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O Enfoque
de Direitos da
Criança
no Trabalho da Kindernothilfe
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Atenção: o conteúdo [deste folheto] está protegido por direitos autorais. Portanto, o uso deste material somente está per-
mitido nos termos da lei. Ainda assim, a editora outorga o direito de uso do conteúdo deste folheto, de maneira não pública
e sem que haja alteração de seu teor, para fins particulares ou não comerciais. É obrigatório mencionar explicitamente a
Kindernothilfe como editora deste material em caso de uso. Fica expressamente proibida a utilização para fins comerciais ou
econômicos. Em particular, não será outorgado o direito de utilizar o conteúdo deste folheto para a obtenção de benefícios
econômicos, seja para o usuário ou para terceiros. Para adquirir uma licença de uso, favor entrar em contato com a editora.
As licenças estarão sujeitas às condições aplicáveis, inexistindo o direito de reivindicar a outorga de licença.
3
Índice
Prefácio ................................................................................................................................................ 5
1	Bem-vindos! .................................................................................................................................. 7
2	 O enfoque de Direitos Humanos e de Direitos da Criança .................................................. 11
	 2.1	 A origem e a importância dos Direitos Humanos ........................................................... 11
>
> Tratados de Direitos Humanos
>
> Obrigações em matéria de Direitos Humanos
>
> Características e princípios de Direitos Humanos
>
> Mecanismos internacionais de controle e fiscalização de cumprimento
>
> Sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanos
>
> Shrinking Spaces (Espaços cada vez menores)
	 2.2	O enfoque de Direitos Humanos na cooperação para o desenvolvimento ................ 14
>
> 	
O enfoque de Direitos Humanos na cooperação para o desenvolvimento:
como tudo começou
>
> A mudança de perspectiva
>
> Educação em Direitos Humanos como elemento central do enfoque de Direitos Humanos
>
> O enfoque de Direitos Humanos – um denominador comum
	 2.3	A Convenção sobre os Direitos da Criança...................................................................... 17
>
> Importância da CDC
>
> Características principais da CDC
	 2.4	O enfoque de Direitos da Criança – abrangente e sustentável .................................. 22
>
> Da orientação para “necessidades” rumo à orientação para os “Direitos da Criança”
>
> Mudança de postura: crianças são titulares de direitos
>
> Direitos da Criança como fim e como meio
>
> Participação da criança
>
> Atenção aos Direitos da Criança em todos os processos e áreas
3	 O enfoque de Direitos da Criança na Kindernothilfe ........................................................... 27
	 3.1	 A adoção do enfoque de Direitos da Criança ................................................................. 28
	 3.2	Padrões de qualidade aplicáveis ao trabalho baseado nos Direitos da Criança ..... 29
>
> Padrões de qualidade institucionais
>
> Padrões de qualidade programáticos
	 3.3	No trabalho de projetos e programas ............................................................................. 32
>
> Consolidação do enfoque de Direitos da Criança
>
> Perspectivas e planos
	 3.4	No trabalho de advocacy ................................................................................................... 36
>
> Adaptação do trabalho de advocacy ao enfoque de Direitos da Criança
>
> Instrumentos do trabalho de advocacy
>
> Desafios do trabalho de advocacy
	 3.5	No trabalho de formação para o desenvolvimento ....................................................... 39
	 3.6	No trabalho de relações públicas e comunicação.......................................................... 40
>
> A linguagem transmite valores
>
> Códigos e manuais para uma comunicação sensível aos Direitos da Criança
>
> Apadrinhamento e Direitos da Criança
4	Perspectivas................................................................................................................................. 43
Glossário............................................................................................................................................. 44
Referências Bibliográficas / Literatura Recomendada................................................................... 46
4
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Kindernothilfe
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Caro leitor,
cara leitora,
vivem em nosso planeta 2,3 bilhões de crianças e adolescentes, o que corresponde
a aproximadamente um terço da população mundial. Em alguns países, as crianças
e os adolescentes perfazem a maioria da população. Sua voz, no entanto, nem sempre
é ouvida e raras são as oportunidades que as crianças e os adolescentes têm de
expor seus interesses e anseios por meio da participação em discussões focadas
em seu futuro.
Muito embora se tenha observado, no mundo todo, notável progresso quanto à
aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança e apesar de grandes esforços
por parte de governos, organizações não governamentais e das próprias crianças
em prol da realização e proteção dos Direitos da Criança, esses - que, na realidade,
constituem garantias - são deliberadamente contestados ou ignorados, inclusive
como forma de exercício de poder.
Todos os dias, crianças são impedidas de exercer seus direitos. Além de carecer do
mínimo necessário para sua sobrevivência, muitas delas são vítimas de negligência,
violência sexual e discriminação em função de gênero, raça ou origem social. Elas
sofrem de desnutrição e falta de apoio, são exploradas e privadas do acesso à
educação.
Há mais de 60 anos, a Kindernothilfe atua em prol das crianças. Por meio do nosso
trabalho alicerçado em direitos, ajudamos a assegurar o cumprimento dos Direitos
da Criança em seu respectivo contexto social e a eliminação das causas estruturais
que levam à violação desses direitos.
Portanto, a participação ativa das crianças e adolescentes nos projetos e programas
é muito importante para nós. Nossos valores cristãos, somados ao enfoque de
Direitos da Criança, constituem o cerne de nossa atuação. Nesta publicação, ex-
plicamos a origem, o conceito, a essência e a aplicação desse enfoque e elucidamos
por que ele tem sido decisivo para nosso compromisso com as crianças desfavore-
cidas.
Desejamos uma boa leitura.
Antenciosamente,
Carsten Montag
Membro da Diretoria
6
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Kindernothilfe
1
Ícones:
	Links
	Dicas
	Citação
	 Experiências Práticas
7
Bem-vindos!
Por volta da virada do milênio, surge uma nova concepção de pobreza e de suas causas.
Desde então, a pobreza passou a ser vista como uma forma de exclusão social, econômi-
ca e política da sociedade, resultante da violação de direitos e da existência de estrutu-
ras injustas. Percebeu-se que a pobreza estava intimamente atrelada à ausência de di-
reitos e à impotência, e que ela somente seria superada de maneira duradoura por meio
de estratégias de desenvolvimento social que combatessem não apenas seus sintomas,
mas, principalmente, suas causas estruturais. Nesse contexto, a Kindernothilfe começou
a se dar conta de que a abordagem que adotava até então era demasiadamente seletiva.
Ainda que o apadrinhamento tenha preparado o caminho de muitas crianças para um
futuro melhor, para a maioria delas pouco mudou.
É por isso que a Kindernothilfe, assim como muitas outras organizações de cooperação
para o desenvolvimento, decidiu redirecionar sua forma de trabalho, distanciando-se da
caridade voltada à satisfação de necessidades e passando a adotar um enfoque sus-
tentável e baseado em direitos, capaz de ajudar um número maior de crianças. Hoje, a
Kindernothilfe é uma organização para a defesa dos Direitos da Criança que reconhece
a criança1
como sujeito autônomo e titular de direitos e invoca a responsabilidade dos
detentores de deveres de eliminar as causas estruturais das violações de direitos.
Juntamente com nossos parceiros, contribuímos para criar condições sociais nas quais
as crianças podem exercer seus direitos e se tornar sujeitos de seu futuro. Para tanto,
defendemos os Direitos Humanos universais, o respeito global dos Direitos da Criança e
a preservação dos recursos naturais essenciais para a vida de futuras gerações. Nossa
atuação está pautada pelos valores cristãos e pelos tratados internacionais de Direitos
Humanos, sobretudo a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança – CDC.
O enfoque de Direitos da Criança é expressão de nossa própria identidade e constitui a
estrutura e o alicerce de nosso trabalho. Ainda que, em algumas áreas, a implantação
desse enfoque seja apenas indireta, todos os funcionários da Kindernothilfe compar-
tilham a convicção de que ele deve ser levado em conta de maneira igual, qualquer que
seja a circunstância.
1	 Em conformidade com a CDC, considera-se como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, salvo quando,
em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes. De acordo com essa definição, nesta política
utilizamos o termo “criança” referindo-se à “crianças e adolescentes”.
Desde sua criação, a Kindernothilfe tem como missão “ajudar crianças que
mais precisam”. Ao longo de 60 anos de história, a Kindernothilfe vem apri-
morando continuamente seus métodos de trabalho para apoiar meninas
e meninos em situação de vulnerabilidades e riscos” de maneira cada vez
mais eficaz. No início, o foco de nosso trabalho era a satisfação das neces-
sidades básicas das crianças nos países em desenvolvimento. O acesso à
educação e à formação profissionalizante eram algumas das ferramentas
para oferecer a essas crianças uma existência segura. Partia-se da premissa
de que as condições de vida de crianças carentes podiam ser melhoradas
por meio de uma educação de qualidade e alimentação mais saudável. As
verdadeiras causas da pobreza, entretanto, quase não eram questionadas.
Na qualidade de
organização de defesa
dos Direitos da Criança, temos
que envolver as crianças em
nossas atividades, de forma
significativa. Para mim, além
de um dever, é uma grande
oportunidade..
Diretor responsável pelo
trabalho da Kindernothilfe
no exterior
8
Para honrar nosso compromisso de ser uma organização em contínua aprendizagem,
fazemos constantes reflexões sobre a qualidade de nossa atuação baseada nos Direitos
da Criança e procuramos sempre aprimorar nosso trabalho. Este documento consiste
na segunda edição, revista e ampliada, da edição original publicada em 2008. Além de
contemplar as novas experiências da Kindernothilfe, a presente edição leva em conta as
mudanças políticas e jurídicas ocorridas desde então e serve de base o para o trabalho
futuro da Kindernothilfe e de seus parceiros. As informações contidas neste documento
são destinadas especialmente aos funcionários, às estruturas de coordenação (escritórios
ou consultores da KNH) e às organizações parceiras da Kindernothilfe.
A política aqui apresentada:
>
> Serve como referência, para a Kindernothilfe e seus parceiros, para a aplicação do
enfoque de Direitos da Criança;
>
> Promove um entendimento comum, entre a Kindernothilfe e seus parceiros, a respeito
do enfoque de Direitos da Criança;
>
> Reforça o enfoque de Direitos da Criança como tarefa transversal que permeia todo o
trabalho da Kindernothilfe;
>
> Proporciona aos interessados uma ideia de como é possível estruturar a cooperação
para o desenvolvimento baseada em direitos.
O enfoque de Direitos da Criança segundo a Kindernothilfe
Crianças são sujeitos autônomos e Titulares de Direitos Humanos. O objetivo do
trabalho da Kindernothilfe consiste em promover a realização dos direitos de proteção,
promoção e participação consagrados na Convenção sobre os Direitos da Criança.
Para que as crianças possam reivindicar seus direitos, elas são ativamente envol-
vidas no planejamento, na execução e avaliação das atividades e dos projetos que
lhes dizem respeito.
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Kindernothilfe
9
Observações:
Os termos grafados em itálico são explicados no glossário.
O método de citação utilizado na bibliografia é “autor/ano” (autor, ano: número da página).
Para obter os dados completos das publicações citadas, favor consultar as referências
bibliografias.
Lista de siglas e abreviações
ACNUDH	 Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
ASDC	 Análise da Situação dos Direitos da Criança
BMZ	 Ministério da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento da República
	 Federal da Alemanha
	 [Bundesministerium für wirtschaftliche Zusammenarbeit und Entwicklung]
CDC	 Convenção sobre os Direitos da Criança
CPDE	 CSO Partnership for Development Effectiveness
	 (Parceria das OSC para a Eficácia do Desenvolvimento)
CRP	 Child Rights Programming
	 (Programa e projetos baseados nos Direitos da Criança)
DZI	 Instituto Alemão de Assuntos Sociais
EDD 	 Enfoque de Direitos das Crianças
GNUD	 Grupo das Nações Unidas para o Desenvolvimento
ODM	 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
ODS	 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
RPU	 Revisão Periódica Universal
ONU	 Organização das Nações Unidas
10
Enxergar o mundo
sob a perspectiva
de uma criança é o que me
motiva e enriquece meu
trabalho. Tenho certeza
de que, com a participação
da criança, nosso trabalho
se torna mais eficaz no
longo prazo.
Diretor responsável pelo
trabalho da Kindernothilfe
no exterior
2
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Kindernothilfe
11
O enfoque de Direitos
Humanos e de Direitos
da Criança
O enfoque de Direitos Humanos introduziu uma mudança de perspectiva
na cooperação para o desenvolvimento, uma vez que modificou de maneira
substancial as premissas dos projetos de desenvolvimento e a maneira
como eles são implementados. Sob a perspectiva dos Direitos Humanos a
respeito do desenvolvimento, existe uma relação intrínseca entre pobreza,
exclusão e suas causas estruturais.
Pautar o trabalho de cooperação para o desenvolvimento pelo enfoque de Direitos
Humanos significa respeitar sistematicamente os Direitos Humanos, em todas as etapas.
Portanto, não basta contribuir para a realização duradoura dos Direitos Humanos; é
necessário observar e seguir os princípios de Direitos Humanos em todos os processos
de um projeto. Tendo em vista que nosso objetivo é promover a realização plena dos
Direitos da Criança, adotamos um enfoque de Direitos Humanos voltado para a criança:
o enfoque de Direitos da Criança (EDD). O EDD constitui a base do nosso trabalho e da
nossa identidade. O EDD é alicerçado na Convenção sobre os Direitos da Criança e nos
direitos e valores nela consagrados.
2.1	 A origem e a importância dos
Direitos Humanos
O ser humano é um ser social e, portanto, dependente da sociedade em que vive. Desde
os primórdios, as sociedades humanas criaram regras para organizar a convivência entre
seus membros, levando em conta diferentes valores e visões de mundo. As experiências
vividas na 2a Guerra Mundial impulsionaram a comunidade internacional a criar um con-
junto universal de regras para prevenir que as atrocidades se repetissem na história da
humanidade. Com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 10
de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas recomendou uma série de
princípios de Direitos Humanos universais, destinados a garantir uma convivência digna
e pacífica entre todos os seres humanos.
Tratados de Direitos Humanos
A Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas constitui o alicerce
político essencial do atual sistema de proteção dos Direitos Humanos. À luz do Direito
Internacional, ela não tem força vinculante. Entretanto, o Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, que foram promulgados em 1966 e entraram em vigor em 1976, possuem caráter
vinculante, incorporam muitos dos direitos consagrados na Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Além disso, existem diversas convenções juridicamente vinculantes
destinadas a proteger e fortalecer grupos de pessoas particularmente vulneráveis. Seu
conteúdo é complementado por Protocolos Facultativos e outros instrumentos, como o
mecanismo de petições individuais.
Artigo 1o da De-
claração Universal
dos Direitos Humanos:
Todos os seres humanos
nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São
dotados de razão e con-
sciência e devem agir em
relação uns aos outros com
espírito de fraternidade.
Outras convenções
1965
Convenção contra a
Discriminação Racial
1979
Convenção da Mulher
1984
Convenção contra a Tortura
1989
Convenção sobre os Direitos
da Criança
1990
Convenção sobre os
Trabalhadores Migrantes
2006
Convenção das Pessoas
com Deficiência
2006
Convenção contra o
Desaparecimento Forçado
12
Obrigações em matéria de Direitos Humanos
Os tratados de Direitos Humanos reconhecem os seres humanos como titulares de
direitos legitimados a exigir o cumprimento dos Direitos Humanos. Ao ratificarem um
tratado, os Estados signatários aceitam seu conteúdo e o incorporam em suas próprias
legislações, assumindo obrigações perante os titulares de direitos e passando a figurar
como detentores de deveres. São suas incumbências:
>
> Respeito: Os Estados não podem violar os Direitos Humanos nem obstruir seu
exercício, direta ou indiretamente.
>
> Proteção: Os Estados têm o dever de impedir que terceiros, como empresas privadas,
violem ou desrespeitem os Direitos Humanos.
>
> Garantia: Os Estados devem tomar as medidas legislativas, administrativas e
financeiras adequadas para garantir o cumprimento dos Direitos Humanos.
Muitas vezes, as violações aos Direitos Humanos partem do próprio Estado e de suas
instituições (como a polícia, as Forças Armadas, o Judiciário ou instituições de ensino).
Além disso, muitos países não dispõem dos requisitos estruturais necessários para garantir
a proteção efetiva dos Direitos Humanos. No entanto, o dever de respeitar e garantir os
Direitos Humanos não repousa apenas sobre o Estado, mas se estende a todos os seres
humanos. Ainda que a Declaração Universal dos Direitos Humanos enuncie as obrigações
individuais de cada ser humano perante a comunidade, o exercício dos Direitos Humanos
independe do cumprimento dessas obrigações.
Características e princípios de Direitos Humanos
Os Direitos Humanos têm por fundamento a dignidade da pessoa humana e são inerentes
a todos os seres humanos (universalidade). Eles não podem ser negados e não admitem
renúncia voluntária (inalienabilidade). Além disso, eles têm o mesmo valor e são depen-
dentes uns dos outros, de modo que qualquer violação aos Direitos Humanos normal-
mente ensejará a violação de outros Direitos Humanos (interdependência). Para evitar
isso, é preciso observar os princípios fundamentais de Direitos Humanos, já que eles
descrevem a maneira como os Direitos Humanos devem ser implantados, bem como os
objetivos a serem alcançados por meio de sua realização. A seguir, são apresentados os
três princípios fundamentais que permeiam todos os tratados de Direitos Humanos:
>
> 	
Não discriminação e igualdade de oportunidades: Todos os seres humanos, inde-
pendentemente de sua origem, idade, gênero, condição social, saúde mental ou física,
origem ou credo, são titulares de Direitos Humanos. Além da igualdade perante a lei,
a não discriminação abrange o acesso a serviços sociais básicos, como educação e
saúde, segurança social e recursos como água e informação.
>
> 	
Participação e empoderamento: Todos os seres humanos têm direito à informação,
o que é um requisito essencial para que possam participar dos processos de decisão
e reivindicar seus direitos perante o Estado. Participação significa participar da vida
política, cultural, religiosa e econômica visando ao empoderamento. Empoderamento,
por sua vez, significa a capacidade de exigir, por meio de esforços próprios, o respeito
aos Direitos Humanos. Isso pode se dar no âmbito familiar, da comunidade ou até mesmo
no processo político nacional. A participação baseada nos Direitos Humanos é um
processo político de longo prazo que contribui para a democratização da sociedade.
>
> 	
Dever de prestar contas e transparência: Detentores públicos de deveres são obri-
gados a prestar contas aos titulares de direitos. A transparência e o dever de prestar
Para mim (ou para nós,
crianças), Direitos da
Criança significa que somos
iguais, não importa a idade. E
que respeitamos uns aos utros.
Criança de um projeto
Compreender os
Direitos da Criança
é entender que as crianças
são sujeitos de direito cujo
exercício e validade devem ser
garantidos pelo Estado
Funcionária de organização
parceira
A participação é crucial
para o sucesso de um
projeto. Com a participação, o
processo se torna transparente
e as crianças se tornam sujeitos.
Os protagonistas estão cientes
dos Direitos da Criança e da
discriminação, conhecem o
caminho a ser seguido e são
capazes de levantar suas reivin-
dicações.
Diretor de organização
parceira
13
contas constituem os alicerces da governança democrática, da participação social e da
repressão à discriminação.
Mecanismos internacionais de controle e fiscalização
de cumprimento
O cumprimento das convenções mencionadas acima e sua implantação pelos Estados-
partes são controladas por um comitê das Nações Unidas formado por especialistas
independentes. Os Estados-partes são obrigados a apresentar relatórios enunciando as
medidas adotadas para proteger os Direitos Humanos e garantir sua efetiva aplicação.
Além disso, o Conselho de Direitos Humanos pode solicitar relatórios relativos a temas
ou países específicos.
A Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos tem por objetivo
fiscalizar o cumprimento dos Direitos Humanos pelos Estados-membros. Esse processo,
que está ocorrendo de quatro em quatro anos, desde 2007 serve como ferramenta para
avaliar a situação dos Direitos Humanos em todos os Estados-membros das Nações
Unidas. A avaliação é feita com base em relatórios elaborados pelo próprio Estado e pelo
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, assim como relatórios
alternativos submetidos por organizações não governamentais. Durante um diálogo inte-
rativo entre representantes dos Estados-membros, são feitas recomendações, ficando a
critério de cada Estado aceitar ou rejeitar as recomendações recebidas.
Sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanos
Ao lado do sistema de proteção dos Direitos Humanos das Nações Unidas existem os
sistemas regionais, que vêm assumindo importância cada vez maior. Os sistemas regio-
nais contribuem para a adaptação das normas e dos padrões internacionais de Direitos
Humanos à região específica e refletem as singularidades dos Direitos Humanos tendo
em vista cada contexto regional. Cada região dispõe de instrumentos próprios – como
convenções, comissões, relatores especiais e cortes - que auxiliam na implementação
dos acordos regionais e tratados internacionais. Esses instrumentos são complementares
ao sistema de proteção dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Porém, em alguns
casos, a exemplo das decisões proferidas pela Corte Africana dos Direitos Humanos e
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, são ainda mais eficazes do que o sistema
global. No entanto, os sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanos enfrentam
alguns problemas, como sobrecarga, escassez de recursos e falta de apoio político por
parte dos Estados-membros.
Shrinking Spaces (Espaços cada vez menores)
A despeito de sua extrema importância, os diversos sistemas de proteção dos Direitos
Humanos não são capazes de garantir os direitos de todos os seres humanos. Atual-
mente, há uma tendência global de questionamento dos Direitos Humanos e de suas
instituições, aliada ao descaso das autoridades frente a críticas da sociedade. Se não
bastasse, em muitos países - não apenas nos autocratas, mas também nos países de
regime democrático - a situação política dificulta a reivindicação dos Direitos Humanos.
Essa tendência, conhecida como shrinking spaces, denota a progressiva redução da
margem de manobra do trabalho em Direitos Humanos, o que reflete, por exemplo,
na restrição dos direitos de liberdade de reunião, associação e expressão. Além disso,
ativistas e defensores dos Direitos Humanos vêm sofrendo crescente repressão ou até
mesmo perseguição.
Na base de dados de-
nominada “Treaty Body
Database”
, do Alto Comissaria-
do das Nações Unidas para os
Direitos Humanos (ACNUDH),
é possível consultar os relató-
rios por país ou convenção:
https://tbinternet.ohchr.org
Informações completas
sobre a Revisão Peri-
ódica Universal e o ciclo de
relatórios de cada país estão
disponíveis no site UPR info:
https://acnudh.org/pt-br/
conselho-de-direitos-humanos-
adotou-revisao-periodica-
universal-do-brasil
Informações mais
detalhadas a respeito
dos sistemas regionais de pro-
teção dos Direitos Humanos
estão disponíveis no site do
Alto Comissário das Nações
Unidas para os Direitos
Humanos (ACNUDH):
https://bangkok.ohchr.org/
programme/regional-systems.
aspx
14
2.2	 O enfoque de Direitos Humanos na
cooperação para o desenvolvimento
Desde a década de 90, o sistema ONU de proteção dos Direitos Humanos vem recebendo
atenção cada vez maior da cooperação para o desenvolvimento. Os Objetivos de Des-
envolvimento Sustentável (ODS), que substituíram os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM) em 2015, se referem aos Direitos Humanos. Ao mesmo tempo, desde a
Declaração de Paris de 2005, a cooperação para o desenvolvimento vem sendo pres-
sionada para incrementar sua eficácia e eficiência. Isso desencadeou um processo de
aprendizagem mútua para os atores da política do desenvolvimento, que passaram a
buscar novos caminhos para implementar os preceitos das convenções de Direitos
Humanos. É nesse cenário que surge a seguinte questão: até que ponto existe uma
relação entre Direitos Humanos e mudanças duradouras?
O enfoque de Direitos Humanos na cooperação para o
desenvolvimento: como tudo começou
A“Declaração de Viena” da Conferência Internacional de Direitos Humanos de 1993
enfatizou a inter-relação entre os Direitos Humanos, a democracia e o direito ao desen-
volvimento: a pobreza obsta o efetivo exercício dos Direitos Humanos. A cooperação
para o desenvolvimento baseada nos Direitos Humanos combate as causas estruturais
da pobreza (ACNUDH, 1996-2019). A partir daías Nações Unidas passaram a incorpo-
rar, com maior ímpeto, os Direitos Humanos ao trabalho de suas organizações. Esses
esforços culminaram com a criação de um documento descrevendo o enfoque próprio
de Direitos Humanos das Nações Unidas, que resultou em um entendimento comum a
respeito da maneira como a cooperação para o desenvolvimento baseada nos Direitos
Humanos deveria ser implementada no âmbito da ONU e de suas organizações (PNUD,
2003). Esse documento define três elementos centrais do enfoque baseado nos Direitos
Humanos, a saber:
>
> Todos os programas de cooperação para o desenvolvimento, de estratégias de política
para o desenvolvimento e de assistência técnica devem contribuir para a realização
dos Direitos Humanos.
>
> Os padrões e princípios de Direitos Humanos derivados da Declaração Universal dos
Direitos Humanos e de outros instrumentos internacionais de Direitos Humanos
devem reger os projetos e programas de cooperação para o desenvolvimento em todos
os setores e etapas dos projetos.
>
> A cooperação para o desenvolvimento deve contribuir para promover a capacidade
dos detentores de deveres de cumprir suas obrigações e a dos titulares de direitos de
reivindicar seus direitos.
Para tanto, é necessário lançar mão de alguns instrumentos adicionais, como a análise da
situação dos Direitos Humanos no contexto do projeto e a análise das causas estruturais
das discriminações, incluindo uma análise inicial do potencial dos titulares de direitos de
reivindicar seus direitos e da capacidade dos detentores de deveres de satisfazer suas
obrigações. Além disso, os padrões e princípios de Direitos Humanos devem ser levados
em conta no monitoramento e na avaliação de impactos (PNUD, 2003).
Esse novo entendimento provocou uma mudança de atitude por parte dos atores da
cooperação para o desenvolvimento: hoje, os grupos-alvo são vistos como titulares de
direitos iguais e responsáveis por seu próprio processo de desenvolvimento, o que se dá
15
por meio do empoderamento (no sentido de poder e autonomia próprios). No âmbito
da cooperação para o desenvolvimento baseada nos Direitos Humanos, a participação e
colaboração dos grupos-alvo são tanto um método como uma finalidade em si.
A mudança de perspectiva
No início, a cooperação para o desenvolvimento era principalmente voltada à satisfação
de necessidades básicas, oferecendo moradia, educação, alimentação, etc. Essa abordagem
partia da premissa de que a caridade, sobretudo na forma de distribuição de recursos,
era capaz de induzir mudanças. O tempo revelou que essa abordagem não resultava
em melhorias duradouras das condições de vida. Era necessário investigar as raízes, as
verdadeiras causas dos problemas.
O enfoque de Direitos Humanos possibilitou a identificação dessas causas, revelando-se
um instrumento particularmente apto a induzir mudanças sustentáveis. Ele acarretou
uma mudança de perspectiva, na qual pessoas carentes passam a ser vistas como titulares
de direitos aptas a reivindicar seus direitos em face dos detentores de deveres (autorida-
des e órgãos públicos). A visão da pobreza mudou: a pobreza deixou de constituir o
resultado de necessidades não satisfeitas e desenvolvimento precário, passando a ser
vista como consequência do não cumprimento de responsabilidades.
O objetivo do enfoque de Direitos Humanos é promover uma transformação social baseada
no reconhecimento dos direitos e deveres de todos os atores envolvidos: os titulares
de direitos devem ser capacitados a reivindicar seus direitos e exigir dos detentores de
deveres que esses cumpram suas obrigações.
Figura 1 | Relação entre titulares de direitos e detentores de deveres
Detentores de deveres
têm a obrigação de
respeitar proteger garantir
os Direitos Humanos
Titulares de direitos
estão capacitados para exigir prestação
de contas dos detentores de deveres
Os Direitos
Humamos são
	 inalienáveis
	 igualitários
	 indivisíveis
	 universais
Prestação de contas
e Transparência
Detentores de deveres
prestam contas
e assumem
responsabilidade
Participação
Titulares de direitos
reivindicam
seus direitos
16
Educação em Direitos Humanos como elemento central
do enfoque de Direitos Humanos
A educação em Direitos Humanos é um elemento essencial para a realização dos Direitos
Humanos e a implementação do enfoque de Direitos Humanos. Através da capacitação
dos titulares de direitos e dos detentores de deveres, ela contribui para a criação de uma
“cultura universal de respeito aos Direitos Humanos” (ACNUDH 2011: Art. 2, I), já que
sensibiliza as pessoas para a importância dos Direitos Humanos. A educação em Direitos
Humanos ocorre em três níveis:
>
> Educação sobre os Direitos Humanos: Transmissão de conhecimentos sobre os
sistemas de proteção dos Direitos Humanos, seus princípios, normas e instrumentos.
>
> 	
Educação através dos Direitos Humanos: Atitudes e posturas que moldam os
Direitos Humanos, como o planejamento participativo de projetos.
>
> 	
Educação para os Direitos Humanos: Promoção de uma cultura de Direitos
Humanos, encorajando as pessoas a conhecer e reivindicar seus direitos e respeitar
os direitos alheios.
O enfoque de Direitos Humanos – um denominador comum
Nos últimos anos, diversos atores da cooperação para o desenvolvimento, tanto gover-
namentais como não governamentais, empreenderam esforços para alicerçar seu trabalho
nos Direitos Humanos. Apesar de ainda não existir um conceito universal de enfoque de
Direitos Humanos no âmbito da cooperação para o desenvolvimento, ele costuma integrar,
como no caso das Nações Unidas, os seguintes elementos (ver DIMR, 2018):
>
> Referência aos sistemas de proteção dos Direitos Humanos, a seus padrões,
normas e princípios
>
> Utilização de métodos de análise e planejamento que consideram os
Direitos Humanos
>
> Observância dos padrões e princípios de Direitos Humanos
>
> Enfoque na participação das pessoas e dos grupos particularmente vulneráveis
e marginalizados em razão de sua situação de vida
>
> Criação de mecanismos para uma distribuição mais equitativa de bens e
oportunidades, bem como fortalecimento dos sistemas de seguridade social.
Quando o enfoque de Direitos Humanos é dotado desses elementos, a cooperação para o
desenvolvimento torna-se mais eficaz, como confirmam os Princípios de Istambul re-
ferentes à cooperação para o desenvolvimento eficaz e as diretrizes da VENRO aplicáveis
a projetos e programas de cooperação para o desenvolvimento.
17
2.3	 A Convenção sobre os Direitos da Criança
A história da CDC se estende por muitos anos. Diversos atores contribuíram de maneira
decisiva, cada qual em um momento diferente. Em nível internacional, um dos primeiros
marcos foi a “Declaração de Genebra” sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1924
pela Assembleia da Liga das Nações. Outro marco importante foi a iniciativa da delegação
da Polônia, em 1978, propondo a revisão do texto da “Declaração sobre os Direitos da
Criança” adotada pelas Nações Unidas em 1959 e sua implementação como tratado vin-
culante de Direito Internacional. Em 20 de novembro de 1989, a nova redação da convenção
foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, entrando em vigor em 2 de
setembro de 1990 como Declaração sobre os Direitos da Criança. Após a adesão de 196
Estados, ela é considerada a Convenção de Direitos Humanos da ONU mais amplamente
ratificada. O único Estado-membro da ONU que apenas assinou, mas ainda não ratificou
a CDC, são os Estados Unidos.
Importância da CDC
Por que, além dos Direitos Humanos, precisamos dos Direitos da Criança? Porque a
criança, em razão de sua falta de maturidade, tem necessidade de proteção, apoio e
cuidados especiais. Além disso, as crianças estão entre os grupos de pessoas que mais
sofrem violações de seus Direitos Humanos. A Convenção sobre os Direitos da Criança
foi a primeira convenção da ONU que conjugou o catálogo de direitos civis e políticos
com o catálogo de direitos econômicos, sociais e culturais. Ela se aplica a todos os seres
humanos com menos de 18 anos de idade2
(artigo 1° CDC) que são definidos como titula-
res de direitos. Contando com a adesão de quase todos os Estados, a Convenção sobre
os Direitos da Criança constitui um conjunto de valores e uma base comum de atuação
internacional. Esse padrão consensual desempenha um papel importante fundamental
na atuação da Kindernothilfe e de seus parceiros e constitui uma referência para a ava-
liação de decisões políticas e a nossa pauta de reivindicações.
2	 Salvo quando, nos termos da legislação nacional, a maioridade seja alcançada antes dessa idade.
Direitos Humanos e Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS)
Com seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) suas metas e prazos,
a Agenda 2030 das Nações Unidas criou um novo marco internacional de referência
para a cooperação para o desenvolvimento. Embora a Agenda 2030 não tenha força
vinculante, muitos Estados se comprometeram publicamente a adotá-la, assumindo,
assim, o compromisso de promover um desenvolvimento global mais justo que se
assemelha os que consta das convenções de Direitos Humanos. Os ODS que devem
beneficiar todos, atribuem prioridade aos desfavorecidos: “Não deixar ninguém
para trás” é o lema da Agenda 2030. Muitos dos ODS são destinados a promover a
realização dos Direitos Humanos econômicos, sociais e culturais ou ampliam seu
foco, incluindo aspectos relevantes aos Direitos da Criança. Portanto, os ODS podem
oferecer uma oportunidade para a implantação dos Direitos Humanos.
História da Convenção sobre os
Direitos da Criança
por volta de 1600
Praticamente não existe uma
distinção entre crianças e adultos.
Eles se vestem e se comportam
de forma igual.
1789
A Revolução Francesa dá origem à
Declaração dos Direitos do Homem.
Apesar de não conter referência
específica à criança, ela contribui
para o início uma discussão mais
aprofundada a respeito da situação
da criança.
1900
A pedagoga sueca Ellen Key
consagra a expressão “Século da
Criança”
.
1919
O médico e pedagogo polonês
Janusz Korczak publica sua obra
mais importante: “Como Amar
Uma Criança”
.
1924
A“Carta da Criança”
, elaborada
pela pedagoga britânica Eglantyne
Jebb, conhecida como Declaração
de Genebra, é aprovada pela
Assembleia da Liga das Nações.
1948
A Assembleia Geral das Nações
Unidas adota a Declaração Univer-
sal dos Direitos Humanos.
1959
A Assembleia Geral das Nações
Unidas aprova, por unanimidade,
uma declaração sobre os Direitos
da Criança, mas sem caráter
vinculante.
1978
A delegação da Polônia apresenta
à Comissão dos Direitos Humanos
da ONU a proposta de um projeto
convenção sobre os Direitos da
Criança essencialmente baseado
na declaração de 1959. A proposta
é considerada insuficiente.
1979
A Assembleia Geral das Nações
Unidas proclama o Ano Inter-
nacional da Criança.
1989
A ONU aprova a Convenção das
Nações Unidas sobre os Direitos
da Criança.
18
Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança
Características principais da CDC
A responsabilidade pela implantação da Convenção sobre os Direitos da Criança repousa
sobre os Estados-partes Vertragsstaaten. Como em todas as convenções de Direitos
Humanos, cabe ao Estado respeitar, proteger e garantir os direitos reconhecidos na Con-
venção sobre os Direitos da Criança, devendo, para tanto, observar os quatro princípios
fundamentais elencados mais abaixo. Compete ao Comitê das Nações Unidas para os
Direitos da Criança, em Genebra, fiscalizar o cumprimento das obrigações dos Estados-
partes com base em relatórios submetidos pelos Estados e relatórios alternativos (sub-
metidos por crianças, organizações não governamentais e organizações das Nações
Unidas). Além disso, a implantação da Convenção sobre os Direitos da Criança é baseada
nas Observações Gerais e complementada por três Protocolos Facultativos, ratificados
separadamente pelos Estados-membros.
1 Direitos de proteção, promoção e participação da criança
Os direitos consagrados na Convenção sobre os Direitos da Criança podem ser divididos
em três grupos:
>
> 	
Direitos de proteção: Trata-se de proteção contra a violência, o abuso sexual, a
negligência, a exploração e a crueldade, inclusive o direito à proteção especial em
tempos de guerra, o direito a uma justiça penal sem abusos, o direito de conhecer suas
próprias origens e o direito à vida. Os direitos de proteção estão expressos nos artigos
6o, 8o, 19, 32, 33 e 34 da Convenção sobre os Direitos da Criança.
>
> 	
Direitos de promoção: Englobam os direitos aos recursos, às habilidades e aos ele-
mentos necessários para a sobrevivência e o pleno desenvolvimento da criança. Estão
Figura 2 | Instrumentos e principais características da Convenção sobre os Direitos da Criança
Sociedade Civil Tratado
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA
1 Direitos de proteção, promoção e participação
2 Quatro princípios gerais
3
Protocolo Facultativo
Envolvimento de
crianças em
conflito armado
3
Protocolo Facultativo
Prostituicoa
e Pornografía Infantil,
venda de crianças
3
Protocolo Facultativo
Petições
individuais
4
Monitoramento
5
Observações
gerais
6
Petições
individuais
Investigações
19
incluídos nesta categoria os direitos a uma alimentação adequada, a moradia, água
limpa, educação formal, saúde básica, lazer e recreação, atividades culturais e infor-
mações sobre os Direitos da Criança. Alguns exemplos de direitos de promoção estão
consubstanciados nos artigos 24, 25, 26, 27 e 28. Outros artigos específicos tratam
das necessidades de crianças refugiadas, crianças com deficiência, pertencentes a
grupos minoritário e indígenas, entre outros.
>
> Direitos de participação: E sses direitos corroboram a condição de sujeito: por serem
sujeitos de direito, todas as crianças têm o direito de liberdade de expressão, de ex-
pressar sua opinião sobre todos os assuntos relacionados à sua vida social, econômica,
religiosa, cultural e política (artigo 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança). Os
direitos de participação englobam, ainda, o direito à informação e a liberdade de asso-
ciação (artigos 13 a 17). O exercício desses direitos permite que as crianças desempe-
nhem um papel ativo na sociedade.
Cabe aos Estados não apenas fazer valer os Direitos da Criança, mas também garantir
que todas as crianças tenham acesso a eles.
2 Os quatro princípios fundamentais
A Convenção sobre os Direitos da Criança está ancorada em quatro princípios funda-
mentais. Após a entrada em vigor da Convenção, os membros do Comitê para os Direitos
da Criança destacaram a importância desses princípios, elevando-os à categoria de
princípios superiores. Além de versar sobre direitos específicos, esses princípios servem
de parâmetro para a realização, a estruturação e o monitoramento de todos os Direitos
da Criança. Eles expressam o “espírito” da Convenção (ver Maywald, 2012: 41).
Trata-se do bem-estar
das crianças que vivem
em situação de extrema pobre-
za. Trata-se da sua segurança
(...) e do seu acesso a serviços
básicos como educação, saúde
e lazer, a um ambiente seguro
e a uma boa qualidade de vida.
Trata-se, ainda, da participação
dos pais, do conselho local e de
grupos da sociedade civil (...)
na construção de um ambiente
melhor (...). Um ambiente que
respeite os Direitos da Criança,
que rejeite o abuso sexual e a
violência (...). Em suma, trata-se
de oferecer um caminho susten-
tável para aqueles que são
sistematicamente rejeitados,
feridos e confinados à pobreza.
Diretor de organização
parceira
Interesse
superior da
criança
(Art. 3)
Sobre-
vivencia e
desenvolvi-
mento
(Art. 6)
Participcão
(Art. 12)
Não
discriminação
(Art. 2)
Figura 3 | Quatro principios gerais da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança
20
>
> Superior interesse da criança (artigo 3º CDC): Todas as medidas relacionadas à
criança, direta ou indiretamente, terão como consideração primordial o superior
interesse da criança. Essa é uma abordagem singular no âmbito dos Direitos Humanos,
pois se baseia no reconhecimento de que a criança, por se encontrar em fase de
desenvolvimento físico, mental e emocional, tem necessidade de proteção e cuida-
dos especiais. Caso haja diferentes interesses em jogo, deve-se asseverar absoluta
prevalência ao superior interesse da criança. Decisões que não levem em consideração
o superior interesse da criança violam os Direitos da Criança e são, portanto, inválidas
(cf. Maywald, 2012: 104). No entanto, inexiste uma definição universal de superior
interesse da criança. Em particular no âmbito da cooperação para o desenvolvimento, é
importante ter em mente que a noção de infância tem diferentes conotações, depen-
dendo do contexto cultural específico (cf. Lansdown, 2005: 7). Tangente à aplicação do
conceito de superior interesse da criança, o Comitê das Nações Unidas para os Direitos
da Criança indica que é preciso envolver todos os atores, a fim de garantir a integri-
dade física, psicológica, moral e espiritual da criança, como um todo, e promover sua
dignidade (cf. CDC, 2013: 4).
>
> Participação (artigo 12º CDC): A criança tem o direito de exprimir suas opiniões e de
participar. O princípio da participação reforça a importância da participação ativa da
criança em todas as questões que lhe diz respeito. Esse princípio parte do pressuposto
de que as crianças, na qualidade de atores sociais, devem ser tratadas em pé de igual-
dade, mas sempre tendo em mente que a infância é uma fase especial da vida e que as
oportunidades de participação conferidas à criança devem ser apropriadas à sua idade
(cf. Lansdown, 2005: 3). Essa máxima é igualmente aplicável quando se trata de infor-
má-las sobre o progresso ou resultado de determinada medida (cf. CDC, 2009: 28).
O princípio da participação é particularmente relevante nas situações em que deter-
minados grupos de crianças são capazes de contribuir com suas próprias experiências.
Uma criança adotada, por exemplo, pode em muito contribuir em discussões sobre
novas regras de adoção (cf. CDC, 2003: 5).
>
> Não discriminação (artigo 2º CDC): Nenhuma criança poderá ser discriminada em
razão de seu sexo, orientação sexual, origem étnica, religião, cultura, estado de saúde,
deficiência ou qualquer outra condição (CDC, 2003: nº 4). Para assegurar a efetivação
desse princípio, é preciso, em primeiro lugar, identificar quem são as crianças que
sofrem discriminação, para depois assegurar sua proteção. Além disso, as medidas
adotadas devem contribuir para combater as causas estruturais da discriminação.
Nesse contexto, é preciso ter em mente que as estratégias de atuação baseadas nos
Direitos Humanos de adultos visam assegurar a igualdade social de grupos margi-
nalizados, ao passo que as estratégias de atuação baseada nos Direitos da Criança
priorizam a proteção da criança (Lansdown, 2005: 6).
>
> Sobrevivência e desenvolvimento (artigo 6º CDC): Este artigo assegura a todas as
crianças o direito à vida, à sobrevivência e às melhores oportunidades de desenvolvi-
mento. O conceito de sobrevivência e desenvolvimento “ao máximo” é essencial para a
aplicação de todos os demais artigos e, portanto, integra o rol de princípios fundamen-
tais. O desenvolvimento deve ser visto como um todo, englobando o desenvolvimento
físico, mental, espiritual, moral, psicológico e social da criança. Na prática, as medidas
devem ter como escopo promover que cada criança possa se desenvolver da melhor
forma possível. Para conferir a máxima proteção às crianças, é preciso, ainda, identifi-
car e eliminar os riscos que podem surgir em seu cotidiano e nos projetos (Lansdown,
2005: 15).
As crianças têm o
direito de se desenvol-
ver, de desfrutar das mesmas
oportunidades e de não ser
discriminadas em função
de seu local de residência,
gênero, nacionalidade, etnia,
cor, religião, idioma ou outros
fatores. Os direitos da criança
são inalienáveis. A não discri-
minação constitui um princípio
abrangente e fundamental
de qualquer legislação, tanto
nacional como internacional.
Escritório de coordenação da
Kindernothilfe
21
3 Protocolos Facultativos
A Convenção sobre os Direitos da Criança é complementada por três Protocolos Facultativos:
>
> Protocolo Facultativo sobre o envolvimento de crianças em conflitos armados
(em vigor desde 2002),
>
> Protocolo Facultativo sobre a venda de crianças, a prostituição infantil e a pornografia
infantil (em vigor desde 2002) e
>
> Protocolo Facultativo relativo a petições individuais (em vigor desde 2014).
Os Protocolos Facultativos são posteriores à Convenção, já que versam sobre temas a
respeito dos quais inicialmente não havia consenso. Muitas vezes, era preciso primeiro lutar
para obter esse consenso, como foi o caso do protocolo relativo a petições individuais.
4 Monitoramento
Todos os Estados que ratificaram a Convenção sobre os Direitos da Criança são obrigados
a apresentar relatórios a respeito de sua aplicação, dois anos após a ratificação e, em
seguida, a cada cinco anos, contemplando todos os aspectos legislativos, executivos e
judiciários relevantes instruídos de dados estatísticos. Além de indicar progressos e
desafios do período em questão, eles devem identificar prioridades e definir objetivos
para o futuro. Os relatórios submetidos pelos Estados, assim como os relatórios alterna-
tivos submetidos por organizações da sociedade civil e organizações não governamentais,
são apreciados pelo Comitê para os Direitos da Criança. As crianças e os adolescentes
têm o direito de apresentar relatórios e de se comunicar com o Comitê para expor seu
ponto de vista. Após a apreciação dos relatórios e um diálogo com o Estado pertinente,
o Comitê emite, na forma de observações finais, suas recomendações. O Comitê pode,
ainda, solicitar ao Secretário-Geral das Nações Unidas relatórios sobre temas específicos
em matéria de Direitos da Criança.
5 Observações Gerais
As Observações Gerais são redigidas pelo Comitê das Nações Unidas para os Direitos da
Criança e explicam o significado de artigos específicos da Convenção sobre os Direitos
da Criança e a maneira como eles devem ser aplicados. Atualmente, há 21 Observações
Gerais (última atualização: maio de 2019), que são constantemente atualizadas. Além do
direito de participar do processo de elaboração das Observações Gerais, as organizações
não governamentais podem utilizá-las em seu trabalho de advocacy para conscientizar
os Estados sobre seus deveres em relação aos Direitos da Criança. No mais, elas podem
ser consultadas quando da revisão ou alteração de leis nacionais.
6 Petições individuais
O mecanismo de petições individuais permite que crianças e adolescentes comuniquem
ao Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança violações aos direitos postula-
dos na Convenção sobre os Direitos da Criança. Para tanto, é necessário o esgotamento
de todos os recursos nacionais disponíveis, a menos que a tramitação no judiciário
nacional se prolongue injustificadamente ou que seja improvável que com ela se obtenha
uma reparação efetiva. Caso a vítima da violação não seja capaz de apresentar a petição
por conta própria, ela pode ser representada por outra pessoa. Após o exame da petição,
o respectivo comitê da ONU pode exigir a reparação do dano pelo Estado. Embora essas
exigências feitas pelo Comitê da ONU não tenham efeito vinculante, a autoridade do
Comitê e o caráter público lhe conferem grande impacto. Afinal, nenhum Estado gosta
de ser denunciado na comunidade internacional como violador de Direitos Humanos.
A partir do final da dé-
cada de 90, a Kindernot-
hilfe e vários de seus aliados
começaram lutar para que as
petições individuais passassem
a integrar um Protocolo Facul-
tativo à Convenção sobre os
Direitos da Criança, a exemplo
da Convenção da Mulher.
Em 19 de dezembro de 2011,
foi aprovado o Protocolo Facul-
tativo relativo ao mecanismo
de petições individuais, que
entrou em vigor, finalmente,
no dia 14 de abril de 2014.
22
2.4	 O enfoque de Direitos da Criança –
	 abrangente e sustentável
O enfoque de Direitos da Criança gira em torno da primazia dos direitos, das necessi-
dades, da opinião e da participação da criança. As organizações que adotam o enfoque
de Direitos da Criança devem aplicá-lo todas as áreas - não apenas em seus projetos,
mas também em suas atividades de relações públicas e formação. Isso requer algumas
mudanças significativas.
Para que o enfoque de Direitos da Criança seja incorporado ao trabalho de uma organiza-
ção, são necessários, via de regra, os seguintes aspectos:
>
> Da orientação para “necessidades” rumo à orientação para os “Direitos da Criança”
>
> Mudança de postura: as crianças são titulares de direitos
>
> Consideração dos Direitos da Criança como fim e como meio
>
> Participação da criança
>
> Atenção aos Direitos da Criança em todos os processos e áreas
Da orientação para “necessidades” rumo à orientação para
os “Direitos da Criança”
Quando o assunto é a criança, pobreza deixa der ser sinônimo da falta de desenvolvimento
e de necessidades não satisfeitas: ela se torna consequência de estruturas injustas e
do não cumprimento de deveres. A satisfação das necessidades básicas da criança não
deixa de ser um objetivo do enfoque de Direitos da Criança. Entretanto, seu foco não é
o curto prazo, senão a superação duradoura das causas estruturais da pobreza e das
violações de direitos.
Mudança de postura: crianças são titulares de direitos
O enfoque de Direitos da Criança requer uma mudança de postura em relação à criança.
Reconhecida como sujeito de direito, a criança pode reivindicar seus direitos. Crianças
não são objetos de educação; elas são seres humanos dotados do direito à individualidade,
à liberdade de desenvolvimento e à autodeterminação.
Os direitos das crianças devem ser assegurados por pessoas e instituições conhecidas
como detentoras de deveres. No contexto da Convenção sobre os Direitos da Criança, de-
tentores de deveres não são apenas o Estado, mas também pessoas e grupos no entorno
da criança, como pais, família, comunidades locais ou organizações de desenvolvimento.
Todos eles são responsáveis pela plena realização dos Direitos da Criança. A figura 5
abaixo ilustra a rede dos detentores de deveres responsáveis pela realização dos Direitos
da Criança.
Entretanto, os papéis de titulares de direitos e detentores de deveres não são rígidos e
imutáveis, sendo possível que um detentor de deveres se torne um titular de direitos
em determinadas circunstâncias. Como exemplos, podemos citar: pais têm o direito de
trabalhar para proporcionar aos seus filhos condições de vida adequadas; crianças e
famílias têm o direito de serem protegidos, pelo Estado, contra a violência; professores
têm o direito a uma remuneração adequada e a recursos por parte do Estado, para que
possam satisfazer o direito das crianças à educação.
O enfoque de Direitos
da Criança significa
colocar as crianças e os ado-
lescentes na posição de
sujeitos de direitos, fortalecer
sua capacidade de exercer
seus direitos e estimular
sua criatividade para que se
expressem e implementem
suas ideias, como adultos. Ao
mesmo tempo, trata-se de
fortalecer as capacidades dos
detentores de deveres para
que sejam vistos e passem a
agir como tal, e para que dia-
riamente tratem as crianças e
os adolescentes como titula-
res de direitos que devem ser
protegidos pelo governo, pela
sociedade e pela família.
Diretora de uma organização
parceira
Criança de um
projeto:
Se alguém violar meus
direitos, eu vou reclamar.
Eu reivindico meus direitos,
em casa e na escola.
Eu exigi meu direito porque
quero estudar.
23
Precisamos evitar a vio-
lação de direitos, criar
espaço para a realização de
direitos em todos os níveis,
com participação e o empodera-
mento das crianças. Além disso,
é preciso que os detentores
de deveres mudem de atitude,
criando condições para a não
violação.
Escritório de coordenação da
Kindernothilfe
Figura 4 | Rede de detentores de deveres responsáveis pela realização dos Direitos da Criança
Direitos da Criança como fim e como meio
O enfoque de Direitos da Criança tem por objetivo identificar violações aos Direitos da
Criança ( Análise da Situação dos Direitos da Criança), lidar com essas violações e asse-
gurar a realização duradoura dos Direitos da Criança. Medidas diretas (p.ex., ajuda de
emergência) proporcionam ajuda imediata (1). Porém, para o reconhecimento duradouro
dos Direitos da Criança pela sociedade, é necessário envolver e capacitar os detentores
de deveres a cumprirem seus deveres perante as crianças (2). Por outro lado, a realização
sustentável dos Direitos da Criança requer que as crianças e seu entono conheçam e
aprendam a reivindicar seus direitos. Esse processo, conhecido como empoderamento
(3), visa promover a participação política e melhorar as condições de vida das crianças
atingidas.
Alicerçado no exercício ativo dos direitos de participação assegurados na Convenção
sobre os Direitos da Criança, essa capacitação integral constitui um pilar do EDD.
O enfoque de Direitos da Criança, portanto, é bem mais do que uma política aliada a um
método: trata-se de um princípio que salienta a importância imprescindível de contemplar
os Direitos da Criança em todas as fases do projeto e em todas as áreas de atuação da
organização.
3
Capacitação dos titulares
de direitos (crianças e seu
entorno) para reivindi-
carem seus direitos
(empoderamento)
Figura 5 | Modelo dos três pilares (Save the Children UK, 2007: 18)
1
Medidas diretas
em caso de violação
dos Direitos da
Criança
2
Capacitação dos
detentores de deveres
para cumprirem suas
obrigações
Análise da situação dos Direitos da Criança
Capacidades da organização
SOCIEDADE CIVIL
SOCIEDADE CIVIL
SOCIEDADE CIVIL
COMUNIDADE
FAM I L I A
C
o
m
u
n
i
dade internacional – Legislação, políticas,r
e
c
u
r
s
o
s
G
o
v
e
r
n
o
central – Legislação, políticas, re
c
u
r
s
o
s
I
m
p
l
a
n
tação prática pelo govern
o
l
o
c
a
l
Reivindicação
do direito
Deveres e
responsabilidade
24
Participação da criança
No âmbito do enfoque de Direitos da Criança, as crianças são vistas como sujeitos autô-
nomos, como titulares do direito de questionar e lutar para mudar as regras existentes
em seu contexto local ou nacional. Para que possam participar ativamente do desenvolvi-
mento da sua sociedade, as crianças precisam ter liberdade para desenvolver suas
habilidades, sua criatividade, liderança e capacidade criadora. As mudanças implantadas
com a participação da criança são particularmente sustentáveis, uma vez que a iniciativa
e a concretização dos passos necessários partem das próprias crianças. Uma das formas
de promover a participação é permitir que as crianças expressem suas opiniões e tomem
parte das decisões que lhes dizem respeito.
Para tanto, é preciso levar suas opiniões a sério. E para que isso ocorra, é necessário
criar uma pedagogia de Direitos da Criança por meio da qual crianças e adultos possam
interagir em pé de igualdade. Isso não significa eliminar as diferenças entre crianças
e adultos. Pelo contrário: adultos, pais e funcionários do projeto devem proporcionar
à criança “a instrução e orientação adequadas, de acordo com sua capacidade em
evolução, no exercício dos direitos que lhe cabem”
. (artigo 5o CDC) A conscientização a
respeito da dignidade e da igualdade de direitos permite que os envolvidos reconheçam
as diferentes necessidades e as traduzam em metas de ação.
Para garantir sua participação, é preciso envolver a criança em todas as fases do projeto:
planejamento, implementação, monitoramento e avaliação. A qualidade da participação
deve observar alguns princípios éticos, que foram traduzidos em nove critérios de parti-
cipação significativa de crianças.
Os nove critérios de participação significativa de crianças:
Para dotar a participação de eficácia e significado, o Comitê para os Direitos da Criança
define que ela deve ser (CDC, 2009: 26s):
>
> transparente e informativa
>
> voluntária
>
> baseada no respeito
>
> relevante
>
> apropriada à idade da criança
>
> inclusiva
>
> acompanhada de treinamentos oferecidos aos adultos
>
> segura e consciente dos riscos existentes
>
> acompanhada da prestação de contas (CDC, 2009: 26s)
A satisfação desses critérios faz com que a participação não seja um fim em si mesma,
mas sim um meio para melhorar a conscientização das pessoas a respeito da questão
das crianças, seus direitos e sua realização (CDC, 2003: 4). Além disso, as possibilidades
de participação devem ser contínuas e devem contribuir para o estabelecimento de
relações diretas entre governos e crianças (CDC, 2003: 5).
O direito de participação
é a liberdade de falar
tudo o que sentimos, de ex-
pressar e compartilhar nossas
ideias e de sermos ouvidos.
Criança de um projeto
25
Atenção aos Direitos da Criança em todos os processos e áreas
A realização dos Direitos da Criança se faz possível por meio de uma estratégia conhecida
como “mainstreaming”
, que significa considerar os Direitos da Criança amplamente, em
todas as áreas de trabalho. Nesse contexto, o enfoque de Direitos da Criança abre uma
perspectiva nova e ainda mais abrangente, sobretudo no contexto de programas e proje-
tos, já que incorpora estratégias e atividades que preparam o caminho para a realização
dos Direitos da Criança: participação, informação, conscientização, representação legal e
exigência de cumprimento. Essas estratégias se aplicam a todo o entorno da criança,
colocando a família, seu meio social e as comunidades no papel de detentores de deveres.
Logo no início de um projeto, é realizada uma análise da situação, cujo propósito é identi-
ficar possíveis violações aos Direitos da Criança e suas causas. Nesse processo, examina-
se o papel dos detentores de deveres, o cumprimento de suas obrigações e eventuais
obstáculos.
A estratégia do projeto contempla todos esses fatores com o intuito de alcançar uma
melhoria duradoura da situação dos Direitos da Criança. Ela envolve não apenas o em-
poderamento das crianças e de outros envolvidos, mas também o trabalho de advocacy
direcionado aos detentores de deveres. O trabalho de advocacy inclui desde os planos de
desenvolvimento municipais (por exemplo, orçamento de ensino e saúde) até o lobby
político junto a tomadores de decisão visando a reforma de leis nacionais.
Mudanças só podem ser
alcançadas se agirmos
juntos, com a ajuda dos nossos
pais, tios, da comunidade e
dos professores. Só assim é
que podemos mudar alguma
coisa.
Crianças de um projeto
As análises devem re-
velar a necessidade de
urgência não apenas para lidar
com os diversos problemas
das crianças, mas também
para investigar as causas
dos problemas. Elas devem
funcionar como medida de
prevenção.
Funcionário de uma organiza-
ção parceira
O enfoque de Direitos da Criança amplia horizontes:
>
> As crianças começam a ser vistas como sujeitos autônomos e incentivadas a
reivindicar seus próprios direitos;
>
> Organizações, comunidades e grupos locais adquirem maior consciência de seus
direitos, tornando-se mais fortes;
>
> As crianças e as pessoas em seu entorno participam ativamente da criação de
estruturas igualitárias que proporcionam resultados sustentáveis. Isso representa
um passo importante no sentido de passar da ajuda de emergência, com seu
horizonte de curto prazo, a soluções de longo prazo.
>
> O princípio da participação fortalece as crianças, preparando-as para a vida
adulta. Assim sendo, o enfoque de Direitos da Criança é um meio de promover
a democracia.
>
> As causas das violações aos Direitos da Criança são investigadas com vistas a
alcançar mudanças positivas e duradouras nos Direitos da Criança, por meio de
estratégias adequadas.
26
Por meio do enfo-
que de Direitos da
Criança lutamos contra a
pobreza e a violação dos
Direitos da Criança.
Escritório de Coordenação
da Kindernothilfe
3
Foto:
Jakob
Studnar / ©
Kindernothilfe
27
O enfoque de Direitos
da Criança
na Kindernothilfe
A virada do milênio marcou o início de um período de reorientação dos
programas da Kindernothilfe. No início, nossos programas começaram a
ter dimensão comunitária, visando a ampliação de seus impactos. A partir
de 2005, passamos a adotar uma abordagem baseada em direitos, que
culminou com o EDD. Desde então, o EDD é um elemento central da nossa
identidade.
A plena realização dos Direitos da Criança constitui o objetivo de nosso trabalho e é uma
tarefa a ser continuamente desempenhada em conjunto com nossas organizações par-
ceiras e outros aliados. Com o apoio de nossos parceiros, fortalecemos nossa capacidade
de enfrentar, de maneira eficaz e sustentável, as causas estruturais da pobreza e da
exclusão.
Temos certeza de que, ao adotar o EDD, somos capazes de potencializar o impacto dos
recursos utilizados. Para tanto, não basta estabelecermos um diálogo com nossas
organizações parceiras; é preciso incorporar os aspectos centrais do enfoque de Direitos
da Criança em todos os nossos processos, instrumentos, diretrizes e áreas de trabalho.
É por isso que a introdução do enfoque de Direitos da Criança causa impactos profundos
em nosso trabalho administrativo, de programas e projetos, de advocacy, da formação
para o desenvolvimento, de relações públicas e comunicação.
O enfoque de Direitos da Criança e nossos valores cristãos
As mudanças trazidas pela adoção do enfoque de Direitos da Criança estão plena-
mente alinhadas com nossos valores cristãos. Ainda que a Bíblia não faça menção
expressa aos Direitos da Criança, ela reconhece a criança como dádiva Divina,
criada à imagem de Deus. Para a Bíblia, assim como para os Direitos Humanos, a
criança é titular de dignidade inalienável. A proximidade de Jesus com as crianças
é refletida sobretudo em seu discurso e em seus atos. Jesus vê a criança como
sujeito autônomo e protagonista de sua vida. Portanto, as palavras e atos de Jesus,
assim como a CDC, trouxeram uma mudança de paradigma no trato com a criança
e cunharam um novo conceito sobre o que é ser criança. Ambos reconhecem a
situação especial de vulnerabilidade da criança, seus direitos de proteção, promoção
e participação.
Da mesma forma que Deus defende o direito dos pobres contra a corrupção dos
poderosos, o enfoque de Direitos da Criança exige dos detentores de deveres o cum-
primento de suas obrigações. É, portanto, pertinente que o enfoque de Direitos da
Criança e o testemunho bíblico compartilham semelhanças e se reforçam mutua-
mente.
Com o enfoque de
Direitos da Criança
promovemos a criança como
sujeito de sua vida, defendendo
o direito à sobrevivência e ao
desenvolvimento..
Diretora-presidente da
Kindernothilfe
28
Em seguida, explicaremos as transformações da Kindernothilfe e de suas organizações
parceiras com a introdução do EDD e descrevemos quais os instrumentos e conceitos
concretos baseados no EDD que utilizamos. Apresentamos, ainda, as expectativas da
Kindernothilfe em relação à cooperação com suas organizações parceiras. Na qualidade
de organização em contínua aprendizagem, procuramos sempre melhorar a qualidade
do nosso trabalho,  estabelecendo diálogos com nossos parceiros e realizando constantes
avaliações de nossas experiências.
3.1	 A adoção do enfoque de Direitos da Criança
A reorientação do nosso trabalho, marcada pela adoção do EDD em 1999, representou
o início de um amplo processo de transformação na Kindernothilfe. Para coordenar as
mudanças e introduzir o EDD, em 2005 foi criado o “comitê de enfoque de Direitos da
Criança” com participação de diferentes departamentos da Kindernothilfe. Os resultados
da interação entre as diferentes áreas de trabalho representadas pelo comitê foram
diretamente refletidos na Kindernothilfe. Os demais marcos constam da tabela abaixo.
Marcos importantes alcançados nos últimos anos
2002–2014	 Trabalho de advocacy: petições individuais (3º Protocolo Facultativo)
2005	 Criação do comitê de EDD, com o intuito de transformar o enfoque em
princípio orientador
2008	 Publicação do documento “O enfoque de direitos da criança no trabalho
da Kindernothilfe na Alemanha e no exterior”
2010	 Criação do cargo de “gerente de enfoque de Direitos da Criança”
2010–2014	 Introdução do planejamento estratégico nacional alicerçado
nos Direitos da Criança
2011	 Criação do cargo de “responsável pela proteção da criança”
2012	 Publicação dos padrões de qualidade aplicáveis ao trabalho baseado nos
Direitos da Criança
2012	 Início dos treinamentos de nossas organizações parceiras sobre proteção
da criança
2013	 Publicação da Política Institucional de Proteção Infantil da Kindernothilfe
2013	 Criação da avaliação de entidades
2013–2016	 Revisão dos formatos de propostas de projetos e relatórios anuais
2016	 Formas de participação apropriadas à criança começam a ser introduzidas
com o projeto “Tá na Hora de Falar!”
2019	 Elaboração de diversos documentos:
	 	 Manual Prático: “Como elaborar e utilizar a Análise da Situação dos
		 Direitos da Criança no Nível de Projeto para formular uma Proposta de
	 	 Projeto”
	 	 Atualização da Política Institucional de Proteção Infantil
	 	 Publicação da nova política de implantação do EDD no trabalho
		 da Kindernothilfe
	 	 A“Estratégia de Programação Baseada nos Direitos da Criança” começa
		 a ser elaborada
Nos últimos dez anos,
a KNH intensificou seu
foco nos Direitos da Criança.
Com isso, muitos parceiros
passaram a ter maior con-
sciência da importância da
proteção da criança, promo-
vendo a participação da
criança durante o ciclo com-
pleto do projeto.
Coordenador nacional da
Kindernothilfe
29
Nesse contexto, passou a ser necessária a criação de diferentes instrumentos, como
padrões de qualidade, Política Institucional de Proteção Infantil, avaliação de entidades,
novo modelo de Proposta de Projetos, além de novos cargos que se ocupassem especi-
ficamente dos Direitos da Criança e fossem responsáveis por introduzir e acompanhar
processos relevantes. Outros elementos importantes foram a finalização da Política Insti-
tucional de Proteção Infantil e a criação de um programa de treinamento de organiza-
ções parceiras (ver p.32). Entre os processos relevantes que ocorreram nesse contexto,
merecem destaque, ainda, a orientação para efeitos e impactos baseada nos Direitos da
Criança, o fortalecimento de projetos e programas baseados nos Direitos da Criança e a
elaboração de uma política abrangente de advocacy.
3.2	 Padrões de qualidade aplicáveis ao
	 trabalho baseado nos Direitos da Criança
O trabalho nos projetos, as metodologias e as abordagens pedagógicas, bem como
o desenvolvimento organizacional e de recursos humanos devem atender às exigên-
cias inerentes ao enfoque de Direitos da Criança. Como referência para a aplicação do
enfoque de Direitos da Criança, a Kindernothilfe elaborou dez padrões de qualidade.
Resultantes de processos variados de aprendizagem e aprimoramento, tanto no nível de
projeto como no nível institucional, esses padrões referenciam quais aspectos devem ser
observados, em termos organizacionais e programáticos, para atender às exigências ine-
rentes ao enfoque de Direitos da Criança. Os padrões são divididos em duas categorias:
padrões institucionais, que descrevem as exigências aplicáveis à própria Kindernothilfe e
às suas organizações parceiras, e padrões programáticos, que descrevem as exigências
inerentes aos projetos.
Nos últimos anos, os padrões de qualidade contribuíram para
>
> Criar um entendimento comum entre a Kindernothilfe e suas organizações
parceiras no que tange à implementação do enfoque de Direitos da Criança
>
> Convencer nossas organizações parceiras da importância do enfoque de
Direitos da Criança, levando-as a adaptar seu trabalho de projetos para contemplar
esse enfoque
>
> Desenvolver novos instrumentos e padrões mínimos para a implementação do
enfoque de Direitos da Criança.
Cada um desses padrões vem acompanhado de uma série de características e sinais
de alerta, que servem como instrumentos para fiscalizar sua implementação. Essas
características e sinais de alerta são multifacetadas e interdependentes, o que revela
que os padrões não podem ser aplicados de maneira isolada. Além disso, é preciso
dispor de uma orientação estratégica clara, tempo e recursos para adquirir os con-
hecimentos necessários. Por fim, são necessários: o compromisso com os Direitos da
Criança, a vontade de mudar paradigmas e a disposição, por parte da Kindernothilfe e
de suas organizações parceiras, para fazer autoavaliações críticas regulares com base
nos padrões de qualidade.
30
Padrões de qualidade institucionais
Em seus instrumentos de planejamento, a Kindernothilfe costuma definir objetivos
que contribuem para a implementação do enfoque de Direitos da Criança e para o
cumprimento dos padrões de qualidade. A seguir, são apresentados alguns marcos
importantes:
>
> Standard 1 – Cultura organizacional: Em nossos processos de seleção, observamos
se o candidato compartilha nossos valores e se reconhece os Direitos da Criança e os
princípios do enfoque de Direitos da Criança.
>
> Standard 2 – Uma organização em contínua aprendizagem: Além de estimularmos
a participação em eventos específicos, desde 2012 temos aumentado a quantidade
de treinamentos oferecidos aos nossos funcionários e organizações parceiras. Com
isso, aprimoramos, em todas as áreas da organização, a competência para atuar com
base nos Direitos da Criança. Além disso, todos os novos funcionários participam de
seminários de introdução ao enfoque de Direitos da Criança e Proteção da Criança. O
gerente de enfoque de Direitos da Criança e o responsável pela Proteção da Criança coor-
denam, respectivamente, a aplicação do enfoque de Direitos da Criança e os requisitos
da Política de Proteção da Criança.
>
> Standard 3 – Proteção da criança: Em 2013, criamos a nossa Política Institucional
de Proteção Infantil, que vem sendo aplicada de maneira consistente desde então.
Até o presente momento, todas as nossas organizações parceiras já participaram
de treinamentos sobre o assunto. Oferecemos, ainda, treinamentos adicionais que
abordam necessidades específicas relacionadas ao tema (proteção de crianças em
desastres, crianças com deficiência, etc.).
>
> Standard 4 – Prestação de contas: Além de utilizarmos nossos recursos financeiros
de forma adequada, fazemos uma prestação de contas pública e transparente. Prova
disso é o selo de doações que recebemos regularmente do DZI. Promovemos o combate
à corrupção, posicionando-nos a favor da utilização adequada de recursos. Nossa
“Política de Integridade e Anticorrupção” (2019) contém informações mais detalhadas
a esse respeito.
>
> Standard 5 – Trabalho de advocacy e relações públicas: Fornecer a nossas organi-
zações parceiras apoio ainda maior em suas atividades de advocacy é um dos objetivos
que traçamos para nossa organização. Para que ele seja alcançado, desenvolvemos
uma política de advocacy (ver item 3.4, trabalho de advocacy).
Tão importante quanto nosso próprio desenvolvimento como organização para a defesa
dos Direitos da Criança é saber que nossas organizações parceiras adotam uma postura
e dispõem de métodos que satisfaçam as exigências inerentes ao enfoque de Direitos
da Criança. Para tanto, criamos em 2014 um instrumento de avaliação de entidades no
intuito de avaliar questões inerentes aos dez padrões de qualidade, assim como aspectos
financeiros e administrativos. Ele nos permite avaliar criteriosamente a capacidade da
organização de atuar com base nos Direitos da Criança e nos ajuda a identificar as mu-
danças e os treinamentos de que a organização parceira necessita. A introdução desse
instrumento de avaliação de entidades contribuiu para aumentar o profissionalismo e
aprimorar a qualidade na seleção de organizações parceiras que atuam com enfoque
em direitos, além de promover maior transparência no início de novas cooperações e no
diálogo com organizações parceiras existentes.
Ao serem convidados
para uma entrevista, os
candidatos passam por uma
avaliação denominada ‘Cultural
Fit Evaluator’
, que revela se
seus valores estão alinhados
com os da Kindernothilfe.
Durante a entrevista, fala-se
sobre os Direitos da Criança,
sua implementação e sua
relação direta e indireta com
as funções inerentes ao cargo.
As avaliações de nossos
funcionários seguem a mesma
linha, ou seja, verificamos
criteriosamente se eles se
identificam com a nossa
identidade de organização
para a defesa dos Direitos da
Criança.
Diretor de Recursos Humanos
da Kindernothilfe
1. Cultura organizacional
A Kindernothilfe e seus parceiros
vivem uma cultura de Direitos
Humanos.
2. Uma organização em contínua
aprendizagem
A Kindernothilfe e seus parceiros
capacitam-se, continuamente, a
contribuir para a realização dos
Direitos da Criança.
3. Proteção da criança
A Kindernothilfe e seus parceiros
observam a Política Institucional
de Proteção-Infantil.
4. Prestação de contas
A Kindernothilfe e seus parceiros
cumprem seu dever de prestar
contas.
5. Advocacy e relações públicas
Por meio de seu trabalho de
advocacy e relações públicas, a
Kindernothilfe e seus parceiros
contribuem para a realização dos
Direitos da Criança.
31
Os padrões de quali-
dade do sexto ao nono
serão explicados no item 3.3.
Exemplo concreto
O trabalho da nossa organização parceira “Future Planning for the Child” no Malawi
é um bom exemplo de como os projetos podem contribuir para a realização dos
Direitos da Criança e, consequentemente, para a aplicação do Oitavo Padrão de
qualidade. Um dos principais objetivos do projeto é divulgar os Direitos da Criança
e os Direitos Humanos e evitar que sejam violados. Por meio do fortalecimento sus-
tentável de famílias e comunidades, o projeto permite que crianças cresçam em um
ambiente estável, onde recebem proteção e cuidados. Para tanto, além da coopera-
ção com líderes tradicionais e políticos da comunidade local, adota-se como foco a
promoção da mulher.
Durante muito tempo, a indiferença por parte do poder público, aliada ao descum-
primento das leis, favoreceu a violação do superior interesse da criança. No entanto,
os comitês de Direitos da Criança e os grupos de Proteção da Criança criados no
local do projeto conseguiram melhorar bastante essa situação nos últimos anos. A
mudança de percepção da população local em relação aos Direitos da Criança fez
com que as pessoas deixassem de ignorar e começassem a denunciar ativamente
qualquer ameaça ao superior interesse da criança.
O processo de fortalecimento das instituições locais, promovido por nossa organi-
zação parceira, acarretou efeitos positivos inclusive no que tange ao desenvolvimento
na primeira infância. As creches, que propiciam um local para aprender e brincar,
passaram a atender mais de 90 por cento das crianças que vivem na área do projeto,
fornecendo alimentação, brincadeiras e preparo para a vida escolar.
No item seguinte, apresentaremos uma série de outras medidas que desenvolvemos
para estruturar programas e projetos com base nos Direitos da Criança. Além de
contribuir para melhorar significativamente a qualidade do trabalho da Kindernothilfe,
essas medidas nos ajudaram a romper com o mero combate aos sintomas, passando a
identificar as verdadeiras causas da pobreza e que afetam os direitos das crianças. Com
isso, hoje somos capazes de criar estratégias de projeto que fortalecem a posição das
crianças como titulares de direitos e auxiliam os detentores de deveres no cumprimento
de suas obrigações.
Padrões de qualidade programáticos
	
A aplicação dos padrões de qualidade programáticos nos permitiu iniciar um processo
de discussão e aprendizagem intensivo, produtivo e contínuo com nossas estruturas de
coordenação e organizações parceiras, fundado sobretudo no enfoque de Direitos da
Criança adotado pela Save the Children em seus projetos, bem como nos instrumentos
e processos criados especificamente para esse fim (cf. Save the Children UK, 2007).
Para nós, a principal pergunta a ser feita é: qual é o ponto de partida para identificar
violações aos Direitos da Criança, sobretudo à luz do Oitavo Padrão (“Direitos da Criança
como objetivo”)? Em que nível nós e nossas organizações parceiras devemos analisar as
violações aos Direitos da Criança: no nível de projetos ou em nível nacional? Atualmen-
te, dispomos de instrumentos que corroboram as duas abordagens: o “Planejamento
Estratégico Nacional Alicerçado nos Direitos da Criança” analisa violações aos Direitos
da Criança e suas causas em nível nacional, ao passo que as análises de situação que
acompanham os novos modelos de proposta de projeto e relatório de projeto analisam
violações de direitos e suas causas no nível dos projetos.
6. Superior interesse da criança
Os projetos priorizam o superior
interesse da criança, nos termos
do artigo 3o
da Convenção sobre
os Direitos da Criança.
7. Participação e tratamento
equitativo
Crianças de até 18 anos de idade
podem participar de todas as
etapas do projeto. O princípio da
não discriminação é observado
sempre.
8. Direitos da Criança como
objetivo
O projeto tem como objetivo lutar
contra violações dos Direitos da
Criança e contribuir para sua
realização plena.
9. Empoderamento
O projeto fortalece as crianças
e seu entorno para que possam
reivindicar seus direitos.
10. Detentores de deveres
O projeto contribui para que os
detentores de deveres cumpram
seu dever de realização dos
Direitos da Criança.
32
3.3	 No trabalho de projetos e programas
Os projetos da Kindernothilfe partem de um planejamento estratégico nacional, onde são
definidos objetivos. A partir daí, começamos a buscar organizações parceiras adequadas,
diretamente ou através de nossas estruturas de coordenação locais. Organizações locais
podem também entrar em contato diretamente com os consultores dos escritórios locais
da KNH ou com nossa sede em Duisburg. Nessa fase inicial, a Kindernothilfe e a potencial
organização parceira se conhecem mutuamente, descobrem os métodos de trabalho uma
da outra e discutem a proposta de projeto. Via de regra, o enfoque de Direitos da Criança
requer uma referência direta, em todas as etapas do ciclo do projeto, aos direitos postu-
lados na Convenção sobre os Direitos da Criança. Isso vale principalmente para a análise
da situação e dos problemas, a definição dos objetivos e da estratégia do projeto. O obje-
tivo é assegurar que todas as nossas organizações parceiras adotem, metodicamente, o
enfoque de Direitos da Criança na fase de concepção de seus projetos.
Consolidação do enfoque de Direitos da Criança
Desde a introdução do enfoque de Direitos da Criança, nossos departamentos regionais
vêm envidando grandes esforços para integrá-lo ao nosso trabalho de programas e pro-
jetos e garantir a aplicação gradual dos padrões de qualidade programáticos. Isso requer
mudanças, por um lado, no diálogo com novas organizações e potenciais organizações
parceiras e, por outro lado, na elaboração de propostas de projeto. Essas mudanças,
assim como a própria integração do enfoque de Direitos da Criança ao nosso trabalho,
variam conforme os desafios e condições do país ou continente específico. Porém, o que
se constata em todos os continentes é o aprimoramento qualitativo das organizações
parceiras, a criação e reorganização de estruturas de coordenação e a realização de
atividades de qualificação e treinamento.
Por meio de inúmeros workshops, procuramos promover continuamente a criação de
instrumentos de apoio e promover a aprendizagem na área dos programas da Kindernot-
hilfe. Com base do aprendizado concreto adquirido nos países em que atuamos, criamos
conceitos criativos de workshops em cooperação com consultores, que aplicamos ou
aproveitamos em outras áreas.
>
> Planejamento estratégico nacional com enfoque de Direitos da Criança: Criado
em 2013 e alterado em 2017 por meio de um processo de avaliação participativo, o
planejamento estratégico nacional alicerçado nos Direitos da Criança permite a re-
estruturação de programas nacionais para combater as violações dos Direitos da
Criança e o foco em temas específicos de Direitos da Criança de um país. Além de
contribuir para a aplicação do Oitavo Padrão de qualidade, ele permite a identificação
de novas organizações parceiras e a realização de treinamentos para organizações
parceiras existentes, sobre temas definidos em conjunto. Pretendemos estabelecer
parcerias de longo prazo, ou seja, capazes de se estender por vários projetos. Isso nos
ajuda a estabelecer uma relação de confiança com nossas organizações parceiras e
facilita o processo de aprendizagem mútua.
>
> A proteção institucional da criança: Tendo em vista o grande número de casos de
violência contra crianças em instituições, a proteção institucional da criança se tornou
uma prioridade em nossa organização. Com isso, asseguramos o direito de a criança
ser protegida contra a violência e contribuímos, ainda, para a aplicação do Terceiro e
do Sétimo padrões de qualidade (ver item 3.2). No período entre 2012 e 2018, criamos
um programa de treinamento em Proteção da Criança. Hoje, a Kindernothilfe e pratica-
O enfoque de Direitos
da Criança se tornou
referência para o trabalho diário
de nosso escritório e para nossa
relação com organizações
parceiras. Ele nos permite
concentrar nossos esforços
nos setores da população mais
expostos à marginalização,
exclusão e discriminação.
Para nosso escritório, atuar
com foco nos Direitos da
Criança, em nível nacional e
internacional, significa lidar de
maneira consciente, coerente
e responsável com os preceitos
da lei, assegurando o cumpri-
mento e a validade dos Direitos
da Criança.
Escritório de coordenação da
Kindernothilfe
33
mente todas as suas organizações parceiras dispõem de uma Política Institucional de
Proteção Infantil própria. Cabe a nós e a nossas organizações parceiras monitorar a
aplicação e a atualização dessas políticas.
>
> Participação e empoderamento: Fortalecer o direito da criança de participar dos
projetos é um princípio essencial de nossa atuação. Com isso, contribuímos para
a aplicação do Sétimo e Nono padrões de qualidade. Para promover a participação
e o empoderamento, oferecemos às nossas organizações parceiras, desde 2016,
workshops sobre métodos participativos. Além disso, criamos alguns instrumentos
de apoio, como o manual de análise participativa da situação dos Direitos da Criança,
aplicado no nível dos projetos. Também lançamos um amplo processo piloto formado
por uma série workshops ministrados por instrutores qualificados. Ainda em 2016,
introduzimos um novo modelo de apresentação de propostas de projetos e relatórios
fundados no princípio básico da participação. Juntamente com nossas organizações
parceiras, pretendemos aprofundar o conceito de participação adequada à faixa etária
e definir formas específicas para sua aplicação.
>
> Crianças em situações de crises e conflitos humanitários: Nos últimos anos, o
número de crianças em crises humanitárias aumentou. Atualmente, a ajuda humanitária
perfaz um importante campo de atuação de nossa organização. Através do manual
“Child Friendly Spaces”, lançado em 2018, introduzimos diretrizes de ajuda humanitária
que corroboram o entendimento de que, mesmo em situações de crises e conflitos, a
criança não deixa de ser um sujeito de direito. O desafio que nós e nossas organizações
parceiras atualmente enfrentamos é o de promover a participação da criança por meio
da criação de instrumentos de feedback adequados à sua faixa etária e situação. A
aplicação dos parâmetros de proteção da criança constitui outro desafio, uma vez que
ela exige a sensibilização das comunidades para a criação de mecanismos de proteção,
o recrutamento de pessoal qualificado e o registro de crianças.
Perspectivas e planos
In the long run, two aspects are of special concern to us: First, it is important to enable
joint learning and second, a roadmap and the corresponding contents have to be defined.
This is how we are going to achieve this:
>
> Dialogue with partner organisations and in-country coordination: Durante o
processo de definição do enfoque de Direitos da Criança, é importante estabelecer um
diálogo com nossas organizações parceiras e estruturas de coordenação. Sabemos
que a avaliação do planejamento e dos impactos de treinamentos exige um constante
intercâmbio sobre as demandas. Muitas de nossas organizações parceiras desejam
adotar o enfoque de Direitos da Criança e a orientação para efeitos e impactos. Para
isso, elas precisam de tempo, recursos e treinamentos específicos. Os funcionários da
Kindernothilfe, por sua vez, necessitam de treinamentos que os capacitem a conduzir
um diálogo técnico qualificado com as organizações parceiras. Dessa forma, contri-
buímos para a aplicação do Segundo Padrão de qualidade - uma organização em
contínua aprendizagem. Por fim, é necessário disponibilizar o tempo e os recursos
financeiros necessários para esse diálogo.
>
> Programas e projetos baseados nos Direitos da Criança (Child Rights Program-
ming): Os programas e projetos baseados nos Direitos da Criança, também conhecidos
como Child Rights Programming (CRP), têm como essência e meta alcançar uma
melhoria duradoura da situação dos Direitos da Criança, induzindo uma mudança de
Em 2019, vamos des-
envolver nossa estratégia
nacional com base na Análise
da Situação dos Direitos da
Criança (ASDC). Acreditamos
que isso vá provocar mudanças
significativas em nossa estra-
tégia, já que buscaremos novas
ideias, condizentes com a
ASDC. Essa análise vai nos
permitir alcançar não apenas
as crianças, mas também os
detentores de deveres e grupos
de interesse relevantes, assegu-
rando a prestação de contas
e a garantia dos Direitos da
Criança.
Coordenação nacional da
Kindernothilfe
Os adultos devem pro-
teger e dar segurança às
crianças. Existem detentores
de deveres obrigados a respon-
der às nossas necessidades,
como as instituições públicas
e privadas. Nós somos os titu-
lares dos Direitos da Criança.
Quando existem problemas
no ambiente familiar, exijo o
respeito da sociedade, para
que algo seja feito contra essa
violência. Eu sempre exigi os
Direitos da Criança para evitar
maus-tratos contra crianças e
adolescentes.
Criança de um projeto
34
postura que reflita o reconhecimento da criança como sujeito de direito. Para tanto, é
necessária a aplicação sistemática dos princípios norteadores dos Direitos da Criança
durante o planejamento, a execução e o monitoramento de projetos, conforme demon-
stra o gráfico abaixo. Com base em uma Análise da Situação dos Direitos da Criança,
os projetos são planejados de maneira participativa e seus objetivos são descritos de
maneira orientada para efeitos e impactos, enumerando as transformações que se
pretende alcançar nas situações previamente definidas em conjunto com as crianças
e os adolescentes. As experiências e os progressos alcançados são regularmente
avaliados. Portanto, a própria programação baseada nos Direitos da Criança acaba
sendo orientada para efeitos e impactos.
A participação é funda-
mental, pois o exercício
da participação induz um
processo transparente e
liderado por crianças. Os
principais atores conhecem
seus direitos, as carências e
o caminho a ser seguido.
Diretor de uma organização
parceira
Participação
›
›
Análise
(
A
S
D
C
A
)
Implantação
Planeja
m
e
n
t
o
e
d
e
s
i
g
n
Compreensão e
sensibilização sobre
os Direitos da Criança
e seus principios
Figura 6 | Ciclo de projetos da Kindernothilfe com enfoque de Direitos da Criança
A
p
r
e
nder
Prestar contas
Monit
o
r
a
r
Mudança intencional
do quadro
jurídico-legal
35
Visando aprofundar ainda mais a orientação para efeitos e impactos, o modelo de apre-
sentação de propostas e relatórios foi adaptado, levando em consideração experiências
internacionais para aumentar a eficácia da cooperação para o desenvolvimento, como os
Princípios de Istambul.
Nos últimos anos, foram concebidos e realizados treinamentos para organizações parceiras
de diversos países. Durante esses treinamentos, nossos parceiros recebem o acompanha-
mento de consultores, que os ajudam a implementar os instrumentos e abordagens
orientados para efeitos e impactos. Além disso, para auxiliar as organizações parceiras e
os funcionários da Kindernothilfe a atuar de maneira orientada para efeitos e impactos
e baseada nos Direitos da Criança, foi criado um manual sobre a lógica de intervenção
do projeto. No âmbito dos programas e projetos baseados nos Direitos da Criança, nos
próximos anos serão criados novos treinamentos visando aprimorar o planejamento de
projetos e o monitoramento de várias de nossas organizações parceiras.
Para que nossos funcionários sejam capazes de conduzir um diálogo profissional com
as organizações parceiras, não podemos deixar de fortalecer as estruturas de coordena-
ção e os consultores que acompanham nossos processos. Além de tempo e recursos
financeiros, precisamos promover a qualificação contínua de nossos funcionários
(Segundo Padrão de qualidade).
Exemplo concreto
A SADEGUA é uma organização parceira estratégica da Kindernothilfe. Ela atua há
mais de 27 anos com crianças, adolescentes e mulheres de comunidades indígenas
da Guatemala e conta com mais de 15 anos de experiência no trabalho de sensibili-
zação e reivindicação dos Direitos da Criança.
De 2013 a 2018, a SADEGUA realizou a primeira fase de um projeto comunitário ba-
seado nos Direitos da Criança. Tendo em vista os impactos alcançados e o profissio-
nalismo de nosso parceiro, foi aprovada uma segunda fase, com duração até 2023.
Para a Kindernothilfe, um dos destaques dessa cooperação é a vontade de promo-
ver uma aprendizagem mútua com o objetivo de alcançar uma transformação eficaz
e sustentável nas condições de vida de crianças e adolescentes. A contribuição da
SADEGUA nesse sentido é exemplar: nos últimos anos, participou de diversos trei-
namentos sobre temas como Proteção da Criança, Programas e Projetos Baseados
nos Direitos da Criança e Orientação para Efeitos e Impactos. Além disso, a SADE-
GUA incorporou ao seu trabalho os conhecimentos e competências adquiridos.
Em sua nova proposta de projeto, a SADEGUA considerou as recomendações resul-
tantes da avaliação da primeira fase do projeto, procurando, na fase seguinte, asse-
gurar e aprofundar os impactos e transformações. Portanto, a lógica de impacto da
fase consecutiva do projeto combina os conhecimentos adquiridos e o know-how
de nossa organização parceira para focar nas violações de direitos e nas causas que
limitam o desenvolvimento integral das crianças na região do projeto. Trabalhamos
com importantes atores locais, pessoas chave da comunidade, famílias, detentores
de deveres, estruturas gerais e, claro, com as próprias crianças e adolescentes,
procurando alcançar mudanças positivas duradouras.
36
3.4	 No trabalho de advocacy
Para a aplicação consistente do EDD, é necessário um trabalho que enfrente as causas
econômicas, sociais e políticas da pobreza: o trabalho de advocacy. Nesse contexto, a
atuação da Kindernothilfe e seus parceiros perante os tomadores de decisão (governos
e instâncias superiores de poder) ocorre de duas maneiras: na qualidade de representantes
das crianças e através da atuação conjunta com crianças e adolescentes. O trabalho
de advocacy é um importante instrumento para estabelecer um diálogo construtivo e
colaborativo com os detentores de deveres e exigir que cumpram suas responsabilidades
perante os titulares de direitos. Nosso trabalho de advocacy toma como base a CDC e é
direcionado principalmente a governos, mas também a atores multilaterais e interna-
cionais. Um dos elementos essenciais do trabalho de advocacy é o foco nas crianças e
em suas famílias enquanto sujeitos de direitos. Nós as incentivamos a defender seus
direitos. Para isso, é necessário, em primeiro lugar, que conheçam esses direitos.
Além das atividades de advocacy em nossos projetos no exterior, temos um histórico
de mais de 25 anos de trabalho de advocacy em prol dos Direitos da Criança, tanto na
Alemanha como na esfera internacional, individualmente ou por meio de alianças com
outros atores. Uma iniciativa bem-sucedida de advocacy foi nossa participação na coli-
gação internacional em prol da criação de um mecanismo de petições individuais para
crianças nas Nações Unidas (ver item 2.3). Foram necessários quase dez anos (2002 a
2011) até que o 3º Protocolo Facultativo fosse finalmente adotado pela Assembleia Geral
das Nações Unidas.
Exemplo concreto
O projeto de nossa organização parceira IFEJANT, no Peru, é um caso exemplar.
Por meio da prevenção da violência, do fortalecimento dos Direitos da Criança e da
criação de sindicatos de crianças, o projeto visa melhorar as condições de vida de
crianças trabalhadoras, propiciando-lhes acesso à educação e protegendo-as de
atividades nocivas. Em conjunto com crianças trabalhadoras peruanas na faixa etária
de nove a treze anos, organizadas em grupos de autoajuda, a IFEJANT desenvolveu
um conceito para ensinar crianças a reconhecer e lidar com a violação de seus
direitos, e exigir seu cumprimento.
Para a IFEJANT, a participação ativa das crianças nos processos de planejamento
e execução do projeto e na criação de sindicatos de crianças são requisitos essen-
ciais para uma transformação sustentável. Por isso, em muitas das reuniões entre
a Kindernothilfe e a IFEJANT, é comum a presença de crianças, que contribuem de
maneira decisiva para a concepção do projeto. Hoje, são realizadas reuniões nacio-
nais entre representantes dos sindicatos de crianças para discutir os problemas
enfrentados.
O projeto é a prova viva de que, ao se organizarem e expressarem suas reivindicações,
crianças são capazes de exercer influência sobre o governo com vista a melhoras
sustentáveis de suas vidas. Além disso, o projeto ajuda a sensibilizar os detentores
de deveres (pais, professores, etc.) para o trabalho infantil e da violência contra
crianças, o que contribui significativamente para a redução e prevenção da violência.
Definição de advocacy:
No contexto dos Direitos
da Criança, advocacy significa
toda atividade organizada que
vise promover uma melhoria
sustentável das condições
políticas, jurídicas, econômicas,
ecológicas e sociais. O objetivo
consiste em exigir o cumpri-
mento dos direitos das crianças,
suas famílias e comunidades,
conforme postulados na CDC.
Isso é feito de duas formas:
apoiando e fortalecendo a
criança para que ela reivindi-
que seus direitos ou agindo
em seu nome, como repre-
sentante de seus interesses.
As atividades de advocacy
exigem dos detentores de
deveres o cumprimento de
seus deveres.
O Enfoque de Direitos da Criança no Trabalho da Kindernothilfe.pdf
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  • 1. 1 O Enfoque de Direitos da Criança no Trabalho da Kindernothilfe Foto: Jakob Studnar / © Kindernothilfe
  • 2. 2 Atenção: o conteúdo [deste folheto] está protegido por direitos autorais. Portanto, o uso deste material somente está per- mitido nos termos da lei. Ainda assim, a editora outorga o direito de uso do conteúdo deste folheto, de maneira não pública e sem que haja alteração de seu teor, para fins particulares ou não comerciais. É obrigatório mencionar explicitamente a Kindernothilfe como editora deste material em caso de uso. Fica expressamente proibida a utilização para fins comerciais ou econômicos. Em particular, não será outorgado o direito de utilizar o conteúdo deste folheto para a obtenção de benefícios econômicos, seja para o usuário ou para terceiros. Para adquirir uma licença de uso, favor entrar em contato com a editora. As licenças estarão sujeitas às condições aplicáveis, inexistindo o direito de reivindicar a outorga de licença.
  • 3. 3 Índice Prefácio ................................................................................................................................................ 5 1 Bem-vindos! .................................................................................................................................. 7 2 O enfoque de Direitos Humanos e de Direitos da Criança .................................................. 11 2.1 A origem e a importância dos Direitos Humanos ........................................................... 11 > > Tratados de Direitos Humanos > > Obrigações em matéria de Direitos Humanos > > Características e princípios de Direitos Humanos > > Mecanismos internacionais de controle e fiscalização de cumprimento > > Sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanos > > Shrinking Spaces (Espaços cada vez menores) 2.2 O enfoque de Direitos Humanos na cooperação para o desenvolvimento ................ 14 > > O enfoque de Direitos Humanos na cooperação para o desenvolvimento: como tudo começou > > A mudança de perspectiva > > Educação em Direitos Humanos como elemento central do enfoque de Direitos Humanos > > O enfoque de Direitos Humanos – um denominador comum 2.3 A Convenção sobre os Direitos da Criança...................................................................... 17 > > Importância da CDC > > Características principais da CDC 2.4 O enfoque de Direitos da Criança – abrangente e sustentável .................................. 22 > > Da orientação para “necessidades” rumo à orientação para os “Direitos da Criança” > > Mudança de postura: crianças são titulares de direitos > > Direitos da Criança como fim e como meio > > Participação da criança > > Atenção aos Direitos da Criança em todos os processos e áreas 3 O enfoque de Direitos da Criança na Kindernothilfe ........................................................... 27 3.1 A adoção do enfoque de Direitos da Criança ................................................................. 28 3.2 Padrões de qualidade aplicáveis ao trabalho baseado nos Direitos da Criança ..... 29 > > Padrões de qualidade institucionais > > Padrões de qualidade programáticos 3.3 No trabalho de projetos e programas ............................................................................. 32 > > Consolidação do enfoque de Direitos da Criança > > Perspectivas e planos 3.4 No trabalho de advocacy ................................................................................................... 36 > > Adaptação do trabalho de advocacy ao enfoque de Direitos da Criança > > Instrumentos do trabalho de advocacy > > Desafios do trabalho de advocacy 3.5 No trabalho de formação para o desenvolvimento ....................................................... 39 3.6 No trabalho de relações públicas e comunicação.......................................................... 40 > > A linguagem transmite valores > > Códigos e manuais para uma comunicação sensível aos Direitos da Criança > > Apadrinhamento e Direitos da Criança 4 Perspectivas................................................................................................................................. 43 Glossário............................................................................................................................................. 44 Referências Bibliográficas / Literatura Recomendada................................................................... 46
  • 5. 5 Caro leitor, cara leitora, vivem em nosso planeta 2,3 bilhões de crianças e adolescentes, o que corresponde a aproximadamente um terço da população mundial. Em alguns países, as crianças e os adolescentes perfazem a maioria da população. Sua voz, no entanto, nem sempre é ouvida e raras são as oportunidades que as crianças e os adolescentes têm de expor seus interesses e anseios por meio da participação em discussões focadas em seu futuro. Muito embora se tenha observado, no mundo todo, notável progresso quanto à aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança e apesar de grandes esforços por parte de governos, organizações não governamentais e das próprias crianças em prol da realização e proteção dos Direitos da Criança, esses - que, na realidade, constituem garantias - são deliberadamente contestados ou ignorados, inclusive como forma de exercício de poder. Todos os dias, crianças são impedidas de exercer seus direitos. Além de carecer do mínimo necessário para sua sobrevivência, muitas delas são vítimas de negligência, violência sexual e discriminação em função de gênero, raça ou origem social. Elas sofrem de desnutrição e falta de apoio, são exploradas e privadas do acesso à educação. Há mais de 60 anos, a Kindernothilfe atua em prol das crianças. Por meio do nosso trabalho alicerçado em direitos, ajudamos a assegurar o cumprimento dos Direitos da Criança em seu respectivo contexto social e a eliminação das causas estruturais que levam à violação desses direitos. Portanto, a participação ativa das crianças e adolescentes nos projetos e programas é muito importante para nós. Nossos valores cristãos, somados ao enfoque de Direitos da Criança, constituem o cerne de nossa atuação. Nesta publicação, ex- plicamos a origem, o conceito, a essência e a aplicação desse enfoque e elucidamos por que ele tem sido decisivo para nosso compromisso com as crianças desfavore- cidas. Desejamos uma boa leitura. Antenciosamente, Carsten Montag Membro da Diretoria
  • 7. 7 Bem-vindos! Por volta da virada do milênio, surge uma nova concepção de pobreza e de suas causas. Desde então, a pobreza passou a ser vista como uma forma de exclusão social, econômi- ca e política da sociedade, resultante da violação de direitos e da existência de estrutu- ras injustas. Percebeu-se que a pobreza estava intimamente atrelada à ausência de di- reitos e à impotência, e que ela somente seria superada de maneira duradoura por meio de estratégias de desenvolvimento social que combatessem não apenas seus sintomas, mas, principalmente, suas causas estruturais. Nesse contexto, a Kindernothilfe começou a se dar conta de que a abordagem que adotava até então era demasiadamente seletiva. Ainda que o apadrinhamento tenha preparado o caminho de muitas crianças para um futuro melhor, para a maioria delas pouco mudou. É por isso que a Kindernothilfe, assim como muitas outras organizações de cooperação para o desenvolvimento, decidiu redirecionar sua forma de trabalho, distanciando-se da caridade voltada à satisfação de necessidades e passando a adotar um enfoque sus- tentável e baseado em direitos, capaz de ajudar um número maior de crianças. Hoje, a Kindernothilfe é uma organização para a defesa dos Direitos da Criança que reconhece a criança1 como sujeito autônomo e titular de direitos e invoca a responsabilidade dos detentores de deveres de eliminar as causas estruturais das violações de direitos. Juntamente com nossos parceiros, contribuímos para criar condições sociais nas quais as crianças podem exercer seus direitos e se tornar sujeitos de seu futuro. Para tanto, defendemos os Direitos Humanos universais, o respeito global dos Direitos da Criança e a preservação dos recursos naturais essenciais para a vida de futuras gerações. Nossa atuação está pautada pelos valores cristãos e pelos tratados internacionais de Direitos Humanos, sobretudo a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança – CDC. O enfoque de Direitos da Criança é expressão de nossa própria identidade e constitui a estrutura e o alicerce de nosso trabalho. Ainda que, em algumas áreas, a implantação desse enfoque seja apenas indireta, todos os funcionários da Kindernothilfe compar- tilham a convicção de que ele deve ser levado em conta de maneira igual, qualquer que seja a circunstância. 1 Em conformidade com a CDC, considera-se como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, salvo quando, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes. De acordo com essa definição, nesta política utilizamos o termo “criança” referindo-se à “crianças e adolescentes”. Desde sua criação, a Kindernothilfe tem como missão “ajudar crianças que mais precisam”. Ao longo de 60 anos de história, a Kindernothilfe vem apri- morando continuamente seus métodos de trabalho para apoiar meninas e meninos em situação de vulnerabilidades e riscos” de maneira cada vez mais eficaz. No início, o foco de nosso trabalho era a satisfação das neces- sidades básicas das crianças nos países em desenvolvimento. O acesso à educação e à formação profissionalizante eram algumas das ferramentas para oferecer a essas crianças uma existência segura. Partia-se da premissa de que as condições de vida de crianças carentes podiam ser melhoradas por meio de uma educação de qualidade e alimentação mais saudável. As verdadeiras causas da pobreza, entretanto, quase não eram questionadas. Na qualidade de organização de defesa dos Direitos da Criança, temos que envolver as crianças em nossas atividades, de forma significativa. Para mim, além de um dever, é uma grande oportunidade.. Diretor responsável pelo trabalho da Kindernothilfe no exterior
  • 8. 8 Para honrar nosso compromisso de ser uma organização em contínua aprendizagem, fazemos constantes reflexões sobre a qualidade de nossa atuação baseada nos Direitos da Criança e procuramos sempre aprimorar nosso trabalho. Este documento consiste na segunda edição, revista e ampliada, da edição original publicada em 2008. Além de contemplar as novas experiências da Kindernothilfe, a presente edição leva em conta as mudanças políticas e jurídicas ocorridas desde então e serve de base o para o trabalho futuro da Kindernothilfe e de seus parceiros. As informações contidas neste documento são destinadas especialmente aos funcionários, às estruturas de coordenação (escritórios ou consultores da KNH) e às organizações parceiras da Kindernothilfe. A política aqui apresentada: > > Serve como referência, para a Kindernothilfe e seus parceiros, para a aplicação do enfoque de Direitos da Criança; > > Promove um entendimento comum, entre a Kindernothilfe e seus parceiros, a respeito do enfoque de Direitos da Criança; > > Reforça o enfoque de Direitos da Criança como tarefa transversal que permeia todo o trabalho da Kindernothilfe; > > Proporciona aos interessados uma ideia de como é possível estruturar a cooperação para o desenvolvimento baseada em direitos. O enfoque de Direitos da Criança segundo a Kindernothilfe Crianças são sujeitos autônomos e Titulares de Direitos Humanos. O objetivo do trabalho da Kindernothilfe consiste em promover a realização dos direitos de proteção, promoção e participação consagrados na Convenção sobre os Direitos da Criança. Para que as crianças possam reivindicar seus direitos, elas são ativamente envol- vidas no planejamento, na execução e avaliação das atividades e dos projetos que lhes dizem respeito. Photo: Jakob Studnar / © Kindernothilfe
  • 9. 9 Observações: Os termos grafados em itálico são explicados no glossário. O método de citação utilizado na bibliografia é “autor/ano” (autor, ano: número da página). Para obter os dados completos das publicações citadas, favor consultar as referências bibliografias. Lista de siglas e abreviações ACNUDH Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos ASDC Análise da Situação dos Direitos da Criança BMZ Ministério da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento da República Federal da Alemanha [Bundesministerium für wirtschaftliche Zusammenarbeit und Entwicklung] CDC Convenção sobre os Direitos da Criança CPDE CSO Partnership for Development Effectiveness (Parceria das OSC para a Eficácia do Desenvolvimento) CRP Child Rights Programming (Programa e projetos baseados nos Direitos da Criança) DZI Instituto Alemão de Assuntos Sociais EDD Enfoque de Direitos das Crianças GNUD Grupo das Nações Unidas para o Desenvolvimento ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável RPU Revisão Periódica Universal ONU Organização das Nações Unidas
  • 10. 10 Enxergar o mundo sob a perspectiva de uma criança é o que me motiva e enriquece meu trabalho. Tenho certeza de que, com a participação da criança, nosso trabalho se torna mais eficaz no longo prazo. Diretor responsável pelo trabalho da Kindernothilfe no exterior 2 Foto: Jakob Studnar / © Kindernothilfe
  • 11. 11 O enfoque de Direitos Humanos e de Direitos da Criança O enfoque de Direitos Humanos introduziu uma mudança de perspectiva na cooperação para o desenvolvimento, uma vez que modificou de maneira substancial as premissas dos projetos de desenvolvimento e a maneira como eles são implementados. Sob a perspectiva dos Direitos Humanos a respeito do desenvolvimento, existe uma relação intrínseca entre pobreza, exclusão e suas causas estruturais. Pautar o trabalho de cooperação para o desenvolvimento pelo enfoque de Direitos Humanos significa respeitar sistematicamente os Direitos Humanos, em todas as etapas. Portanto, não basta contribuir para a realização duradoura dos Direitos Humanos; é necessário observar e seguir os princípios de Direitos Humanos em todos os processos de um projeto. Tendo em vista que nosso objetivo é promover a realização plena dos Direitos da Criança, adotamos um enfoque de Direitos Humanos voltado para a criança: o enfoque de Direitos da Criança (EDD). O EDD constitui a base do nosso trabalho e da nossa identidade. O EDD é alicerçado na Convenção sobre os Direitos da Criança e nos direitos e valores nela consagrados. 2.1 A origem e a importância dos Direitos Humanos O ser humano é um ser social e, portanto, dependente da sociedade em que vive. Desde os primórdios, as sociedades humanas criaram regras para organizar a convivência entre seus membros, levando em conta diferentes valores e visões de mundo. As experiências vividas na 2a Guerra Mundial impulsionaram a comunidade internacional a criar um con- junto universal de regras para prevenir que as atrocidades se repetissem na história da humanidade. Com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas recomendou uma série de princípios de Direitos Humanos universais, destinados a garantir uma convivência digna e pacífica entre todos os seres humanos. Tratados de Direitos Humanos A Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas constitui o alicerce político essencial do atual sistema de proteção dos Direitos Humanos. À luz do Direito Internacional, ela não tem força vinculante. Entretanto, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que foram promulgados em 1966 e entraram em vigor em 1976, possuem caráter vinculante, incorporam muitos dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além disso, existem diversas convenções juridicamente vinculantes destinadas a proteger e fortalecer grupos de pessoas particularmente vulneráveis. Seu conteúdo é complementado por Protocolos Facultativos e outros instrumentos, como o mecanismo de petições individuais. Artigo 1o da De- claração Universal dos Direitos Humanos: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e con- sciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Outras convenções 1965 Convenção contra a Discriminação Racial 1979 Convenção da Mulher 1984 Convenção contra a Tortura 1989 Convenção sobre os Direitos da Criança 1990 Convenção sobre os Trabalhadores Migrantes 2006 Convenção das Pessoas com Deficiência 2006 Convenção contra o Desaparecimento Forçado
  • 12. 12 Obrigações em matéria de Direitos Humanos Os tratados de Direitos Humanos reconhecem os seres humanos como titulares de direitos legitimados a exigir o cumprimento dos Direitos Humanos. Ao ratificarem um tratado, os Estados signatários aceitam seu conteúdo e o incorporam em suas próprias legislações, assumindo obrigações perante os titulares de direitos e passando a figurar como detentores de deveres. São suas incumbências: > > Respeito: Os Estados não podem violar os Direitos Humanos nem obstruir seu exercício, direta ou indiretamente. > > Proteção: Os Estados têm o dever de impedir que terceiros, como empresas privadas, violem ou desrespeitem os Direitos Humanos. > > Garantia: Os Estados devem tomar as medidas legislativas, administrativas e financeiras adequadas para garantir o cumprimento dos Direitos Humanos. Muitas vezes, as violações aos Direitos Humanos partem do próprio Estado e de suas instituições (como a polícia, as Forças Armadas, o Judiciário ou instituições de ensino). Além disso, muitos países não dispõem dos requisitos estruturais necessários para garantir a proteção efetiva dos Direitos Humanos. No entanto, o dever de respeitar e garantir os Direitos Humanos não repousa apenas sobre o Estado, mas se estende a todos os seres humanos. Ainda que a Declaração Universal dos Direitos Humanos enuncie as obrigações individuais de cada ser humano perante a comunidade, o exercício dos Direitos Humanos independe do cumprimento dessas obrigações. Características e princípios de Direitos Humanos Os Direitos Humanos têm por fundamento a dignidade da pessoa humana e são inerentes a todos os seres humanos (universalidade). Eles não podem ser negados e não admitem renúncia voluntária (inalienabilidade). Além disso, eles têm o mesmo valor e são depen- dentes uns dos outros, de modo que qualquer violação aos Direitos Humanos normal- mente ensejará a violação de outros Direitos Humanos (interdependência). Para evitar isso, é preciso observar os princípios fundamentais de Direitos Humanos, já que eles descrevem a maneira como os Direitos Humanos devem ser implantados, bem como os objetivos a serem alcançados por meio de sua realização. A seguir, são apresentados os três princípios fundamentais que permeiam todos os tratados de Direitos Humanos: > > Não discriminação e igualdade de oportunidades: Todos os seres humanos, inde- pendentemente de sua origem, idade, gênero, condição social, saúde mental ou física, origem ou credo, são titulares de Direitos Humanos. Além da igualdade perante a lei, a não discriminação abrange o acesso a serviços sociais básicos, como educação e saúde, segurança social e recursos como água e informação. > > Participação e empoderamento: Todos os seres humanos têm direito à informação, o que é um requisito essencial para que possam participar dos processos de decisão e reivindicar seus direitos perante o Estado. Participação significa participar da vida política, cultural, religiosa e econômica visando ao empoderamento. Empoderamento, por sua vez, significa a capacidade de exigir, por meio de esforços próprios, o respeito aos Direitos Humanos. Isso pode se dar no âmbito familiar, da comunidade ou até mesmo no processo político nacional. A participação baseada nos Direitos Humanos é um processo político de longo prazo que contribui para a democratização da sociedade. > > Dever de prestar contas e transparência: Detentores públicos de deveres são obri- gados a prestar contas aos titulares de direitos. A transparência e o dever de prestar Para mim (ou para nós, crianças), Direitos da Criança significa que somos iguais, não importa a idade. E que respeitamos uns aos utros. Criança de um projeto Compreender os Direitos da Criança é entender que as crianças são sujeitos de direito cujo exercício e validade devem ser garantidos pelo Estado Funcionária de organização parceira A participação é crucial para o sucesso de um projeto. Com a participação, o processo se torna transparente e as crianças se tornam sujeitos. Os protagonistas estão cientes dos Direitos da Criança e da discriminação, conhecem o caminho a ser seguido e são capazes de levantar suas reivin- dicações. Diretor de organização parceira
  • 13. 13 contas constituem os alicerces da governança democrática, da participação social e da repressão à discriminação. Mecanismos internacionais de controle e fiscalização de cumprimento O cumprimento das convenções mencionadas acima e sua implantação pelos Estados- partes são controladas por um comitê das Nações Unidas formado por especialistas independentes. Os Estados-partes são obrigados a apresentar relatórios enunciando as medidas adotadas para proteger os Direitos Humanos e garantir sua efetiva aplicação. Além disso, o Conselho de Direitos Humanos pode solicitar relatórios relativos a temas ou países específicos. A Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos tem por objetivo fiscalizar o cumprimento dos Direitos Humanos pelos Estados-membros. Esse processo, que está ocorrendo de quatro em quatro anos, desde 2007 serve como ferramenta para avaliar a situação dos Direitos Humanos em todos os Estados-membros das Nações Unidas. A avaliação é feita com base em relatórios elaborados pelo próprio Estado e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, assim como relatórios alternativos submetidos por organizações não governamentais. Durante um diálogo inte- rativo entre representantes dos Estados-membros, são feitas recomendações, ficando a critério de cada Estado aceitar ou rejeitar as recomendações recebidas. Sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanos Ao lado do sistema de proteção dos Direitos Humanos das Nações Unidas existem os sistemas regionais, que vêm assumindo importância cada vez maior. Os sistemas regio- nais contribuem para a adaptação das normas e dos padrões internacionais de Direitos Humanos à região específica e refletem as singularidades dos Direitos Humanos tendo em vista cada contexto regional. Cada região dispõe de instrumentos próprios – como convenções, comissões, relatores especiais e cortes - que auxiliam na implementação dos acordos regionais e tratados internacionais. Esses instrumentos são complementares ao sistema de proteção dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Porém, em alguns casos, a exemplo das decisões proferidas pela Corte Africana dos Direitos Humanos e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, são ainda mais eficazes do que o sistema global. No entanto, os sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanos enfrentam alguns problemas, como sobrecarga, escassez de recursos e falta de apoio político por parte dos Estados-membros. Shrinking Spaces (Espaços cada vez menores) A despeito de sua extrema importância, os diversos sistemas de proteção dos Direitos Humanos não são capazes de garantir os direitos de todos os seres humanos. Atual- mente, há uma tendência global de questionamento dos Direitos Humanos e de suas instituições, aliada ao descaso das autoridades frente a críticas da sociedade. Se não bastasse, em muitos países - não apenas nos autocratas, mas também nos países de regime democrático - a situação política dificulta a reivindicação dos Direitos Humanos. Essa tendência, conhecida como shrinking spaces, denota a progressiva redução da margem de manobra do trabalho em Direitos Humanos, o que reflete, por exemplo, na restrição dos direitos de liberdade de reunião, associação e expressão. Além disso, ativistas e defensores dos Direitos Humanos vêm sofrendo crescente repressão ou até mesmo perseguição. Na base de dados de- nominada “Treaty Body Database” , do Alto Comissaria- do das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), é possível consultar os relató- rios por país ou convenção: https://tbinternet.ohchr.org Informações completas sobre a Revisão Peri- ódica Universal e o ciclo de relatórios de cada país estão disponíveis no site UPR info: https://acnudh.org/pt-br/ conselho-de-direitos-humanos- adotou-revisao-periodica- universal-do-brasil Informações mais detalhadas a respeito dos sistemas regionais de pro- teção dos Direitos Humanos estão disponíveis no site do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH): https://bangkok.ohchr.org/ programme/regional-systems. aspx
  • 14. 14 2.2 O enfoque de Direitos Humanos na cooperação para o desenvolvimento Desde a década de 90, o sistema ONU de proteção dos Direitos Humanos vem recebendo atenção cada vez maior da cooperação para o desenvolvimento. Os Objetivos de Des- envolvimento Sustentável (ODS), que substituíram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) em 2015, se referem aos Direitos Humanos. Ao mesmo tempo, desde a Declaração de Paris de 2005, a cooperação para o desenvolvimento vem sendo pres- sionada para incrementar sua eficácia e eficiência. Isso desencadeou um processo de aprendizagem mútua para os atores da política do desenvolvimento, que passaram a buscar novos caminhos para implementar os preceitos das convenções de Direitos Humanos. É nesse cenário que surge a seguinte questão: até que ponto existe uma relação entre Direitos Humanos e mudanças duradouras? O enfoque de Direitos Humanos na cooperação para o desenvolvimento: como tudo começou A“Declaração de Viena” da Conferência Internacional de Direitos Humanos de 1993 enfatizou a inter-relação entre os Direitos Humanos, a democracia e o direito ao desen- volvimento: a pobreza obsta o efetivo exercício dos Direitos Humanos. A cooperação para o desenvolvimento baseada nos Direitos Humanos combate as causas estruturais da pobreza (ACNUDH, 1996-2019). A partir daías Nações Unidas passaram a incorpo- rar, com maior ímpeto, os Direitos Humanos ao trabalho de suas organizações. Esses esforços culminaram com a criação de um documento descrevendo o enfoque próprio de Direitos Humanos das Nações Unidas, que resultou em um entendimento comum a respeito da maneira como a cooperação para o desenvolvimento baseada nos Direitos Humanos deveria ser implementada no âmbito da ONU e de suas organizações (PNUD, 2003). Esse documento define três elementos centrais do enfoque baseado nos Direitos Humanos, a saber: > > Todos os programas de cooperação para o desenvolvimento, de estratégias de política para o desenvolvimento e de assistência técnica devem contribuir para a realização dos Direitos Humanos. > > Os padrões e princípios de Direitos Humanos derivados da Declaração Universal dos Direitos Humanos e de outros instrumentos internacionais de Direitos Humanos devem reger os projetos e programas de cooperação para o desenvolvimento em todos os setores e etapas dos projetos. > > A cooperação para o desenvolvimento deve contribuir para promover a capacidade dos detentores de deveres de cumprir suas obrigações e a dos titulares de direitos de reivindicar seus direitos. Para tanto, é necessário lançar mão de alguns instrumentos adicionais, como a análise da situação dos Direitos Humanos no contexto do projeto e a análise das causas estruturais das discriminações, incluindo uma análise inicial do potencial dos titulares de direitos de reivindicar seus direitos e da capacidade dos detentores de deveres de satisfazer suas obrigações. Além disso, os padrões e princípios de Direitos Humanos devem ser levados em conta no monitoramento e na avaliação de impactos (PNUD, 2003). Esse novo entendimento provocou uma mudança de atitude por parte dos atores da cooperação para o desenvolvimento: hoje, os grupos-alvo são vistos como titulares de direitos iguais e responsáveis por seu próprio processo de desenvolvimento, o que se dá
  • 15. 15 por meio do empoderamento (no sentido de poder e autonomia próprios). No âmbito da cooperação para o desenvolvimento baseada nos Direitos Humanos, a participação e colaboração dos grupos-alvo são tanto um método como uma finalidade em si. A mudança de perspectiva No início, a cooperação para o desenvolvimento era principalmente voltada à satisfação de necessidades básicas, oferecendo moradia, educação, alimentação, etc. Essa abordagem partia da premissa de que a caridade, sobretudo na forma de distribuição de recursos, era capaz de induzir mudanças. O tempo revelou que essa abordagem não resultava em melhorias duradouras das condições de vida. Era necessário investigar as raízes, as verdadeiras causas dos problemas. O enfoque de Direitos Humanos possibilitou a identificação dessas causas, revelando-se um instrumento particularmente apto a induzir mudanças sustentáveis. Ele acarretou uma mudança de perspectiva, na qual pessoas carentes passam a ser vistas como titulares de direitos aptas a reivindicar seus direitos em face dos detentores de deveres (autorida- des e órgãos públicos). A visão da pobreza mudou: a pobreza deixou de constituir o resultado de necessidades não satisfeitas e desenvolvimento precário, passando a ser vista como consequência do não cumprimento de responsabilidades. O objetivo do enfoque de Direitos Humanos é promover uma transformação social baseada no reconhecimento dos direitos e deveres de todos os atores envolvidos: os titulares de direitos devem ser capacitados a reivindicar seus direitos e exigir dos detentores de deveres que esses cumpram suas obrigações. Figura 1 | Relação entre titulares de direitos e detentores de deveres Detentores de deveres têm a obrigação de respeitar proteger garantir os Direitos Humanos Titulares de direitos estão capacitados para exigir prestação de contas dos detentores de deveres Os Direitos Humamos são inalienáveis igualitários indivisíveis universais Prestação de contas e Transparência Detentores de deveres prestam contas e assumem responsabilidade Participação Titulares de direitos reivindicam seus direitos
  • 16. 16 Educação em Direitos Humanos como elemento central do enfoque de Direitos Humanos A educação em Direitos Humanos é um elemento essencial para a realização dos Direitos Humanos e a implementação do enfoque de Direitos Humanos. Através da capacitação dos titulares de direitos e dos detentores de deveres, ela contribui para a criação de uma “cultura universal de respeito aos Direitos Humanos” (ACNUDH 2011: Art. 2, I), já que sensibiliza as pessoas para a importância dos Direitos Humanos. A educação em Direitos Humanos ocorre em três níveis: > > Educação sobre os Direitos Humanos: Transmissão de conhecimentos sobre os sistemas de proteção dos Direitos Humanos, seus princípios, normas e instrumentos. > > Educação através dos Direitos Humanos: Atitudes e posturas que moldam os Direitos Humanos, como o planejamento participativo de projetos. > > Educação para os Direitos Humanos: Promoção de uma cultura de Direitos Humanos, encorajando as pessoas a conhecer e reivindicar seus direitos e respeitar os direitos alheios. O enfoque de Direitos Humanos – um denominador comum Nos últimos anos, diversos atores da cooperação para o desenvolvimento, tanto gover- namentais como não governamentais, empreenderam esforços para alicerçar seu trabalho nos Direitos Humanos. Apesar de ainda não existir um conceito universal de enfoque de Direitos Humanos no âmbito da cooperação para o desenvolvimento, ele costuma integrar, como no caso das Nações Unidas, os seguintes elementos (ver DIMR, 2018): > > Referência aos sistemas de proteção dos Direitos Humanos, a seus padrões, normas e princípios > > Utilização de métodos de análise e planejamento que consideram os Direitos Humanos > > Observância dos padrões e princípios de Direitos Humanos > > Enfoque na participação das pessoas e dos grupos particularmente vulneráveis e marginalizados em razão de sua situação de vida > > Criação de mecanismos para uma distribuição mais equitativa de bens e oportunidades, bem como fortalecimento dos sistemas de seguridade social. Quando o enfoque de Direitos Humanos é dotado desses elementos, a cooperação para o desenvolvimento torna-se mais eficaz, como confirmam os Princípios de Istambul re- ferentes à cooperação para o desenvolvimento eficaz e as diretrizes da VENRO aplicáveis a projetos e programas de cooperação para o desenvolvimento.
  • 17. 17 2.3 A Convenção sobre os Direitos da Criança A história da CDC se estende por muitos anos. Diversos atores contribuíram de maneira decisiva, cada qual em um momento diferente. Em nível internacional, um dos primeiros marcos foi a “Declaração de Genebra” sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1924 pela Assembleia da Liga das Nações. Outro marco importante foi a iniciativa da delegação da Polônia, em 1978, propondo a revisão do texto da “Declaração sobre os Direitos da Criança” adotada pelas Nações Unidas em 1959 e sua implementação como tratado vin- culante de Direito Internacional. Em 20 de novembro de 1989, a nova redação da convenção foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, entrando em vigor em 2 de setembro de 1990 como Declaração sobre os Direitos da Criança. Após a adesão de 196 Estados, ela é considerada a Convenção de Direitos Humanos da ONU mais amplamente ratificada. O único Estado-membro da ONU que apenas assinou, mas ainda não ratificou a CDC, são os Estados Unidos. Importância da CDC Por que, além dos Direitos Humanos, precisamos dos Direitos da Criança? Porque a criança, em razão de sua falta de maturidade, tem necessidade de proteção, apoio e cuidados especiais. Além disso, as crianças estão entre os grupos de pessoas que mais sofrem violações de seus Direitos Humanos. A Convenção sobre os Direitos da Criança foi a primeira convenção da ONU que conjugou o catálogo de direitos civis e políticos com o catálogo de direitos econômicos, sociais e culturais. Ela se aplica a todos os seres humanos com menos de 18 anos de idade2 (artigo 1° CDC) que são definidos como titula- res de direitos. Contando com a adesão de quase todos os Estados, a Convenção sobre os Direitos da Criança constitui um conjunto de valores e uma base comum de atuação internacional. Esse padrão consensual desempenha um papel importante fundamental na atuação da Kindernothilfe e de seus parceiros e constitui uma referência para a ava- liação de decisões políticas e a nossa pauta de reivindicações. 2 Salvo quando, nos termos da legislação nacional, a maioridade seja alcançada antes dessa idade. Direitos Humanos e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) Com seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) suas metas e prazos, a Agenda 2030 das Nações Unidas criou um novo marco internacional de referência para a cooperação para o desenvolvimento. Embora a Agenda 2030 não tenha força vinculante, muitos Estados se comprometeram publicamente a adotá-la, assumindo, assim, o compromisso de promover um desenvolvimento global mais justo que se assemelha os que consta das convenções de Direitos Humanos. Os ODS que devem beneficiar todos, atribuem prioridade aos desfavorecidos: “Não deixar ninguém para trás” é o lema da Agenda 2030. Muitos dos ODS são destinados a promover a realização dos Direitos Humanos econômicos, sociais e culturais ou ampliam seu foco, incluindo aspectos relevantes aos Direitos da Criança. Portanto, os ODS podem oferecer uma oportunidade para a implantação dos Direitos Humanos. História da Convenção sobre os Direitos da Criança por volta de 1600 Praticamente não existe uma distinção entre crianças e adultos. Eles se vestem e se comportam de forma igual. 1789 A Revolução Francesa dá origem à Declaração dos Direitos do Homem. Apesar de não conter referência específica à criança, ela contribui para o início uma discussão mais aprofundada a respeito da situação da criança. 1900 A pedagoga sueca Ellen Key consagra a expressão “Século da Criança” . 1919 O médico e pedagogo polonês Janusz Korczak publica sua obra mais importante: “Como Amar Uma Criança” . 1924 A“Carta da Criança” , elaborada pela pedagoga britânica Eglantyne Jebb, conhecida como Declaração de Genebra, é aprovada pela Assembleia da Liga das Nações. 1948 A Assembleia Geral das Nações Unidas adota a Declaração Univer- sal dos Direitos Humanos. 1959 A Assembleia Geral das Nações Unidas aprova, por unanimidade, uma declaração sobre os Direitos da Criança, mas sem caráter vinculante. 1978 A delegação da Polônia apresenta à Comissão dos Direitos Humanos da ONU a proposta de um projeto convenção sobre os Direitos da Criança essencialmente baseado na declaração de 1959. A proposta é considerada insuficiente. 1979 A Assembleia Geral das Nações Unidas proclama o Ano Inter- nacional da Criança. 1989 A ONU aprova a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
  • 18. 18 Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança Características principais da CDC A responsabilidade pela implantação da Convenção sobre os Direitos da Criança repousa sobre os Estados-partes Vertragsstaaten. Como em todas as convenções de Direitos Humanos, cabe ao Estado respeitar, proteger e garantir os direitos reconhecidos na Con- venção sobre os Direitos da Criança, devendo, para tanto, observar os quatro princípios fundamentais elencados mais abaixo. Compete ao Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança, em Genebra, fiscalizar o cumprimento das obrigações dos Estados- partes com base em relatórios submetidos pelos Estados e relatórios alternativos (sub- metidos por crianças, organizações não governamentais e organizações das Nações Unidas). Além disso, a implantação da Convenção sobre os Direitos da Criança é baseada nas Observações Gerais e complementada por três Protocolos Facultativos, ratificados separadamente pelos Estados-membros. 1 Direitos de proteção, promoção e participação da criança Os direitos consagrados na Convenção sobre os Direitos da Criança podem ser divididos em três grupos: > > Direitos de proteção: Trata-se de proteção contra a violência, o abuso sexual, a negligência, a exploração e a crueldade, inclusive o direito à proteção especial em tempos de guerra, o direito a uma justiça penal sem abusos, o direito de conhecer suas próprias origens e o direito à vida. Os direitos de proteção estão expressos nos artigos 6o, 8o, 19, 32, 33 e 34 da Convenção sobre os Direitos da Criança. > > Direitos de promoção: Englobam os direitos aos recursos, às habilidades e aos ele- mentos necessários para a sobrevivência e o pleno desenvolvimento da criança. Estão Figura 2 | Instrumentos e principais características da Convenção sobre os Direitos da Criança Sociedade Civil Tratado CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA 1 Direitos de proteção, promoção e participação 2 Quatro princípios gerais 3 Protocolo Facultativo Envolvimento de crianças em conflito armado 3 Protocolo Facultativo Prostituicoa e Pornografía Infantil, venda de crianças 3 Protocolo Facultativo Petições individuais 4 Monitoramento 5 Observações gerais 6 Petições individuais Investigações
  • 19. 19 incluídos nesta categoria os direitos a uma alimentação adequada, a moradia, água limpa, educação formal, saúde básica, lazer e recreação, atividades culturais e infor- mações sobre os Direitos da Criança. Alguns exemplos de direitos de promoção estão consubstanciados nos artigos 24, 25, 26, 27 e 28. Outros artigos específicos tratam das necessidades de crianças refugiadas, crianças com deficiência, pertencentes a grupos minoritário e indígenas, entre outros. > > Direitos de participação: E sses direitos corroboram a condição de sujeito: por serem sujeitos de direito, todas as crianças têm o direito de liberdade de expressão, de ex- pressar sua opinião sobre todos os assuntos relacionados à sua vida social, econômica, religiosa, cultural e política (artigo 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança). Os direitos de participação englobam, ainda, o direito à informação e a liberdade de asso- ciação (artigos 13 a 17). O exercício desses direitos permite que as crianças desempe- nhem um papel ativo na sociedade. Cabe aos Estados não apenas fazer valer os Direitos da Criança, mas também garantir que todas as crianças tenham acesso a eles. 2 Os quatro princípios fundamentais A Convenção sobre os Direitos da Criança está ancorada em quatro princípios funda- mentais. Após a entrada em vigor da Convenção, os membros do Comitê para os Direitos da Criança destacaram a importância desses princípios, elevando-os à categoria de princípios superiores. Além de versar sobre direitos específicos, esses princípios servem de parâmetro para a realização, a estruturação e o monitoramento de todos os Direitos da Criança. Eles expressam o “espírito” da Convenção (ver Maywald, 2012: 41). Trata-se do bem-estar das crianças que vivem em situação de extrema pobre- za. Trata-se da sua segurança (...) e do seu acesso a serviços básicos como educação, saúde e lazer, a um ambiente seguro e a uma boa qualidade de vida. Trata-se, ainda, da participação dos pais, do conselho local e de grupos da sociedade civil (...) na construção de um ambiente melhor (...). Um ambiente que respeite os Direitos da Criança, que rejeite o abuso sexual e a violência (...). Em suma, trata-se de oferecer um caminho susten- tável para aqueles que são sistematicamente rejeitados, feridos e confinados à pobreza. Diretor de organização parceira Interesse superior da criança (Art. 3) Sobre- vivencia e desenvolvi- mento (Art. 6) Participcão (Art. 12) Não discriminação (Art. 2) Figura 3 | Quatro principios gerais da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança
  • 20. 20 > > Superior interesse da criança (artigo 3º CDC): Todas as medidas relacionadas à criança, direta ou indiretamente, terão como consideração primordial o superior interesse da criança. Essa é uma abordagem singular no âmbito dos Direitos Humanos, pois se baseia no reconhecimento de que a criança, por se encontrar em fase de desenvolvimento físico, mental e emocional, tem necessidade de proteção e cuida- dos especiais. Caso haja diferentes interesses em jogo, deve-se asseverar absoluta prevalência ao superior interesse da criança. Decisões que não levem em consideração o superior interesse da criança violam os Direitos da Criança e são, portanto, inválidas (cf. Maywald, 2012: 104). No entanto, inexiste uma definição universal de superior interesse da criança. Em particular no âmbito da cooperação para o desenvolvimento, é importante ter em mente que a noção de infância tem diferentes conotações, depen- dendo do contexto cultural específico (cf. Lansdown, 2005: 7). Tangente à aplicação do conceito de superior interesse da criança, o Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança indica que é preciso envolver todos os atores, a fim de garantir a integri- dade física, psicológica, moral e espiritual da criança, como um todo, e promover sua dignidade (cf. CDC, 2013: 4). > > Participação (artigo 12º CDC): A criança tem o direito de exprimir suas opiniões e de participar. O princípio da participação reforça a importância da participação ativa da criança em todas as questões que lhe diz respeito. Esse princípio parte do pressuposto de que as crianças, na qualidade de atores sociais, devem ser tratadas em pé de igual- dade, mas sempre tendo em mente que a infância é uma fase especial da vida e que as oportunidades de participação conferidas à criança devem ser apropriadas à sua idade (cf. Lansdown, 2005: 3). Essa máxima é igualmente aplicável quando se trata de infor- má-las sobre o progresso ou resultado de determinada medida (cf. CDC, 2009: 28). O princípio da participação é particularmente relevante nas situações em que deter- minados grupos de crianças são capazes de contribuir com suas próprias experiências. Uma criança adotada, por exemplo, pode em muito contribuir em discussões sobre novas regras de adoção (cf. CDC, 2003: 5). > > Não discriminação (artigo 2º CDC): Nenhuma criança poderá ser discriminada em razão de seu sexo, orientação sexual, origem étnica, religião, cultura, estado de saúde, deficiência ou qualquer outra condição (CDC, 2003: nº 4). Para assegurar a efetivação desse princípio, é preciso, em primeiro lugar, identificar quem são as crianças que sofrem discriminação, para depois assegurar sua proteção. Além disso, as medidas adotadas devem contribuir para combater as causas estruturais da discriminação. Nesse contexto, é preciso ter em mente que as estratégias de atuação baseadas nos Direitos Humanos de adultos visam assegurar a igualdade social de grupos margi- nalizados, ao passo que as estratégias de atuação baseada nos Direitos da Criança priorizam a proteção da criança (Lansdown, 2005: 6). > > Sobrevivência e desenvolvimento (artigo 6º CDC): Este artigo assegura a todas as crianças o direito à vida, à sobrevivência e às melhores oportunidades de desenvolvi- mento. O conceito de sobrevivência e desenvolvimento “ao máximo” é essencial para a aplicação de todos os demais artigos e, portanto, integra o rol de princípios fundamen- tais. O desenvolvimento deve ser visto como um todo, englobando o desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral, psicológico e social da criança. Na prática, as medidas devem ter como escopo promover que cada criança possa se desenvolver da melhor forma possível. Para conferir a máxima proteção às crianças, é preciso, ainda, identifi- car e eliminar os riscos que podem surgir em seu cotidiano e nos projetos (Lansdown, 2005: 15). As crianças têm o direito de se desenvol- ver, de desfrutar das mesmas oportunidades e de não ser discriminadas em função de seu local de residência, gênero, nacionalidade, etnia, cor, religião, idioma ou outros fatores. Os direitos da criança são inalienáveis. A não discri- minação constitui um princípio abrangente e fundamental de qualquer legislação, tanto nacional como internacional. Escritório de coordenação da Kindernothilfe
  • 21. 21 3 Protocolos Facultativos A Convenção sobre os Direitos da Criança é complementada por três Protocolos Facultativos: > > Protocolo Facultativo sobre o envolvimento de crianças em conflitos armados (em vigor desde 2002), > > Protocolo Facultativo sobre a venda de crianças, a prostituição infantil e a pornografia infantil (em vigor desde 2002) e > > Protocolo Facultativo relativo a petições individuais (em vigor desde 2014). Os Protocolos Facultativos são posteriores à Convenção, já que versam sobre temas a respeito dos quais inicialmente não havia consenso. Muitas vezes, era preciso primeiro lutar para obter esse consenso, como foi o caso do protocolo relativo a petições individuais. 4 Monitoramento Todos os Estados que ratificaram a Convenção sobre os Direitos da Criança são obrigados a apresentar relatórios a respeito de sua aplicação, dois anos após a ratificação e, em seguida, a cada cinco anos, contemplando todos os aspectos legislativos, executivos e judiciários relevantes instruídos de dados estatísticos. Além de indicar progressos e desafios do período em questão, eles devem identificar prioridades e definir objetivos para o futuro. Os relatórios submetidos pelos Estados, assim como os relatórios alterna- tivos submetidos por organizações da sociedade civil e organizações não governamentais, são apreciados pelo Comitê para os Direitos da Criança. As crianças e os adolescentes têm o direito de apresentar relatórios e de se comunicar com o Comitê para expor seu ponto de vista. Após a apreciação dos relatórios e um diálogo com o Estado pertinente, o Comitê emite, na forma de observações finais, suas recomendações. O Comitê pode, ainda, solicitar ao Secretário-Geral das Nações Unidas relatórios sobre temas específicos em matéria de Direitos da Criança. 5 Observações Gerais As Observações Gerais são redigidas pelo Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança e explicam o significado de artigos específicos da Convenção sobre os Direitos da Criança e a maneira como eles devem ser aplicados. Atualmente, há 21 Observações Gerais (última atualização: maio de 2019), que são constantemente atualizadas. Além do direito de participar do processo de elaboração das Observações Gerais, as organizações não governamentais podem utilizá-las em seu trabalho de advocacy para conscientizar os Estados sobre seus deveres em relação aos Direitos da Criança. No mais, elas podem ser consultadas quando da revisão ou alteração de leis nacionais. 6 Petições individuais O mecanismo de petições individuais permite que crianças e adolescentes comuniquem ao Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança violações aos direitos postula- dos na Convenção sobre os Direitos da Criança. Para tanto, é necessário o esgotamento de todos os recursos nacionais disponíveis, a menos que a tramitação no judiciário nacional se prolongue injustificadamente ou que seja improvável que com ela se obtenha uma reparação efetiva. Caso a vítima da violação não seja capaz de apresentar a petição por conta própria, ela pode ser representada por outra pessoa. Após o exame da petição, o respectivo comitê da ONU pode exigir a reparação do dano pelo Estado. Embora essas exigências feitas pelo Comitê da ONU não tenham efeito vinculante, a autoridade do Comitê e o caráter público lhe conferem grande impacto. Afinal, nenhum Estado gosta de ser denunciado na comunidade internacional como violador de Direitos Humanos. A partir do final da dé- cada de 90, a Kindernot- hilfe e vários de seus aliados começaram lutar para que as petições individuais passassem a integrar um Protocolo Facul- tativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, a exemplo da Convenção da Mulher. Em 19 de dezembro de 2011, foi aprovado o Protocolo Facul- tativo relativo ao mecanismo de petições individuais, que entrou em vigor, finalmente, no dia 14 de abril de 2014.
  • 22. 22 2.4 O enfoque de Direitos da Criança – abrangente e sustentável O enfoque de Direitos da Criança gira em torno da primazia dos direitos, das necessi- dades, da opinião e da participação da criança. As organizações que adotam o enfoque de Direitos da Criança devem aplicá-lo todas as áreas - não apenas em seus projetos, mas também em suas atividades de relações públicas e formação. Isso requer algumas mudanças significativas. Para que o enfoque de Direitos da Criança seja incorporado ao trabalho de uma organiza- ção, são necessários, via de regra, os seguintes aspectos: > > Da orientação para “necessidades” rumo à orientação para os “Direitos da Criança” > > Mudança de postura: as crianças são titulares de direitos > > Consideração dos Direitos da Criança como fim e como meio > > Participação da criança > > Atenção aos Direitos da Criança em todos os processos e áreas Da orientação para “necessidades” rumo à orientação para os “Direitos da Criança” Quando o assunto é a criança, pobreza deixa der ser sinônimo da falta de desenvolvimento e de necessidades não satisfeitas: ela se torna consequência de estruturas injustas e do não cumprimento de deveres. A satisfação das necessidades básicas da criança não deixa de ser um objetivo do enfoque de Direitos da Criança. Entretanto, seu foco não é o curto prazo, senão a superação duradoura das causas estruturais da pobreza e das violações de direitos. Mudança de postura: crianças são titulares de direitos O enfoque de Direitos da Criança requer uma mudança de postura em relação à criança. Reconhecida como sujeito de direito, a criança pode reivindicar seus direitos. Crianças não são objetos de educação; elas são seres humanos dotados do direito à individualidade, à liberdade de desenvolvimento e à autodeterminação. Os direitos das crianças devem ser assegurados por pessoas e instituições conhecidas como detentoras de deveres. No contexto da Convenção sobre os Direitos da Criança, de- tentores de deveres não são apenas o Estado, mas também pessoas e grupos no entorno da criança, como pais, família, comunidades locais ou organizações de desenvolvimento. Todos eles são responsáveis pela plena realização dos Direitos da Criança. A figura 5 abaixo ilustra a rede dos detentores de deveres responsáveis pela realização dos Direitos da Criança. Entretanto, os papéis de titulares de direitos e detentores de deveres não são rígidos e imutáveis, sendo possível que um detentor de deveres se torne um titular de direitos em determinadas circunstâncias. Como exemplos, podemos citar: pais têm o direito de trabalhar para proporcionar aos seus filhos condições de vida adequadas; crianças e famílias têm o direito de serem protegidos, pelo Estado, contra a violência; professores têm o direito a uma remuneração adequada e a recursos por parte do Estado, para que possam satisfazer o direito das crianças à educação. O enfoque de Direitos da Criança significa colocar as crianças e os ado- lescentes na posição de sujeitos de direitos, fortalecer sua capacidade de exercer seus direitos e estimular sua criatividade para que se expressem e implementem suas ideias, como adultos. Ao mesmo tempo, trata-se de fortalecer as capacidades dos detentores de deveres para que sejam vistos e passem a agir como tal, e para que dia- riamente tratem as crianças e os adolescentes como titula- res de direitos que devem ser protegidos pelo governo, pela sociedade e pela família. Diretora de uma organização parceira Criança de um projeto: Se alguém violar meus direitos, eu vou reclamar. Eu reivindico meus direitos, em casa e na escola. Eu exigi meu direito porque quero estudar.
  • 23. 23 Precisamos evitar a vio- lação de direitos, criar espaço para a realização de direitos em todos os níveis, com participação e o empodera- mento das crianças. Além disso, é preciso que os detentores de deveres mudem de atitude, criando condições para a não violação. Escritório de coordenação da Kindernothilfe Figura 4 | Rede de detentores de deveres responsáveis pela realização dos Direitos da Criança Direitos da Criança como fim e como meio O enfoque de Direitos da Criança tem por objetivo identificar violações aos Direitos da Criança ( Análise da Situação dos Direitos da Criança), lidar com essas violações e asse- gurar a realização duradoura dos Direitos da Criança. Medidas diretas (p.ex., ajuda de emergência) proporcionam ajuda imediata (1). Porém, para o reconhecimento duradouro dos Direitos da Criança pela sociedade, é necessário envolver e capacitar os detentores de deveres a cumprirem seus deveres perante as crianças (2). Por outro lado, a realização sustentável dos Direitos da Criança requer que as crianças e seu entono conheçam e aprendam a reivindicar seus direitos. Esse processo, conhecido como empoderamento (3), visa promover a participação política e melhorar as condições de vida das crianças atingidas. Alicerçado no exercício ativo dos direitos de participação assegurados na Convenção sobre os Direitos da Criança, essa capacitação integral constitui um pilar do EDD. O enfoque de Direitos da Criança, portanto, é bem mais do que uma política aliada a um método: trata-se de um princípio que salienta a importância imprescindível de contemplar os Direitos da Criança em todas as fases do projeto e em todas as áreas de atuação da organização. 3 Capacitação dos titulares de direitos (crianças e seu entorno) para reivindi- carem seus direitos (empoderamento) Figura 5 | Modelo dos três pilares (Save the Children UK, 2007: 18) 1 Medidas diretas em caso de violação dos Direitos da Criança 2 Capacitação dos detentores de deveres para cumprirem suas obrigações Análise da situação dos Direitos da Criança Capacidades da organização SOCIEDADE CIVIL SOCIEDADE CIVIL SOCIEDADE CIVIL COMUNIDADE FAM I L I A C o m u n i dade internacional – Legislação, políticas,r e c u r s o s G o v e r n o central – Legislação, políticas, re c u r s o s I m p l a n tação prática pelo govern o l o c a l Reivindicação do direito Deveres e responsabilidade
  • 24. 24 Participação da criança No âmbito do enfoque de Direitos da Criança, as crianças são vistas como sujeitos autô- nomos, como titulares do direito de questionar e lutar para mudar as regras existentes em seu contexto local ou nacional. Para que possam participar ativamente do desenvolvi- mento da sua sociedade, as crianças precisam ter liberdade para desenvolver suas habilidades, sua criatividade, liderança e capacidade criadora. As mudanças implantadas com a participação da criança são particularmente sustentáveis, uma vez que a iniciativa e a concretização dos passos necessários partem das próprias crianças. Uma das formas de promover a participação é permitir que as crianças expressem suas opiniões e tomem parte das decisões que lhes dizem respeito. Para tanto, é preciso levar suas opiniões a sério. E para que isso ocorra, é necessário criar uma pedagogia de Direitos da Criança por meio da qual crianças e adultos possam interagir em pé de igualdade. Isso não significa eliminar as diferenças entre crianças e adultos. Pelo contrário: adultos, pais e funcionários do projeto devem proporcionar à criança “a instrução e orientação adequadas, de acordo com sua capacidade em evolução, no exercício dos direitos que lhe cabem” . (artigo 5o CDC) A conscientização a respeito da dignidade e da igualdade de direitos permite que os envolvidos reconheçam as diferentes necessidades e as traduzam em metas de ação. Para garantir sua participação, é preciso envolver a criança em todas as fases do projeto: planejamento, implementação, monitoramento e avaliação. A qualidade da participação deve observar alguns princípios éticos, que foram traduzidos em nove critérios de parti- cipação significativa de crianças. Os nove critérios de participação significativa de crianças: Para dotar a participação de eficácia e significado, o Comitê para os Direitos da Criança define que ela deve ser (CDC, 2009: 26s): > > transparente e informativa > > voluntária > > baseada no respeito > > relevante > > apropriada à idade da criança > > inclusiva > > acompanhada de treinamentos oferecidos aos adultos > > segura e consciente dos riscos existentes > > acompanhada da prestação de contas (CDC, 2009: 26s) A satisfação desses critérios faz com que a participação não seja um fim em si mesma, mas sim um meio para melhorar a conscientização das pessoas a respeito da questão das crianças, seus direitos e sua realização (CDC, 2003: 4). Além disso, as possibilidades de participação devem ser contínuas e devem contribuir para o estabelecimento de relações diretas entre governos e crianças (CDC, 2003: 5). O direito de participação é a liberdade de falar tudo o que sentimos, de ex- pressar e compartilhar nossas ideias e de sermos ouvidos. Criança de um projeto
  • 25. 25 Atenção aos Direitos da Criança em todos os processos e áreas A realização dos Direitos da Criança se faz possível por meio de uma estratégia conhecida como “mainstreaming” , que significa considerar os Direitos da Criança amplamente, em todas as áreas de trabalho. Nesse contexto, o enfoque de Direitos da Criança abre uma perspectiva nova e ainda mais abrangente, sobretudo no contexto de programas e proje- tos, já que incorpora estratégias e atividades que preparam o caminho para a realização dos Direitos da Criança: participação, informação, conscientização, representação legal e exigência de cumprimento. Essas estratégias se aplicam a todo o entorno da criança, colocando a família, seu meio social e as comunidades no papel de detentores de deveres. Logo no início de um projeto, é realizada uma análise da situação, cujo propósito é identi- ficar possíveis violações aos Direitos da Criança e suas causas. Nesse processo, examina- se o papel dos detentores de deveres, o cumprimento de suas obrigações e eventuais obstáculos. A estratégia do projeto contempla todos esses fatores com o intuito de alcançar uma melhoria duradoura da situação dos Direitos da Criança. Ela envolve não apenas o em- poderamento das crianças e de outros envolvidos, mas também o trabalho de advocacy direcionado aos detentores de deveres. O trabalho de advocacy inclui desde os planos de desenvolvimento municipais (por exemplo, orçamento de ensino e saúde) até o lobby político junto a tomadores de decisão visando a reforma de leis nacionais. Mudanças só podem ser alcançadas se agirmos juntos, com a ajuda dos nossos pais, tios, da comunidade e dos professores. Só assim é que podemos mudar alguma coisa. Crianças de um projeto As análises devem re- velar a necessidade de urgência não apenas para lidar com os diversos problemas das crianças, mas também para investigar as causas dos problemas. Elas devem funcionar como medida de prevenção. Funcionário de uma organiza- ção parceira O enfoque de Direitos da Criança amplia horizontes: > > As crianças começam a ser vistas como sujeitos autônomos e incentivadas a reivindicar seus próprios direitos; > > Organizações, comunidades e grupos locais adquirem maior consciência de seus direitos, tornando-se mais fortes; > > As crianças e as pessoas em seu entorno participam ativamente da criação de estruturas igualitárias que proporcionam resultados sustentáveis. Isso representa um passo importante no sentido de passar da ajuda de emergência, com seu horizonte de curto prazo, a soluções de longo prazo. > > O princípio da participação fortalece as crianças, preparando-as para a vida adulta. Assim sendo, o enfoque de Direitos da Criança é um meio de promover a democracia. > > As causas das violações aos Direitos da Criança são investigadas com vistas a alcançar mudanças positivas e duradouras nos Direitos da Criança, por meio de estratégias adequadas.
  • 26. 26 Por meio do enfo- que de Direitos da Criança lutamos contra a pobreza e a violação dos Direitos da Criança. Escritório de Coordenação da Kindernothilfe 3 Foto: Jakob Studnar / © Kindernothilfe
  • 27. 27 O enfoque de Direitos da Criança na Kindernothilfe A virada do milênio marcou o início de um período de reorientação dos programas da Kindernothilfe. No início, nossos programas começaram a ter dimensão comunitária, visando a ampliação de seus impactos. A partir de 2005, passamos a adotar uma abordagem baseada em direitos, que culminou com o EDD. Desde então, o EDD é um elemento central da nossa identidade. A plena realização dos Direitos da Criança constitui o objetivo de nosso trabalho e é uma tarefa a ser continuamente desempenhada em conjunto com nossas organizações par- ceiras e outros aliados. Com o apoio de nossos parceiros, fortalecemos nossa capacidade de enfrentar, de maneira eficaz e sustentável, as causas estruturais da pobreza e da exclusão. Temos certeza de que, ao adotar o EDD, somos capazes de potencializar o impacto dos recursos utilizados. Para tanto, não basta estabelecermos um diálogo com nossas organizações parceiras; é preciso incorporar os aspectos centrais do enfoque de Direitos da Criança em todos os nossos processos, instrumentos, diretrizes e áreas de trabalho. É por isso que a introdução do enfoque de Direitos da Criança causa impactos profundos em nosso trabalho administrativo, de programas e projetos, de advocacy, da formação para o desenvolvimento, de relações públicas e comunicação. O enfoque de Direitos da Criança e nossos valores cristãos As mudanças trazidas pela adoção do enfoque de Direitos da Criança estão plena- mente alinhadas com nossos valores cristãos. Ainda que a Bíblia não faça menção expressa aos Direitos da Criança, ela reconhece a criança como dádiva Divina, criada à imagem de Deus. Para a Bíblia, assim como para os Direitos Humanos, a criança é titular de dignidade inalienável. A proximidade de Jesus com as crianças é refletida sobretudo em seu discurso e em seus atos. Jesus vê a criança como sujeito autônomo e protagonista de sua vida. Portanto, as palavras e atos de Jesus, assim como a CDC, trouxeram uma mudança de paradigma no trato com a criança e cunharam um novo conceito sobre o que é ser criança. Ambos reconhecem a situação especial de vulnerabilidade da criança, seus direitos de proteção, promoção e participação. Da mesma forma que Deus defende o direito dos pobres contra a corrupção dos poderosos, o enfoque de Direitos da Criança exige dos detentores de deveres o cum- primento de suas obrigações. É, portanto, pertinente que o enfoque de Direitos da Criança e o testemunho bíblico compartilham semelhanças e se reforçam mutua- mente. Com o enfoque de Direitos da Criança promovemos a criança como sujeito de sua vida, defendendo o direito à sobrevivência e ao desenvolvimento.. Diretora-presidente da Kindernothilfe
  • 28. 28 Em seguida, explicaremos as transformações da Kindernothilfe e de suas organizações parceiras com a introdução do EDD e descrevemos quais os instrumentos e conceitos concretos baseados no EDD que utilizamos. Apresentamos, ainda, as expectativas da Kindernothilfe em relação à cooperação com suas organizações parceiras. Na qualidade de organização em contínua aprendizagem, procuramos sempre melhorar a qualidade do nosso trabalho,  estabelecendo diálogos com nossos parceiros e realizando constantes avaliações de nossas experiências. 3.1 A adoção do enfoque de Direitos da Criança A reorientação do nosso trabalho, marcada pela adoção do EDD em 1999, representou o início de um amplo processo de transformação na Kindernothilfe. Para coordenar as mudanças e introduzir o EDD, em 2005 foi criado o “comitê de enfoque de Direitos da Criança” com participação de diferentes departamentos da Kindernothilfe. Os resultados da interação entre as diferentes áreas de trabalho representadas pelo comitê foram diretamente refletidos na Kindernothilfe. Os demais marcos constam da tabela abaixo. Marcos importantes alcançados nos últimos anos 2002–2014 Trabalho de advocacy: petições individuais (3º Protocolo Facultativo) 2005 Criação do comitê de EDD, com o intuito de transformar o enfoque em princípio orientador 2008 Publicação do documento “O enfoque de direitos da criança no trabalho da Kindernothilfe na Alemanha e no exterior” 2010 Criação do cargo de “gerente de enfoque de Direitos da Criança” 2010–2014 Introdução do planejamento estratégico nacional alicerçado nos Direitos da Criança 2011 Criação do cargo de “responsável pela proteção da criança” 2012 Publicação dos padrões de qualidade aplicáveis ao trabalho baseado nos Direitos da Criança 2012 Início dos treinamentos de nossas organizações parceiras sobre proteção da criança 2013 Publicação da Política Institucional de Proteção Infantil da Kindernothilfe 2013 Criação da avaliação de entidades 2013–2016 Revisão dos formatos de propostas de projetos e relatórios anuais 2016 Formas de participação apropriadas à criança começam a ser introduzidas com o projeto “Tá na Hora de Falar!” 2019 Elaboração de diversos documentos: Manual Prático: “Como elaborar e utilizar a Análise da Situação dos Direitos da Criança no Nível de Projeto para formular uma Proposta de Projeto” Atualização da Política Institucional de Proteção Infantil Publicação da nova política de implantação do EDD no trabalho da Kindernothilfe A“Estratégia de Programação Baseada nos Direitos da Criança” começa a ser elaborada Nos últimos dez anos, a KNH intensificou seu foco nos Direitos da Criança. Com isso, muitos parceiros passaram a ter maior con- sciência da importância da proteção da criança, promo- vendo a participação da criança durante o ciclo com- pleto do projeto. Coordenador nacional da Kindernothilfe
  • 29. 29 Nesse contexto, passou a ser necessária a criação de diferentes instrumentos, como padrões de qualidade, Política Institucional de Proteção Infantil, avaliação de entidades, novo modelo de Proposta de Projetos, além de novos cargos que se ocupassem especi- ficamente dos Direitos da Criança e fossem responsáveis por introduzir e acompanhar processos relevantes. Outros elementos importantes foram a finalização da Política Insti- tucional de Proteção Infantil e a criação de um programa de treinamento de organiza- ções parceiras (ver p.32). Entre os processos relevantes que ocorreram nesse contexto, merecem destaque, ainda, a orientação para efeitos e impactos baseada nos Direitos da Criança, o fortalecimento de projetos e programas baseados nos Direitos da Criança e a elaboração de uma política abrangente de advocacy. 3.2 Padrões de qualidade aplicáveis ao trabalho baseado nos Direitos da Criança O trabalho nos projetos, as metodologias e as abordagens pedagógicas, bem como o desenvolvimento organizacional e de recursos humanos devem atender às exigên- cias inerentes ao enfoque de Direitos da Criança. Como referência para a aplicação do enfoque de Direitos da Criança, a Kindernothilfe elaborou dez padrões de qualidade. Resultantes de processos variados de aprendizagem e aprimoramento, tanto no nível de projeto como no nível institucional, esses padrões referenciam quais aspectos devem ser observados, em termos organizacionais e programáticos, para atender às exigências ine- rentes ao enfoque de Direitos da Criança. Os padrões são divididos em duas categorias: padrões institucionais, que descrevem as exigências aplicáveis à própria Kindernothilfe e às suas organizações parceiras, e padrões programáticos, que descrevem as exigências inerentes aos projetos. Nos últimos anos, os padrões de qualidade contribuíram para > > Criar um entendimento comum entre a Kindernothilfe e suas organizações parceiras no que tange à implementação do enfoque de Direitos da Criança > > Convencer nossas organizações parceiras da importância do enfoque de Direitos da Criança, levando-as a adaptar seu trabalho de projetos para contemplar esse enfoque > > Desenvolver novos instrumentos e padrões mínimos para a implementação do enfoque de Direitos da Criança. Cada um desses padrões vem acompanhado de uma série de características e sinais de alerta, que servem como instrumentos para fiscalizar sua implementação. Essas características e sinais de alerta são multifacetadas e interdependentes, o que revela que os padrões não podem ser aplicados de maneira isolada. Além disso, é preciso dispor de uma orientação estratégica clara, tempo e recursos para adquirir os con- hecimentos necessários. Por fim, são necessários: o compromisso com os Direitos da Criança, a vontade de mudar paradigmas e a disposição, por parte da Kindernothilfe e de suas organizações parceiras, para fazer autoavaliações críticas regulares com base nos padrões de qualidade.
  • 30. 30 Padrões de qualidade institucionais Em seus instrumentos de planejamento, a Kindernothilfe costuma definir objetivos que contribuem para a implementação do enfoque de Direitos da Criança e para o cumprimento dos padrões de qualidade. A seguir, são apresentados alguns marcos importantes: > > Standard 1 – Cultura organizacional: Em nossos processos de seleção, observamos se o candidato compartilha nossos valores e se reconhece os Direitos da Criança e os princípios do enfoque de Direitos da Criança. > > Standard 2 – Uma organização em contínua aprendizagem: Além de estimularmos a participação em eventos específicos, desde 2012 temos aumentado a quantidade de treinamentos oferecidos aos nossos funcionários e organizações parceiras. Com isso, aprimoramos, em todas as áreas da organização, a competência para atuar com base nos Direitos da Criança. Além disso, todos os novos funcionários participam de seminários de introdução ao enfoque de Direitos da Criança e Proteção da Criança. O gerente de enfoque de Direitos da Criança e o responsável pela Proteção da Criança coor- denam, respectivamente, a aplicação do enfoque de Direitos da Criança e os requisitos da Política de Proteção da Criança. > > Standard 3 – Proteção da criança: Em 2013, criamos a nossa Política Institucional de Proteção Infantil, que vem sendo aplicada de maneira consistente desde então. Até o presente momento, todas as nossas organizações parceiras já participaram de treinamentos sobre o assunto. Oferecemos, ainda, treinamentos adicionais que abordam necessidades específicas relacionadas ao tema (proteção de crianças em desastres, crianças com deficiência, etc.). > > Standard 4 – Prestação de contas: Além de utilizarmos nossos recursos financeiros de forma adequada, fazemos uma prestação de contas pública e transparente. Prova disso é o selo de doações que recebemos regularmente do DZI. Promovemos o combate à corrupção, posicionando-nos a favor da utilização adequada de recursos. Nossa “Política de Integridade e Anticorrupção” (2019) contém informações mais detalhadas a esse respeito. > > Standard 5 – Trabalho de advocacy e relações públicas: Fornecer a nossas organi- zações parceiras apoio ainda maior em suas atividades de advocacy é um dos objetivos que traçamos para nossa organização. Para que ele seja alcançado, desenvolvemos uma política de advocacy (ver item 3.4, trabalho de advocacy). Tão importante quanto nosso próprio desenvolvimento como organização para a defesa dos Direitos da Criança é saber que nossas organizações parceiras adotam uma postura e dispõem de métodos que satisfaçam as exigências inerentes ao enfoque de Direitos da Criança. Para tanto, criamos em 2014 um instrumento de avaliação de entidades no intuito de avaliar questões inerentes aos dez padrões de qualidade, assim como aspectos financeiros e administrativos. Ele nos permite avaliar criteriosamente a capacidade da organização de atuar com base nos Direitos da Criança e nos ajuda a identificar as mu- danças e os treinamentos de que a organização parceira necessita. A introdução desse instrumento de avaliação de entidades contribuiu para aumentar o profissionalismo e aprimorar a qualidade na seleção de organizações parceiras que atuam com enfoque em direitos, além de promover maior transparência no início de novas cooperações e no diálogo com organizações parceiras existentes. Ao serem convidados para uma entrevista, os candidatos passam por uma avaliação denominada ‘Cultural Fit Evaluator’ , que revela se seus valores estão alinhados com os da Kindernothilfe. Durante a entrevista, fala-se sobre os Direitos da Criança, sua implementação e sua relação direta e indireta com as funções inerentes ao cargo. As avaliações de nossos funcionários seguem a mesma linha, ou seja, verificamos criteriosamente se eles se identificam com a nossa identidade de organização para a defesa dos Direitos da Criança. Diretor de Recursos Humanos da Kindernothilfe 1. Cultura organizacional A Kindernothilfe e seus parceiros vivem uma cultura de Direitos Humanos. 2. Uma organização em contínua aprendizagem A Kindernothilfe e seus parceiros capacitam-se, continuamente, a contribuir para a realização dos Direitos da Criança. 3. Proteção da criança A Kindernothilfe e seus parceiros observam a Política Institucional de Proteção-Infantil. 4. Prestação de contas A Kindernothilfe e seus parceiros cumprem seu dever de prestar contas. 5. Advocacy e relações públicas Por meio de seu trabalho de advocacy e relações públicas, a Kindernothilfe e seus parceiros contribuem para a realização dos Direitos da Criança.
  • 31. 31 Os padrões de quali- dade do sexto ao nono serão explicados no item 3.3. Exemplo concreto O trabalho da nossa organização parceira “Future Planning for the Child” no Malawi é um bom exemplo de como os projetos podem contribuir para a realização dos Direitos da Criança e, consequentemente, para a aplicação do Oitavo Padrão de qualidade. Um dos principais objetivos do projeto é divulgar os Direitos da Criança e os Direitos Humanos e evitar que sejam violados. Por meio do fortalecimento sus- tentável de famílias e comunidades, o projeto permite que crianças cresçam em um ambiente estável, onde recebem proteção e cuidados. Para tanto, além da coopera- ção com líderes tradicionais e políticos da comunidade local, adota-se como foco a promoção da mulher. Durante muito tempo, a indiferença por parte do poder público, aliada ao descum- primento das leis, favoreceu a violação do superior interesse da criança. No entanto, os comitês de Direitos da Criança e os grupos de Proteção da Criança criados no local do projeto conseguiram melhorar bastante essa situação nos últimos anos. A mudança de percepção da população local em relação aos Direitos da Criança fez com que as pessoas deixassem de ignorar e começassem a denunciar ativamente qualquer ameaça ao superior interesse da criança. O processo de fortalecimento das instituições locais, promovido por nossa organi- zação parceira, acarretou efeitos positivos inclusive no que tange ao desenvolvimento na primeira infância. As creches, que propiciam um local para aprender e brincar, passaram a atender mais de 90 por cento das crianças que vivem na área do projeto, fornecendo alimentação, brincadeiras e preparo para a vida escolar. No item seguinte, apresentaremos uma série de outras medidas que desenvolvemos para estruturar programas e projetos com base nos Direitos da Criança. Além de contribuir para melhorar significativamente a qualidade do trabalho da Kindernothilfe, essas medidas nos ajudaram a romper com o mero combate aos sintomas, passando a identificar as verdadeiras causas da pobreza e que afetam os direitos das crianças. Com isso, hoje somos capazes de criar estratégias de projeto que fortalecem a posição das crianças como titulares de direitos e auxiliam os detentores de deveres no cumprimento de suas obrigações. Padrões de qualidade programáticos A aplicação dos padrões de qualidade programáticos nos permitiu iniciar um processo de discussão e aprendizagem intensivo, produtivo e contínuo com nossas estruturas de coordenação e organizações parceiras, fundado sobretudo no enfoque de Direitos da Criança adotado pela Save the Children em seus projetos, bem como nos instrumentos e processos criados especificamente para esse fim (cf. Save the Children UK, 2007). Para nós, a principal pergunta a ser feita é: qual é o ponto de partida para identificar violações aos Direitos da Criança, sobretudo à luz do Oitavo Padrão (“Direitos da Criança como objetivo”)? Em que nível nós e nossas organizações parceiras devemos analisar as violações aos Direitos da Criança: no nível de projetos ou em nível nacional? Atualmen- te, dispomos de instrumentos que corroboram as duas abordagens: o “Planejamento Estratégico Nacional Alicerçado nos Direitos da Criança” analisa violações aos Direitos da Criança e suas causas em nível nacional, ao passo que as análises de situação que acompanham os novos modelos de proposta de projeto e relatório de projeto analisam violações de direitos e suas causas no nível dos projetos. 6. Superior interesse da criança Os projetos priorizam o superior interesse da criança, nos termos do artigo 3o da Convenção sobre os Direitos da Criança. 7. Participação e tratamento equitativo Crianças de até 18 anos de idade podem participar de todas as etapas do projeto. O princípio da não discriminação é observado sempre. 8. Direitos da Criança como objetivo O projeto tem como objetivo lutar contra violações dos Direitos da Criança e contribuir para sua realização plena. 9. Empoderamento O projeto fortalece as crianças e seu entorno para que possam reivindicar seus direitos. 10. Detentores de deveres O projeto contribui para que os detentores de deveres cumpram seu dever de realização dos Direitos da Criança.
  • 32. 32 3.3 No trabalho de projetos e programas Os projetos da Kindernothilfe partem de um planejamento estratégico nacional, onde são definidos objetivos. A partir daí, começamos a buscar organizações parceiras adequadas, diretamente ou através de nossas estruturas de coordenação locais. Organizações locais podem também entrar em contato diretamente com os consultores dos escritórios locais da KNH ou com nossa sede em Duisburg. Nessa fase inicial, a Kindernothilfe e a potencial organização parceira se conhecem mutuamente, descobrem os métodos de trabalho uma da outra e discutem a proposta de projeto. Via de regra, o enfoque de Direitos da Criança requer uma referência direta, em todas as etapas do ciclo do projeto, aos direitos postu- lados na Convenção sobre os Direitos da Criança. Isso vale principalmente para a análise da situação e dos problemas, a definição dos objetivos e da estratégia do projeto. O obje- tivo é assegurar que todas as nossas organizações parceiras adotem, metodicamente, o enfoque de Direitos da Criança na fase de concepção de seus projetos. Consolidação do enfoque de Direitos da Criança Desde a introdução do enfoque de Direitos da Criança, nossos departamentos regionais vêm envidando grandes esforços para integrá-lo ao nosso trabalho de programas e pro- jetos e garantir a aplicação gradual dos padrões de qualidade programáticos. Isso requer mudanças, por um lado, no diálogo com novas organizações e potenciais organizações parceiras e, por outro lado, na elaboração de propostas de projeto. Essas mudanças, assim como a própria integração do enfoque de Direitos da Criança ao nosso trabalho, variam conforme os desafios e condições do país ou continente específico. Porém, o que se constata em todos os continentes é o aprimoramento qualitativo das organizações parceiras, a criação e reorganização de estruturas de coordenação e a realização de atividades de qualificação e treinamento. Por meio de inúmeros workshops, procuramos promover continuamente a criação de instrumentos de apoio e promover a aprendizagem na área dos programas da Kindernot- hilfe. Com base do aprendizado concreto adquirido nos países em que atuamos, criamos conceitos criativos de workshops em cooperação com consultores, que aplicamos ou aproveitamos em outras áreas. > > Planejamento estratégico nacional com enfoque de Direitos da Criança: Criado em 2013 e alterado em 2017 por meio de um processo de avaliação participativo, o planejamento estratégico nacional alicerçado nos Direitos da Criança permite a re- estruturação de programas nacionais para combater as violações dos Direitos da Criança e o foco em temas específicos de Direitos da Criança de um país. Além de contribuir para a aplicação do Oitavo Padrão de qualidade, ele permite a identificação de novas organizações parceiras e a realização de treinamentos para organizações parceiras existentes, sobre temas definidos em conjunto. Pretendemos estabelecer parcerias de longo prazo, ou seja, capazes de se estender por vários projetos. Isso nos ajuda a estabelecer uma relação de confiança com nossas organizações parceiras e facilita o processo de aprendizagem mútua. > > A proteção institucional da criança: Tendo em vista o grande número de casos de violência contra crianças em instituições, a proteção institucional da criança se tornou uma prioridade em nossa organização. Com isso, asseguramos o direito de a criança ser protegida contra a violência e contribuímos, ainda, para a aplicação do Terceiro e do Sétimo padrões de qualidade (ver item 3.2). No período entre 2012 e 2018, criamos um programa de treinamento em Proteção da Criança. Hoje, a Kindernothilfe e pratica- O enfoque de Direitos da Criança se tornou referência para o trabalho diário de nosso escritório e para nossa relação com organizações parceiras. Ele nos permite concentrar nossos esforços nos setores da população mais expostos à marginalização, exclusão e discriminação. Para nosso escritório, atuar com foco nos Direitos da Criança, em nível nacional e internacional, significa lidar de maneira consciente, coerente e responsável com os preceitos da lei, assegurando o cumpri- mento e a validade dos Direitos da Criança. Escritório de coordenação da Kindernothilfe
  • 33. 33 mente todas as suas organizações parceiras dispõem de uma Política Institucional de Proteção Infantil própria. Cabe a nós e a nossas organizações parceiras monitorar a aplicação e a atualização dessas políticas. > > Participação e empoderamento: Fortalecer o direito da criança de participar dos projetos é um princípio essencial de nossa atuação. Com isso, contribuímos para a aplicação do Sétimo e Nono padrões de qualidade. Para promover a participação e o empoderamento, oferecemos às nossas organizações parceiras, desde 2016, workshops sobre métodos participativos. Além disso, criamos alguns instrumentos de apoio, como o manual de análise participativa da situação dos Direitos da Criança, aplicado no nível dos projetos. Também lançamos um amplo processo piloto formado por uma série workshops ministrados por instrutores qualificados. Ainda em 2016, introduzimos um novo modelo de apresentação de propostas de projetos e relatórios fundados no princípio básico da participação. Juntamente com nossas organizações parceiras, pretendemos aprofundar o conceito de participação adequada à faixa etária e definir formas específicas para sua aplicação. > > Crianças em situações de crises e conflitos humanitários: Nos últimos anos, o número de crianças em crises humanitárias aumentou. Atualmente, a ajuda humanitária perfaz um importante campo de atuação de nossa organização. Através do manual “Child Friendly Spaces”, lançado em 2018, introduzimos diretrizes de ajuda humanitária que corroboram o entendimento de que, mesmo em situações de crises e conflitos, a criança não deixa de ser um sujeito de direito. O desafio que nós e nossas organizações parceiras atualmente enfrentamos é o de promover a participação da criança por meio da criação de instrumentos de feedback adequados à sua faixa etária e situação. A aplicação dos parâmetros de proteção da criança constitui outro desafio, uma vez que ela exige a sensibilização das comunidades para a criação de mecanismos de proteção, o recrutamento de pessoal qualificado e o registro de crianças. Perspectivas e planos In the long run, two aspects are of special concern to us: First, it is important to enable joint learning and second, a roadmap and the corresponding contents have to be defined. This is how we are going to achieve this: > > Dialogue with partner organisations and in-country coordination: Durante o processo de definição do enfoque de Direitos da Criança, é importante estabelecer um diálogo com nossas organizações parceiras e estruturas de coordenação. Sabemos que a avaliação do planejamento e dos impactos de treinamentos exige um constante intercâmbio sobre as demandas. Muitas de nossas organizações parceiras desejam adotar o enfoque de Direitos da Criança e a orientação para efeitos e impactos. Para isso, elas precisam de tempo, recursos e treinamentos específicos. Os funcionários da Kindernothilfe, por sua vez, necessitam de treinamentos que os capacitem a conduzir um diálogo técnico qualificado com as organizações parceiras. Dessa forma, contri- buímos para a aplicação do Segundo Padrão de qualidade - uma organização em contínua aprendizagem. Por fim, é necessário disponibilizar o tempo e os recursos financeiros necessários para esse diálogo. > > Programas e projetos baseados nos Direitos da Criança (Child Rights Program- ming): Os programas e projetos baseados nos Direitos da Criança, também conhecidos como Child Rights Programming (CRP), têm como essência e meta alcançar uma melhoria duradoura da situação dos Direitos da Criança, induzindo uma mudança de Em 2019, vamos des- envolver nossa estratégia nacional com base na Análise da Situação dos Direitos da Criança (ASDC). Acreditamos que isso vá provocar mudanças significativas em nossa estra- tégia, já que buscaremos novas ideias, condizentes com a ASDC. Essa análise vai nos permitir alcançar não apenas as crianças, mas também os detentores de deveres e grupos de interesse relevantes, assegu- rando a prestação de contas e a garantia dos Direitos da Criança. Coordenação nacional da Kindernothilfe Os adultos devem pro- teger e dar segurança às crianças. Existem detentores de deveres obrigados a respon- der às nossas necessidades, como as instituições públicas e privadas. Nós somos os titu- lares dos Direitos da Criança. Quando existem problemas no ambiente familiar, exijo o respeito da sociedade, para que algo seja feito contra essa violência. Eu sempre exigi os Direitos da Criança para evitar maus-tratos contra crianças e adolescentes. Criança de um projeto
  • 34. 34 postura que reflita o reconhecimento da criança como sujeito de direito. Para tanto, é necessária a aplicação sistemática dos princípios norteadores dos Direitos da Criança durante o planejamento, a execução e o monitoramento de projetos, conforme demon- stra o gráfico abaixo. Com base em uma Análise da Situação dos Direitos da Criança, os projetos são planejados de maneira participativa e seus objetivos são descritos de maneira orientada para efeitos e impactos, enumerando as transformações que se pretende alcançar nas situações previamente definidas em conjunto com as crianças e os adolescentes. As experiências e os progressos alcançados são regularmente avaliados. Portanto, a própria programação baseada nos Direitos da Criança acaba sendo orientada para efeitos e impactos. A participação é funda- mental, pois o exercício da participação induz um processo transparente e liderado por crianças. Os principais atores conhecem seus direitos, as carências e o caminho a ser seguido. Diretor de uma organização parceira Participação › › Análise ( A S D C A ) Implantação Planeja m e n t o e d e s i g n Compreensão e sensibilização sobre os Direitos da Criança e seus principios Figura 6 | Ciclo de projetos da Kindernothilfe com enfoque de Direitos da Criança A p r e nder Prestar contas Monit o r a r Mudança intencional do quadro jurídico-legal
  • 35. 35 Visando aprofundar ainda mais a orientação para efeitos e impactos, o modelo de apre- sentação de propostas e relatórios foi adaptado, levando em consideração experiências internacionais para aumentar a eficácia da cooperação para o desenvolvimento, como os Princípios de Istambul. Nos últimos anos, foram concebidos e realizados treinamentos para organizações parceiras de diversos países. Durante esses treinamentos, nossos parceiros recebem o acompanha- mento de consultores, que os ajudam a implementar os instrumentos e abordagens orientados para efeitos e impactos. Além disso, para auxiliar as organizações parceiras e os funcionários da Kindernothilfe a atuar de maneira orientada para efeitos e impactos e baseada nos Direitos da Criança, foi criado um manual sobre a lógica de intervenção do projeto. No âmbito dos programas e projetos baseados nos Direitos da Criança, nos próximos anos serão criados novos treinamentos visando aprimorar o planejamento de projetos e o monitoramento de várias de nossas organizações parceiras. Para que nossos funcionários sejam capazes de conduzir um diálogo profissional com as organizações parceiras, não podemos deixar de fortalecer as estruturas de coordena- ção e os consultores que acompanham nossos processos. Além de tempo e recursos financeiros, precisamos promover a qualificação contínua de nossos funcionários (Segundo Padrão de qualidade). Exemplo concreto A SADEGUA é uma organização parceira estratégica da Kindernothilfe. Ela atua há mais de 27 anos com crianças, adolescentes e mulheres de comunidades indígenas da Guatemala e conta com mais de 15 anos de experiência no trabalho de sensibili- zação e reivindicação dos Direitos da Criança. De 2013 a 2018, a SADEGUA realizou a primeira fase de um projeto comunitário ba- seado nos Direitos da Criança. Tendo em vista os impactos alcançados e o profissio- nalismo de nosso parceiro, foi aprovada uma segunda fase, com duração até 2023. Para a Kindernothilfe, um dos destaques dessa cooperação é a vontade de promo- ver uma aprendizagem mútua com o objetivo de alcançar uma transformação eficaz e sustentável nas condições de vida de crianças e adolescentes. A contribuição da SADEGUA nesse sentido é exemplar: nos últimos anos, participou de diversos trei- namentos sobre temas como Proteção da Criança, Programas e Projetos Baseados nos Direitos da Criança e Orientação para Efeitos e Impactos. Além disso, a SADE- GUA incorporou ao seu trabalho os conhecimentos e competências adquiridos. Em sua nova proposta de projeto, a SADEGUA considerou as recomendações resul- tantes da avaliação da primeira fase do projeto, procurando, na fase seguinte, asse- gurar e aprofundar os impactos e transformações. Portanto, a lógica de impacto da fase consecutiva do projeto combina os conhecimentos adquiridos e o know-how de nossa organização parceira para focar nas violações de direitos e nas causas que limitam o desenvolvimento integral das crianças na região do projeto. Trabalhamos com importantes atores locais, pessoas chave da comunidade, famílias, detentores de deveres, estruturas gerais e, claro, com as próprias crianças e adolescentes, procurando alcançar mudanças positivas duradouras.
  • 36. 36 3.4 No trabalho de advocacy Para a aplicação consistente do EDD, é necessário um trabalho que enfrente as causas econômicas, sociais e políticas da pobreza: o trabalho de advocacy. Nesse contexto, a atuação da Kindernothilfe e seus parceiros perante os tomadores de decisão (governos e instâncias superiores de poder) ocorre de duas maneiras: na qualidade de representantes das crianças e através da atuação conjunta com crianças e adolescentes. O trabalho de advocacy é um importante instrumento para estabelecer um diálogo construtivo e colaborativo com os detentores de deveres e exigir que cumpram suas responsabilidades perante os titulares de direitos. Nosso trabalho de advocacy toma como base a CDC e é direcionado principalmente a governos, mas também a atores multilaterais e interna- cionais. Um dos elementos essenciais do trabalho de advocacy é o foco nas crianças e em suas famílias enquanto sujeitos de direitos. Nós as incentivamos a defender seus direitos. Para isso, é necessário, em primeiro lugar, que conheçam esses direitos. Além das atividades de advocacy em nossos projetos no exterior, temos um histórico de mais de 25 anos de trabalho de advocacy em prol dos Direitos da Criança, tanto na Alemanha como na esfera internacional, individualmente ou por meio de alianças com outros atores. Uma iniciativa bem-sucedida de advocacy foi nossa participação na coli- gação internacional em prol da criação de um mecanismo de petições individuais para crianças nas Nações Unidas (ver item 2.3). Foram necessários quase dez anos (2002 a 2011) até que o 3º Protocolo Facultativo fosse finalmente adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Exemplo concreto O projeto de nossa organização parceira IFEJANT, no Peru, é um caso exemplar. Por meio da prevenção da violência, do fortalecimento dos Direitos da Criança e da criação de sindicatos de crianças, o projeto visa melhorar as condições de vida de crianças trabalhadoras, propiciando-lhes acesso à educação e protegendo-as de atividades nocivas. Em conjunto com crianças trabalhadoras peruanas na faixa etária de nove a treze anos, organizadas em grupos de autoajuda, a IFEJANT desenvolveu um conceito para ensinar crianças a reconhecer e lidar com a violação de seus direitos, e exigir seu cumprimento. Para a IFEJANT, a participação ativa das crianças nos processos de planejamento e execução do projeto e na criação de sindicatos de crianças são requisitos essen- ciais para uma transformação sustentável. Por isso, em muitas das reuniões entre a Kindernothilfe e a IFEJANT, é comum a presença de crianças, que contribuem de maneira decisiva para a concepção do projeto. Hoje, são realizadas reuniões nacio- nais entre representantes dos sindicatos de crianças para discutir os problemas enfrentados. O projeto é a prova viva de que, ao se organizarem e expressarem suas reivindicações, crianças são capazes de exercer influência sobre o governo com vista a melhoras sustentáveis de suas vidas. Além disso, o projeto ajuda a sensibilizar os detentores de deveres (pais, professores, etc.) para o trabalho infantil e da violência contra crianças, o que contribui significativamente para a redução e prevenção da violência. Definição de advocacy: No contexto dos Direitos da Criança, advocacy significa toda atividade organizada que vise promover uma melhoria sustentável das condições políticas, jurídicas, econômicas, ecológicas e sociais. O objetivo consiste em exigir o cumpri- mento dos direitos das crianças, suas famílias e comunidades, conforme postulados na CDC. Isso é feito de duas formas: apoiando e fortalecendo a criança para que ela reivindi- que seus direitos ou agindo em seu nome, como repre- sentante de seus interesses. As atividades de advocacy exigem dos detentores de deveres o cumprimento de seus deveres.