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17Domingo, 27 de abril de 2008
MORARBEMMORARBEM
O GLOBO G MORAR BEM G PÁGINA 17 - Edição: 27/04/2008 - Impresso: 25/04/2008 — 22: 35 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO
Elaécariocaecheiadebossa
Cobertura dos
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Ruy Castro
. E M C A S A .
Isabel Kopschitz
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mpossível não se admirar: o
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Ruy gosta”, na definição de sua mu-
lher, Heloísa Seixas: uma arquitetura
entre os anos 50 e os 60”, com
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de-riga, pisos de cerâmica e de tá-
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tugueses. Tudo foi mantido exata-
mente da forma original.
Mas a menina dos olhos do autor
do livro “Ela é carioca” fica no cor-
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taurante dinamarquês Helsingor, de
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zegovina, tal era a bagunça que to-
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Era um lugar que reunia muita gente
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com a placa, falei: “Compro esta
placa agora. O apartamento vem de
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O letreiro de madeira hoje or-
namenta a sala de estar do andar de
cima da cobertura: é a primeira visão
de quem termina de subir a escada. É
nessa sala que Ruy cumpre, reli-
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Na mesma sala, dividem espaço
relíquias como uma vitrola do início
do século XX, movida a manivela —
presente do jornalista Carlos Heitor
Cony — e um grande baú de madeira,
com mais de 300 LPs, cujas capas
fazem referência à cidade do Rio. I
ESTANTES NA SALA do segundo andar (em primeiro plano) e no escritório de Ruy (ao fundo). Na lateral esquerda da porta da sala, parede de lambri de pinho-de-riga
A SALA de estar do primeiro andar e seu ar de anos 50. A estante tem dezenas de títulos sobre o Rio A MENINA dos olhos do dono: no lugar de um armário, prateleiras com livros só de autores cariocas
RUY CASTRO em seu escritório, que apelidou de Bósnia-Herzegovina, tal a confusão
O LETREIRO é parte da história do imóvel
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