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Amelia Pechisso
Ambrósio Samora
Hortência Borge
Telvina Cossa
Jossefa Fernando
Samuel Zualo
As práticas desportivas comunitárias como local de formação de valores sociais
4º Ano
Universidade Pedagógica de Maputo
Maputo
2022
2
Amelia Pechisso
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Hortência Borge
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Samuel Zualo
As práticas desportivas comunitárias como local de formação de valores sociais
Universidade Pedagógica de Maputo
Maputo
2022
Trabalho a ser apresentado na Faculdade de
educação física e desporto, com vista na
avaliação, na cadeira sociologia do desporto.
Sob orientação da orientação do Prof. Doutor
Gustavo Paipe.
Índice
Introdução......................................................................................................................... 4
1. Conceito do desporto.................................................................................................... 6
2. Praticas desportivas comunitárias/lazer........................................................................ 7
3. A Dimensão Social do Desporto .................................................................................. 8
4. Valores no Desporto..................................................................................................... 9
5. Estudos sobre valores no desporto.............................................................................. 10
5.1. Diferenças entre sexos............................................................................................. 11
5.2. Os efeitos da participação na prática desportiva ..................................................... 11
5.3. A influência dos agentes de socialização ................................................................ 13
5.3.1. Os pais .................................................................................................................. 13
5.3.2. Os treinadores/professores de Educação Física.................................................... 14
5.3.3. Os companheiros de equipa.................................................................................. 16
Considerações finais.................................................................................................................... 17
Referencias bibliográficas........................................................................................................... 18
4
Introdução
As atividades físicas em geral e o desporto em particular, encerram um elevado potencial
para influenciar significativamente o desenvolvimento pessoal dos jovens, contribuindo
para a sua formação como pessoas. O treino desportivo e a competição, em concreto no
desporto para jovens, devem assumir uma dimensão educativa, devendo ser concebidos
como projetos de desenvolvimento pessoal e social (ROSADO., 1998).
Neste quadro de referência, as atividades físicas e o desporto podem constituir-se como
um importante contexto facilitador de abordagens orientadas para a promoção do bem-
estar psicossocial, do desenvolvimento sócio afetivo e moral dos jovens e das suas
competências interpessoais (ROSADO & MESQUITA., 2011).
A componente de formação pessoal e social, moral e cívica, englobando a internalização
de valores ético-desportivos e morais, mais gerais, num contexto de desenvolvimento e a
aquisição de competências de vida, são conceitos fundamentais a que a Educação Física
e o Desporto não podem ficar alheios (ROSADO, 1998).
Neste contexto, entende-se por competências de vida, as estratégias que possibilitam ao
indivíduo a inserção responsável e satisfatória na comunidade (Cunha, 1993). Resulta
deste entendimento que a formação pessoal e social é um imperativo formativo que
importa sublinhar também no desporto (ROSADO., 1998).
A este propósito, importa salientar que a educação desportiva envolve considerações
éticas e morais, preocupação com o bem-estar próprio e dos outros e assunção de
responsabilidades pessoais e sociais, num quadro de preocupações éticas e humanistas
(HELLISON., 1973)
Na realidade, a mera vivência desportiva não garante a internalização autêntica de valores
e códigos éticos, devendo, esta, ser uma preocupação pedagógica, visível na formação e
educação desportiva (LEE & WHITEHEAD., 1999).
O presente trabalho tem como tema, As práticas desportivas comunitárias como local de
formação de valores sociais, onde procuramos trazer os valores no desporto de forma
geral de modo a manter paralelismo com as práticas desportivas comunitárias.
5
Objetivo geral
✓ Compreender o papel das práticas desportivas na formação de valores socias
Objetivos específicos
✓ Conhecer os valores sociais encontrados nas práticas desportivas;
✓ Listar Estudos sobre valores no desporto.
6
1. Conceito do desporto
O Desporto é uma atividade específica, com regras, espaços e materiais, equipamentos,
roupas, funções, personagens, valores, formas e processos originais (BRITO., 1994). A
prática desportiva tem sido um meio para as pessoas procurarem o seu bem-estar
psicológico, face às novas exigências e pressões colocadas pela sociedade moderna.
O impacto do exercício físico nas variáveis psicológicas tem sido referido repetidamente
pelos mais diversos autores, por exemplo, aumenta o rendimento académico, a
assertividade, a confiança, a estabilidade emocional, o locus de controlo interno, o
autocontrolo, o bem-estar, diminuindo variáveis como a ansiedade, a irritação, a
depressão, a hostilidade, sintomas psicossomáticos, entre outros (CRUZ, MACHADO &
MOTA., 1996)
Para Giddens (1996), o desporto tem constituído ao longo do tempo um processo de
“intensificação das relações sociais à escala mundial, relações que ligam comunidades
distantes de tal maneira que as ocorrências locais são moldadas por acontecimentos que
se dão a muitos quilómetros de distância, e vice-versa”. Um exemplo são os Jogos
Olímpicos, uma atividade realizada com o objetivo de aliar os povos, como é possível
constatar através de um dos seus símbolos, a bandeira, composta por cinco anéis
entrelaçados, representando assim a união dos cinco continentes.
O desporto é uma prática cultural da sociedade moderna. É um fenómeno com cada vez
mais visibilidade no mundo; veio substituir o que outrora era um passatempo de só alguns
grupos culturais (STIGGER., 1999). O desporto encontra-se profundamente inserido na
esfera lúdica e, logo, cultural do Homem. É direito exigido por todos os povos, é forma
de convívio e afirmação internacionais, é meio de educação, é cultura (BRITO., 1976).
Um estudo intercultural desvendou que o desporto facilita a aquisição de valores
específicos durante a infância, como a obediência e a responsabilidade (BRUSTAD &
PARKER., 2005). A prática desportiva aumenta ainda o autoconceito nas crianças e nos
adolescentes (HORN., 1992), pois permite que estes experienciem sentimentos de
competência, orgulho, admiração, aprovação dos pares, pais e treinadores (SMITH.,
ZANE., SMOLL & COOPEL., 1983). Promove inúmeras oportunidades para a interação
social (BRUSTAD & PARKER, 2005), levando à aquisição de padrões comportamentais
(liderança, carácter, cooperação) e valores (competição, partilha, trabalho de equipa,
7
contacto com regras, muitas delas transferidas para a convivência em sociedade) (Smith
et al, 1983). Um programa desenvolvido com jovens “em risco”, de ambos os sexos, com
idades compreendidas entre os 12 e os 14 anos, Adelante Climbing Program, mostrou
diversos resultados benéficos ao nível do desenvolvimento destes jovens, sobretudo no
que concerne ao desenvolvimento moral.
2. Praticas desportivas comunitárias/lazer
Estes novos valores são expressos ao desporto um conjunto de virtualidades,
estabelecendo-se a sua capacidade de contribuir para o bem-estar dos indivíduos,
melhorando as condições físicas e de saúde, um meio de relaxamento e antisstress, como
um vínculo para o retorno do Homem a natureza numa sociedade cada vez mais
organizada (MARIVOET., 1997).
Chistian Pociello (1987), cujo os trabalhos decorem dos prossupostos teóricos de Pirre
Bourdieu, considera que o movimento da cultura física, que veio ser designado pelo
movimento do desporto para todos, constrói uma rotura com modelo desportivo de
competição emergente de uma sociedade industrial Hiper codificada, massificada, e
assento no rendimento corporal. Considera ainda, que o desporto vincula os valores de
uma sociedade pós-industrial, que significa a diferença, a aventura, e o enaltecimento da
esfera reprodutiva, em especial o consumo, em detrimento da esfera produtiva.
Pierre Bourdieu (1987), insere as práticas desportivas nas práticas de consumo cultural,
encontrando princípios explicativos para os envolvimentos sociais na capacidade
distintiva que estas encarram. O desporto para Bourdieu apresenta-se como um produto
cultural, social e económico, inserido num mercado de oferta e procura, socialmente
produzidas, ou seja, a oferta constitui-se pela capacidade organizativa num dado
momento, e a procura, pelas disposições de práticas expressas na sociedade. O sistema
das referências constitui o elemento dinamizador deste mercado, assente na logica da
realidade.
Assim as classes socias com nível mais elevado de capital económico, cultural e social,
procuram modalidades de mais difícil acesso, pois são essas que lhes fornece maior
capacidade distintiva, verificando-se das restantes classes, estratégias de compensação a
sua baixa estrutura de capital, através do acesso a consumos desportivos que lhes fornece
capacidade de identificação social MARIVOET., 1997). Pierre Bourdieu (1987)
encontra, então, uma tendência para generalização das modalidades, através da
8
construção de uma oferta menos elástica, fato que as classes sociais com níveis superiores
de capital a procurarem novos de desportos, de modo a ser-lhes restituída a distinção que
procuram.
Para alem da logica subjacente ao mercado de oferta estes autores (PIERRE,
BOURDIEU., 1987; CHISTIAN, POCIELLO., 1987) consideram, ainda, que a relação
corporal permitida por cada modalidade se identifica com os níveis de capital de cada
modalidade, afirmando que tanto o contacto físico como a confrontação apresentam
formas mais dissimuladas nas classes sociais com níveis superiores, na sequência deste
pressuposto Chistian Pociello (1987), introduz o conceito de capital corporal, ou seja, o
corpo apresenta-se como um produto socialmente produzido.
3. A Dimensão Social do Desporto
Araújo (1998), refere que a dimensão social do desporto se expressa através dos seus
aspetos reconhecidamente culturais, científicos, pedagógicos, estéticos, e também pelos
seus diferentes níveis de prática, de base, de pequena, média e alta competição, de lazer
e recreação, de preparação e manutenção profissional.
Assim, sempre que corretamente orientado no plano social e pedagógico, o desporto
representa um dos principais meios educativos e formativos dos cidadãos, com
imprescindíveis contributos no âmbito da promoção da saúde e do rendimento
profissional das populações, da formação multilateral da juventude, da melhoria da
qualidade de vida, no preenchimento do tempo livre ou como fator de desenvolvimento
sociocultural e turístico (ARAÚJO., 1998).
Araújo (1998) refere ainda que, a componente sociocultural do Desporto assenta nos
valores morais, sociais e estéticos que regem a sua prática e no património de
conhecimentos com ele relacionados que têm vindo a ser transmitidos ao longo dos
tempos, de geração para geração, tendo em vista a superação dos que a ele se dedicam,
mas só será positivo, como meio sociocultural, quando promova o desenvolvimento das
capacidades globais de ser humano e seja orientado segundo perspetivas formativas e
educativas que sobreponham os interesses dos cidadãos e da sua maioria, relativamente a
quaisquer outros que eventualmente os procurem prejudicar.
O autor enfatiza a importância que Educação Física e o Desporto representam hoje, nas
sociedades modernas, considerando-as “imprescindíveis meios de cultura e de
9
desenvolvimento social, tendo como um dos seus objetivos fundamentais aperfeiçoar as
formas básicas do movimento humano”.
4. Valores no Desporto
Tendo em conta o envolvimento desportivo que cada vez mais é notório nas camadas
jovens, já foram identificadas algumas consequências positivas dessa participação social.
No entanto, vários investigadores na área da sociologia desportiva, e em especial no
processo de socialização dos jovens através da prática desportiva, assinalam que esses
resultados se apresentam contraditórios (ORLICK., 1981; STEVENSON., 1975; cit. por
GONÇALVES., 1991).
Alguns comportamentos que têm vindo a ser mais frequentes são: fazer batota, praticar
agressões, adotar comportamentos violentos e faltar ao respeito a adversários e árbitros.
Embora as ocorrências mais frequentes e visíveis sejam observáveis no Desporto
profissional, já se começa a encontrar cada vez mais esses maus comportamentos no
Desporto jovem (BREDEMEIER., 1984; cit. GONÇALVES., CARREIRO DA COSTA
& PIÉRON., 1998).
Tal como refere Rijo (2001), é irrefutável o facto de que o Desporto transmite uma série
de valores, quer sejam próprios da sociedade em que está inserido ou por outro lado, pré-
estabelecidos pelas sociedades antecedentes. De facto, o Desporto reflete os valores
culturais básicos do meio em que se desenvolve e, portanto, atua como “transmissor de
cultura” (BLANCHARD & CHESKA., 1986; cit. por RIJO, 2001).
Os valores que a sociedade transmite ao Desporto, tais como a honestidade, a lealdade, a
sinceridade, a limpidez de processos, a correção de atitudes, o respeito mútuo entre quem
participa na competição desportiva e o respeito inequívoco por regras de condutas cívicas
e desportivas por parte de quem é responsável pela orientação desportiva, tende cada vez
mais a serem irrelevantes e a estarem em vias de extinção (GONÇALVES., 1988;
GONÇALVES, & PIÉRON., 1998; RIJO., 2001).
Como referenciado anteriormente, a prática desportiva pode proporcionar uma correta
transmissão de valores, pelo que a sua qualidade, está dependente das situações que são
criadas na prática desportiva (Gonçalves, 1991) e da importância dada pelo
treinador/professor ou outros agentes de socialização (RIJO., 2001; KEMP., 1991).
10
Numa relação abrangente e do ponto de vista filosófico, a atividade desportiva permite o
desenvolvimento de um conjunto de valores éticos, que segundo Blake (1996; cit. Por
RODRIGUEZ., DIAZ & NÁJERA., 2001) se traduzem nas seguintes dimensões:
✓ Espiritual: porque permite que os praticantes experimentem situações de
exposição de sentimentos, emoções, reflexão, autoconhecimento e pensamentos
positivos, num determinado contexto;
✓ Moral: porque ao longo das vivências desportivas, os praticantes aplicam valores
(ou anti-valores) pessoais, onde se engloba o conceito de “jogo limpo”, respeito
pelos colegas e regulamento, entre outros;
✓ Social: porque o contexto desportivo é um microcosmo da sociedade, onde
acontecem múltiplas interações, formas de comunicação, cooperação e trabalho
de equipa, pelo que os praticantes se reconhecem como membros de um
determinado grupo;
✓ Cultural: porque as tradições e padrões culturais de uma sociedade se refletem
na atividade desportiva, desenvolvendo processos de enculturação e aculturação.
5. Estudos sobre valores no desporto
Com este subtítulo pretendemos abranger um conjunto de estudos (GONÇALVES., 1988,
1990, 1991; ORLICK., 1981; MCELROY & KIRKENDALL.,1980), realizados no
âmbito dos valores no Desporto e Espírito Desportivo, salientando os principais
resultados obtidos, bem como as conclusões inerentes aos estudos em causa.
De acordo com Gonçalves (1988, 1990), os estudos neste domínio podem dividir-se em
3 áreas:
✓ diferenças entre sexos;
✓ efeitos da participação na prática desportiva;
✓ efeitos dos agentes de socialização
É de referir, que os estudos desenvolvidos por Gonçalves (1988, 1990, 1991) têm origem,
em: estudos sobre a análise do comportamento dos desportistas; estudos de carácter
experimental sobre os comportamentos de imitação e assimilação; e resultados obtidos
através da aplicação de questionários específico
11
5.1. Diferenças entre sexos
literatura neste âmbito, refere que os comportamentos agressivos são mais frequentes no
sexo masculino do que no sexo feminino (MCELROY & KIRKENDALL., 1980; cit. por
GONÇALVES., CARREIRO DA COSTA & PIÉRON., 1998;). Assim, as raparigas em
situação de competição, tendem a manifestar condutas menos violentas, menos agressivas
e mais cooperativas do que os rapazes, enquanto estes assumem com mais frequência
atitudes que traduzem um empenho na obtenção da vitória a qualquer preço (NIXON,
1980; cit. por GONÇALVES, 1988, 1990). Também Silva (1983; cit. por GONÇALVES,
1988) menciona que os rapazes aceitam com mais facilidade certos comportamentos
ilegais, como perfeitamente legítimos, face aos objetivos pretendidos na competição.
5.2. Os efeitos da participação na prática desportiva
De acordo com Gonçalves (1990), esta área tem suscitado indiscutivelmente, mais
interesse por parte de investigadores e educadores, em geral. Uma das principais
justificações para a existência de programas desportivos para a juventude, assenta na
convicção de que a prática desportiva contribui para o desenvolvimento integral das
crianças e jovens e como tal para a sua formação.
Assim, vários investigadores têm-se debruçado sobre a influência que a prática
desportiva, tem ou não na formação de valores positivos e negativos.
Um estudo realizado por Orlick (1981; cit. por GONÇALVES, 1988) salienta e critica o
facto de o Desporto para jovens estar envolvido numa organização demasiada
“competitiva”, o que provoca no praticante a aceitação de valores individualistas e
negativos. Concomitantemente, existem bastantes estudos que evidenciam uma falta de
relação positiva entre a prática desportiva e o desenvolvimento de valores éticos e de
Espírito Desportivo (GONÇALVES, 1988, 1990, 1998).
Em suma, apresentamos de uma forma muito genérica algumas dessas constatações:
✓ os praticantes desportivos em relação aos não praticantes, consideram como
objetivo a ser perseguido, o sucesso e a vitória, valendo para tal, todos os meios,
mesmo que sejam ilegais (SILVA, 1983; cit. por GONÇALVES, 1988);
✓ Os praticantes desportivos possuem atitudes menos positivas na afirmação do
Espírito Desportivo, assim como manifestam com mais frequência atitudes que
traduzem a ausência desse código de valores, facto este acentuado pelos anos de
12
prática e pelo nível de competição, verificando-se mesmo uma relação negativa
entre os anos de competição e a manifestação de valores (SILVA., 1983; cit. por
GONÇALVES., 1988); os praticantes de melhor nível são aqueles que mais
frequentemente demonstram atitudes e comportamentos contrários ao Espírito
Desportivo (NIXON., 1980; cit. por GONÇALVES., 1990);
✓ o resultado da competição, parece influenciar de forma significativa o
comportamento dos praticantes, traduzido no facto dos “vencidos” criticarem
consistentemente e por diversas formas, o árbitro, adversários, companheiros e o
treinador (NIXON, 1980; cit. por GONÇALVES, 1990);
✓ os diferentes níveis de Espírito Desportivo surgem normalmente associados à
prática de diferentes tipos de Desporto. Assim, os desportos coletivos onde a
colisão e o contacto são permitidos, estão mais associados a uma atitude
permissiva face à violação dos regulamentos, em comparação com os desportos
onde os praticantes não se envolvam em contactos pessoais (RÉGNIER, 1984; cit.
por GONÇALVES, 1988).
Neste contexto que é o Desporto e nunca nos abstraindo que este representa um
microcosmo da sociedade, é necessário referir que “não é a prática desportiva competitiva
que provoca os efeitos referidos sobre o Espírito Desportivo. Essa prática não se faz no
abstrato, mas sim em presença de diferentes estímulos (ou condicionantes) sociais que
desempenham um papel determinante neste domínio” (GONÇALVES., 1990).
Assim, a convicção de que a participação em programas desportivos direcionados para os
jovens, contribui para o desenvolvimento ético-moral, promove as aprendizagens em
contexto escolar e define uma personalidade concordante com os valores emergentes de
uma sociedade, é um facto que ainda não possui um suporte científico consistente, na
literatura das Ciências do Desporto e Atividade Física (Matos, 1997). Contudo, a maioria
da bibliografia indica que a participação em atividades desportivas, aumenta a rivalidade,
o comportamento antissocial e Não desenvolve atributos da personalidade, valorizados
socialmente (MATOS., 1997).
13
5.3. A influência dos agentes de socialização
A validade positiva da função social que o Desporto desempenha, tanto no plano
formativo como educativo, obriga os variados responsáveis, ao adequado tratamento dos
efeitos perversos consequentes da sobrevalorização dos aspetos negativos do seu
universo, como o vedetismo, a indisciplina, a batota, os modelos negativos, a “clubite”, o
“facciosismo”, o regionalismo exacerbado, o chauvinismo e o racismo, geradores de
atitudes e comportamentos opostos às finalidades de um Desporto são e salutar (CRUZ.,
2002).
Martens (1978; cit. por GONÇALVES, 1990) afirma que não é o confronto, a competição
ou o tipo de Desporto praticado que determina automaticamente o valor das atividades
desportivas para as crianças e jovens; é antes do mais a natureza das experiências vividas
nessas atividades. São principalmente as interações com os pais, os treinadores, os
professores, os dirigentes, os árbitros, os companheiros de equipa e a assistência, que vão
determinar se a prática desportiva ajuda ou não as crianças e o jovem a adquirirem uma
sã convivência social e desportiva.
O Desporto infanto-juvenil é um modelo social que faz parte da formação do ser humano
na infância e adolescência (SIMÕES., BÖHME & LUCATO., 1999). É organizado em
função dos valores sociais e culturais onde é desenvolvido, estando dependente de
diversas relações dinâmicas que ocorrem entre os agentes de socialização e os praticantes.
5.3.1. Os pais
De acordo com Jarque (1990), a tradição familiar é muito importante para a iniciação
desportiva dos jovens. A aceitação/apoio dos pais e a integração anterior de irmãos, são
fatores que favorecem a adesão desportiva por parte dos jovens, em idades mais novas.
Contudo, em idades mais avançadas, a influência familiar não é tão importante, pelo que
estes inserem-se em atividades de âmbito escolar ou naquelas, em que estão envolvidos
os seus amigos.
Para Gonçalves (1990), os pais não só desempenham um papel importante na iniciação
das crianças, bem como na continuidade dessa prática ao longo dos anos.
Este mesmo autor, refere um caso insólito que ocorreu no Canadá, em 1979. Os dirigentes
de uma liga de hóquei sobre gelo, viram-se forçados a não permitir a assistência de
familiares de crianças nos jogos, dado que estes nas bancadas, não só encorajavam estas
a manifestarem um comportamento agressivo para com os adversários, bem como
14
também, eles próprios envolviam-se frequentemente em cenas de violência verbal e
física.
Outro estudo de McElroy e Kirkendall (1980; cit. por GONÇALVES, 1988), definiu uma
relação direta entre o Espírito Desportivo evidenciado por jovens dos 10 aos 18 anos de
idade e a perceção que estes tinham da atitude dos seus pais face à prática desportiva
competitiva. Assim, quantas mais pressões sofriam por parte dos pais no sentido da vitória
e de terem uma boa prestação, menor era o comportamento desportivo evidenciado pelos
jovens (BARBER., SUKHI & WHITE., 1999).
Desta forma, a valorização do talento desportivo pode prejudicar a socialização pelo
comportamento competitivo, contribuindo para o aparecimento de problemas teóricos e
metodológicos no Desporto. Qualquer que seja o papel atribuído à participação dos pais
na vida desportiva dos filhos, a relação entre estes deve ser cuidadosamente observada,
já que a relação entre família, escola e prática desportiva estão estritamente relacionadas
ao processo de formação e desenvolvimento da personalidade das crianças no contexto
desportivo (SIMÕES., BÖHME & LUCATO., 1999).
Coakley (1990) também refere que o envolvimento dos pais no contexto desportivo dos
filhos, pode gerar estados de perturbações emocionais, que por sua vez geram ansiedade
nas crianças e jovens. Outro facto importante, é que estas creem que as relações com os
pais, dependem da continuidade do seu envolvimento desportivo e da qualidade das suas
performances. Assim, as consequências deste tipo de exigências, podem ser a extrema
necessidade de vencer a qualquer custo, obtendo desta forma a aprovação social neste
âmbito ((SIMÕES., BÖHME & LUCATO., 1999).
5.3.2. Os treinadores/professores de Educação Física
Treinar crianças e jovens é uma atividade extremamente interessante e atrativa, mas que
atribui a todos os que a acompanham, organizam e dirigem, em particular ao treinador,
uma elevada responsabilidade face à sociedade, ao sistema desportivo e sobretudo, ao
próprio praticante (ADELINO., VIEIRA & COELHO., 1999).
Martens & Gould (1979; cit. por GONÇALVES, 1990) referem que “transmitir valores
positivos” representava a principal razão pela qual a maioria dos treinadores canadianos
de jovens desportistas exercitavam as suas funções, mas uma outra razão muito
importante, era a sensação de sucesso pessoal obtida através das vitórias das suas equipas.
Isto demonstra a indissociação existente no seio do contexto desportivo, em que os
15
treinadores por muito que queiram exercer um processo de treino pedagógico, não se
conseguem abstrair de objetivos externos, assim como é a vitória.
Por outro lado, Bengoechea (1997) refere que os treinadores têm uma enorme importância
na motivação intrínseca, como reguladora da participação no contexto do Desporto
infanto-juvenil, dado que as considerações educativas e morais têm de ter em conta,
aquilo que são as necessidades dos jovens. Como tal, os treinadores/profissionais de Ed.
Física, são “elementos-chave” no processo de fomentação do Espírito Desportivo e seus
valores inerentes, pelo que pelas “suas mãos” passam todo o tipo de jovens, desde os
futuros desportistas, aos espectadores que futuramente serão possivelmente fomentadores
de violência, quer no contexto desportivo, quer na sociedade em geral.
Neste aspeto, o papel destes agentes de socialização é extremamente importante, no
processo de formação e desenvolvimento destes indivíduos, nas suas vertentes morais,
cívicas, éticas e psicológicas, dado que são estas que estabelecem os objetivos e os
princípios inerentes à prática desportiva, podendo desta forma, realçar e promover os
valores intrínsecos do Desporto, em detrimento da procura da vitória a todo o custo.
Em suma, Robertson (1998) reconhece o papel essencial que o treinador tem na qualidade,
do modo como apresenta o desporto aos seus educandos. Mais importante que isso, é a
sua influência na formação destes mesmos, visto que se encontram num período etário
sensível e que vai “deixar marcas” decisivas em outros aspetos, igualmente importantes
para os hábitos futuros da sua vida.
No entanto, Vaz (1974; cit. por GONÇALVES, 1988) relata no seu estudo efetuado com
jogadores de hóquei sobre gelo entre os 8 e os 10 anos, que quando as crianças percebiam
que os seus treinadores tinham grande empenho na vitória, incentivando-as mesmo a
demonstrarem uma certa rudeza, essas crianças sentiam como legítimas determinadas
atitudes em jogo mesmo ilegais e violentas, tendo em vista impedir o adversário de marcar
um golo, aceitando como natural qualquer lesão que adviesse desse comportamento.
Por outro lado, as crianças e jovens aprendem a maior parte dos seus comportamentos e
atitudes e estruturam a sua personalidade, sobretudo por ação dos adultos e pela natureza
das experiências que estes lhes proporcionam. Neste âmbito, o treinador/professor de
Educação Física assume um lugar destacado na formação das crianças e jovens, não só
como praticantes, mas também no plano pessoal e de cidadania (ADELINO., VIEIRA &
COELHO., 1999).
16
5.3.3. Os companheiros de equipa
A influência que estes exercem mutuamente na aquisição de atitudes favoráveis ao
desenvolvimento do Espírito Desportivo não pode ser subestimada. Se os estudos
efetuados no âmbito da psicologia demonstram que sempre que uma criança ou um jovem
deseja fazer parte de um grupo, adota com naturalidade as atitudes do grupo,
conformando-se com as suas regras, parece lícito supor que no contexto desportivo,
crianças e jovens desejando ser aceites pelos companheiros de equipa, assumam
comportamentos ditados pelas normas vigentes no seio da equipa (GONÇALVES., 1988,
1990).
Assim, se ao aceitarmos como premissa válida que os atletas profissionais servem de
modelos para os jovens atletas, então necessariamente deverá ser concedida uma atenção
acrescida à influência que os jovens entre si, podem através de relações inter-individuais
e processos de modelização/imitação, exercer no desenvolvimento do Espírito Desportivo
pessoal e dos companheiros de equipa.
17
Considerações finais
Apos a realização deste trabalho, concluímos que as práticas desportivas, assumem um
elevado potencial para influenciar significativamente o desenvolvimento pessoal dos
jovens, contribuindo para a sua formação como pessoas. O treino desportivo e a
competição, em concreto no desporto para jovens, devem assumir uma dimensão
educativa, devendo ser concebidos como projetos de desenvolvimento pessoal e social.
A dimensão social do desporto se expressa através dos seus aspetos reconhecidamente
culturais, científicos, pedagógicos, estéticos, e também pelos seus diferentes níveis de
prática, de base, de pequena, média e alta competição, de lazer e recreação, de preparação
e manutenção profissional.
18
Referencias bibliográficas
Araújo, J. Treinador, saber estar, saber ser. Lisboa: Editorial Caminho. (1998)
Brito, A. P. Psicologia do Desporto. Lisboa: Edições Omniserviços.
(1994).
Brito, A. P. Psicologia desportiva: o desporto como elemento de. democratização.
Cultura e Desporto (43). Lisboa: Direção Geral dos Desportos. (1976).
Brustad, R. J. & Parker, M. AEnhancing positive youth development through sport and
physical activity. Psicológica, 39, 75-93. (2005)
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(1996).
Giddens, A. As Consequências da Modernidade. Oeiras: Celta Editora. (1996).
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  • 1. Amelia Pechisso Ambrósio Samora Hortência Borge Telvina Cossa Jossefa Fernando Samuel Zualo As práticas desportivas comunitárias como local de formação de valores sociais 4º Ano Universidade Pedagógica de Maputo Maputo 2022
  • 2. 2 Amelia Pechisso Ambrósio Samora Hortência Borge Telvina Cossa Jossefa Fernando Samuel Zualo As práticas desportivas comunitárias como local de formação de valores sociais Universidade Pedagógica de Maputo Maputo 2022 Trabalho a ser apresentado na Faculdade de educação física e desporto, com vista na avaliação, na cadeira sociologia do desporto. Sob orientação da orientação do Prof. Doutor Gustavo Paipe.
  • 3. Índice Introdução......................................................................................................................... 4 1. Conceito do desporto.................................................................................................... 6 2. Praticas desportivas comunitárias/lazer........................................................................ 7 3. A Dimensão Social do Desporto .................................................................................. 8 4. Valores no Desporto..................................................................................................... 9 5. Estudos sobre valores no desporto.............................................................................. 10 5.1. Diferenças entre sexos............................................................................................. 11 5.2. Os efeitos da participação na prática desportiva ..................................................... 11 5.3. A influência dos agentes de socialização ................................................................ 13 5.3.1. Os pais .................................................................................................................. 13 5.3.2. Os treinadores/professores de Educação Física.................................................... 14 5.3.3. Os companheiros de equipa.................................................................................. 16 Considerações finais.................................................................................................................... 17 Referencias bibliográficas........................................................................................................... 18
  • 4. 4 Introdução As atividades físicas em geral e o desporto em particular, encerram um elevado potencial para influenciar significativamente o desenvolvimento pessoal dos jovens, contribuindo para a sua formação como pessoas. O treino desportivo e a competição, em concreto no desporto para jovens, devem assumir uma dimensão educativa, devendo ser concebidos como projetos de desenvolvimento pessoal e social (ROSADO., 1998). Neste quadro de referência, as atividades físicas e o desporto podem constituir-se como um importante contexto facilitador de abordagens orientadas para a promoção do bem- estar psicossocial, do desenvolvimento sócio afetivo e moral dos jovens e das suas competências interpessoais (ROSADO & MESQUITA., 2011). A componente de formação pessoal e social, moral e cívica, englobando a internalização de valores ético-desportivos e morais, mais gerais, num contexto de desenvolvimento e a aquisição de competências de vida, são conceitos fundamentais a que a Educação Física e o Desporto não podem ficar alheios (ROSADO, 1998). Neste contexto, entende-se por competências de vida, as estratégias que possibilitam ao indivíduo a inserção responsável e satisfatória na comunidade (Cunha, 1993). Resulta deste entendimento que a formação pessoal e social é um imperativo formativo que importa sublinhar também no desporto (ROSADO., 1998). A este propósito, importa salientar que a educação desportiva envolve considerações éticas e morais, preocupação com o bem-estar próprio e dos outros e assunção de responsabilidades pessoais e sociais, num quadro de preocupações éticas e humanistas (HELLISON., 1973) Na realidade, a mera vivência desportiva não garante a internalização autêntica de valores e códigos éticos, devendo, esta, ser uma preocupação pedagógica, visível na formação e educação desportiva (LEE & WHITEHEAD., 1999). O presente trabalho tem como tema, As práticas desportivas comunitárias como local de formação de valores sociais, onde procuramos trazer os valores no desporto de forma geral de modo a manter paralelismo com as práticas desportivas comunitárias.
  • 5. 5 Objetivo geral ✓ Compreender o papel das práticas desportivas na formação de valores socias Objetivos específicos ✓ Conhecer os valores sociais encontrados nas práticas desportivas; ✓ Listar Estudos sobre valores no desporto.
  • 6. 6 1. Conceito do desporto O Desporto é uma atividade específica, com regras, espaços e materiais, equipamentos, roupas, funções, personagens, valores, formas e processos originais (BRITO., 1994). A prática desportiva tem sido um meio para as pessoas procurarem o seu bem-estar psicológico, face às novas exigências e pressões colocadas pela sociedade moderna. O impacto do exercício físico nas variáveis psicológicas tem sido referido repetidamente pelos mais diversos autores, por exemplo, aumenta o rendimento académico, a assertividade, a confiança, a estabilidade emocional, o locus de controlo interno, o autocontrolo, o bem-estar, diminuindo variáveis como a ansiedade, a irritação, a depressão, a hostilidade, sintomas psicossomáticos, entre outros (CRUZ, MACHADO & MOTA., 1996) Para Giddens (1996), o desporto tem constituído ao longo do tempo um processo de “intensificação das relações sociais à escala mundial, relações que ligam comunidades distantes de tal maneira que as ocorrências locais são moldadas por acontecimentos que se dão a muitos quilómetros de distância, e vice-versa”. Um exemplo são os Jogos Olímpicos, uma atividade realizada com o objetivo de aliar os povos, como é possível constatar através de um dos seus símbolos, a bandeira, composta por cinco anéis entrelaçados, representando assim a união dos cinco continentes. O desporto é uma prática cultural da sociedade moderna. É um fenómeno com cada vez mais visibilidade no mundo; veio substituir o que outrora era um passatempo de só alguns grupos culturais (STIGGER., 1999). O desporto encontra-se profundamente inserido na esfera lúdica e, logo, cultural do Homem. É direito exigido por todos os povos, é forma de convívio e afirmação internacionais, é meio de educação, é cultura (BRITO., 1976). Um estudo intercultural desvendou que o desporto facilita a aquisição de valores específicos durante a infância, como a obediência e a responsabilidade (BRUSTAD & PARKER., 2005). A prática desportiva aumenta ainda o autoconceito nas crianças e nos adolescentes (HORN., 1992), pois permite que estes experienciem sentimentos de competência, orgulho, admiração, aprovação dos pares, pais e treinadores (SMITH., ZANE., SMOLL & COOPEL., 1983). Promove inúmeras oportunidades para a interação social (BRUSTAD & PARKER, 2005), levando à aquisição de padrões comportamentais (liderança, carácter, cooperação) e valores (competição, partilha, trabalho de equipa,
  • 7. 7 contacto com regras, muitas delas transferidas para a convivência em sociedade) (Smith et al, 1983). Um programa desenvolvido com jovens “em risco”, de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 12 e os 14 anos, Adelante Climbing Program, mostrou diversos resultados benéficos ao nível do desenvolvimento destes jovens, sobretudo no que concerne ao desenvolvimento moral. 2. Praticas desportivas comunitárias/lazer Estes novos valores são expressos ao desporto um conjunto de virtualidades, estabelecendo-se a sua capacidade de contribuir para o bem-estar dos indivíduos, melhorando as condições físicas e de saúde, um meio de relaxamento e antisstress, como um vínculo para o retorno do Homem a natureza numa sociedade cada vez mais organizada (MARIVOET., 1997). Chistian Pociello (1987), cujo os trabalhos decorem dos prossupostos teóricos de Pirre Bourdieu, considera que o movimento da cultura física, que veio ser designado pelo movimento do desporto para todos, constrói uma rotura com modelo desportivo de competição emergente de uma sociedade industrial Hiper codificada, massificada, e assento no rendimento corporal. Considera ainda, que o desporto vincula os valores de uma sociedade pós-industrial, que significa a diferença, a aventura, e o enaltecimento da esfera reprodutiva, em especial o consumo, em detrimento da esfera produtiva. Pierre Bourdieu (1987), insere as práticas desportivas nas práticas de consumo cultural, encontrando princípios explicativos para os envolvimentos sociais na capacidade distintiva que estas encarram. O desporto para Bourdieu apresenta-se como um produto cultural, social e económico, inserido num mercado de oferta e procura, socialmente produzidas, ou seja, a oferta constitui-se pela capacidade organizativa num dado momento, e a procura, pelas disposições de práticas expressas na sociedade. O sistema das referências constitui o elemento dinamizador deste mercado, assente na logica da realidade. Assim as classes socias com nível mais elevado de capital económico, cultural e social, procuram modalidades de mais difícil acesso, pois são essas que lhes fornece maior capacidade distintiva, verificando-se das restantes classes, estratégias de compensação a sua baixa estrutura de capital, através do acesso a consumos desportivos que lhes fornece capacidade de identificação social MARIVOET., 1997). Pierre Bourdieu (1987) encontra, então, uma tendência para generalização das modalidades, através da
  • 8. 8 construção de uma oferta menos elástica, fato que as classes sociais com níveis superiores de capital a procurarem novos de desportos, de modo a ser-lhes restituída a distinção que procuram. Para alem da logica subjacente ao mercado de oferta estes autores (PIERRE, BOURDIEU., 1987; CHISTIAN, POCIELLO., 1987) consideram, ainda, que a relação corporal permitida por cada modalidade se identifica com os níveis de capital de cada modalidade, afirmando que tanto o contacto físico como a confrontação apresentam formas mais dissimuladas nas classes sociais com níveis superiores, na sequência deste pressuposto Chistian Pociello (1987), introduz o conceito de capital corporal, ou seja, o corpo apresenta-se como um produto socialmente produzido. 3. A Dimensão Social do Desporto Araújo (1998), refere que a dimensão social do desporto se expressa através dos seus aspetos reconhecidamente culturais, científicos, pedagógicos, estéticos, e também pelos seus diferentes níveis de prática, de base, de pequena, média e alta competição, de lazer e recreação, de preparação e manutenção profissional. Assim, sempre que corretamente orientado no plano social e pedagógico, o desporto representa um dos principais meios educativos e formativos dos cidadãos, com imprescindíveis contributos no âmbito da promoção da saúde e do rendimento profissional das populações, da formação multilateral da juventude, da melhoria da qualidade de vida, no preenchimento do tempo livre ou como fator de desenvolvimento sociocultural e turístico (ARAÚJO., 1998). Araújo (1998) refere ainda que, a componente sociocultural do Desporto assenta nos valores morais, sociais e estéticos que regem a sua prática e no património de conhecimentos com ele relacionados que têm vindo a ser transmitidos ao longo dos tempos, de geração para geração, tendo em vista a superação dos que a ele se dedicam, mas só será positivo, como meio sociocultural, quando promova o desenvolvimento das capacidades globais de ser humano e seja orientado segundo perspetivas formativas e educativas que sobreponham os interesses dos cidadãos e da sua maioria, relativamente a quaisquer outros que eventualmente os procurem prejudicar. O autor enfatiza a importância que Educação Física e o Desporto representam hoje, nas sociedades modernas, considerando-as “imprescindíveis meios de cultura e de
  • 9. 9 desenvolvimento social, tendo como um dos seus objetivos fundamentais aperfeiçoar as formas básicas do movimento humano”. 4. Valores no Desporto Tendo em conta o envolvimento desportivo que cada vez mais é notório nas camadas jovens, já foram identificadas algumas consequências positivas dessa participação social. No entanto, vários investigadores na área da sociologia desportiva, e em especial no processo de socialização dos jovens através da prática desportiva, assinalam que esses resultados se apresentam contraditórios (ORLICK., 1981; STEVENSON., 1975; cit. por GONÇALVES., 1991). Alguns comportamentos que têm vindo a ser mais frequentes são: fazer batota, praticar agressões, adotar comportamentos violentos e faltar ao respeito a adversários e árbitros. Embora as ocorrências mais frequentes e visíveis sejam observáveis no Desporto profissional, já se começa a encontrar cada vez mais esses maus comportamentos no Desporto jovem (BREDEMEIER., 1984; cit. GONÇALVES., CARREIRO DA COSTA & PIÉRON., 1998). Tal como refere Rijo (2001), é irrefutável o facto de que o Desporto transmite uma série de valores, quer sejam próprios da sociedade em que está inserido ou por outro lado, pré- estabelecidos pelas sociedades antecedentes. De facto, o Desporto reflete os valores culturais básicos do meio em que se desenvolve e, portanto, atua como “transmissor de cultura” (BLANCHARD & CHESKA., 1986; cit. por RIJO, 2001). Os valores que a sociedade transmite ao Desporto, tais como a honestidade, a lealdade, a sinceridade, a limpidez de processos, a correção de atitudes, o respeito mútuo entre quem participa na competição desportiva e o respeito inequívoco por regras de condutas cívicas e desportivas por parte de quem é responsável pela orientação desportiva, tende cada vez mais a serem irrelevantes e a estarem em vias de extinção (GONÇALVES., 1988; GONÇALVES, & PIÉRON., 1998; RIJO., 2001). Como referenciado anteriormente, a prática desportiva pode proporcionar uma correta transmissão de valores, pelo que a sua qualidade, está dependente das situações que são criadas na prática desportiva (Gonçalves, 1991) e da importância dada pelo treinador/professor ou outros agentes de socialização (RIJO., 2001; KEMP., 1991).
  • 10. 10 Numa relação abrangente e do ponto de vista filosófico, a atividade desportiva permite o desenvolvimento de um conjunto de valores éticos, que segundo Blake (1996; cit. Por RODRIGUEZ., DIAZ & NÁJERA., 2001) se traduzem nas seguintes dimensões: ✓ Espiritual: porque permite que os praticantes experimentem situações de exposição de sentimentos, emoções, reflexão, autoconhecimento e pensamentos positivos, num determinado contexto; ✓ Moral: porque ao longo das vivências desportivas, os praticantes aplicam valores (ou anti-valores) pessoais, onde se engloba o conceito de “jogo limpo”, respeito pelos colegas e regulamento, entre outros; ✓ Social: porque o contexto desportivo é um microcosmo da sociedade, onde acontecem múltiplas interações, formas de comunicação, cooperação e trabalho de equipa, pelo que os praticantes se reconhecem como membros de um determinado grupo; ✓ Cultural: porque as tradições e padrões culturais de uma sociedade se refletem na atividade desportiva, desenvolvendo processos de enculturação e aculturação. 5. Estudos sobre valores no desporto Com este subtítulo pretendemos abranger um conjunto de estudos (GONÇALVES., 1988, 1990, 1991; ORLICK., 1981; MCELROY & KIRKENDALL.,1980), realizados no âmbito dos valores no Desporto e Espírito Desportivo, salientando os principais resultados obtidos, bem como as conclusões inerentes aos estudos em causa. De acordo com Gonçalves (1988, 1990), os estudos neste domínio podem dividir-se em 3 áreas: ✓ diferenças entre sexos; ✓ efeitos da participação na prática desportiva; ✓ efeitos dos agentes de socialização É de referir, que os estudos desenvolvidos por Gonçalves (1988, 1990, 1991) têm origem, em: estudos sobre a análise do comportamento dos desportistas; estudos de carácter experimental sobre os comportamentos de imitação e assimilação; e resultados obtidos através da aplicação de questionários específico
  • 11. 11 5.1. Diferenças entre sexos literatura neste âmbito, refere que os comportamentos agressivos são mais frequentes no sexo masculino do que no sexo feminino (MCELROY & KIRKENDALL., 1980; cit. por GONÇALVES., CARREIRO DA COSTA & PIÉRON., 1998;). Assim, as raparigas em situação de competição, tendem a manifestar condutas menos violentas, menos agressivas e mais cooperativas do que os rapazes, enquanto estes assumem com mais frequência atitudes que traduzem um empenho na obtenção da vitória a qualquer preço (NIXON, 1980; cit. por GONÇALVES, 1988, 1990). Também Silva (1983; cit. por GONÇALVES, 1988) menciona que os rapazes aceitam com mais facilidade certos comportamentos ilegais, como perfeitamente legítimos, face aos objetivos pretendidos na competição. 5.2. Os efeitos da participação na prática desportiva De acordo com Gonçalves (1990), esta área tem suscitado indiscutivelmente, mais interesse por parte de investigadores e educadores, em geral. Uma das principais justificações para a existência de programas desportivos para a juventude, assenta na convicção de que a prática desportiva contribui para o desenvolvimento integral das crianças e jovens e como tal para a sua formação. Assim, vários investigadores têm-se debruçado sobre a influência que a prática desportiva, tem ou não na formação de valores positivos e negativos. Um estudo realizado por Orlick (1981; cit. por GONÇALVES, 1988) salienta e critica o facto de o Desporto para jovens estar envolvido numa organização demasiada “competitiva”, o que provoca no praticante a aceitação de valores individualistas e negativos. Concomitantemente, existem bastantes estudos que evidenciam uma falta de relação positiva entre a prática desportiva e o desenvolvimento de valores éticos e de Espírito Desportivo (GONÇALVES, 1988, 1990, 1998). Em suma, apresentamos de uma forma muito genérica algumas dessas constatações: ✓ os praticantes desportivos em relação aos não praticantes, consideram como objetivo a ser perseguido, o sucesso e a vitória, valendo para tal, todos os meios, mesmo que sejam ilegais (SILVA, 1983; cit. por GONÇALVES, 1988); ✓ Os praticantes desportivos possuem atitudes menos positivas na afirmação do Espírito Desportivo, assim como manifestam com mais frequência atitudes que traduzem a ausência desse código de valores, facto este acentuado pelos anos de
  • 12. 12 prática e pelo nível de competição, verificando-se mesmo uma relação negativa entre os anos de competição e a manifestação de valores (SILVA., 1983; cit. por GONÇALVES., 1988); os praticantes de melhor nível são aqueles que mais frequentemente demonstram atitudes e comportamentos contrários ao Espírito Desportivo (NIXON., 1980; cit. por GONÇALVES., 1990); ✓ o resultado da competição, parece influenciar de forma significativa o comportamento dos praticantes, traduzido no facto dos “vencidos” criticarem consistentemente e por diversas formas, o árbitro, adversários, companheiros e o treinador (NIXON, 1980; cit. por GONÇALVES, 1990); ✓ os diferentes níveis de Espírito Desportivo surgem normalmente associados à prática de diferentes tipos de Desporto. Assim, os desportos coletivos onde a colisão e o contacto são permitidos, estão mais associados a uma atitude permissiva face à violação dos regulamentos, em comparação com os desportos onde os praticantes não se envolvam em contactos pessoais (RÉGNIER, 1984; cit. por GONÇALVES, 1988). Neste contexto que é o Desporto e nunca nos abstraindo que este representa um microcosmo da sociedade, é necessário referir que “não é a prática desportiva competitiva que provoca os efeitos referidos sobre o Espírito Desportivo. Essa prática não se faz no abstrato, mas sim em presença de diferentes estímulos (ou condicionantes) sociais que desempenham um papel determinante neste domínio” (GONÇALVES., 1990). Assim, a convicção de que a participação em programas desportivos direcionados para os jovens, contribui para o desenvolvimento ético-moral, promove as aprendizagens em contexto escolar e define uma personalidade concordante com os valores emergentes de uma sociedade, é um facto que ainda não possui um suporte científico consistente, na literatura das Ciências do Desporto e Atividade Física (Matos, 1997). Contudo, a maioria da bibliografia indica que a participação em atividades desportivas, aumenta a rivalidade, o comportamento antissocial e Não desenvolve atributos da personalidade, valorizados socialmente (MATOS., 1997).
  • 13. 13 5.3. A influência dos agentes de socialização A validade positiva da função social que o Desporto desempenha, tanto no plano formativo como educativo, obriga os variados responsáveis, ao adequado tratamento dos efeitos perversos consequentes da sobrevalorização dos aspetos negativos do seu universo, como o vedetismo, a indisciplina, a batota, os modelos negativos, a “clubite”, o “facciosismo”, o regionalismo exacerbado, o chauvinismo e o racismo, geradores de atitudes e comportamentos opostos às finalidades de um Desporto são e salutar (CRUZ., 2002). Martens (1978; cit. por GONÇALVES, 1990) afirma que não é o confronto, a competição ou o tipo de Desporto praticado que determina automaticamente o valor das atividades desportivas para as crianças e jovens; é antes do mais a natureza das experiências vividas nessas atividades. São principalmente as interações com os pais, os treinadores, os professores, os dirigentes, os árbitros, os companheiros de equipa e a assistência, que vão determinar se a prática desportiva ajuda ou não as crianças e o jovem a adquirirem uma sã convivência social e desportiva. O Desporto infanto-juvenil é um modelo social que faz parte da formação do ser humano na infância e adolescência (SIMÕES., BÖHME & LUCATO., 1999). É organizado em função dos valores sociais e culturais onde é desenvolvido, estando dependente de diversas relações dinâmicas que ocorrem entre os agentes de socialização e os praticantes. 5.3.1. Os pais De acordo com Jarque (1990), a tradição familiar é muito importante para a iniciação desportiva dos jovens. A aceitação/apoio dos pais e a integração anterior de irmãos, são fatores que favorecem a adesão desportiva por parte dos jovens, em idades mais novas. Contudo, em idades mais avançadas, a influência familiar não é tão importante, pelo que estes inserem-se em atividades de âmbito escolar ou naquelas, em que estão envolvidos os seus amigos. Para Gonçalves (1990), os pais não só desempenham um papel importante na iniciação das crianças, bem como na continuidade dessa prática ao longo dos anos. Este mesmo autor, refere um caso insólito que ocorreu no Canadá, em 1979. Os dirigentes de uma liga de hóquei sobre gelo, viram-se forçados a não permitir a assistência de familiares de crianças nos jogos, dado que estes nas bancadas, não só encorajavam estas a manifestarem um comportamento agressivo para com os adversários, bem como
  • 14. 14 também, eles próprios envolviam-se frequentemente em cenas de violência verbal e física. Outro estudo de McElroy e Kirkendall (1980; cit. por GONÇALVES, 1988), definiu uma relação direta entre o Espírito Desportivo evidenciado por jovens dos 10 aos 18 anos de idade e a perceção que estes tinham da atitude dos seus pais face à prática desportiva competitiva. Assim, quantas mais pressões sofriam por parte dos pais no sentido da vitória e de terem uma boa prestação, menor era o comportamento desportivo evidenciado pelos jovens (BARBER., SUKHI & WHITE., 1999). Desta forma, a valorização do talento desportivo pode prejudicar a socialização pelo comportamento competitivo, contribuindo para o aparecimento de problemas teóricos e metodológicos no Desporto. Qualquer que seja o papel atribuído à participação dos pais na vida desportiva dos filhos, a relação entre estes deve ser cuidadosamente observada, já que a relação entre família, escola e prática desportiva estão estritamente relacionadas ao processo de formação e desenvolvimento da personalidade das crianças no contexto desportivo (SIMÕES., BÖHME & LUCATO., 1999). Coakley (1990) também refere que o envolvimento dos pais no contexto desportivo dos filhos, pode gerar estados de perturbações emocionais, que por sua vez geram ansiedade nas crianças e jovens. Outro facto importante, é que estas creem que as relações com os pais, dependem da continuidade do seu envolvimento desportivo e da qualidade das suas performances. Assim, as consequências deste tipo de exigências, podem ser a extrema necessidade de vencer a qualquer custo, obtendo desta forma a aprovação social neste âmbito ((SIMÕES., BÖHME & LUCATO., 1999). 5.3.2. Os treinadores/professores de Educação Física Treinar crianças e jovens é uma atividade extremamente interessante e atrativa, mas que atribui a todos os que a acompanham, organizam e dirigem, em particular ao treinador, uma elevada responsabilidade face à sociedade, ao sistema desportivo e sobretudo, ao próprio praticante (ADELINO., VIEIRA & COELHO., 1999). Martens & Gould (1979; cit. por GONÇALVES, 1990) referem que “transmitir valores positivos” representava a principal razão pela qual a maioria dos treinadores canadianos de jovens desportistas exercitavam as suas funções, mas uma outra razão muito importante, era a sensação de sucesso pessoal obtida através das vitórias das suas equipas. Isto demonstra a indissociação existente no seio do contexto desportivo, em que os
  • 15. 15 treinadores por muito que queiram exercer um processo de treino pedagógico, não se conseguem abstrair de objetivos externos, assim como é a vitória. Por outro lado, Bengoechea (1997) refere que os treinadores têm uma enorme importância na motivação intrínseca, como reguladora da participação no contexto do Desporto infanto-juvenil, dado que as considerações educativas e morais têm de ter em conta, aquilo que são as necessidades dos jovens. Como tal, os treinadores/profissionais de Ed. Física, são “elementos-chave” no processo de fomentação do Espírito Desportivo e seus valores inerentes, pelo que pelas “suas mãos” passam todo o tipo de jovens, desde os futuros desportistas, aos espectadores que futuramente serão possivelmente fomentadores de violência, quer no contexto desportivo, quer na sociedade em geral. Neste aspeto, o papel destes agentes de socialização é extremamente importante, no processo de formação e desenvolvimento destes indivíduos, nas suas vertentes morais, cívicas, éticas e psicológicas, dado que são estas que estabelecem os objetivos e os princípios inerentes à prática desportiva, podendo desta forma, realçar e promover os valores intrínsecos do Desporto, em detrimento da procura da vitória a todo o custo. Em suma, Robertson (1998) reconhece o papel essencial que o treinador tem na qualidade, do modo como apresenta o desporto aos seus educandos. Mais importante que isso, é a sua influência na formação destes mesmos, visto que se encontram num período etário sensível e que vai “deixar marcas” decisivas em outros aspetos, igualmente importantes para os hábitos futuros da sua vida. No entanto, Vaz (1974; cit. por GONÇALVES, 1988) relata no seu estudo efetuado com jogadores de hóquei sobre gelo entre os 8 e os 10 anos, que quando as crianças percebiam que os seus treinadores tinham grande empenho na vitória, incentivando-as mesmo a demonstrarem uma certa rudeza, essas crianças sentiam como legítimas determinadas atitudes em jogo mesmo ilegais e violentas, tendo em vista impedir o adversário de marcar um golo, aceitando como natural qualquer lesão que adviesse desse comportamento. Por outro lado, as crianças e jovens aprendem a maior parte dos seus comportamentos e atitudes e estruturam a sua personalidade, sobretudo por ação dos adultos e pela natureza das experiências que estes lhes proporcionam. Neste âmbito, o treinador/professor de Educação Física assume um lugar destacado na formação das crianças e jovens, não só como praticantes, mas também no plano pessoal e de cidadania (ADELINO., VIEIRA & COELHO., 1999).
  • 16. 16 5.3.3. Os companheiros de equipa A influência que estes exercem mutuamente na aquisição de atitudes favoráveis ao desenvolvimento do Espírito Desportivo não pode ser subestimada. Se os estudos efetuados no âmbito da psicologia demonstram que sempre que uma criança ou um jovem deseja fazer parte de um grupo, adota com naturalidade as atitudes do grupo, conformando-se com as suas regras, parece lícito supor que no contexto desportivo, crianças e jovens desejando ser aceites pelos companheiros de equipa, assumam comportamentos ditados pelas normas vigentes no seio da equipa (GONÇALVES., 1988, 1990). Assim, se ao aceitarmos como premissa válida que os atletas profissionais servem de modelos para os jovens atletas, então necessariamente deverá ser concedida uma atenção acrescida à influência que os jovens entre si, podem através de relações inter-individuais e processos de modelização/imitação, exercer no desenvolvimento do Espírito Desportivo pessoal e dos companheiros de equipa.
  • 17. 17 Considerações finais Apos a realização deste trabalho, concluímos que as práticas desportivas, assumem um elevado potencial para influenciar significativamente o desenvolvimento pessoal dos jovens, contribuindo para a sua formação como pessoas. O treino desportivo e a competição, em concreto no desporto para jovens, devem assumir uma dimensão educativa, devendo ser concebidos como projetos de desenvolvimento pessoal e social. A dimensão social do desporto se expressa através dos seus aspetos reconhecidamente culturais, científicos, pedagógicos, estéticos, e também pelos seus diferentes níveis de prática, de base, de pequena, média e alta competição, de lazer e recreação, de preparação e manutenção profissional.
  • 18. 18 Referencias bibliográficas Araújo, J. Treinador, saber estar, saber ser. Lisboa: Editorial Caminho. (1998) Brito, A. P. Psicologia do Desporto. Lisboa: Edições Omniserviços. (1994). Brito, A. P. Psicologia desportiva: o desporto como elemento de. democratização. Cultura e Desporto (43). Lisboa: Direção Geral dos Desportos. (1976). Brustad, R. J. & Parker, M. AEnhancing positive youth development through sport and physical activity. Psicológica, 39, 75-93. (2005) Cruz, J.F., Machado, P.P., & Mota, M.P. (1996). Efeitos e benefícios psicológicos do (1996). Giddens, A. As Consequências da Modernidade. Oeiras: Celta Editora. (1996). Gonçalves, C. (1999). Modelos, precisam-se! Notícias do Espírito Desportivo (on-line), 4 (2), 1 – 4. http://www.cm-oeiras.pt Gonçalves, C. (2000). A competição no Desporto infanto-juvenil. Notícias do Espírito Desportivo (on-line), 9 (3), 1. http://www.cm-oeiras.pt Gonçalves, C. (2000a). Os treinadores e as aprendizagens sociais. Notícias do Espírito Desportivo (on-line), 8 (3), 1. http://www.cm-oeiras.pt Gonçalves, C. (2002). 2004: Ano Europeu da Educação pelo Desporto. Notícias do Espírito Desportivo (on-line), 17 (5), 5. http://www.cm-oeiras.pt Gonçalves, C.; Carreiro da Costa, F. & Piéron, M. (1998). Valores no Desporto jovem: Estudo comparativo entre praticantes e não praticantes (on-line). http://www. inforDesporto.pt/futebol/arbitragem Hellison, D. Humanistic physical education. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice- Hall, Inc. (1973). Lee, M. J., & Whitehead, J. The effects of values, achivement goals and perceived ability on moral attitudes in youth sport. Swindon, England: Report provided to the economic and Social Research Council. (1999). McElroy, M. & Kirkendall, D (1980). Significant others and professionalised sport attitudes. Research Quarterly for Exercise and Sport, 51, 645-653.
  • 19. 19 Orlick, T. Positive socialization via cooperative games. Developmental Psychology, 17, 126-129. (1981). Rijo, A. G. (2001). Deporte y moral: Los valores educativos del deporte escolar. EF Deportes (on-line), 31 (6). http://www.efdeportes.com Rosado, A. (1998). Nas Margens da Educação Física e do Desporto. Lisboa: FMH- Edições. (1998 Rosado, A., & Mesquita, I. Promoção do Desenvolvimento Interpessoal e Moral dos Praticantes [Promoting the interpersonal and moral development of sport practitioners]. In J. Alves & A. P. Brito (Eds.), Manual de Psicologia do Desporto para Treinadores (pp. 371-394). Lisboa: Edições Visão e Contextos. (2011). Stevenson, C. (1975). Socialization effects of participation in sport: A critical review of research. Research Quarterly, 46, 287-302.