O documento descreve a poluição do rio Almonda em Portugal. Muitas empresas instaladas ao longo do rio têm descarregado resíduos ilegalmente, contaminando a água e matando a vida aquática. As autoridades identificaram algumas empresas poluidoras, mas pouco têm feito para fiscalizar e sancionar as infrações ou limpar as áreas contaminadas.
1. PÚBLICO,DOM12JUL2015 | LOCAL | 25
vantou quatro autos de notícia no
concelho, o último dos quais no final
de Junho, por contra-ordenação am-
biental “muito grave”, relativo a uma
descarga no meio hídrico de resídu-
os de óleos alimentares, transporta-
dos num camião-cisterna.
O PÚBLICO questionou a APA so-
bre os resultados da fiscalização feita
às empresas identificadas e pergun-
tou que medidas serão tomadas para
impedir e sancionar estas descargas
ilegais, mas não obteve resposta.
Em Setembro de 2014, responden-
do a perguntas do BE, o Ministério
do Ambiente dizia estar “a acom-
panhar e a intervir com vista à me-
lhoria da qualidade da água do rio
Almonda”. Explicava que têm sido
feitas “diversas acções de fiscaliza-
ção e de inspecção das principais
fontes de poluição”, identificando
as empresas que são mais frequente-
mente mencionadas pela população
como autoras das descargas e enu-
merava alguns resultados.
Sobre a Fabrióleo, por exemplo,
cujas instalações de produção de
óleos alimentares estão situadas
há cerca de 30 anos junto ao local
onde nasce a ribeira da Serradinha,
perto da aldeia de Carreiro da Areia,
o ministério refere que a empresa
possui uma ETAR e tem licença de
descarga no meio hídrico, com au-
tocontrolo quinzenal para diversos
parâmetros. “Segundo a APA, os va-
lores do autocontrolo cumprem os
A cor do rio Almonda vai do
branco-leitoso ao esverdeado
e ao vermelho-sujo. As águas
transparentes é que não se
vêem e, muito menos, no Verão.
Os peixes também não, excepto
os mortos, e o cheiro em redor é
simplesmente pestilento
FOTOS: MIGUEL MANSO
valores-limite de emissão, cumpri-
mento esse que se mantém desde a
emissão da referida licença”, refere
a tutela.
Contactada pelo PÚBLICO, a di-
recção da empresa negou generica-
mente quaisquer culpas no estado
do Almonda e dos seus afluentes,
atribuindo a terceiros não-identi-
ficados a responsabilidade pelas
descargas feitas nas proximidades
das suas instalações. Por escrito, a
empresa disse não estar disponível
para prestar declarações, por estar
em curso um processo judicial sobre
este assunto.
A respeito da Componatura,
empresa que recebe resíduos or-
gânicos e produz composto — tem
actualmente armazenadas 20 mil
toneladas a céu aberto num terre-
no sobranceiro à pequena ribeira
da Serradinha, na variante do Bom
Amor, perto de Meia Via —, diz o
ministério que uma fiscalização da
APA, em Abril de 2012, não encon-
trou escorrências para o solo ou para
o meio hídrico. “As águas residuais
industriais desta empresa são en-
caminhadas para reservatórios es-
tanques”, em “cumprimento com a
legislação ambiental”, continua.
Em respostas ao PÚBLICO, por
email, a direcção da Componatura
sublinha que o composto que pro-
duz, acumulado numa enorme pi-
lha que mais parece uma montanha
de lama, próxima da estrada e de
uma habitação, “está completamen-
te maturado e, por consequência,
estabilizado”, “não havendo, por
isso, qualquer risco de lixiviação/
contaminação”. Sobre as queixas
relacionadas com o odor insupor-
tável nas redondezas, a empresa
diz estar “consciente do transtorno
causado à população” e adianta que
está a construir uma unidade de tra-
tamento anaeróbio no Ecoparque
do Relvão, na Chamusca, para onde
deverá transferir os resíduos.
Mas a lista de empresas alegada-
mente responsáveis pelas descargas
poluidoras é extensa: um documen-
to datado de Junho deste ano, cujos
autores são desconhecidos, mas que
apresenta dados consistentes, e ao
qual o PÚBLICO teve acesso, enu-
mera de forma pormenorizada 40
empresas sediadas em Torres Novas
e em concelhos vizinhos.
“Torres Novas tem uma localiza-
ção privilegiada para grandes su-
perfícies e indústrias, que se foram
instalando nas últimas décadas, e
muitas poderão ser potenciais po-
luidoras do Almonda”, admite o pre-
sidente da câmara.
Emprego não pode ser álibi
O seu congénere do vizinho conce-
lho da Golegã, Rui Medinas (PS), põe
o dedo na ferida: “Não pode haver
uma abordagem permissiva em re-
lação a estas empresas só porque
estão em causa postos de trabalho.
Acredito que é isso que tem sido fei-
to.” Para o autarca, “é preciso ir mais
além na fiscalização, no licenciamen-
to industrial e na eventual retirada
da licença de funcionamento, se
houver prática reiterada de crimes
ambientais”.
O Almonda, que nasce na serra de
Aire, já entra poluído na Golegã e
chega assim à foz, no Tejo. “Estamos
a fazer um investimento de um mi-
lhão de euros na margem ribeirinha
da freguesia da Azinhaga”, afirma
Rui Medinas, sublinhando que, se
a poluição continuar, será dinheiro
deitado fora.
O rio atravessa a fronteira entre
os dois concelhos na zona do Paul
do Boquilobo, reserva natural e a
primeira em Portugal a ser classi-
ficada pela UNESCO como reserva
da Biosfera, em 1981. Quando chega
a esta área protegida, o Almonda é
uma massa de água pestilenta, ole-
osa, verde e esbranquiçada.
“Os peixitos, aqui, morrem to-
dos”, atesta Francisco, 54 anos, qua-
se todos passados a guardar ovelhas.
Tem a seu cargo 320 animais, que
andam todos os dias pelos caminhos
da reserva, e não precisa de análises
para saber que o estado do rio não é
bom. “É de uma fábrica, eles man-
dam aquilo de noite, de manhã é um
pivete”, descreve. Mas a indústria
não é a única culpada.
Até às obras feitas este ano, a ETAR
da freguesia de Riachos (Torres No-
vas) era outra das grandes poluido-
ras do Almonda. Agora, a estação
descarrega os efluentes no rio após
o tratamento, mas antes a descarga
era feita nas valas das Cordas e do
Pereiro, próximas do paul, sem o de-
vido tratamento. O resultado é um
passivo ambiental estimado em 7120
toneladas de lamas contaminadas ao
longo de mais de seis quilómetros.
Segundo um estudo pedido pela
Câmara de Torres Novas, parte da
lama — 2286 toneladas — poderá ser
desidratada no local e, eventualmen-
te, espalhada em campos agrícolas.
A restante terá que ser removida
para um local próprio, um proces-
so que está em estudo com os con-
celhos vizinhos do Entroncamento
(onde começa a vala do Pereiro) e da
Golegã (onde desagua a vala das Cor-
das). “Estamos a desenvolver uma
candidatura para obter fundos para
a remoção do passivo ambiental”,
diz Rui Medinas.
O PÚBLICO questionou o ICNF
sobre o impacto da poluição do rio
na qualidade ambiental do Paul do
Boquilobo, mas não obteve qualquer
resposta. Esta área protegida alberga
uma importante colónia de garças e
de colhereiros e recebe outras espé-
cies migradoras, algumas raras em
Portugal e na Europa. “Não podemos
correr o risco de esse santuário am-
biental se transformar noutra coisa
qualquer”, defende Pedro Pereira.
Na resposta que deu ao BE em Se-
tembro do ano passado, o Ministério
do Ambiente confirma a “existên-
cia de contaminação” no Almonda,
comprovada pelas análises mais re-
centes, e diz que vai “manter e re-
forçar a actuação no terreno para
a protecção desta massa de água,
considerada prioritária”. No terre-
no, porém, ninguém parece estar a
actuar.