2. e você perguntar para um número
grande de pessoas sobre o que elas
acham de revistas em quadrinhos
ou gibis, provavelmente a maioria delas po-
derá dizer que é legal, divertido, um jeito de
passar o tempo ou talvez que isso seja ape-
nas coisa de criança. Algumas poderão citar
a Turma da Mônica, revistas do Tio Pati-
nhas, Pato Donald ou até a legendária Tur-
ma do Arrepio na tentativa de mostrar um
certo conhecimento do assunto.
Sem dúvida os gibis citados acima foram
e ainda são referência para muitas pessoas.
Alguns pais e professores ainda incentivam
esses gibis para crianças como forma de es-
timular a leitura. Mas, o que poucas pessoas
realmente sabem, é que histórias em qua-
drinhos também são uma forma de expres-
são libertária, crítica e de questionamentos a
sociedade, traçando um paralelo entre arte,
cultura e comunicação.
Não pense que estamos falando de per-
sonagens em histórias comuns de super-he-
róis uniformizados, combatentes do crime
com o ideal de justiça embutidos em suas
ações. Nossos personagens desta edição de
Outras Ideias são muito mais reais do que
se pode imaginar. Eles vivem em um mundo
conturbado, o mal e o bem praticamente se
tornam a mesma coisa (dependendo muito do
ponto de vista de cada um). Os personagens
são mergulhados no caos de políticas sem
escrúpulos, governos autoritários e ameaças
de guerras nucleares. Heróis sentem medo,
dor e muitas vezes parecem perder a espe-
rança. Ou seja, qualquer semelhança com a
realidade não é mera coincidência.
3. Maurício
Martins
Talita
Rocha
Roberta
Rodrigues
Revista Outras Idéias é uma publicação para o PIC – Projeto Integrado de Comunicação da
Universidade Paulista, Campus Norte de São Paulo. Projeto realizado pelos universitários do
3º ano do curso de Jornalismo de 2007. Universidade Paulista; Reitor: Profº Dr. João Carlos Di
Genio; Coodenador Geral do Curso de Jornalismo: Profº Fernando Perillo; Coodenador do
Campus Norte: José Alves Trigo; Coordenador do PIC: Eduardo Rocha. Repórteres: Maurício
Martins; Talita Rocha; José Honorato; Roberta Rodrigues. Diagramação: Maurício Martins. Todos
os textos assinados são de responsabilidade de seus respectivos autores. Todas as imagens sem
créditos foram reproduzidas unicamente no uso do âmbito universitário, no sentido de ilustrar e
divulgar informação, sem fins comerciais. Respeito ao direito autoral. Tenha uma boa leitura!
Charlie
Brown:
jamais
con-
seguiu
fazer
voar
uma
pipa
porque
todas
enganchavam
em
alguma
árvore.
Mafalda:
dona
de
uma
incrí-
vel
sagacidade
é
a
menina
mais
crítica
das
HQs.
Ouve
sempre
as
notícias
do
jornal.
Valentina:
sensualidade,
de-
vaneios
oníricos
e
referências
à
Art
Nouveau.
Erotismo
e
arte
se
misturam.
Coringa:
psicótico,
niilista,
irônico
e
sem
escrúpulos.
Um
gênio
frio
e
louco,
o
vilão
máximo
das
HQs.
NÚMERO 01 - NOVEMBRO DE 2007
José
Honorato
04 GIBIGRAFIA
05 OUTRAS IDEIAS
11 VIAE-MAIL
14 CONTROVÉRSIAS
18 MAIS IDEIAS
20 MONOCROMÁTICO
PÁGINA
07
Selecionamos algumas das princi-
pais HQs (histórias em quadrinhos)
para você, literalmente, ter outras ideias na
cabeça. Temos certeza de que um novo universo
vai se abrir em sua mente.
Arte e contestação: histórias em quadrinhos como
ferramentas para liberdade de expressão. Leitu-
ra essencial para pessoas com outras ideias na
cabeça.
Uma entrevista com o jornalista e crítico de quadri-
nhos Érico Assis. Um bate papo muito interessan-
te sobre o mundo das HQs com um cara especia-
lista no assunto.
Você acha caricatura engraçado? Pois bem, algu-
mas podem até ser, mas outras geram verdadeira
guerra e discussão. Conheça as caricaturas que
causaram incômodo pelo mundo.
Humor e reflexão em tiras de jornal. Uma forma
diária de brincar com o conservadorismo de uma
sociedade ao mesmo tempo que se faz críticas de
maneira simples em espaços curtos.
Uma pessoa cheia de defeitos, uma vida comum,
o chato e o monótomo retratados em suas particu-
laridades mais sutis. Conheça o anti-herói Harvey
Pekar e sua revista American Splendor que faz da
rotina uma verdadeira arte do underground.
PÁGINA
20
PÁGINA
14
PÁGINA
04
Conheça algumas
histórias de carica-
turas que geraram
guerras, confusão
e até mortes pelo
mundo
Gibigrafia bá-
sica para você
ficar por dentro
das principais
obras que
reiventaram a
concepção de
histórias em
quadrinhos
American Splendor: o coti-
diano de uma vida comum
retratado de forma brilhante
por Harvey Pekar
A liberdade de expressão
levada de maneira excep-
cional em histórias em
quadrinhos
CAPA:
Arte
de
Alex
Ross
4. Outras Idéias Nº 01
Vai começar a ler quadrinhos? Bom pra
você. Mas antes de ter dor de cabeça
pensando por onde começar, confira
nossa gibigrafia básica pra você já
partir do mais interessante e entender
melhor as próximas páginas.
Poderia ser a simples história do dete-
tive mascarado Danny Colt, um herói
sem superpoderes que protege os habi-
tantes da cidade fictícia de Central City,
não fosse pelo fato de ser uma criação
de Will Eisner. Em Spirit, Eisner produz
um estilo cinematográfico, que utiliza
sombras e diferentes ângulos de visão.
Mais tarde Spirit serviu de pano de
fundo para outras histórias, entre elas a
aclamada Um Contrato com Deus.
The Spirit
Em uma história que trata de realidade
virtual, indução de memória, troca de
corpos e universos paralelos, algo co-
mum não fosse o fato de tudo isso ter
saído da cabeça do velho Alan Moore.
Miracleman
É considerada uma das respon-
sáveis por despertar o interes-
se do público adulto para os
quadrinhos. Aparece na lista dos
100 melhores romances eleitos
pela revista Time.
Watchmen
Neil Gaiman recriou Sandman e transfor-
mou Morpheus, Deus do sonho, perso-
nagem de ambientes ambíguos lidando
com sua própria angústia. Carregada
com diferentes elementos da literatura,
Sandman é considerada a responsável
pelo interesse do público feminino por
quadrinhos.
Sandman
Violenta e com extrema carga polí-
tica. Os fatos narrados são emo-
cionantes. Destaque para a visão
de uma onda derrubando o World
Trade Center, praticamente uma
profecia no melhor estilo Nostrada-
mus.
Authority
O maior ícone americano, Tio
Sam, é retratado como um
mendigo bêbado. É uma das
criticas mais pesadas já feitas
à sociedade americana através
de uma HQ.
Uncle Sam
Outras que
valeapenaler:
Batman -
Cavaleiro das Trevas
Orquídea Negra
V de Vingança
Demolidor -
A queda de Murdock
Marvels
Calvin
Maus
Elektra Assassina
5. novembro/ 2007
Quadrinhos é coisa de criança, certo? Errado!! Muitos podem ser con-
testadores, políticos e libertários. As obras a seguir mudaram o modo
de ver as coisas e levaram para as suas páginas o comportamento
humano, críticaram a política, falaram sobre ciência e história. Defini-
tivamente, foram mais do que palavras e imagens jogados no papel.
uem vigia os vigilantes?
Essa é uma das perguntas
da minissérie em quadri-
nhos Watchmen, eleita pela revista
Time uma das 100 principais obras
do último século. Mas esse não é o
fato mais importante.
Watchmen
(que significa
vigilante) é
responsável
por reinventar
o conceito de
quadrinhos de
super-heróis
e introduzir
um novo tipo
de linguagem,
misturando ci-
ência e política
em gibis.
A minissérie,
em um simples
resumo, ques-
tiona como seria o mundo se he-
róis realmente existissem, e como
o mundo reagiria a esses heróis.
Criada por Alan Moore e Dave Gi-
bbons, escritor e desenhista, Wa-
tchmen traz em seus personagens
uma carga psicológica e emocional
muito grande, mostra um mundo
sob o medo de uma iminente guer-
ra nuclear e trata de modo sério e
crítico alguns problemas políticos e
sociais.
Mesmo com
os heróis exis-
tindo nessa
realidade de
Watchmen, o
mundo não
está nenhum
pouco melhor,
pelo contrário.
Policiais e ci-
vis fazem ma-
nifestações
contra a ativi-
dade desses
vigilantes ao
mesmo tem-
po em que
os mesmos são usados e per-
seguidos pela mídia, envolvidos em
intrigas políticas e guerras. Esses
heróis perdem sua credibilidade e
ficam afastados de suas ações.
Alguns paradigmas são quebra-
dos em Watchmen como o fato
Por Maurício Martins e José Honorato*
Como seria o mundo
se realmente existis-
sem heróis? Com essa
introdução, Watchmen
transporta seus leito-
res para uma narrativa
sem igual. Ela trouxe
reflexão sobre políti-
ca, ciência e literatura
para as HQs. Com mui-
tas referências visuais,
ela mostra um mundo
dominado pelo medo
de um ataque nuclear
e heróis reais cheios
de traumas, crises,
angústias e contradi-
ções.
6. Em Maus os judeos são mostrados como ratos, alemães como gatos e americanos
como cachorros, nem por isso ela é menos cruel, gritante ou deixa de incomodar
de mostrar pessoas comuns
agindo com fantasias pelas ruas,
mas diferenciadas do restante da
humanidade, com todos os seus
problemas e traumas, todos os
seus anseios e
vaidades junta-
mente com suas
c o n t r a d i ç õ e s .
Elevada ao nível
de obra literária,
Watchmen trata de
assuntos como re-
latividade, sistemas
caóticos, metafísi-
ca e componentes
subatômicos, tudo
combinado de forma
perfeita com sua his-
tória e personagens.
Sua importância
se mantém tão atual quanto seu
lançamento, em 1988, pois sua
complexidade traz elementos inte-
ressantes e muitos deles cobertos
de simbologias em sua narrativa.
Sua história é contada sob diver-
sos pontos de vista de seus per-
sonagens, levando o leitor ter per-
cepções diferentes de um mesmo
acontecimento.
Watchmen é uma série que
precisa ser lida várias vezes, mas
isso acaba sendo
um prazer. Ela pode
ser encontrada em
qualquer boa livra-
ria ou em lojas es-
pecializadas. Seu
relançamento em
quatro edições,
pela editora Via
Lettera, possibi-
lita ter em mãos
uma das obras
essenciais de
nossa história.
Maus: A
história de um sobrevivente.
A segunda guerra mundial já
foi contada de várias formas e ma-
neiras, tanto por livros, documen-
tários, revistas, séries e cinema.
Praticamente todo mundo,
No geral, história em quadri-
nhos é uma forma de utilizar
texto e imagem com o objetivo
de narrar histórias dos mais va-
riados temas. Seu nome varia
de acordo com cada país. Nos
Estados Unidos, por exemplo,
são conhecidas como comics.
Na França como bande dessi-
née, fumetti na Itália, tebeos
na Espanha, historietas na Ar-
gentina, muñequitos em Cuba
e mangás no Japão. No final é
tudo quadrinho ou HQ.
Comics Book: Expressão de
origem inglesa, que traduzida
significa algo no sentido de livros
cômicos. É utilizada para classi-
ficar as histórias em quadrinhos
desenhadas e produzidas nos
Estados Unidos.
Grafic Novel: Define quadrinhos
que geralmente trazem histórias
adultas. Na grafic novel diferen-
te das comics book, os roteiros
são longos e complexos, trazem
temáticas que podem ser polê-
micas ou ligadas a literatura. Por
esse motivo é comum associar
uma história de grafic novel ao
mundo real.
Prêmio Kirby: O prêmio Jack
Kirby Awards (ou simplesmente
Kirby Awards), surgiu em 85, com
o patrocínio da revista especiali-
zada em heróis, Amazing Heroes.
Seu nome era uma homenagem
ao desenhista de HQ Jack Kirby.
A premiação durou até 88 quan-
do foi substituída pelos prêmios
Harvey (em homenagem ao autor
Harvey Kurtzman) e Will Eisner.
Prêmio Will Eisner: Criado em
1988, seu nacimento surgiu como
um tributo a Will Eisner, um dos
quadrinhistas mais importan-
tes da história. O prêmio Eisner,
como é mais conhecido, é con-
cedido ao uma HQ pelo conjunto
da obra e hoje funciona como um
sucessor do prêmio Kirby.
7. novembro/ 2007
de um modo ou de outro, ouviu
falar dos horrores praticados em
campos de concentração nazistas
e da crueldade do regime político
de Hitler. No entanto, essa história
jamais tinha sido contada em qua-
drinhos até o momento em que Art
Spiegelman apresentou ao mundo a
sua obra Maus, a grafic novel defini-
tiva sobre o holocausto.
Maus é sem dúvida uma histó-
ria para leitores de estômago forte.
Spiegelman traz um impressionante
relato da história de seu pai, um so-
brevivente do holocausto, que prati-
camente passou pelo inferno graças
a uma incrível sorte e inteligência.
Mesmo assim, o protagonista dessa
história não é visto como um herói,
pois sua personalidade é apresen-
tada como uma pessoa mesquinha,
avarenta e racista, mas dotado de
grande intuição e perspicácia.
A forma que a história é narrada
chega a ser simples: um senhor de
idade que narra ao filho os horrores
da guerra pela qual passou. Mas ela
é uma biografia e sua riqueza de de-
talhes traz uma grande qualidade à
obra. São muitos os fatos cruéis e
incômodos de suas páginas a ponto
de ser tornarem gritante em muitas
ocasiões. Toda a angústia, dor,
medo e horror de homens, mu-
lheres e crianças são marcantes
diante de uma busca por sobre-
vivência em meio a uma única
esperança, mas presos no lugar
onde a única certeza era a mor-
te.
Mas onde entra a liberda-
de de expressão? Simples. Em
Maus seus personagens não são
humanos. Os judeus são retra-
tados como ratos, os alemães
como gatos, americanos como
cachorros e poloneses como
porcos. Uma metáfora chocan-
te com a vida, ao mesmo tempo
uma crítica nenhum pouco sutil.
Uma história impossível de ser
contada em outro formato se não
em uma história em quadrinhos,
chega a ultrapassar a “imagina-
ção artística”. Maus é uma obra
poderosa e seu autor ganhou um
prêmio Pulitzer especial por ela.
Foi relançada no Brasil com
sua história completa pela edito-
ra Cia. das Letras.
V de Vingança
Lembra-se que falamos do
Muitos consideram o melhor es-
critor de quadrinhos de todos os
tempos. Também, diga-se de
passagem, não é para menos.
Podemos dizer que Alan Moore
é responsável pela reviravolta na
concepção de quadrinhos adul-
tos e por elevar as HQs ao con-
ceituado título de obras literárias.
Algumas delas como Watchmen,
V de Vingança, Miracleman,
From Hell e Monstro do Pân-
tano, todas de sua autoria, são
consideradas verdadeiras obras
de arte. Para ter uma idéia do
impacto de suas obras, Watch-
men, obra que reinventa o mun-
do dos super-heróis, foi eleita
pela revista Time como um dos
100 romances mais importantes
do século XX. Este verdadeiro
mago dos quadrinhos, como é
conhecido, é o filho mais velho
de um empregado de cervejaria
e de uma tipógrafa. A infância
e adolescência de Moore foram
conturbadas pela pobreza da fa-
mília, foi expulso de uma escola
secundária e não foi aceito em
mais nenhum outro lugar. Com
18 anos, estava desempregado
e sem nenhuma formação pro-
fissional quando começou a tra-
balhar na revista Embryo. Desde
então, este autor britânico nunca
mais parou de escrever.
Mas quem diabos
é Alan Moore?
divulgação
V de Vingan-
ça retrata
uma Inglater-
ra fria, onde
os direitos
civis foram
extintos
8. Unido, com sua conservadora pri-
meira-ministra Margareth Thatcher,
conhecida como A Dama de Ferro,
com as mazelas que atormentavam
o país. Em V de Vingança, Alan
Moore reinventa mais uma vez as
histórias de heróis e tira do lugar
comum as nar-
rativas que
sempre se passavam nos EUA,
seu mercado editorial dominante.
A obra se destaca pelo seu
grande embate ideológico e arte
gráfica. Seus elementos dispostos
nas páginas formam uma relação
muito profunda com seus persona-
gens. É possível notar nos detalhes
de prateleiras e muros os títulos
como Dom Quixote (Cervantes), O
capital (de Marx), Mein Kampf (de
Hitler), entre outros. O uso de sim-
bologias para narrar V de Vingança
também existe neste trabalho de
Alan Moore, basta procurar. Essa
obra é um excelente drama político
para pessoas que gostam de deba-
tes sobre liberdade e direitos civis.
A editora Panini relançou V de
Vingança no ano passado em edi-
ção completa e encadernada. Bas-
ta procurar em qualquer loja espe-
cializada no assunto para que seja
possível encontrá-la.
The Authority
“Bandido bom é bandido
morto!”, assim pode se resumi-
da essa HQ nenhum pouco con-
vencional que gerou sucesso e
polemica nos EUA. As histórias
ganham um grande destaque por
serem politicamente incorretas e
por abordarem temas nunca an-
tes mostrados nos quadrinhos.
O seu criador, Warren Ellis,
possui uma filosofia simples: se
super-heróis não querem mudar
o mundo, pra que diabos eles ser-
vem? Foi nesse sentido que sur-
giu Authority, uma super equipe
que busca eliminar com a maior
rapidez possível seus inimigos,
que podem ser terroristas, inva-
sores espaciais ou até o próprio
governo americano. Eles não
se preocupam em matar uma
legião de oponentes e arriscar
a vida de inocentes. Na verda-
de, eles querem é que... Bem, o
resto você pode imaginar. Tudo
acaba sendo válido para o grupo
resolver problemas que possam
trazer riscos a humanidade e tor-
nar o mundo um lugar melhor de
se viver.
Alguns de seus personagens
são realmente interessantes, en-
tre eles estão Apollo e Meia-Noite,
inspirados na maior cara de pau
em Batman e Super-Homem. Sua
diferença é que os dois mantêm
um relacionamento homossexual
há anos, muito apaixonado, diga-
se de passagem. E embora mos-
trado de forma discreta no início
da série, acabou se tornando ób-
vio para os leitores ao longo dos
meses. Entidades religiosas, por
conta desse motivo, acusaram a
revista de querer influenciar
Outras Ideias Nº 01
Acima: A capa de V de Vingança, es-
crita por Alan Moore. Obra de conteúdo
literário e político.
escritor Alan Moore em Wa-
tchmen? Pois bem, olha ele aqui
de novo, mas dessa vez com o
desenhista David Lioyd para criar
outra obra prima do mundo das
HQ’s. Mas antes, esqueça tudo o
que você viu no filme. V de Vin-
gança é uma obra muito maior
do que os irmãos criadores da tri-
logia Matrix puderam contar.
Aliás, nossa redação tem a
seguinte opinião: adaptações
de quadrinhos para o cinema
quase nunca dão certo. Após o
delírio desse breve instante vol-
temos aos fatos...
V de Vingança foi lançada em
1982, mas sua história se passa
no ano de 1997 com uma Ingla-
terra mergulhada no caos, onde
um governo fascista eliminou os
direitos civis. Minorias raciais e
sexuais são dizimadas, a cen-
sura é implacavelmente imposta
e forças policiais e tecnologias
avançadas são adotadas para
manutenção da ordem social e
vigiar constantemente seus ci-
dadãos. Ou seja, qualquer se-
melhança com o livro 1984, de
George Orwell, e Fahrenheit 451,
de Ray Bradbury, não são meras
coincidências.
Dessa grafic novel surge um
personagem chamado V, o prota-
gonista, que traça uma luta con-
tra esse regime político, iniciando
uma mudança da consciência
conformista de todos os ingleses.
V é um personagem de ideologia
anarquista que molda um plano
muito bem deliberado para tirar
do trono todos os seus lideres
fascistas.
Essa é uma história definitiva-
mente política e com uma visão
pessimista do futuro. Ela trans-
põe para os quadrinhos uma
realidade até então atual para a
sua época. V de vingança faz um
paralelo entre a política do Reino
9. trouxe realismo ao personagem.
Nessa fase, Marvelman ainda
utiliza a identidade secreta de Mi-
chael Moran (ganhada na sua úl-
tima reformulação), a difer�������
ença é
que Michael já passa dos quaren-
ta, e possui um “vácuo” em sua
memória no que diz respeito aos
fatos de sua adolescência. Algo
digno de um herói perturbado,
que através de sonhos começa a
se lembrar das coisas, inclusive
da sua “palavra mágica” (e eu
de maneira negativa a mente dos
jovens, apresentando modelos de
comportamento que poderiam cau-
sar grande confusão e enfraquecer
a moral católica. Preciso dizer onde
entra a liberdade de expressão
aqui? Acho que não...
Miraclemen
Quando começaram
a ser publicadas as
histórias do Super-
Homem, com
o lançamento
da primeira
edição de Action Comics, em
1938, os EUA passavam por
uma grande depressão eco-
nômica. Sendo imbatível, in-
tocável, com super poderes e
um grande sentimento de altru-
ísmo, o Super-Homem logo se
tornou um ícone de salvação
para o mundo moderno. Dois
anos se passam quando, Bill
Paker e Charles Clarence Beck,
surgem com o Capitão Marvel
pela editora Fawcett. O perso-
nagem era uma personificação do
super-herói com a fantasia mística,
que ao dizer a palavra SHAZAM,
transformava o garoto Billy Batson
em um grande herói de força e sa-
bedoria. Em outras palavras, uma
cópia descarada do Super-Homem.
Quando o Capitão Marvel
começou a fazer mais sucesso
que o Homem de Aço, que nes-
sa altura já perdia em vendas, a
editora DC Comics do persona-
gem Super, acusa a editora
Fawcett de plágio. Era uma
briga desigual, pois a editora
DC era muito mais forte e
maior do que a singela
Fawcett. Capitão Mar-
vel acaba sendo
interrompido
no número
24.
A c o n -
tece que o sucesso do Ca-
pitão chegou até a Ingla-
terra pela L. Miller & Son,
que não quis parar com
suas ótimas vendas. Surge
então Marvelman número
25. A editora simplesmente
muda os nomes de perso-
nagens e uniformes, e a pa-
lavra SHAZAM passa a ser
KIMOTA (atomik ao contrá-
rio). Por um tempo deu certo,
mas sem histórias decentes o
plágio do plágio teve seu final em
1962.
Após mais de uma década o
plágio volta à cena pelas mãos
da editora Warrior, onde na épo-
ca um tal Alan Moore (novamen-
te) fez algumas modificações e
As HQs Authority (acima) e Miracle-
men (ao lado e embaixo) causaram
polêmicas em suas histórias e princi-
palmente em seus desenhos.
10. Nosanos60e70foiumadasprin-
cipais figuras do movimento un-
derground dos quadrinhos, con-
tribuindo para publicações como
Real Pub, Young Lust, e Bizzare
Sex. Neste mesmo período, fun-
dou duas publicações essenciais
para a cultura dos quadrinhos
alternativos, a Arcade, com Bill
Griffith, e RAW, com sua esposa
e também quadrinista Françoise
Mouly. Spiegelman já trabalhou
para a revista The New Yorker,
onde uma capa para a comemo-
ração do 4 de julho, apresentan-
do uma bomba atômica, e outra
para a edição do Dia de Ação de
Graças, mostrando um avião do
exército americano jogando pe-
rus no Afeganistão, com o título
de “Operation Enduring Turkey”,
foram censuradas pela revista.
Pediu demissão da The New
Yorker pouco tempo depois dos
ataques de 11 de setembro. É
crítico feroz do governo de Geo-
ge W. Bush e da imprensa ameri-
cana, na qual ele acusa de “con-
servadora e retraída”. O criador
de Maus já foi eleito pela revista
Time uma das 100 pessoas mais
influentes no mundo. Teve seu
trabalho apresentado no Museo
de Arte Moderna em Nova York
e recebeu um prêmio Pulitzer es-
pecial pela obra Maus no ano de
1992.
Você sabe quem é
Art Spiegelman?
não estou fal���������������
ando de por fa-
vor). A trama volta carregada de
elementos ligados à ficção cientí-
fica que é usada por Moore para
explicar a origem do herói. Nessa
versão da HQ, os heróis adoles-
centes da década de 50 faziam
parte de um projeto secreto do go-
verno britânico, que se apoderou
de restos de uma nave alienígena
e com a tecnologia herdada cria
“supercorpos” para três jovens ór-
fãos. Para que o projeto pudesse
manter o controle mental sobre as
“armas”, criou-se um ambiente de
fantasia onde estes eram super-
heróis na era de ouro dos quadri-
nhos, enfrentando vilões inofen-
sivos e dessa forma mantendo o
equilíbrio de suas mentes. Para
compor esse tipo de universo os
cientistas do projeto basearam-se
em (segurem os queixos!!!) gibis
do Capitão Marvel. Nessa jogada
Alan Moore não só faz o plágio do
plágio, como assumiu, criou uma
linguagem que alguns chamam de
“contextualização metalingüística
para sua história” e ainda definiu
a obra como algo mais próximo
a nossa realidade, além de lan-
çar elementos que mais tarde da-
riam milhões de dólares em filmes
como Matrix.
Agora se você pensa que isso
faz da revista algo especial, está
enganado, o que chama a atenção
em Marvelman são os conflitos psi-
cológicos dos personagens. Imagi-
ne-se na seguinte situação: você é
um garoto de 12 anos e descobre
que com uma palavra pode se tor-
nar o ser mais poderoso da Terra,
um Deus entre os homens. Você
não tem família, ninguém nunca
lhe ensinou sobre valores, você
foi rejeitado, e não passa de um
órfão, manipulado durante toda
a sua vida. Qual seria o grau de
desprezo que você teria por uma
sociedade que o “violentou moral-
mente”, e que é bilhões de vezes
inferior a você? É exatamente com
isso que Kid Miracleman precisa
lidar, vendo seus dois companhei-
ros supostamente assassinados
e decidindo assumir de vez sua
forma superpoderosa, tornando-
se assim o empresário mais bem
sucedido do mundo graças a seus
dons especiais.
A HQ é primorosa e está muito
acima de vários títulos lançados
até hoje. Destaque especial para
o confronto entre dois seres po-
derosos onde um deles passou
20 anos aprimorando suas habili-
dades e o outro mal se lembra do
que é capaz de fazer. O embate é
considerado o ápice de lutas das
HQs modernas. Só para constar,
três coisas interessantes sobre a
grafic novel. Primeiro, o nome Mi-
racleman foi adotado somente nos
EUA para evitar um processo da
Marvel Comics pelo uso do nome
Marvelman. Segundo, uma das
edições foi censurada por mostrar
uma cena de parto de maneira in-
tegral e por um ângulo frontal. E
terceiro, até hoje existe uma briga
judicial pelos direitos dos persona-
gens, o motivo? Todd McFarlane,
desenhista e criador do persona-
gem Spawn, comprou o catálogo
de direitos da Warrior, porém diz
a lenda que ele o fez para dá-lo
Neil Gaiman, escritor dos quadri-
nhos Sandman. Tudo isso acon-
teceria em troca da eliminação de
um outro processo pela persona-
gem Ângela, a qual Gaiman criou
e não recebeu nada por isso. Não
entendeu direito? O juiz também
não e por isso o processo está ai
e Miracleman não tem previsão de
relançamento, uma pena. Agora,
se depois de tudo isso você está
se perguntando onde entra a liber-
dade de expressão, feche essa
revista e vá dormir.☻
*Maurício Martins e José Honorato são
estudantes do 3º ano de jornalismo.
divulgação
11. Ele é publicitário, jornalista
e mestre em Ciências da
Comunicação. Aprendeu
a ler com revistas de su-
per-heróis e tem um blog
chamado Ponto Mídia. É um
dos críticos de quadrinhos
do site Omelete, de entrete-
nimento, e apesar de tudo
isso ainda arrumou tempo
em sua agenda para rece-
ber nossa equipe, ou pelo
menos as mensagens dela,
para falar sobre quadri-
nhos, desde V de Vingança
até Guerra Civil.
sumo de qua-
drinhos entre
adultos é, hoje,
bastante comum.
Acho que hoje es-
tamos passando
por um processo,
no Brasil, nos EUA
e em outras partes,
em que a geração
que está chegando aos 25-35
anos não largou seus gibis de
criança e mantém-se público fiel.
Portanto, são questões de con-
texto. Não sei se algum dia a
gente terá um “respeito” genérico
às HQs. O consumo de todas as
mídias varia muito de lugar para
lugar, de tempo para tempo. A
maioria das pessoas vê poesia
ou teatro como coisas para deter-
minadas pessoas, determinados
perfis (mais velhos, mais elitiza-
dos, seja o que for), da mesma
forma que vê quadrinhos como
coisa de criança.
Quando os primeiros heróis
surgiram, as histórias se
limitavam a mocinhos e bandi-
dos, um mundo que precisava
ser salvo. Hoje existem HQs
em que fica difícil identificar
quem é quem na trama. Exis-
tem heróis que enfrentam não
só seus inimigos, mas tam-
bém governos, preconceitos
e ainda lutam pelo direito de
serem heróis. Na sua opinião
esses detalhes enriquecem a
trama ou funcio-
nam mais como
ímã para leitores
exigentes?
Acho que isso
não é só de hoje,
mas parte de um
processo que co-
meça, pelo me-
nos nos quadrinhos
mainstream, nos anos 1970. Na
minha opinião, isso tanto enri-
quece as tramas quanto funciona
como ímã, mas a percepção dis-
so depende de cada leitor.
Obras como V de Vingança e
Watchmen são famosas por
seu lado crítico e sua forte
relação à realidade, tratando
de temas como a liberdade de
expressão e luta pelo direito
de ir e vir. Como você avalia
esse lado mais contestador
das HQs?
Acho interessante que as HQs
tenham, às vezes, esse lado. Te-
nho umas teorias próprias, mal
desenvolvidas, de que se a gen-
te passar a infância lendo super-
herói salvando o mundo desperta
algum espírito cívico e inocente
na adolescência e, se não formos
tomados pelo cinismo, na vida
adulta. Eu tenho atuação como
pesquisador na área de Comu-
nicação, investigando ativismo
político. Achei curioso quando
conheci pesquisadores do mes-
mo tema e descobri que também
Quadrinhos foram por muito
tempo considerados obras in-
fantis. Hoje essa visão mudou
em parte, pois ainda existem
os que associam quadrinhos
a “coisa de criança”, porém
existem os que as consideram
grandes obras literárias, bi-
bliográficas e de contestação.
Como você vê essa mudança?
Ainda há respeito a ser con-
quistado pelas HQs?
Às vezes eu acho que essa
mudança nunca aconteceu, às
vezes acho que demos grandes
saltos nos últimos anos. É uma
questão cultural e histórica: nos
anos 40 e 50 muitos adultos liam
quadrinhos (policiais e de terror)
nos EUA e consideravam um há-
bito adulto normal. Na França e
outros países da Europa, o con-
novembro/ 2007
ViaE-mail
Por José Honorato
Érico Assis é o típico cara que não
gosta de fotos. Conforme sugerido
por ele, segue no lugar uma ima-
gem do Snoopy, personagem do
desenho Charlie Brown.
12. de quadrinhos. Isso merecia um
estudo. Outra questão, talvez um
pouco mais conspiratória, por ser
uma mídia marginal, os quadrinhos
não estão tão sujeitos ao policiamen-
to ideológico por que passam filmes
ou programas de TV. Assim, criado-
res têm mais chance de dizer o que
pensam numa HQ, enquanto não te-
riam nessas mídias de maior suces-
so. Já vi muita entrevista com escri-
tores comentando isso. Você nunca
veria, por exemplo, uma adaptação
de Os Supremos (ou melhor ainda, a
Authority de Mark Millar) para o cine-
ma com toda sua carga política.
No processo de “amadurecimen-
to” dos quadrinhos, quais obras
e autores você considera “peças
chave”, tanto na questão da va-
lorização das histórias, como na
popularização das HQs?
São vários. Alan Moore, por es-
crever coisas consideradas literatu-
ra de qualidade. Neil Gaiman, pelo
mesmo motivo, e por ter trazido um
IMENSO público (especialmente
feminino) para as HQs. Frank Miller,
pela tom de filme de ação hollywoo-
diano. Dan Clowes ou Adrian Tomi-
ne, entre outros, que pegam o povo
alternativo do alternativo.
Existem obras que usam de
fatores como liberdade de ex-
pressão só pra não mofarem
nas bancas? E qual HQ mais
picareta que você já encon-
trou?
Acredito que existam sim, mas
não saberia dizer quais. Quan-
do é a ideologia do autor bem
colocada nas páginas, pode ter
certeza que ela vende bem e é
aclamada. Não saberia dizer qual
a HQ mais picareta que já encon-
trei, porque leio várias desse tipo
todos os dias...
V de Vingança, Maus, Sin City
e Sandman são algumas das
obras do século passado que
estão voltando e conquis-
tando novos fãns. Além dos
roteiros diferenciados e do
reconhecimento que possuem
seus autores, quais fatores
você considera os que mais
chama a atenção dos novos
leitores?
O cinema, sem dúvida. A pro-
fusão de adaptações da HQ para
o cinema - como os citados V e
Sin City - atraiu muita gente para
os quadrinhos. Parte desse pes-
soal, felizmente, não ficou só pra
ler a versão em papel, mas re-
solveu provar outras HQs, como
Sandman e Maus.
Para leitores mais antigos no
mundo das HQs não é difícil
ler e “entender” uma revista
como Sandman, por exemplo.
Mas e a nova geração? Na sua
opinião como o público mais
jovem lida com esse estilo de
quadrinho mais elaborado? O
que você sente quando tem
contato com esses leitores?
Existem jovens e jovens. San-
dman não é para todo mundo.
Nenhuma HQ, nem qualquer pro-
duto cultural é. Sandman tem um
público bem específico, a maior
parte do qual feminino e com um
bom nível cultural. Se você co-
nhece alguma “patricinha” que
leia Sandman, me apresente. É
outro público, para o qual são
produzidos outros produtos, ou-
tras HQs. Da minha parte, gosto
muito de Sandman. Mas, como
qualquer coisa, sei que não é
todo mundo que gosta.
E os heróis clássicos como
Batman, Super Homem, Capi-
tão América, Homem-Aranha,
entre outros? Eles têm chance
de participar desse mundo
mais literário?
Outras Ideias Nº 01
A série Guerra Civil aborda o direito de super-heróis
agirem sem a interferência do governo dos EUA.
Esquerda: A revista Sandman de Neil
Gaiman
13. Claro. Depende da abordagem.
Uma série atualmente nas bancas
como Guerra Civil, que trata de
heróis terem o direito de agirem
e manterem o anonimato livre de
qualquer interferência do Go-
verno, seria um primeiro passo
para inserir heróis de capa nes-
se contexto de liberdade
de expressão? Qual a sua
primeira impressão sobre a
série e as expectativas para
as próximas edições?
Guerra Civil tem alguns pon-
tos altos e muitos pontos bai-
xos. A questão da liberdade de
expressão e relação com a situa-
ção política dos EUA são um cha-
mariz, mas ela se perde tanto nos
problemas de cross-overs de su-
per-heróis (mostrar todos os per-
sonagens, criar as relações com as
séries paralelas) que não dá conta
dessa metáfora ou crítica política.
Adaptações de quadrinhos para
o cinema, como V de Vingança,
causou um certo desconforto e
indignação, tanto nos fãns quan-
to no autor. Você concorda que
adaptações são nocivas para
os quadrinhos? Alan Moore não
gosta, já Stan Lee (criador do
universo Marvel) parece que as
adora, qual deles você acha que
está mais certo?
São mais benéficas que nocivas,
no sentido de fomento de leitores. E,
quanto mais mercado, mais HQs se
produz, e mais chance de material
bom sair. Os problemas de adap-
tação e “desrespeito” às obras - ou
simples “ruindade” dos filmes - sem-
pre vão acontecer, mas até agora,
que eu saiba, nenhuma delas afas-
tou gente dos quadrinhos. Pelo con-
trário.
No mundo das HQs, a crítica
especializada tem crescido muito
nos últimos anos e tem sido mui-
to procurada por novos e velhos
fãns. Qual a maior exigência feita
pelos leitores com relação a
um crítico de quadrinhos?
O público leitor de resenhas
é muito variado. Na minha atu-
ação como crítico, recebi muita
reclamação por resenhas nega-
tivas demais, o que tomei como
um sinal:
passei a
buscar escrever somente sobre o
que eu gosto, deixando o que eu
não gosto de lado. É bem mais
produtivo, inclusive, dar espaço
somente para o que você acha
que os outros deveriam ler. Mas
aí vieram os leitores reclamando
que eu não falava mais da série
X ou Y. É impossível agradar todo
mundo.
Falando sobre o futuro das
HQs, as opiniões se dividem.
Alguns acham que os mangás
(quadrinhos japoneses), vão
tomar o mercado e que as
HQs americanas terão de se
adaptar a elas, outros acham
que as histórias que contam
com Super-Homem, Capitão
América são insubstituíveis.
Qual a sua opinião sobre o
assunto, os mangás tem força
para tomar o lugar das HQs
americanas?
São materiais para públicos di-
ferentes. Não vejo um substituin-
do o outro.
No cenário atual autores como
Alan Moore, Frank Miller, Neil
Gaiman, Grant Morison, Steve
Niles, entre outros, ganham
cada dia mais força no mundo
das HQs, seriam esses cria-
dores o verdadeiro futuro dos
quadrinhos? As atuais refor-
mulações que as grandes edi-
toras vem fazendo com seus
principais personagens, seria
uma forma de abrir caminho
para uma mudança total no
estilo de fazer histórias?
Acho que existe uma evo-
lução natural, até obrigatória,
dos quadrinhos. Não se conta
mais histórias como há dez
anos atrás. Há alguns quadri-
nhos mais avançados, outros
menos, mas a evolução vai
acontecendo aos poucos.
Engraçado que o “futuro”
que você cita inclui, fora Steve
Niles, só gente que começou a
trabalhar na década de 80, se
não antes. Não sei dizer sobre o
futuro, mas a influência de caras
como Brian Bendis, Mark Millar,
Ed Brubaker, Warren Ellis e ou-
tros que surgiram na década pas-
sada, certamente está criando
um presente para os quadrinhos
bem diferente da situação de
poucos anos atrás.
Falando como crítico e como
leitor, o que você espera para
o futuro das HQs?
Tudo. É difícil aparecer coisas
realmente inovadoras, mas ano
a ano há alguns bons exemplos
de que os quadrinhos progridem,
como sempre continuarão. ☻
Acima: A revista Sin City, de Frank
Miller, que teve uma adapatção para o
cinema muito elogiada pela crítica.
novembro/ 2007
14. Outras Ideias Nº 01
Censura, polêmica, protestos e até
mortes. Entenda por que essas ca-
ricaturas tiraram o sono de muitas
autoridades no Brasil e no mundo.�
Acusada de querer atingir a
imagem do senador José Sarney,
até então candidato à reeleição
no Amapá, Alcilene teve seu blog
retirado do ar pela Justiça Eleito-
ral, e ficou sujeita a multa de R$
2 mil por dia, caso não cumprisse
a determinação.
O que o Senador não espe-
rava é que essa medida traria
mais repercussão para o caso,
e que a caricatura que antes era
vista apenas pelos macapaen-
ses, que transitavam pelas ruas
de Macapá, virassem adesivos e
camisetas em nome da liberdade
de expressão. Além disso, mais
de 150 blogs se uniram ao “Movi-
mento Xô Sarney” em repúdio ao
ato de censura do ex-presidente,
dando a caricatura destaque na-
cional e até internacional. Liber-
dade de expressão 1 X R$500
mil censura.
A natalidade de Astúrias
Era pra ser uma simples cam-
panha para o aumento da natali-
dade anunciada pelo governo de
José Luis Zapatero, na Espanha.
Mas junto com a publicação da
edição de junho da revista “El
Jueves” vieram às polêmicas.
Isso porque a capa trazia a cari-
catura do Príncipe Filipe, de As-
té onde vão os limites da
liberdade de expressão?
Essa é a pergunta mais fre-
qüente quando se fala da publicação
dessas caricaturas.
Mesmo que não seja de hoje que
elas façam parte da história política
e social de um país, e estejam sem-
pre revestidas de bom humor e até
de um certo sarcasmo, as caricatu-
ras ainda causam reação, só que
nesses casos as reações chegaram
a ser bombásticas.
As caricaturas de Maomé
Foram cerca de seis meses de
ataques, centenas de protestos em
frente às embaixadas da Dinamarca,
França, Afeganistão, Líbano, Síria,
Tailândia, Indonésia, Sudão, Índia e
Faixa de Gaza, com saldo de cerca
de 15 mortos e 6 feridos.
Mas não se trata de uma guer-
ra, e sim da onda de indignação que
tomou conta dos muçulmanos com
a publicação das 12 caricaturas que
retratavam o profeta Maomé, no jor-
nal dinamarquês Jyllands-Posten,
em setembro de 2005. Tudo isso
porque o Islamismo proíbe qualquer
representação de Deus e do profeta,
assim os mulçumanos considera-
ram a publicação um desrespeito à
religião. Então até que as caricatu-
ras fossem retiradas ou houvessem
pedidos de desculpas, milhares
de muçulmanos espalhados pelo
mundo, passaram a atacar e
bombardear as embaixadas e a
ameaçar os jornais que publica-
ram as caricaturas. Essa reação
levantou a nível mundial a ques-
tão sobre os limites da liberdade
de expressão, que fez com que
diversos países como,Alemanha,
Itália, Holanda e Espanha tam-
bém publicassem as caricaturas.
Após prisões e até demissões de
alguns responsáveis pelas publi-
cações, o jornal Jyllands-Posten
enviou à imprensa argelina por
meio da embaixada da Dinamar-
ca em Argel, uma carta pedindo
desculpas aos muçulmanos por
terem publicado a série de 12
charges do profeta Maomé. Só
assim, mesmo com as caricatu-
ras rolando soltas na rede, tudo
voltou a santa paz como manda
o Islã.
Xô Sarney
Mais de R$ 500 mil, essa é a
dívida acumulada pela jornalista
Alcilene Cavalcante por ter publi-
cado em seu blog uma caricatura
com os dizeres “Xô Sarney”, feita
pelo cartunista Ronaldo Rony no
muro de sua casa em Macapá,
no Amapá.
Por Talita Rocha
15. túrias, e de sua esposa Letícia
em pleno ato sexual, fazendo men-
ção a campanha que oferecia 2.500
euros por filho a cada família.
O príncipe ficou furioso e entrou
na justiça contra Guillermo Torres e
Manel Fontdevilla, os autores da ca-
ricatura, que foram condenados por
injúria e tiveram que pagar ao prín-
cipe 3 mil euros cada um, e a revis-
ta que estava com a edição quase
esgotada, devido a repercussão, foi
retirada das bancas.
E como forma de satirizar a situ-
ação, a mesma edição da revista foi
relançada com os dizeres “Essa é a
capa que gostaríamos de publicar”,
onde o príncipe é retratado como
uma abelha sobrevoando uma ‘flor’,
Letícia. O que resta para os carica-
turista agora é fazer dois filhos cada
um para cobrir o prejuízo.
O Holocausto de Latuff
“Cartuns satânicos”, assim foram
chamadas as caricaturas do brasi-
leiro Carlos Latuff, por militantes do
Likud, partido conservador de direita
ligado a Israel.
Publicadas no concurso de
charges sobre o Holocausto, feito
pelo diário iraniano Hamshahri, as
caricaturas mostram israelenses
bombardeando e ateando fogo em
libaneses, e fazendo também uma
comparação dos territórios palesti-
nos com os campos de concentra-
ção nazistas.
Visto como “genocida” e “anti-
sionista”, Latuff, que é militante da
causa palestina, sofreu diversas crí-
ticas e ameaças de morte da extre-
ma direita israelense.
E o objetivo do jornal, que era
testar os limites da liberdade de ex-
pressão e afrontar os jornais euro-
peus que divulgaram as caricaturas
de Maomé, certamente foi alcança-
do. Enquanto o cartunista teve que
se contentar com o segundo lugar
no concurso. ☻
Algumas das
caricaturas do bra-
sileiro Carlos Latuff,
militante da causa
palestina
16. oje elas estão presentes nos
principais diários, ilustrando
jornais e revistas, fazendo sáti-
ras sociais revestidas de cunho polí-
tico, irreverência e bom humor. Mas
nem sempre foi assim. A his-
tória das ilustrações no Brasil
se confunde com a história da
luta pela liberdade de expres-
são.
Com instalação da censu-
ra prévia aos meios de comu-
nicação, no regime militar nas
décadas de 60 e 70, surgiu à
chamada imprensa alternati-
va, trazendo referências como
a revista Pif Paf lançada por
Millôr Fernandes, e o Jornal O
Pasquim que foi o celeiro dos
melhores chargistas e ilustra-
dores do Brasil, na busca pela liber-
dade de expressão .
Mesmo sobre forte censura, nada
escapava aos traços de chargistas
como, Jaguar, Ivan Lessa, Ziraldo,
Millôr e Henfil, que como forma de
Charges e caricaturas que
influenciaram na história
e na luta pela liberdade
de expressão. Saiba um
pouco sobre alguns dos
principais ilustradores do
Brasil, que participaram
ativamente na luta con-
tra a ditadura e que até
hoje retratam a política do
país.
Por Talita Rocha
Outras Ideias Nº 01
to e a crítica com muito humor.
Mas as charges além de privile-
giar o humor e a sátira política,
abordam temas atuais, mostram
as preocupações do país e do
mundo oferecendo ao leitor ele-
mentos de fácil identificação e
reconhecimento, cumprindo seu
papel social garantindo algum
espaço a opinião e a liberdade
de expressão.
Jaguar
O cartunista Sérgio de Ma-
galhães Gomes Jaguaribe, mais
conhecido como Jaguar, foi um
dos fundadores do jornal mais in-
fluente na oposição ao re-
gime militar, batizado por
ele de O Pasquim. Junto
com Ivan Lessa, Jaguar
publicava suas tiras com
ratinho Sig, dando uma in-
jeção de humor nas situa-
ções cotidianas absurdas,
ironizando os chavões,
criando frases de efeito,
em tiras hilárias, que mais
tarde foram imortalizadas
com publicação da série
“Lugares in-comuns”.
Ziraldo
Ziraldo, que é um dos mais
consagrados ilustradores brasi-
leiros, conhecido por suas obras
infantis, também era um dos mi-
resistência retratavam a reali-
dade da época, dando voz ao
povo através de seus trabalhos
também cobrando mais partici-
pações.
Após a abertura, passado o
clima de guerrilha, surgiram ou-
tros nomes como Angeli, Glauco,
Laerte e os irmãos Caruso, que
apostavam na crítica pró-de-
mocracia, retratando uma nova
sociedade que começava a se
formar. Então as charges volta-
ram-se para os tipos urbanos,
apostando na contra-cultura, um
estilo que permanece até os dias
de hoje.
Assim as charges tiveram pa-
pel fundamental na luta contra a
repressão, e ainda hoje atuam na
sociedade de forma participativa
nas questões políticas e sociais,
desenvolvendo o questionamen- Acima: o famoso ratinho Sig de Jaguar e
uma das caricaturas de Millôr.
17. novembro/ 2007
da contra-cultura, falando sobre
assuntos que até então eram ta-
bus como sexo e drogas. Juntos
fizeram as revistas Chiclete com
Banana, Geraldão e Piratas do
Tietê. E mesmo passado o clima
de guerrilha, hoje continuam fa-
zendo sátiras políticas, manten-
do o estilo que redefiniu o humor
no cartuns brasileiros.
Paulo e Chico Caruso
Leitores assíduos de O Pas-
quim e fãs de Ziraldo, os irmãos
Caruso, surgiram no fim dos anos
60. Ficando conhecidos por suas
charges que falavam sobre a si-
tuação econômica, a violência
nas cidades, falta de distribuição
de renda enfatizando sempre
os tipos urbanos. Os chargistas,
que também são músicos e es-
critores, ainda atuam no cenário
nacional, dentro da crítica política
e social.☻
litantes a favor da livre expressão.
Participou da fundação do Pasquim
e com seus personagens Jeremias,
o Bom, a Supermãe, Mineirinho, tra-
balhou intensamente na resistência
à repressão, chegando ficar preso
por dois meses. No ano de 2001, na
tentativa de reviver O Pasquim dos
anos 60, Ziraldo lançou o Pasquim
21, que deixou de ser publicado em
2004.
Millôr Fernandes
O escritor, tradutor e cartunista
Millôr Fernandes, que era responsá-
vel pela revista Pif Paf marco da im-
prensa alternativa no Brasil, também
participou da fundação do jornal O
Pasquim. Com um humor sarcástico
e provocações explícitas ao regime
militar, não só nas charges mais tam-
bém em seus textos e peças. Millôr
foi um dos maiores questionadores
do esquema repressor que domina-
va o país naquela época. Hoje aos
84 anos, Millôr é um dos mais con-
sagrados escritores brasileiros.
Henfil
Henfil ou Henrique de Sousa Fi-
lho, era cartunista e quadrinhista,
se destacou por sua forte atuação
nos movimentos políticos e sociais
na luta pelo fim do regime ditatorial.
Com seu estilo inconfundível, suas
charges traziam personagens tipica-
mente brasileiros e eram marcadas
pela crítica e sátira política.
Trabalhou nas revistas Alterosa,
Realidade, Visão, Placar e O Cruzei-
ro, tornou-se conhecido a partir
de 1969, quando passou a cola-
borar no jornal O pasquim. Seus
principais personagens foram os
Fradins, Pó de Arroz, Zeferino,
Orelhão, Bode Orelana, Graúna,
Cabôco Mamadô, Urubu, Baca-
lhau e Ubaldo o paranóico.
Angeli, Glauco e Laerte
Angeli, Glauco e Laerte surgi-
ram no fim da ditadura, também
fazendo oposição ao regime mili-
tar. Mas logo depois nos anos 80
deixaram de investir só na políti-
ca inovando ao adotar o contexto
A charge do Jornal do Comércio, de Porto Alegre, que mereceu resposta de
Veja em editorial da revista, na edição 1980 do dia 1º de novembro, com o título
“Do lado do Brasil”. Nesse editorial, Veja explica que o “seu único e verdadeiro
propósito” está em fiscalizar o poder e denunciar criminosos que lesam a pátria.
Um dos exemplos de como caricaturas e charges podem gerar “incômodos”.
Com seu estilo inconfundível, Henfil
usou seus desenhos para representar
as desigualdades sociais.
Talita Rocha é estudantes do 3º ano de
jornalismo na Universidade Paulista.
18. Ele é um menino de seis anos, ela é uma menina de
sete anos. Calvin e Mafalda, dois personagens símbolo
de contestação e humor em tiras de jornal.
uando se lê uma tira de Cal-
vin e Haroldo pela primeira
vez é possível rir facilmen-
te de suas invencionices e
confusões, de suas preocupações
de adulto e reações de criança, do
tormento que esse garoto de seis
anos é para seus pais e de seu ti-
gre de pelúcia irônico e inteligente.
O humor das tiras de Calvin é, qua-
se sempre, sobre o comportamento
de uma criança com o desejo de que
tudo aconteça de acordo com sua
vontade. Não raro são os momentos
que suas atrapalhadas são motivos
de gozação de Haroldo, seu tigre de
pelúcia, que ganha vida na imagina-
ção de Calvin.
O que torna essa tira interes-
sante para milhões de pessoas
em todo mundo é a habilidade
que ela possui em conseguir ex-
primir verdades de maneira mui-
to sutil. Ela expõe a natureza hu-
mana e todos os seus momentos
mais mundanos de maneira que
rimos de nossa própria estupidez
e hipocrisia. Com as tiras de Cal-
vin e Haroldo é possível lembrar
da importância de pequenos mo-
mentos e, como disse certa vez
seu próprio autor, “nos sentimos
encorajados a ser inocentes por
um momento olhando o mundo
da perspectiva de crianças e ani-
mais”.
O autor, Bill Watterson, parou
de desenhar as tiras de Calvin
e Haroldo em 1996. Foram um
pouco mais de uma década de-
senhando o personagem diaria-
mente. Em sua carta de despedi-
da, Watterson comunicou a todos
os editores, que publicavam as ti-
ras de Calvin, seus mais sinceros
agradecimentos, mas que estava
ansioso para trabalhar em um rit-
mo mais reflexivo e com menos
compromissos artísticos. Embo-
ra Watterson tenha abandonado
a criação de seus personagens,
eles ainda são publicados em
muitos jornais pelo mundo, o jor-
nal Estado de S. e o português
19. Público são alguns deles.
Os nomes de Calvin e Haroldo
foram inspirados no teólogo John
Calvin e no filósofo
Thomas Hobbes. John
Calvin, reformador
religioso, acreditava
na predestinação e
na depravação total
do homem, sen-
do o mesmo in-
clinado a praticar
o mal para o seu
próximo. Thomas
Hobbes, inglês do
século XVII, é autor da
frase ”o homem é o lobo
do homem”, e tinha uma
visão obscura da na-
tureza humana. Para o
autor, os dois nomes podem ser
entendidos como uma piada para as
pessoas que estudam ciência, políti-
ca e filosofia. Ironicamente, Bill Wat-
terson é formado em ciência política
pela Kenyon College em Gambier,
Ohio.
Calvin e Haroldo exploraram
muitas questões pessoais, foram in-
quiridores e trouxeram beleza, inteli-
gência e sofisticação para as tiras de
jornal. Como o título do mais recente
livro lançado dessa dupla pela edito-
ra Corand, olhar as coisas da pers-
pectiva de crianças e animais pode
ser, sem dúvida, um mundo mágico.
Enquanto isso na Argentina...
Você é capaz de imaginar uma
menina de sete anos cheia de pre-
ocupações sociais, interessada por
política, direitos humanos e demo-
cracia? Tem mais, você consegue
imaginar essa mesma menina contra
as injustiças sociais, racismo, armas
nucleares e sopa? Pois é, essa me-
nina existe e vem de Buenos Aires,
na Argentina. Ela já foi chamada de
La Contestataria e se tornou símbolo
de campanhas da Unicef em favor
dos direitos da criança.
Essa menina se chama Ma-
falda e foi criada por Joaquín
Salvador Lavado, o Quino, para
uma campanha publicitá-
ria em 1936. O cliente,
fábrica de eletrodo-
mésticos de nome
Mansfield, fez uma
“simples” exigência
para o artista: que-
ria que seus perso-
nagens criados para
a campanha come-
çassem com a letra
M. Quino, lembran-
do de um bebê cha-
mado Mafalda no filme
Dar Lãs Caras, acabou
adotando o nome para
seu personagem, pois o
achou alegre. A campanha não
se realiza e os produtos da Mans-
field nunca foram lançados.
Dois anos depois, Quino foi
procurado pelo semanário Pri-
meira Plana que queria uma tira
engraçada para a sua publica-
ção. O autor resolveu utilizar
Mafalda que teve sua estréia
no dia 29 de setem-
bro de 1964. No
ano seguinte as
tiras passaram a
ser publicadas no jornal diário El
Mundo. Quando o jornal fechou
suas portas, em 1967, Mafalda já
conquistava espaço e se trans-
formava em grande sucesso pelo
mundo.
Mafalda tinha um lado crítico
muito inquiridor e tiradas incríveis
para qualquer tipo de assunto,
principalmente questões sociais.
Possuía um globo doente em
casa e ouvia constantemente no-
tícias do jornal, sempre fazendo
observações interessantes. Uma
diferença de Mafalda para as ou-
tras tiras de criança é que seu
personagem envelhecia ao longo
do tempo.
Quino deixou de desenhar
Mafalda em 1973, justificando
o término das tiras por acredi-
tar que estava começando a se
repetir. Mafalda foi uma menina
símbolo do inconformismo. ☻
Calvin e Mafalda:
humor e reflexão
contestadora em ti-
ras de jornal.
Maurício Martins dedica um pouco do
seu tempo livre para praticar o Calvinbol
com seu tigre de pelúcia.
20. Outras Ideias Nº 01
Imagine uma pessoa com qualidades e muitos defeitos. Uma vida ordina-
riamente comum. Que se torna um dos maiores ícones do cenário under-
ground das historias em quadrinhos, relatando seu dia-a-dia. Isto aconte-
ceu com Harvey Pekar em American Splendor.
Harvey Pekar, criador da história
em quadrinho American Splendor
Por Roberta Rodrigues
al-humorado, egocêntrico,
neurótico, estatura baixa,
feio, calvo, crítico de jazz.
Estas características não pertencem
aos convencionais super-heróis das
histórias em quadrinhos, mas sim,
a Harvey Pekar. Um sujeito normal,
com um emprego normal, que teve
a idéia de escrever sobre seu coti-
diano, no conceituado HQ American
Splendor.
American Splendor é construído
a partir do excêntrico ponto de vis-
ta de Pekar. Apesar de ser conside-
rado por muitos um perdedor, suas
histórias retratam a relação humana
de forma sutil, com política, críticas
ao sistema neoliberal. Uma reflexão
sobre o modo de vida ocidental.
Antes de se tornar o anti-herói
americano, Pekar era apenas mais
um morador da cidade de Cleve-
land em Ohio, com perfil do típico
americano da classe média. Pos-
sui um emprego do qual não gos-
ta, como arquivista de hospital,
tendo como único prazer colecio-
nar discos de jazz e freqüentar
sebos.
Pekar & Crumb
O interesse de Pekar por his-
tórias em quadrinhos começou
1962, quando conheceu em um
sebo o desenhista e colecionador
de discos de jazz Robert Crumb,
que ainda não era famoso. Tor-
naram-se amigos por gostos em
comum. Crumb sempre mostrava
seus desenhos, esboços de suas
histórias que fugiam do
divulgação
21. novembro/ 2007
convencional, com humor non-
sense. Logo, Crumb ganhou fama
no cenário americano underground
por suas histórias, e mudou-se para
São Francisco.
Com a fama
de Crumb, Pekar
se entusiasmou e
começou a produzir
roteiros de histórias
em quadrinhos, como
tema central suas
idas ao supermerca-
do, filas, conversas
com amigos do trabalho. Esboçava
com desenhos de palitinho, já que
não sabia desenhar. Em uma visita
de Crumb em 1975 para Cleveland,
Harvey mostrou seus esboços pe-
dindo-o para desenhar.
Crumb aceitou, e
Harvey economi-
zou dinheiro, pa-
rando com o vício,
como mesmo de-
clara, de comprar
discos de jazz para
sua coleção, e lançou
o primeiro exemplar de American
Splendor.
O Início de American Splendor
Para Harvey, existe um grande
potencial nos quadrinhos que não
é aproveitado. A junção da imagem
com texto, traz mais possibilidades
de expressão do que somente histó-
rias fantasiosas sobre super-heróis.
Tornando-se o personagem de Ame-
rican Splendor, trouxe toda a com-
plexidade e reflexão sobre a vida,
exaltando o humanismo do anti-
herói.
Logo no primeiro exem-
plar, American Splendor ga-
nhou leitores e popularida-
de no cenário alternativo,
por identificação com o
personagem. Mesmo
não tendo mais Crumb
como desenhista, já que estava
ocupado com outros projetos.
American Splendor virou peça
teatral, que ficou em cartaz du-
rante duas sema-
nas na cidade de
Chicago.
Harvey e sua
anti-fama
Com o sucesso
da peça, Harvey
começou a rece-
ber convites para participar de
programas de televisão. O mais
importante foi o Late Night com
David Letterman. Por ter humor
ácido, as entrevistas davam mui-
ta audiência, e assim,
aproveitava para
divulgar Ameri-
can Splendor.
Muitas vezes
Pekar era ridi-
cularizado por
Letterman, com
piadas sobre seu
humor, seu estilo de vida de clas-
se média que não conseguiu al-
cançar o sonho americano. Can-
sado de ser tratado como um
fracassado da sociedade, Pekar
em sua última entrevista ao pro-
grama Late Night da NBC, usou
uma camiseta com a frase “Lu-
tando contra a NBC”. Disse ao
vivo que a emissora pertencia ao
grupo GE, empresa militar que fi-
nancia guerras. Resultado, Pekar
foi expulso do programa em rede
nacional, e o caso David Let-
terman Late Night virou
história em quadrinho no
American Splendor.
Um ano pra ser lem-
brado
Um momento
difícil na vida de
Dor e sofrimento devido ao câncer
ilustrado pelo desenhista Fred
Harvey nas sessões de quimioterapia
Mais dores
Pekar e Joyce, juntos lutando contra
o câncer
Ilustrações da edição especial de
American Splendor “Our Cancer
Year”
22. JOYCE
Hipocondríaca, usa
óculos. Gosta de his-
tória em quadrinho,
trabalho social, tomar
chá e diagnóstico
psicológico. Casada
com Pekar, Joyce o conheceu através
do American Splendor. Começou a es-
crever cartas para Harvey pedindo os
exemplares que não tinha. Com o tem-
po passaram a conversar por telefone,
Harvey a convidou para conhece-lo em
Cleveland, no primeiro dia do encontro
a pediu em casamento.
Harvey foi quando descobriu que
tinha câncer. Pekar, e sua esposa
Joyce, documentaram com detalhes
todo processo da doença, como as
sessões de quimioterapia, as dores
noturnas e o medo da morte, para
lançar em quadrinhos. Uma forma de
distanciamento da doença. Contra-
taram Fred, um desenhista que pas-
sou a freqüentar a casa de Harvey
quase que diariamente, para ilustrar
sua batalha contra o câncer. Fred
sempre levava sua filha Danielle, já
que sua mãe a havia abandonado, e
não tinha com quem a deixar.
Após um ano de luta, Harvey
ficou curado do câncer, adotou Da-
nielle, e a edição especial de Ameri-
can Splendor ficou pronta, com o tí-
tulo de Our Cancer Year (nosso ano
de câncer), que recebeu excelente
criticas e prêmios. Pekar hoje em
dia está aposentado do seu empre-
go de arquivista do hospital de Cle-
veland, e continua lançando edições
do American Splendor.
Harvey Pekar, traz em American
Splendor o chato e monótono coti-
diano e suas particularidades, faz do
anti-herói o protagonista e dos pe-
quenos diálogos do dia-a-dia gran-
des histórias. Sem atos heróicos,
transforma a rotina em arte.☻
Tira de American Splendor
Havey Pekar e David Letterman no
programa Late Night que virou...
...Quadrinho com a briga do programa da
NBC Late Night.
Outros personagens de
American Splendor
ROBERT CRUMB
O ilustrador, colecio-
nador de disco de
jazz e revistas em
quadrinhos, é consi-
derado um dos per-
cussores dos quadrinhos underground.
Sempre desenvolve seu trabalho com
criticas a sociedade, com humor para
adultos, drogas, sexo e política. Publi-
cou muitas histórias em quadrinhos,
as mais famosas são Zap Comics, Mr.
Natural, Fritz the Cat, American Splen-
dor e adaptações de obras literárias de
grandes autores como, Kafka e Buko-
wski.
SR. BOATS
Funcionário do hos-
pital de Cleveland.
Sempre usa gravata
borboleta, tem vício
de carregar canetas
no bolso da camisa,
é neurótico por limpeza. Fã de jazz
tradicional, principalmente do músico
Nat King Cole. O rabugento Sr. Boats,
sempre reclama do gosto musical dos
jovens, e gosta de declamar poesias
com significados construtivos para os
amigos, especialmente da escritora
americana Elinor Hoyt Wylie.
TOBBY RADLOFF
Trabalha com Har-
vey Pekar no hospi-
tal, mora com avó,
solteiro, gosta de
balas de gomas,
especialmente de
sabor menta e de comprar peças para
montagem de computadores. Se con-
sidera um nerd. Tobby é portador da
Síndrome de Asperger, doença que
afeta a fala, dificulta a compreensão
do pensamento abstrato e de difícil
sociabilidade. Com o sucesso de Ame-
rican Splendor, a MTV americana o
contratou para ser apresentador de um
programa da emissora.
Livro - A editora Conrad lançou no Brasil uma edi-
ção especial de American Splendor. O livro “Bob
e Harvey Dois Anti-Heróis Americanos”, que
compila os primeiros exemplares da revista, com
ilus-tração de Crumb entre os anos de 1975-1983.
Item essencial para fãs e colecionadores.
Filme - O Anti-Herói Americano é a cinebiogra-
fia de Harvey Pekar. Mistura ficção, documen-
tário e animação. Mostra toda a trajetória de
American Splendor, desde sua criação até se
tornar conceituado. Ganhou prêmios de me-
lhor filme em Cannes e Sundance.
Saiba mais sobre American Splendor
23.
24. “Vede; Eu anuncio-vos o super-homem:
É ele esse raio! É ele esse delírio!”.
Friedrich Nietzsche