" [p. 109].
Quanto ao suposto uso da balaclava pelo investigado durante a ação
policial, salienta-se que somente para efetivo do BOPE e Choque é lícito o uso de
acessório tipo balaclava e que existe proibição expressa do uso do item no uniforme do
PPT, conforme Portaria n. 146/Cmdo-G de 2010 [p. 127/128], o que também chama a
atenção, portanto, na sua atuação, neste momento.
Ademais, cabe ressaltar, sobre a legitima defesa putativa, o que
2lecionava Nelson Hungria , em seu livro Comentários ao Código Penal, de que "não há
defesa contra um periculum praesens, senão na fantasia do agente. (...) na legitima
defesa putativa o suposto agredido é o único agressor." Além disso, defendia o
jurista que "na legitima defesa putativa, a desnecessidade de qualquer defesa se
apresenta ab initio." (HUNGRIA, p.296).
No mesmo viés, Guilherme Nucci esclarece que a legítima defesa
putativa:
[...] trata-se da reação promovida contra agressão imaginária, que, pelas
circunstâncias fáticas, autorizam supor a hipótese de erro justificável. Constitui
descriminante putativa. Para o Código Penal, cuida-se de erro de tipo (art. 20, §
1º), porém, a maior parte da doutrina a considera erro de proibição indireto (art.
21), pois o agente atua com dolo, mesmo quando imagina defender-se da
3agressão fictícia. [Grifos nossos].
2 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 2ª Edição. Vol. 1 Tomo 2º. Rio de Janeiro:Editora
Revista Forense, 1953.
3 Disponível em: <http://www.guilhermenucci.com.br/dicas/legitima-defesa-putativa>. Acesso em: 7/6/2019.
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No caso em testilha, destarte, observa-se que existem circunstâncias
que não apontam para uma reação proporcional, a uma reação imaginária, notadamente
porque foram diversos tiros por policial que usava balaclava e era morador da
localidade, em situação que precisa ser melhor esclarecida sob o crivo do contraditório.
Nesse sentido, novamente sobre o tema da legítima defesa, Nelson
Hungria indica ser essencial a ideia de que ela deve ser praticada levando-se em conta a
moderação durante a ação, o que, a princípio, não parece ter ocorrido na situação em
tela. Assim, segundo o autor:
"(...) é requisito da legitima defesa a moderação no emprego dos meios
necessários à debelação do perigo, - o que vale dizer: a razoável proporção
apreciada in concreto, de modo relativo, entre o modus da reação e a
gravidade do perigo resultante da agressão" (HUNGRIA. p.290).
Assim, sem embargo da posição do ilustre encarregado e não obstante
a importância e se compreendendo a difícil e importante tarefa dos policiais militares em
zonas de risco, tem-se que, havendo indícios de crime doloso contra a vida é
precipitado acatar de plano a tese de legítima defesa putativa, devendo ela ser discutida,
se for o caso, em momento posterior pelo investigado. Aliás, é fato concreto que o
inquérito policial é o momento propício para se apurar o que aconteceu, e não justificar a
ação de quem quer que seja. Aliás, chama a atenção a "reprodução" feita pelo
encarregado, o qual não é perito.
Com efeito, a detida análise dos autos positiva que falece competência
a este juízo especializado para processamento do feito, pois havendo indicativo, em tese,
de crime doloso contra a vida, necessária sua verificação pelo juízo constitucionalmente
estabelecido – Tribunal do Júri, consoante o art. 125, § 4º da Constituição Federal.
Ademais, o parágrafo único do art. 9º do Código Repressivo Castrense
não cede espaço à dúvidas quanto a competência para processo e julgamento de
policiais militares nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, in verbis, “os
crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil,
será da competência da justiça comum”.
Sobre o tema, colhe-se recente decisão e. Tribunal de Justiça
Catarinense:
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CONFLITO DE JURISDIÇÃO ENTRE O JUÍZO DA JUSTIÇA MILITAR DA
COMARCA DA CAPITAL E O JUÍZO CRIMINAL DA COMARCA DE SÃO JOSÉ.
COMPETÊNCIA PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DE CRIMES
SUPOSTAMENTE PRATICADOS POR POLICIAIS MILITARES EM SERVIÇO.
ELEMENTOS INDICIÁRIOS COMPATÍVEIS, EM TESE, COM OS DELITOS DE
HOMICÍDIO TENTADO E DE ABUSO DE AUTORIDADE. PRÁTICAS
DELITIVAS CUJAS COMPETÊNCIAS DEVEM SER CINDIDAS. CRIME
DOLOSO CONTRA A VIDA DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.
EXEGESE DOS ARTS. 9º, § 1º, DO CÓDIGO PENAL MILITAR E 125, § 4º, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE QUE É DE
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA CASTRENSE. APLICAÇÃO DA LEI N. 13.491/17
QUE AMPLIOU A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. APLICAÇÃO DO
ART. 9º, INCISO II, ALÍNEA "E", DO DISPOSITIVO LEGAL. CISÃO DO
PROCESSO QUE É DE RIGOR. ART. 79, INCISO I, DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL. CONFLITO CONHECIDO E PROVIDO. 1. "Havendo
indícios no caderno investigativo de que policial militar, no exercício da
sua função, efetuou disparos contra civil, que veio a óbito, e existindo
elementos indiciários dando conta de que assumiu o risco de produzir o
resultado da sua conduta, a competência para processar e julgar eventual
ação penal é da justiça comum, ex vi do art. 125, § 4º, da Constituição
Federal" (TJSC, Conflito de Jurisdição n. 2011.004233-2, da Capital, rel. Des.
Sérgio Paladino, Segunda Câmara Criminal, j. 31.05.2011). 2. "Nos termos do
art. 125, § 4º, da CF/88, do art. 9º, parágrafo único, do Código Penal Militar
(Decreto-Lei n. 1001/1969) e do art. 82, caput e § 2º, do Código de Processo
Penal Militar, é competente a justiça comum para apurar o crime de homicídio
praticado por policial militar em serviço contra civil" (STJ, CC 149.195/SP, Rel.
Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 08.02.2017,
DJe 13.02.2017). (Conflito de Jurisdição n. 0000769-38.2018.8.24.0000, Des.
Ernani Guetten de Almeida, Terceira Câmara Criminal, j. 19-6-2018) – grifo
nosso.
Diante do quadro fático que ora se apresenta, requer o MINISTÉRIO
PÚBLICO a declinação da competência para processar e analisar o feito ao juízo da
Comarca da Capital. Depois de analisada a matéria pelo juízo natural do júri, não se
entendendo presente a ocorrência de crime doloso, caso se vislumbre a presença de
eventual excesso, ou sua ocorrência na modalidade culposa, então, que o feito
seja devolvido para análise pela Justiça Militar.
Florianópolis, 11 de junho de 2019.
WILSON PAULO MENDONÇA NETO
PROMOTOR DE JUSTIÇA
[assinatura digital]
SILVANA SCHMIDT VIEIRA
PROMOTORA DE JUSTIÇA
[assinatura digital]