Problema de poluição no rio Almonda arrasta-se há décadas
1. 24 | LOCAL | PÚBLICO,DOM12JUL2015
PoluiçãonoAlmonda,umproblema
desaúdepúblicasemfimàvista
A história da poluição no rio Almon-
da parece longe do fim. Há 30 anos
que as descargas ilegais de esgotos e
efluentes industriais não-tratados no
rio ou nos seus afluentes se sucedem,
às escondidas ou à luz do dia, sem
que as autoridades consigam pôr fim
a esta catástrofe ambiental.
Nem os dez milhões de euros re-
centemente investidos na requalifi-
cação de algumas estações de trata-
mento de águas residuais (ETAR) do
concelho de Torres Novas, que o rio
atravessa, resolveram o problema.
Pelo contrário, este até se agravou
nos últimos meses.
Nas ribeiras da Serradinha e da
Boa Água, que atravessam canaviais
e silvados e desaguam na segunda
metade do Almonda, na zona in-
dustrial do concelho, a água corre
castanha, nalguns sítios esverdeada,
noutros em tons de vermelho, mas
sempre oleosa e com um cheiro nau-
seabundo. No leito escuro e enlame-
ado não há vestígios de flora e muito
menos de peixes, que têm morrido
aos milhares nos últimos anos, se-
gundo relatos da imprensa local.
“Antigamente, as ribeiras levavam
água no Inverno mas secavam no Ve-
rão. Agora, há 20 e tal anos que não
secam”, diz quem vive paredes meias
com a Serradinha e já perdeu a conta
às descargas ilegais que denunciou
às autoridades — foram tantas que
agora prefere não dar o nome, para
evitar represálias.
“É constantemente”, continua. As
laranjeiras plantadas junto à ribeira
secaram, o milho só não seca por-
que é regado com a água do poço,
garante o homem. Mas não faltam,
ao longo das margens do Almonda,
desde a zona industrial até à frontei-
ra com o concelho da Golegã (onde
acaba por desaguar no Tejo), moto-
res a puxarem a água poluída do rio
para regarem os campos de milho,
tomates, alfaces ou melancias.
“Temos aqui um problema de saú-
de pública”, alerta António Gomes,
deputado do Bloco de Esquerda (BE)
na Assembleia Municipal de Torres
Novas. “A situação nunca foi boa,
mas pode dizer-se que recuámos al-
gumas dezenas de anos” nos últimos
meses, considera. Em causa estão as
alterações introduzidas nas ETAR do
concelho, que aumentaram as exi-
gências no que toca à qualidade dos
efluentes industriais recebidos para
tratamento nas estações. “As fábricas
têm que fazer o pré-tratamento das
suas águas residuais, mas muitas não
o fazem”, afirma António Gomes. A
alternativa é fácil de adivinhar.
A Águas do Ribatejo (AR), empresa
de capitais públicos que gere os sis-
temas de saneamento de águas resi-
duais em sete concelhos ribatejanos,
incluindo Torres Novas, explica que
as obras concluídas no início do ano
permitiram substituir equipamentos
que estavam “obsoletos” e instalar
“processos de tratamento de esgotos
adequados às novas exigências de
protecção ambiental” e “mais efi-
cientes em termos de redução da
poluição”.
Falta de fiscalização
Os esgotos industriais apenas são
recebidos nas ETAR se cumprirem
os valores máximos de carga poluen-
te definidos pela Águas do Ribate-
jo, que faz o controlo regularmente.
“Cada indústria é analisada separa-
damente e, cumprindo-se os requi-
sitos, a AR emite uma autorização de
ligação e descarga”, relata um repre-
sentante da empresa, acrescentando
que “em caso de incumprimento das
condições impostas, [os ramais] são
desactivados (tapados)”. Quantos ra-
mais foram tapados após as obras? A
informação é confidencial, responde
a empresa.
“As novas ETAR não são o pro-
blema, mas sim a solução”, afirma
o presidente da Câmara de Torres
Novas, Pedro Pereira (PS). Para ele
o problema está na falta de fiscali-
zação eficaz, agravada pela falta de
meios das autoridades. Por exemplo,
o Serviço de Protecção da Natureza
(Sepna) da GNR tem apenas cinco
agentes destacados para todo o dis-
trito de Santarém.
“Há alguns anos que as entidades
que tutelam esta matéria sabem [do
problema] mas têm permitido abu-
Problema arrasta-se há décadas, à vista
de todos, mas ninguém conseguiu
ainda parar as descargas ilegais.
A água do rio contaminada é usada para
rega de plantações agrícolas
Meio-ambiente
MarisaSoares
sos”, lamenta Pedro Pereira, pedin-
do uma “articulação mais estreita”
entre as entidades com poder para
sancionar os prevaricadores. “Doa
a quem doer.” É isso que promete
transmitir na quarta-feira aos repre-
sentantes da Agência Portuguesa
do Ambiente (APA), do Instituto de
Conservação da Natureza e Florestas
(ICNF) e do Serviço de Protecção da
Natureza da GNR, com os quais irá
reunir-se à procura de soluções.
Voluntários limpam o rio
Pedro Pereira garante que estão iden-
tificados “vários pontos de descarga”
ilegal no concelho, alguns “escondi-
dos debaixo da terra e a atirar para o
rio”, e que muitos deram já origem a
processos de contra-ordenação, mas
ressalva que a câmara “só pode ir
até determinado patamar”, apelan-
do: “Peço aos torrejanos que sejam
vigilantes.”
A população tem-se desdobra-
do em iniciativas de protesto e há
mesmo quem se tenha posto a ca-
minho à procura dos prevaricado-
res, investigando por conta própria
e denunciando os casos nas redes
sociais e através de vídeos publica-
dos no YouTube. Grupos de volun-
tários juntaram-se até, nos últimos
dias, para limpar as margens dos
afluentes e para alertarem as auto-
ridades caso suspeitem de novas
descargas.
Desde o início do ano, o Sepna le-
“Antigamente, as
ribeiras levavam
água no Inverno
mas secavam no
Verão. Agora, há
20 e tal anos que
não secam”, diz
quem ali vive e já
perdeu a conta às
descargas ilegais
que denunciou