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Texto A
Sophia e a palavra
A revista Noesis entrevistou Sophia de Mello Breyner Andresen e quis saber como se
tornou escritora.
Noesis: Tem memória dos seus primeiros versos? Lembra-se de onde e quando os escreveu?
Sophia: Como tive a sorte de, na minha infância, antes de eu saber ler, me ensinarem a
memorizar alguns poemas de Camões e de outros poetas portugueses, comecei cedo a tentar
escrever. Até me lembro de fazer poesias com palavras inventadas por mim. Comecei a
escrever poemas, teria eu catorze anos, numa noite de primavera em que todas as rosas
vermelhas da roseira que cobria o muro do meu jardim estavam em flor.
Noesis: Quando era pequena, foi à escola ou aprendeu em casa? Como foi?
Sophia: Estudei no Colégio do Sagrado Coração de Jesus, no Porto. Foi para mim um colégio
maravilhoso, onde me sentia feliz e livre e onde tinha ótimas professoras.
Noesis: Escreveu vários contos para crianças, dedicados a cada um dos seus cinco filhos.
Foram contos da sua infância que mais tarde recontou?
Sophia: Uns sim, outros não. A Menina do Mar, por exemplo, foi inspirado por um conto que a
minha mãe me contava à noite, quando vivíamos na casa do mar. Ela contou-me que havia
uma menina pequenina que vivia nas rochas. Não contou muito mais. Eu teria nessa altura
cinco anos. Quando, muitos anos mais tarde, os meus filhos tiveram sarampo, depois de eu ter
contado todas as histórias que sabia, comecei a ler uns livros que lhes tinham dado, mas a
linguagem era tão sentimental e irritante que lhes comecei a contar a história da menina do
mar. Ia inventando à medida que contava e eles ajudavam-me a inventar: perguntavam-me,
por exemplo, o que é que fazia o peixe e eu tinha de explicar. E foi uma tia minha que me
contou a história que deu origem ao conto O Cavaleiro da Dinamarca. No livro intitulado A
Árvore há duas histórias japonesas: uma é inspirada num conto japonês que li na minha
infância e a outra é inspirada numa história que me contou o escritor japonês Isao Tesuko.
«Sophia e a Palavra», in Noesis, n.º 26, março-maio de 1993, pp. 50-51 (adaptado)

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