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Viviane de Melo Resende
Viviane Ramalho
AiMise de discurso
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Análise de discurso crítica
Viviane de Melo Resende
Viviane Ramalho
Análise de discurso crítica
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Copyright© 2006 Viviane de Melo Resende e Viviane Ramalho
Todos os direitos desta edição reservados à
Editora Contexto (Editora PinskyLtda.)
Capa e diitgntmação
Gustavo S. Vilas Boas
Revisão
DanielaMarini Iwamoto
RuihM.KÍuska
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (ClP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Resende, Vivianede Melo
Análise do discurso crítica / Viviane de Melo
Resende e Viviane Ramalho. —São Paulo : Contexto,
2006.
Bibliografia
ISBN 85-7244-333-9
1. Análise de textos 2. Análise do discurso
3- Ciências sociais —Pesquisa 4. Fairclough, Norman,
1941 -Críticae interpretação 5. Pesquisa
lingüística 6. Teoria crítica L Ramalho,Viviane.
II. Título.
06-2398 CDD-401.41
índices para catálogo sistemático:
1. Análisedo discurso crítica : Linguagem c
comunicação 401.41
EDITORA CONTEXTO
Diretor editorial: Jaime Pinsky
Rua Acopiara, 199 - Alto daLapa
05083-110-São Paulo-SP
PABX: (11) 3832 5838
contexto@eJitoracontcxro.com.br
www.editoracontexIo.com.br
2Q06
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.
Sumário
Apresentação 7
Noções preliminares 11
Os paradigmas formalista
e funcionalista na investigação lingüística '12
Linguagem e poder: influências sobre a ADC 14
A constituição da Análise de Discurso Crítica 20
Ciência Social Crítica e Análise de Discurso Crítica -. 25
Discurso como prática social 26
Discurso na modernidade tardia 30
Discurso como um momento de práticas sociais 35
Discurso e luta hegemônica 43
Discurso e ideologia 47
Lingüística Sistêmica Funcional e
Analise de Discurso Crítica 55
Lingüística Sistêmica Funcional
e a complexidade funcional da linguagem 56
Significado acionai c- gênero 01
Significado representacional e discurso 70
Significado identificacional e estilo 76
Exemplos cie práticas cie análise 91
A invasão estadunidense ao Iraque
no discurso da imprensa brasileira 92
O discurso sobre a infância nas ruas
na Literatura de Cordel 114
Considerações finais 145
Bibliografia 153
Apresentação
A Análise de Discurso Crítica (ADC) é uma abordagem
teórico-metodológica para o estudo da linguagem nas
sociedades contemporâneas que tem atraído cada vez mais
pesquisadores(as), não só da Lingüística Crítica mas também
das Ciências Sociais. Há, entretanto, uma carência notável de
obras introdutórias a respeito da ADC. Dada a complexidade
da abordagem - transdisciplinaremultidisciplinar -, muitos(as)
pesquisadores(as) sentem dificuldade quando iniciam suas
leituras em ADC.
Este livro busca suprir parcialmente essa defasagem,
apresentando uma revisão introdutória, mas não superficial,
8 Análise de discurso crítica
da obra de Norman Fairclough, maior expoente da ADC. Trata-
se, então, de uma introdução à Teoria Social do Discurso,
vertente da ADCdesenvolvidapor esse lingüista britânico. Nossa
revisão abrange, principalmente, três fases de sua produção:
(1) o modelo tridimensional para ADC, presente nas obras
Language and Power (1989) e Discourse and Social Change
(1992), (2) o enquadre de Chouliaraki e Fairclough proposto
em Discourse in Late Modernity: rethinking criticai discourse
analysis (1999), em que se recontextualizam abordagens da
Ciência Social Crítica (esc) na ADC, e (3) o enquadre para a
análise textual em pesquisas sociais, apresentado em Analysing
Discourse: textual analysisfor social research (2003), baseado na
Lingüística Sistêmica Funcional (LSF) de Haílíday.
Além de discutir a teoria e o método em ADC, também
abordamos algumas categoriasanalíticas potencialmente férteis,
poisacreditamosqueissopossaajudar ailumínar eventuaisanálises
futuras. Procuramos ilustrar adiscussãocomfigurasequadrosque
facilitem a consulta na hora do trabalho prático de análise.
Embora o livro seja uma revisão da obra de Norman
Fairclough, não nos restringimos apenas a esse autor. Uma vez
que a ADCoperacionaliza conceitos oriundos tanto da
Lingüística quanto das Ciências Sociais, agregamos a estelivro
reflexões de autores como Halliday, Bakhtin, Foucault, Van
Leeuwen, Rajagopalan, Thompson, Giddens, Castells, Harvey,
Hall, Gramsci, Bhaskar.
No capítulo "Noções preliminares", discutimos
conceitos básicos da teoria em ADC, como discurso e prática
social. Buscamos localizar a ADCentre os discursos teóricos
Apresentação
da lingüística contemporânea e apontamos alguns estudos
sobre discurso e poder que contribuíram para a constituição
da ADC.
No capítulo "Ciência Social Crítica eAnálise de Discurso
Crítica", confrontamos os enquadres teórico-metodológicos
apresentados em Fairclough (2001a) e em Chouliaraki e
Fairclough (1999), sustentando nossa hipótese de que a
centralidade do discurso como foco dominante de análises deu
lugar à centralidade empráticas sociais, de forma que o discurso
passou a ser visto como um momento das práticas sociais,
interconectado a outros momentos igualmente importantes
para pesquisas em ADC.
Tendo em vista a discussão da recontextualização da
Ciência Social Crítica em ADC realizada no capítulo precedente,
em "Lingüística Sistêmica Funcional e Análise de Discurso
Crítica" nos dedicamos à discussão da operacionalização em
Fairclough (2003a) do postulado da Lingüística Sistêmica
Funcional. Queremos lembrar que as duas faces da análise de
discurso, social e lingüisticamente orientada, encontram-se
separadas apenas para fins didáticos —não podem serseparadas
no trabalho analítico, pois o objetivo da análise éjustamente
mapear as conexões entre relações de poder e recursos
lingüísticos utilizados em textos. Focalizamososprincipais tipos
de significados do discurso propostos em Fairclough (2003a)—
acionai, representacional e identificacional - e discutimos
algumas categorias analíticas da ADCsegundo cada um dos tipos
de significado, apresentando alguns exemplos que possam
tornar mais claras as noções discutidas.
l O Análise de discurso crítica
No capítulo "Exemplos de práticas de análise",
apresentamos um breverecorte de nossos trabalhos de pesquisa
a fim de oferecer alguns exemplos de aplicação do arcabouço
teórico-metodológico da ADCem análises que se ocupam de
problemas sociais parcialmente discursivos.
Esperamos, acima de tudo, que este livro represente uma
contribuição para pesquisadores(as) de todas as áreas, os quais,
diretaou indiretamente, trabalhamou podemviratrabalharcom
análises de textos, estes vistos como produções sociais histo-
ricamentesituadasque dizem muito arespeitode nossascrenças,
práticas, ideologias, atividades, relações interpessoais e
identidades. Também queremos acreditar que este livro possa
viabilizar o diálogo entre aLingüística e asCiências Sociaisafim
de superar, por um lado, pesquisas em Ciências Sociaisque não
contemplam análise de textos e, portanto, tendem a ignorar a
relevância da linguagem nas práticas sociaiscontemporâneas, e,
por outro, pesquisas em Lingüística que desconsideram teorias
sociais, ignorando que textos constituem produções sociais.
Noções preliminares
ATeoria Social do Discurso é uma abordagem deAnálise
de Discurso Crítica (ADC), desenvolvida por Norman
Fairclough, que se baseia em uma percepção da linguagem
como parte irredutível da vida social dialeticamente
interconectada a outros elementos sociais (Fairclough, 2003a).
Trata-se de unia proposta que, com amplo escopo de aplicação,
constitui modelo teórico-metodológico aberto ao tratamento
de diversas práticas na vida social, capaz de mapear relações
entre os recursos lingüísticos utilizados por atores sociais e
grupos de atores sociais e aspectos da rede de práticas em que
12 Análise de discurso crítica
a interação discursivaseinsere.Os conceitos centrais da disciplina
são os de discurso eprática social. Neste capítulo, discutiremos
esses e outros conceitos básicos da teoria, buscaremos localizar
a ADC entre os discursos teóricos da lingüística contemporânea
e também apontaremos alguns estudos que contribuíram para
a constituição da ADCe cujos enfoquesvoltam-se, de certa forma,
para a díade discurso e sociedade.
Os paradigmas formalista
e funcionalista na investigação lingüística
As diferenças entre as abordagens formalista e
funcionalista decorrem de duas visões distintas acerca da
linguagem: zformalista julgaa linguagem um objeto autônomo,
enquanto afuncionalista a julga um objeto não suficiente em
si. Isso significa que, para os formalistas, as funções externas
da linguagem não influenciariam sua organização interna, e a
autonomia formal da gramática, nessa perspectiva, não prevê
interseções entre os módulos que a compõem (fonología,
morfologia, sintaxe e semântica), os quais também seriam
autônomos. A perspectiva funcionalistada linguagem, por sua
vez, repousa sobre duas proposições contrárias às da formalista:
a linguagem tem funções externas ao sistema, que são a parte
central dos estudos lingüístico-discursívos, e essas funções
externas são responsáveis pela organização interna do sistema
lingüístico (Schiffrin, 1994).
Tal divergência de prismas entre as abordagens implica
os construtos teóricos de duas gramáticas distintas. De um
lado, a gramática formalista trata da estrutura sistemática das
Noções preliminares lO
formas de uma língua; de outro lado, a gramática flmcionalista
analisa as relações entre as formas e as funções lingüísticas.
Daí ser esse último o modelo mais abrangente, sobretudo
porque, enquanto o paradigma formalista perde de vista as
funções da linguagem, o funcionalista analisa tais funções via
forma, investigando como a forma atua no significado e como
as funções influenciam a forma (Neves, 1997).
Dessas duas diferentes abordagens acerca da linguagem
emergem também duas diferentes definições de discurso. No
paradigma formalista, o discurso é definido como a unidade
acimadasentença; no funcionalismo, como alinguagem em uso.
Adefinição dediscurso como níveldeestruturaacimadasentença
contém, segundo Schiffrin (1994), um problema imediato: o
discurso não apresenta característicassemelhantes àsdasentença.
Além disso, sesentenças não têm existência fora do discurso ese
são criadas nodiscurso, parece contraditório definir o discurso
como constituído daquilo que elemesmo cria.
Para analistas de discurso, somente o conceito
funcionalista de discurso é aplicável, uma vez que o foco de
interesse não é apenas a interioridade dos sistemas lingüísticos,
mas, sobretudo, a investigação de como esses sistemas
funcionam na representação de eventos, na construção de
relações sociais, na estruturação, reafirmação e contestação de
hegemonias no discurso. Está claro, entretanto, que o
conhecimento acerca da gramática - uma gramática
funcionalista - é indispensável para quesecompreenda como
estruturas lingüísticassão usadas como modo de ação sobre o
mundo e sobre as pessoas.
l 4 Análise dediscurso crítica
E preciso reconhecer, então, a necessidade de equilíbrio
entre forma e função nos estudos da linguagem. Isso porque é
temerário reduzir a linguagem a seu papel de ferramenta social,
bem como reduzi-la ao caráter formal, imanente do sistema
lingüístico, pois "língua não é forma nem função, e sim
atividade significante e constitutiva" (Marcuschi, 2005, p. 3).
A busca desse equilíbrio é uma das grandes contribuições da
Análise de Discurso Crítica, uma vez que se trata de uma
abordagem social e lingüisticamente orientada (Fairclough,
2001a). Nas próximas seções, abordaremos influênciasteóricas
que possibilitaram essa orientação social e lingüística da ADC.
Linguagem e poder: influências sobre a ADC
A ADCé, por princípio, uma abordagem transdisciplínar.
Isso significa que não somente aplica outras teorias como
também, por meio do rompimento de fronteiras
epistemológicas, operacionaliza e transforma tais teorias em
favor da abordagem sociodiscursiva. Assim sendo, aADCprovém
da operacionalização de diversos estudos, dentre os quais, com
base em Fairclough (2001a), destacamos os de Foucault (l 997,
2003)e de Bakhtin (1997,2002), cujas perspectivasvincularam
discurso e poder e exerceram forte influência sobre a ADC.
Bakhtin (1997, 2002) foi fundador da primeira teoria
semiótica de ideologia, da noção de "dialogismo" na linguagem
e precursor da crítica ao objetivismo abstrato de Saussure
(1981), Em seusensaios filosóficos marxistas sobre a linguagem,
sustentou que a "verdadeira substância da língua" não repousa
na interioridade dos sistemas lingüísticos, mas no processosocial
Noções preliminares l5
da interação zo&z/(Bakhtin, 2002, p.123).1
Seguindopreceitos
do Materialismo Histórico, essa filosofia apresenta a enunciação
como realidade da linguagem ecomo estrutura socioideológica,
de sorte que prioriza não só a atividade da linguagem mas
também sua relação indissolúvel com seus usuários.
Bakhtin (2002) sustentou que as leis do objetivismo
abstrato, orientação do pensamento filosófico-lingüístico da
proposta saussuriana,incorrem no equívoco de separar a língua
de seu conteúdo ideológico por postularem que as únicas
articulaçõesaque ossignoslingüísticossesubmetem ocorreriam,
estritamente, entre eles próprios no interior de um sistema
fechado. Com vistasàsuperaçãode talequívoco, Bakhtin (2002,
p. 94) apresenta o meio social como o centro organizador da
atividade lingüística,refutandoaidentidadedo signo como mero
sinal e desvencilhado do contexto histórico:
O elemento que torna a forma lingüística um
signo não é sua identidade como sinal, mas sua
mobilidade específica; da mesma forma que
aquilo que constitui a decodificação da forma
lingüística não é o reconhecimento do sinal, mas
a compreensão da palavra em seu sentido
particular, isto é, a apreensão da orientação que
é conferida à palavra por um contexto e uma
situação precisos, uma orientação no sentido da
evolução e não do imobilismo.
Na filosofia marxista da linguagem, o signo évisto como
um fragmento material da realidade, o qual a refrata,
representando-a e a constituindo de formas particulares de
l Ó Análise de discursocrítica
modo a instaurar, sustentar ou superar formas de dominação.2
Ao contrário da filosofia idealista eda psicologia, que localizam
aideologia na consciência, oMarxismo alocalizano signo, dado
que a própria consciência só pode existir mediante sua
materializaçãoem signos criados no processo deinteração social:
Desde o começo, pesa urna maldição sobre o
"espírito", a de ser "maculado" pela matéria que
se apresenta aqui em forma de camadas de ar
agitadas, de sons, em resumo, em forma de
linguagem. A linguagem [...] é a consciência real,
prática, que existe também para os outros
homens, que existe, portanto, também primeiro
para mim mesmo e, exatamente como a cons-
ciência, a linguagem só aparece com a carência,
com a necessidade dos intercâmbios com
outros homens.
[...] A consciência é, portanto, de início, um pro-
duto social e o será enquanto existirem homens.
(Marx e Engels, 2002, pp. 24-5).
De maneira seminal, abordava-se a luta de interesses
sociais antagônicos no nível do signo. O potencial móvel e
evolutivo do signo, bem como o que fazdele um instrumento
de refração da realidade, foi apresentado como causa e efeito
de confrontos sociais. De acordo com a tradição marxista de
primazia da luta de classes, cada nova classe que toma o lugar
daquela que dominava antes dela é obrigada a dar aos seus
pensamentos a forma de universalidade e representá-los como
sendo os únicos razoáveis e universalmente válidos:3
Noções preliminares l 7
A classe dominante tende a conferir ao signo
ideológico um caráter intangível e acima das
diferenças de classe, a fim de abafar ou ocultar a
luta dos índices sociais de valor que aí se trava, a
fim de tornar o signo monovalente [...].
Nas condições habituais da vida social, esta
contradição oculta em todo signo ideológico não
se mostra à descoberta. (Bakhtin, 2002, p. 47).
Além daconcepção dalinguagem comomodode interação
eprodução social,oenfoquedíscursivo-interacionistade Bakhtin
apresenta conceitos que setornariam, mais tarde, basilares para
a ADC> a exemplo de gêneros discursivos e de dialogismo.
Em Estética da criação verbal (Bakhtin, 1997), o autor
sustenta, de forma mais detida do que em Marxismo e filosofia
da linguagem, que a diversidade infinita de produções da
linguagem na interação social não constitui um todo caótico
porque cada esfera de utilização da língua, de acordo com suas
funções e condições específicas, elabora gêneros, ou seja, "tipos
de enunciados relativamente estáveis" do ponto de vista
temático, composicional e estilístico, que refletem a esfera social
em que são gerados (Bakhtin, 1997, p. 284).
A perspectiva interacional superou o reconhecimento,
até então defendido pela Lingüística, de dois parceiros da
comunicação: o locutor, ativo, e o ouvinte, passivo. Em
oposição a tal percepção estática da interação verbal, Bakhtin
apresenta uma visão dialógica e polifônica da linguagem,
segundo a qual mesmo os discursos aparentemente não-
dialógicos, como textos escritos, sempre sãoparte de uma cadeia
l 8 Análise de discursocrítica
dialógica, na qual respondem a discursos anteriores eantecipam
discursos posteriores de variadas formas. A interação é, antes,
uma operação polifônica que retoma vozesanteriorese antecipa
vozes posteriores da cadeia de interações verbais, e não uma
operação entre asvozesdo locutor e do ouvinte: "cedo ou tarde,
o que foi ouvido e compreendido de modo ativo encontrará
um eco no discurso ou no comportamento subseqüente do
ouvinte" (Bakhtin, 1997, pp. 290-1).
Essa noção de várias vozes,que searticulam e debatem na
interação, é crucial para a abordagem da linguagem como espaço
de lutahegemônica,uma vezque viabilizaaanálisede contradições
sociais e lutas pelo poder que levam o sujeito a selecionar
determinadas estruturas lingüísticas ou determinadas vozes, por
exemplo, earticulá-las dedeterminadas maneiras num conjunto
de outras possibilidades. Conforme discutimos na seçãoanterior,
o conhecimento da gramática é indispensável para que o(a)
analistadediscursocompreenda como estruturaslingüísticas são
usadas como modo de ação sobre o mundo e sobre aspessoas.
O princípio da linguagem como espaço de luta hegemônica
é desenvolvido nos trabalhos de Foucault. Fairclough (2001a,
pp. 64-88) vê em Foucault uma das grandes contribuições
para a formulação da Teoria Social do Discurso. Para a ADC,
importam, dentre as discussões foucaultianas, sobretudo, o
aspecto constitutivodo discurso, a interdependência das praticas
discursivas, a natureza discursiva do poder, a naturezapolítica
do discurso e a natureza discursiva da mudança social.
Foucault (2003, p. 10) destaca a face constitutiva do
discurso. Concebe alinguagem como uma prática que constitui
Noções preliminares l9
o social, os objetos e os sujeitos sociais. Para o filósofo, analisar
discursos corresponde a especificar sodohistoricamente as
formações discursivas interdependentes, os sistemas de regras
que possibilitam a ocorrência de certos enunciados em
determinados tempos, lugares e instituições:
[...] toda tarefa crítica, pondo em questão as
instâncias de controle, deve analisar ao mesmo
tempo as regularidades discursivas através das
quais elas seformam; e toda descrição genealógica
deve levar em conta os limites que interferem
nas formações reais. (Foucault, 2003, p. 66).
Da idéia de regulação social sobre "o que pode e deve ser
dito a partir de uma posição dada em uma conjuntura
determinada" (Maingueneau, 1997, p. 22), que traz à tona
tanto relações interdiscursivasquanto relações entreo discursivo
e o não-discursivo, origina-se o conceito fundamental para a
ADC de ordem de discurso', a totalidade de práticas discursivas
dentro de uma instituição ou sociedade e o relacionamento
entre elas (Fairclough, 1989, p. 29).
Em Vigiar epunir (1997), Foucault discute o conjunto
das práticas discursivas disciplinadoras de escolas, prisões e
hospitais. O autor defende que essas instituições utilizam
técnicas de natureza discursiva, as quais dispensam o uso da
força, para "adestrar" e "fabricar" indivíduos ajustados às
necessidades do poder. Ao sugerir que o poder, nas sociedades
modernas, é exercido por meio de práticas discursivas
institucionalizadas, Foucault (1997) contribui, por um lado,
20 Análise de discurso crítica
para o estabelecimento do vínculo entre discurso e poder e,
por outro, para a noção de que mudanças em práticas
discursivas, a exemplo do aprimoramento das técnicas de
vigilância, são um indicativo de mudança social.
Muito embora reconheça os trabalhos de Foucault como
grandes contribuições para a ADC, Fairclough (2001a) destaca
duas lacunas de que a ADCprecisaria se ocupar trans-
disciplinarmente: primeiro, a visão determinista do aspecto
constitutivo do discurso, que vê a ação humana unilateralmente
constrangida pela estrutura da sociedade disciplinar, e, segundo,
a falta de análise empírica de textos.
Para atender aospropósitos daTeoria Social do Discurso,
cujo foco repousa na variabilidade emudançabem como naluta
social travada no discurso, Fairclough (2001a; 2003a) e
Chouliarakí e Fairclough (1999) operacionalizam a teoria
foucaultiana, entrevárias outras (veja o capítulo "Ciência Social
Crítica eAnálise de Discurso Crítica"), afimde aprimorarem a
concepção de linguagem como parte irredutível da vida social.
A constituição da Analise de Discurso Crítica
O termo "Análise de Discurso Crítica" foi cunhado pelo
lingüista britânico Norman Fairclough, da Universidade de
Lancaster, emum artigo publicadoem 1985noperiódico/0«mz/
ofPragmatics. Em termos defiliaçãodisciplinar, pode-se afirmar
que aADCconfere continuidade aos estudos convencionalmente
referidos como LingüísticaCrítica, desenvolvidos na década de
1970, na Universidade de East Anglia, ampliando em escopoe
em produtividade os estudos a que se filia (Magalhães, 2005). É
Noções preliminares 21
importante salientar,então, que aAnálise de Discurso Crítica e
aAnálisedeDiscurso Francesahistoricamentepertencem aramos
distintos do estudo da linguagem.
A ADC seconsolidou como disciplina no início da década
de 1990, quando se reuniram, em um simpósio realizado em
janeiro de 1991, em Amsterdã, Teun van Dijk, Norman
Fairclough, Gunter Kress, Theo van Leeuwen e Ruth Wodak
(Wodak, 2003, p. 21). A despeito de existirem diferentes
abordagens de análises críticas da linguagem, o expoente da
ADC é reconhecido em Norman Fairclough, a ponto de se ter
convencionado chamar sua proposta teórico-metodológica, a
Teoria Social do Discurso, de ADC —convenção que mantemos
aqui, mas com o cuidado de ressaltar que ps estudos emADC
não se limitam ao trabalho de Fairclough.
Segundo Izabel Magalhães, da Universidade de Brasília —
primeira pesquisadora brasileira a desenvolver trabalho tendo
como referencial teórico-metodológico a ADC —, as principais
contribuições deFaircloughparaosestudos críticosdalinguagem
foram "acriação de um método para o estudo do discurso eseu
esforço extraordinário para explicar por que cientistas sociais e
estudiosos da mídia precisam dos(as) lingüistas" (Magalhães,
2005, p. 3). Podemos acrescentar a essa lista a relevância que o
trabalho de Fairclough assumiu na consolidação do papel do(a)
lingüista crítico(a) na crítica social contemporânea.
A abordagem faircloughiana de ADCcomeçou a se
constituir como uma ciência crítica sobre a linguagem já em
1989, com o livro La.ngua.ge and Power. Em poucas palavras,
pode-se afirmar que sua obra, desde o início, visava a contribuir
22 Análise de discursocrítica
tanto para a conscientização sobre os efeitos sociais de textos
como para mudanças sociais que superassem relações
assimétricas de poder, parcialmente sustentadas pelo discurso:
A ideologia é mais efetiva quando sua ação é
menos visível. Se alguém se torna consciente de
que um determinado aspecto do senso comum
sustenta desigualdades de poder em detrimento
de si próprio, aquele aspecto deixa de ser senso
comum e pode perder a potencialidade de
sustentar desigualdades de poder, isto é, de
funcionar ideologicamente. (1989, p. 85).4
Essa idéia encontra inspiração na visão de Bakhtin,
discutida neste capítulo na seção "Linguagem e poder:
influências sobre a ADC", de que "nas condições habituais da
vida social, esta contradição oculta [aluta pelo poder] em todo
signo ideológico não se mostra à descoberta" (Bakhtin, 2002,
p. 47, grifo nosso), podendo se tornar senso comum e servir à
instauração, sustentação ou transformação de relações
assimétricas de poder. Então, a desconstrução ideológica de
textos que integram práticas sociais pode intervir de algum
modo na sociedade, a fim de desvelar relações de dominação.
Fairclough (2001a, p. 28) explica que a abordagem "crítica"
implica, por um lado, mostrar conexões e causas que estão
ocultas e, por outto, intervir socialmente para produzir
mudanças que favoreçam àqueles(as) que possam se enconttat
em situação de desvantagem.
Assim sendo, Fairclough (2001a, p. 89) propõe a
operacionalização de teorias sociais na análise de discurso
Noções preliminares 23
lingüisticamente orientada, a fim de compor um quadro
teórico-metodológico adequado à perspectiva crítica de
linguagem como prática social. Para alcançar tal objetivo, a
ADC assenta-se, primeiro, em uma visão científica de crítica
social, segundo, no campo da pesquisa social crítica sobre a
modernidade tardia e, terceiro, na teoria e na análise
lingüística e semiótica.
A visão científica de crítica social justifica-se pelo fato
de a ADCser motivada pelo objetivo de prover base científica
para um questionamento crítico da vida social em termos
políticos e morais, ou seja, em termos de justiça social e de
poder (Fairclough,2003a, p. 15).
O enquadramento no campo da pesquisa social crítica
sobre a modernidade tardia é resultado do amplo escopo de
aplicação da ADCem pesquisas que, diretamente ou não,
contemplam investigações sobre discurso em práticas sociais
da modernidade tardia, período em que a linguagem ocupa o
centro do modo de produção do capitalismo.5
A teoria e a análise lingüística e semiótica, por sua vez,
auxiliam a prática interpretativa e explanatória tanto a respeito
de constrangimentos sociais sobre o texto como de efeitos sociais
desencadeados por sentidos de textos.
A reflexão sobre relações dialéticas entre discurso e
sociedade é localizada no contexto da modernidade tardia ou
do novo capitalismo. Em Discourse in Late Modernity,,
Chouliaraki e Fairclough operacionalizam conceitos de teorias
sociais críticas sobre práticas sociais características dessa fase
da modernidade, com vistas ao fortalecimento da ADCcomo
24 Análise de discurso crítica
base científica para investigações da vida social que almejam
contribuir para a superação de relações de dominação. No
próximo capítulo, nos dedicamos à recontextualização de
conceitos da Ciência Social Crítica na ADC.
Notas
1
Eagieton (1997, p. 172) reconhece no autor de Marxismo e.filosofiada linguagem (2002} o pai da
análise do discurso, "ciência que acompanha o jogo social do poder no âmbito da próprialinguagem".
2
Noção que pode ser claramente encontrada na concepção da ADCde discurso como representação:
"A representação é uma questão claramente discursivae é possível distinguir diferentesdiscursos,
que podem representar a mesma área do mundo de diferentes perspectivas ou posições." (Fairclough,
2003a, p. 25).
!
O conceito de ideologia adotado pela ADC: "Ideologias são construções de praticas a partir de
perspectivas particulares que suprimem contradições, antagonismos, dilemas em direção a seus
interesses e projetos de dominação." (Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 26).
4
Todas as traduções de originaiscitados neste livro são de nossa autoria.
"' Harvey (1992, pp. 135-87} explica que a crise do capitalismo em i 973-75 exigiu que seusseguidores
reestruturassem o modo de produção: a rigidez do fordismo e sua linha de montagem foram
substituídas pelo novo modelo de produção baseado na flexibilidade e em redes, propiciadas pela
dissolução de fronteirasespaço-temporais. A produção de bens de consumo materiais e duráveisfoi
substituída pela produção Acserviços—pessoais, comerciais, educacionais e de saúde, como também
de diversão, de espetáculos, eventos, conhecimento,comunicação etc, —,que, ao contráriode geladeiras
ou carros, cem vida útil menor eaceleram o consumo e o lucrodo investimento.Fairclough (2003b,
p. 188) explica que o discurso tem uma considerável importância nessa reestruturação do capitalismo
e em sua reorganização em novaescala,uma vezque aeconomiabaseada em informação econhecimento
implica uma economia baseada no discurso: o conhecimento é produzido,circulae é consumido
em forma de discursos.
Ciência Social Crítica e
Análise de Discurso Crítica
Neste capítulo discutimos desdobramentos da ADC que
resultaram no aprimoramento do enfoque de discurso como
parte de práticas sociais. Primeiramente, apresentando o
enquadre teórico-metodoiógico de Fairclough (2001a),
discutimos a concepção de discurso como modo de ação
historicamente situado. Essa concepção implica considerar que,
por um lado, estruturas organizam a produção discursiva nas
sociedades e que, por outro, cada enunciado novo é uma ação
individual sobre tais estruturas,que pode tanto contribuir para
26 Análise de discurso crítico
a continuidade quanto para a transformação de formas
recorrentes de ação.
Em seguida, no início da abordagem de novasperspectivas
desenvolvidas no enquadre teórico-metodológico de
Choulíaraki e Fairclough (1999) e Fairclough (2003a),
procuramos apresentar características da modernidade tardia,
uma vez que, seguindo aspectos de teorias sociais, os autores
localizam a discussão sobre discurso nessa fase de
desenvolvimento da modernidade.
Na terceira parte, discutimos avisãocríticaexplanatória de
discurso como um elemento da vida social interconectado
dialeticamente a outros elementose suas implicações teórico-
metodológicas; nas duas últimas seções, levantamos questões
sobre discurso, ideologia elutashegemônicas.Não só apresentamos
alguns modos pelos quais representações particulares deaspectos
do mundo podem favorecer projetosdedominação, mastambém
contemplamos aspectos do conceito gramisciano de hegemonia,
os quais apontam para a possibilidade de subverter,viadiscurso,
relações de poder assimétricas.
Discurso como prático social
Entender o uso da linguagem como prática social implica
compreendê-lo como um modo de ação historicamente situado,
que tanto é constituído socialmente como também é
constitutivo de identidades sociais, relações sociais esistemas
de conhecimento e crença. Nisso consiste a dialética entre
discurso e sociedade: o discurso é moldado pela estrutura social,
Ciência social crítica 27
mas é também constitutivo da estrutura social. Não há,
portanto, uma relação externa entre linguagem e sociedade,
mas uma relação interna e dialética (Fairclough, 1989):
Ao usar o termo "discurso", proponho considerar o
usodalinguagem como formadepráticasocialenão
como atividade puramente individual ou reflexo de
variáveis institucionais. Isso tem várias implicações.
Primeiro, implica sero discurso um modo de ação,
uma forma em que as pessoas podem agir sobre o
mundo e especialmente sobre os outros, como
também um modo de representação. [...] Segundo,
implica uma relação dialética entre o discurso e a
estrutura social, existindo mais geralmente tal
relação entre a prática social e a estrutura social: a
última é tanto uma condição como um efeito da
primeira. (Fairclough, 2001a, p. 91).
Para construir esse conceito de discurso com vistas à
exterioridadelingüística, massem petderanecessáriaorientação
para o sistema lingüístico e a dialética entre linguagem e
sociedade, Fairclough refuta, naturalmente, o conceito
saussutiano deparole, que vê a fala como atividade individual e
que,portanto, jamaisseprestariaaumaTeoriaSocialdo Discurso.
O autot refuta igualmente a concepção socio-lingüística que,
embora descreva o uso da linguagem como sendo moldado
socialmente, prevêvariação unilateral dalíngua segundofatores
sociais, descartando a contribuição do discurso para a
constituição, a reprodução e a mudança de estruturassociais.
Nesse sentido, a inovação da ADC para a análisede discurso é um
28 Análise de discurso crítica
foco também nas mudanças discursiva esocial, e não apenas nos
mecanismos de reprodução (Magalhães, 2001).
Assim, Fairclough define discurso como forma de prática
social, modo de ação sobre o mundo e a sociedade, um elemento
da vida social interconectado a outros elementos. Mas o termo
"discurso" apresenta uma ambigüidade: também pode serusado
em um sentido mais concreto, como um substantivo contável,
em referência a "discursos particulares" - como, por exemplo,
o discurso religioso, o discurso midiático, o discurso neoliberal.
ATeoria Social do Discurso trabalha com um modelo que
considera três dimensões passíveis de serem analisadas
(Fairclough, 2001 a), ainda que essas três dimensões possam estar
dispersas na análise (Chouliaraki e Fairclough, 1999). Kprática
socialé descrita como uma dimensão do evento discursivo, assim
como o texto. Essas duas dimensões são mediadas pàa. prática
discursiva, que focaliza osprocessos sociocognitrvos de produção,
distribuição e consumo do texto, processos sociaisrelacionados
a ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares.
Anatureza dapráticadiscursivaévariávelentre osdiferentes tipos
de discurso, deacordo com fatores sociais envolvidos. O modelo
(Fairclough,2001 a,p. 101) érepresentado pelaFigura l, aseguir:
TEXTO
PRATICA DISCURSIVA
PRÁTICA SOCIAL
Figura l- Concepção tridimensional dodiscursoemFairclough.
Ciência social crítica 29
O que Fairclough (2001a) propõe em Discurso e
mudança social c um modelo tridimensional de Análise de
Discurso, que compreende a análise da prática discursiva, do
texto e da prática social. A separação dessas três dimensões,
no modelo proposto por Fairclough em 1989 e aprimorado
em 1992 (tradução de 2001a), é analítica: serve ao propósito
específico de organização da análise. As categorias analíticas
propostas em Discurso e mudança social para cada uma das
dimensões da Análise de Discurso podem ser agrupadas
conforme propõe o Quadro l:
TEXTO
vocabulário
gramática
coesão
estrutura textual
PRATICA DISCURSIVA PRATICA SOCIAL
IntertextuaHdüdc
Quadro l - Categorias analíticas propostas no modelo tridimensional,
Em um enquadre mais recentemente apresentado,
Chouliaraki e Fairclough (1999) mantêm as três dimensões
do discurso, contudo de maneira mais pulverizada na análise e
com um fortalecimento da análise da prática social, que passou
a ser mais privilegiada nesse modelo posterior. Observa-se que
houve, entre os modelos, um movimento do discurso para a
prática social, ou seja, a centralidade do discurso como foco
dominante da análise passou a ser questionada, e o discurso
passou a ser visto como um momento das práticas sociais.
30 Análise de discurso crítica
As implicações desse movimento dêscentralizador nas
análises empíricas são importantes, especialmente no que
concerne ao foco na dialética e ao caráter emancipatório da
prática teórica em ADC(Resende e Ramalho, 2004).
Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 143) explicam que, embora
um foco central na linguagem e no semiótico seja uma
inclinação normal em lingüística, essa seria uma centralização
problemática para uma teoria que visa a ser dialética, daí a
importância de se enquadrar a Análise de Discurso na análise
de práticas sociais concebidas em sua articulação.
Antes de passarmos à discussão do enquadre de
Chouliaraki e Fairclough (1999) para a análise de discurso,
entretanto, precisamos retomar algumas reflexões
recontextualizadas da Ciência Social Crítica, fundamentaispara
a compreensão do modelo.
Discurso na modernidade tardia
Reflexões em ADCsobre características da modernidade
tardia são alimentadas por teorizações giddeanas. Segundo
Giddens (1991, 2002), modernidade tardia é a presente fase
de desenvolvimento das instituições modernas, marcada pela
radicalização dos traços básicos da modernidade:' separação
de tempo e espaço, mecanismos de desencaixe e reflexividade
institucional. Em vários aspectos, as instituições modernas
apresentam certas descontinuidades em relação a culturas e
modos de vida pré-modernos em decorrência de seu
dinamismo, do grau de intetferência nos hábitos e costumes
tradicionais2
e de seu impacto global (Giddens, 2002, p. 22).
Ciência social crítica 31
A reflexividade institucional, característica da
modernidade tardia (ou modernização reflexiva, conforme
Giddens; Beck; Lash, 1997), é conceituada por Giddens (2002,
p. 25) como "a terceira maior influência sobre o dinamismo
das instituições modernas", ao lado da separação espaço-tempo
e dos mecanismos de desencaixe e deles derivada. A separação
de tempo e espaço é "a condição para a articulação das relações
sociais ao longo de amplos intervalos de espaço-tempo,
incluindo sistemas globais", no sentido de que as sociedades
modernas dependem de modos de interação em que aspessoas
estão separadas temporal e espacialmente (Giddens, 2002,
p. 26). A separação espaço-tempo é crucial para o desen-
volvimento de mecanismos de desencaixe, pois este refere-se
ao "deslocamento das relações sociais de contextos locais de
interação e sua reestruturação através de extensõesindefinidas
de tempo-espaço" (Giddens, 1991, p. 29).
A reflexividade da vida social moderna, por sua vez, refere-
se à revisão intensa, por parte dos atores sociais, da maioria
dos aspectos da atividade social, à luz de novos conhecimentos
gerados pelos sistemasespecialistas. Devido à relação entre esses
conhecimentos e o monitoramento reflexivo da ação,
Chouliaraki e Fairclough (1999) sugerem que a reflexividade
inerente à ação humana foi "externalizada" na modernidade,
ou seja, as informaçõesde que os atores sociais se valem para a
reflexividade vêm "de fora".
Uma boa parte desse conhecimento é veiculada na
mídia, e uma das característicasda mídia, segundo Thompson
(1998), é a disponibilidade das formas simbólicasno tempo e
32 Análise de discursocrítica
no espaço. Isso significa também que as formas simbólicas
veiculadas na mídia são desencaixadas de seus contextos
originais e recontextualizadas em diversos outros contextos,
para aí serem decodificadas por uma pluralidade de atores
sociais que têm acesso a esses bens simbólicos. Thompson
(1998, p. 45) esclarece também que "ao interpretar as formas
simbólicas, os indivíduos as incorporam na própria com-
preensão que têm de si mesmos e dos outros, as usam como
veículos para reflexão e auto-reílexão".
Embora a difusão dos produtos da mídia seja
globalizada na modernidade, a apropriação desses materiais
simbólicos é localizada, ou seja, ocorre em contextos
específicos e por indivíduos especificamente localizados em
contextos sociohistóricos. Nesse sentido, Thompson (1998,
p. 158) chama atenção para as tensões e conflitosprovenientes
da apropriação localizada dos produtos da mídia na
construção reflexiva de identidades: "com o desenvolvimento
da mídia, indivíduos têm acesso a novos tipos de materiais
simbólicos que podem ser incorporados reflexivamente no
projeto de autoformaçao".
E com base no conceito de reflexividade que Giddens vê
as identidades como uma construção reflexiva, em que as
pessoas operam escolhas de estilos de vida, ao contrário das
sociedades tradicionais, em que as possibilidades de escolha
são pré-determinadas pela tradição. O problema imediato da
teoria de Giddens é que eleseconcentra nos aspectos "positivos"
da nova ordem. Nesse sentido, Giddens privilegia as
"oportunidades" geradas pela globalização, ainda que essas
Ciência social crítica 33
oportunidades sejam para uma minoria, em detrimento de
uma maioria para quem apenas restam os "riscos".3
Está claro que a reflexividade é indiscutível em certos
domínios da experiência e para determinadas parcelas da
população mundial, mas será possível afirmar que pessoas
como, por exemplo, os chamados "moradores de rua", que
precisam diariamentesepreocupar com a própriasobrevivência,
podem ocupar-se da escolha auto-reflexivade estilos de vida?
Que estilos de vida têm disponíveis para escolha pessoas que
vivem à margem dos "bens" produzidos pela modernidade?
Sem dúvida, para esses atores, a modernidade adquire contornos
distintos (Resende, 2005a). Sobre a contradição acerca do
conceito de reflexividade, Lash (1997, p. 146) pontua:
Por que, poderíamos perguntar, encontramos a
reflexividade em algunslocaisenão em outros?Por
que em alguns setores econômicos e não em
outros? Há certamente um aumento maciço no
número de produtores reflexivos de sofhvares, na
produção de computadores e de semicondutores,
nos serviços empresariais, na construção de
máquinas. Mas, equanto àcriação pós-fordista de
milhões de subempregos, de empregos fabris de
nível inferior; e quanto à criação sistemática de
grandes exércitos de desempregados, especial-
mente entre osjovensdo sexomasculino?Equanto
a todas essas posições do novo mercado de mão-
de-obra, que foi rebaixado a uma posição inferior
àquela da classe trabalhadora clássica (fordísta)?
Há, de fato, ao lado dos "vencedores da refle-
34 Análise de discursocritica
xividade", batalhões inteiros de "perdedores da
reflexividade" das sociedades atuaisde classescada
vez mais polarizadas, embora com informação e
consciência de classe cada vez menores? Além
disso, fora da escala da produção imediata, como
é possíveluma mãesolteira, que viveem um gueto
urbano, ser "reflexiva"?
Desse modo, o conceito de reflexividade refere-se à
possibilidade de os sujeitos construírem ativamente suas auto-
identidades, em construções reflexivasde sua atividade na vida
social. Por outro lado, identidades sociais são construídas por
meio de classificações mantidas pelo discurso. E, assim como
são construídas discursivamente, identidades também podem
ser contestadas no discurso.
A orientação para a possibilidade de mudança social,
ausente em Foucault, encontra apoio na epistemologia do
Realismo Crítico, cujo expoente é reconhecido no filósofo
contemporâneo Bhaskat (1989) e em conceitos como dualidade
da estrutura (Giddens, 1989), prática social (inspirado na
filosofia marxista dá práxis), internalização (Harvey, 1996),
articulação (Laclau e Mouffe, 2004) e hegemonia(Gramsci,
1988, 1995).
O Realismo Crítico considera a vida (social e natural)
um sistema aberto, constituído por várias dimensões —física,
química, biológica, psicológica, econômica, social, semiótica —,
que têm suas próprias estruturasdistintivas, seus mecanismos
particulares e poder gerativo (Chouliaraki e Fairclough, 1999).
Na produção da vida, social ou natural, a operação de qualquer
Ciência social crítica 35
mecanismo é mediada pelos outros, de tal forma que nunca se
excluem ou se reduzem um ao outro. De acordo com Bhaskar
(1989, p. 12), a realidade é estratificada, logo, a atividade
científica deve estar comprometida em revelar esses níveis mais
profundos, suas entidades, estruturas e mecanismos (visíveis
ou invisíveis) que existem e operam no mundo. Com base
nesse preceito epistemológico, a ADC considera a organização
da vidasocial em torno de práticas, açõeshabituaisda sociedade
institucionalizada, traduzidas em ações materiais, em modos
habituais de ação historicamente situados.
O conceito de práticas sociais é trazido do materialismo
histórico-geográfico deHarvey (1996).Paraesseautor,o discurso
é um momento de práticas sociais dentre outros — relações
sociais, poder, práticas materiais, crenças/valores/desejos e
instituições/rituais - que, assim como os demais momentos,
internaliza os outros sem ser redutível a nenhum deles.
Práticas são, então, "maneiras habituais, em tempos e
espaços particulares, pelas quais pessoas aplicam recursos -
materiais ou simbólicos - para agirem juntas no mundo"
(Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 21). As práticas, assim
compreendidas, são constituídas na vida social, nos domínios
daeconomia,dapolítica edacultura,incluindoavidacotidiana.
Discurso como um momento
de práticas sociais
No enquadre deADCde Chouliarakie Fairclough (1999),
o objetivo é refletir sobre a mudança social contemporânea,
30 Analise de discurso crítica
sobre mudanças globais de larga escala e sobre a possibilidade
de práticas emancipatórias em estruturas cristalizadas na vida
social. De acordo com esseenquadre, toda análise em ADC parte
da percepção deumproblema que, em geral, baseia-se emrelações
de poder, na distribuição assimétrica de recursos materiais e
simbólicos em práticas sociais, na naturalização de discursos
particulares como sendo universais, dado o caráter crítico da
teoria. O segundo passo sugerido dentro desse método é a
identificação de obstáculospara que oproblema seja. superado, ou
seja, identificação de elementos da prática social que sustentam
oproblema verificado eque constituem obstáculopara mudança
estrutural. Há três tipos de análise que atuam juntos nesta
etapa: (1) a análise da conjuntura, da configuração de práticas
das quais o discurso em análise é parte, das práticas sociais
associadas ao problema ou das quais ele decorre, (2) a análise da
práticaparticular, com ênfase para os momentos da prática em
foco no discurso, para as relações entre o discurso e os outros
momentos, e (3) a análise do discurso, orientada para a estrutura
(relação da instânciadiscursivaanalisada com ordens de discurso
e sua recorrência agêneros, vozes ediscursos de ordens de discurso
articuladas) e para a interação (análise lingüística de recursos
utilizados no texto e sua relação com a prática social).
O terceiro passo é a função do problema na prática, O
foco nessa etapa da análise é verificar se há uma função
particular para o aspecto problemático do discurso, ou seja,
para além da descrição dos conflitos de poder em que ainstância
discursiva se envolve, deve-se também avaliar sua função nas
práticas discursiva e social, A etapa seguinte são os possíveis
Ciência social crítica 37
modos de ultrapassar os obstáculos, cujo objetivo é explorar as
possibilidades de mudança e superação dos problemas
identificados, por meio das contradições das conjunturas.Por
fim, toda pesquisa em ADC; deve conter uma reflexão sobre a
análise, ísto é, toda pesquisa crítica deve ser reflexiva. O
enquadre (Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 60) érepresentado
pelo quadro abaixo:
ETAPAS DO ENQUADRE PARA ADC DE CHOULIARAKI E FAI1ÍCLOUGH (1999)
l) Um problema(aiividadc, re fiexividade)
(LI) análise da conjuntura
(i) práticas relevantes
4 ] Possíveis maneiras de superar os obstáculos
Quadro 2 - O enquadre para ADCde Chouliaraki e Fairclough.
Esse enquadre para a ADCé mais complexo que a
abordagem anterior e tem acarretado uma ampliaçãodo caráter
emancipatório da disciplina.Primeiro,porque possibilita maior
abertura nas análises; segundo, porque incita, mais que o
modelo tridimensional, o interesse na análise de práticas
problemáticas decorrentes de relações exploratórias; e, terceiro,
38 Análise de discurso crítica
porque capta a articulação entre discurso e outros elementos
sociais na formação de práticas sociais.
Segundo a operacionalização da ADC do Realismo Crítico,
os momentos constituintes de uma prática social são discurso
(ou semiose), atividade material, relações sociais (relações de
poder e luta hegemônica pelo estabelecimento, manutenção e
transformação dessas relações) e fenômeno mental (crenças,
valores e desejos —ideologia). Sobre os momentos de uma
prática particular e a articulação entre eles, Chouliaraki e
Fairclough (1999, p. 21) pontuam:
Uma prática particular traz consigo diferentes
elementos da vida - tipos particulares de
atividade, ligadas de maneiras particulares a
condições materiais, temporais e espaciais
específicas; pessoasparticulares com experiências,
conhecimentos e disposições particulares em
relações sociais particulares; fontes semióticas
particulares e maneiras de uso da linguagem
particulares; e assim por diante. Uma vez que
esses diversos elementos da vida são trazidos
juntos em uma prática específica, nós podemos
chamá-los "momentos da prática" e ver cada
momento como "internalizando" os outros sem
ser redutível a eles.
Nessa perspectiva, o discurso é visto como um momento
da prática social ao lado de outros momentos igualmente
importantes —e que, portanto, também devem ser privi-
legiados na análise, pois o discurso é tanto um elemento da
Ciência social crítica 39
prática social que constitui outros elementos sociais como
também é influenciadopor eles, em uma relação dialética de
articulação e internalização. Por isso, através da análise de
amostras discursivas historicamente situadas, pode-se perceber
a internalização de outros momentos da prática no discurso,
ou seja, a interiorização de momentos como, por exemplo,
relações sociais e ideologias no discurso. A proposta pode ser
resumida na Figura 2.
Atividade Material
Discurso , „ ,,. ,., . , v Relações
e Semiose ^ PraÜCa S
°Clal
* Sociais
Fenômeno Mental
Figura 2- Momentos da prática social.4
De acordo com essa abordagem, uma prática particular
envolve configurações de diferentes elementos da vida social
chamados de momentos da prática. Os momentos de uma
prática são articulados, ou seja, estabelecem relações mais ou
menos permanentes como momentos da prática, podendo ser
transformados quando há recombinação entre os elementos.
O conceito de articulação pode ser estendido para cada um
dos momentos de uma prática, pois também eles sãoformados
de elementosem relação de articulação interna. Por exemplo,
o momento discursivo de uma prática é formado pela
articulação de elementos como gêneros, discursos e estilos(ver
capítulo "Lingüística Sistêmica Funcional eAnálisede Discurso
40 Análise de discursocrítica
Crítica"). A Figura 3 a seguir ilustra a articulação interna de
cada momento da prática social.
Figura 3- Articulação na estrutura interna
de cada momento da prática social.6
Assim, o momento discursivo de uma práticaparticular
é o resultado da articulação de recursos simbólicos/discursivos
(como gêneros, discursos, estilos), articulados com relativa
permanência como momentos do Momento do discurso.
Esses recursos sãotransformados no processo de articulação -
e, desse modo, a articulação é fonte de criatividade discursiva.
A mudança discursiva se dá pela reconfiguração ou pela
mutação dos elementos que atuam na articulação, pela
"redefinição de limites entre os elementos" (Fairclough,
2001a, p. 97). A luta articulatória assim definida é uma faceta
discursiva da luta hegemônica.
A ação social é vista como constrangida pelas
permanências relativas de práticas sociais —sustenta-as ou as
transforma, dependendo das circunstâncias sociais e da
articulação entre práticas e momentos de práticas. A
articulação entre os momentos da prática assegura que a
hegemonia é um estado de relativa permanência de
articulações dos elementos sociais.
Ciência social crítica 41
Aspectos da Teoria da Estruturação de Giddens (1989)
prestam-se à discussão sobre o papel de agentes sociais, e seus
discursos, na manutenção e transformação da sociedade.
Segundo essa teoria, a constituição da sociedade se dá de
maneira bidirecional, ou seja, há uma dualidade da estrutura
social que a torna o meio e o resultado de práticas sociais. Ações
localizadas são responsáveis pela produção e reprodução ou
transformação da organização social. Por isso, mantém-se a
possibilidade tanto de intervir em maneiras cristalizadas de
ação e interação quanto de reproduzi-las.
O caráter relativo das permanências no que se refere a
práticas sociais pode ser entendido no contraste entre
conjunturas, estruturas e eventos. Conjunturas são "conjuntos
relativamente estáveisde pessoas,materiais,tecnologiasepráticas -
em seuaspecto depermanência relativa- emtorno deprojetos
sociais específicos";estruturas são "condições históricas da vida
social que podem ser modificadas por ela, mas lentamente" e
eventos são "acontecimentos imediatos individuais ou ocasiões
da vida social" (Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 22).
Segundo a autora e o autor, a vantagem de se focalizaras
práticassociaiséapossibilidadedesepercebernão apenas o efeito
deeventosindividuais, masdesériesde eventos conjunturalmente
relacionados na sustentação e na transformação de estruturas,
uma vez que a prática social é entendida como um ponto de
conexão entre estruturas e eventos. Estruturas sociais são
entidades abstratas que definem um potencial, um conjunto de
possibilidades para arealização deeventos. Masarelação entre o
que é estruturalmente possível e o que acontece de fato não é
simples, pois os eventos não são efeitos diretos de estruturas: a
42 Análise de discurso crítica
relação entre eles é mediada por "entidades organizacionais
intermediárias", as práticas sociais (Fairclough, 2003a, p. 23).
Assim, pode-se dizer que estruturas, práticas e eventos estão em
um continuum de abstração/concretude.
O enquadre analítico de Chouliaraki e Fairclough,
baseado na crítica explanatória de Bhaskar (1989), parte da
percepção de um problema e da análise de sua conjuntura, o
que evidencia a importância da abordagem das práticas nesse
enquadramento paraADC. Em análises amplas que consideram
conjunturas e estruturas observa-se a constituição de redes de
práticas interligadas. Em outras palavras, se o jogo de
articulação entre os momentos de práticas sociais pode ser
minimizado para se aplicar à articulação interna de cada
momento de uma prática, também pode ser ampliado parase
aplicar à articulação externa, aquela que se estabelece entre
práticas na formação de redes de práticas relativamente
permanentes. Práticas são articuladas para constituir redes das
quais se tornam momentos, como ilustra a Figura 4, a seguir.
Figura 4- Articulação entre práticas formando rede de práticas.4
Ciência social crítica 43
A abordagem de redes é importante em ADCpor dois
motivos: aspráticas assim compreendidas sãodeterminadas umas
pelas outras e cada uma pode articular outras gerando diversos
efeitos sociais. As redes são sustentadas por relações sociais de
poder, estando as articulações entre práticas ligadas a lutas
hegemônicas. Desse modo, permanências de articulações são
compreendidas como efeito de poder sobre redes de práticas,
enquanto tensõespela transformaçãodessasarticulaçõessão vistas
como lutas hegemônicas. Dado o caráter inerentemente aberto
das práticas sociais,toda hegemonia é um equilíbrioinstável, e a
ADC, no seu papel de teoria crítica, trabalha nas brechas ou
aberturas existentes em toda relação de dominação.
Discurso e luta hegemônica
Ao retomar o conceito de Gramsci, Fairclough (1997,
2001a) caracteriza "hegemonia" como domínio exercido pelo
poder de um grupo sobre os demais, baseado mais no consenso
que no uso da força. A dominação, entretanto, sempre está
em equilíbrio instável, daí a noção de luta hegemônica como
foco de luta sobre pontos de instabilidade em relações
hegemônicas. Na concepção de Gramsci (1988,1995), o poder
de uma das classes em aliançacom outras forças sociais sobre a
sociedade como um todo nunca é atingido senão parcial e
temporariamente na luta hegemônica. O conceito de luta
hegemônica, assim compreendido, está em harmonia com a
dialética do discurso (Fairclough, 2001a).
Fairclough (1997) defineduas relações que seestabelecem
entre discurso e hegemonia. Em primeiro lugar, a hegemonia e
44 Análise de discurso crítica
a luta hegemônica assumem a forma da prática discursiva em
interações verbaisapartir dadialética entre discurso esociedade -
hegemonias são produzidas, reproduzidas, contestadas e
transformadas no discurso. Emsegundo lugar, opróprio discurso
apresenta-se como uma esfera da hegemonia, sendo que a
hegemonia de um grupo é dependente, em parte, de sua
capacidade de gerarpráticas discursivaseordens dediscurso que
a sustentem. Nas palavras de Fairclough (1997, p. 80):
O conceito de hegemonia implica o desen-
volvimento - em vários domínios da sociedade
civil (como o trabalho, a educação, as atividades
de lazer) —de práticas que naturalizam relações e
ideologias específicas e que são, na sua maioria,
práticas discursivas. A um conjunto específico
de convenções discursivas [...] estão, impli-
citamente, associadas determinadas ideologias —
crenças e conhecimentos específicos, posições
específicas para cada tipo de sujeito social que
participa nessa prática e relações específicas entre
categorias de participantes.
Uma vez que a hegemonia é vista em termos da
permanência relativa de articulações entre elementos sociais,
existe uma possibilidade intrínseca de desarticulação e
rearticulação desses elementos. Essa possibilidaderelaciona-se
à agência humana. Para Chouliarakí e Fairclough (1999), a
ação representa um artifício potencial para a superação de
relações assimétricas, desde que esse elemento ativo seja
subsidiado por uma reflexividade crítica.
Ciência social crítica 45
Reflexividade é um outro conceito caro para a ADC, pois
reflexivídade sugere que toda prática tem um elemento
discursivo, não apenas porque envolve, em grau variado, o uso
da linguagem mas também porque construções discursivas
sobre práticas são também parte dessas práticas.
Segundo Giddens (1991, 2002), a experiência mediada
tornou a vida cotidiana mais influenciada pela informação e
conhecimento e, nesse cenário, a construção de auto-
identidades passou a se sujeitar de forma ampliada a revisões
da reflexividade institucional: "Os indivíduos em cenários pré-
modernos, em princípio e na prática, poderiam ignorar os
pronunciamentos de sacerdotes, sábios e feiticeiros,
prosseguindo com as rotinas da atividade cotidiana. Mas este
não é o caso no mundo moderno, no que toca ao conhecimento
perito" (Giddens, 1991, p. 88, grifo nosso).7
Dessa forma, práticas podem depender dessas
autoconstruções reflexivas, cada vez mais influenciadas por
informações circundantes, parasustentarrelaçõesde dominação.
Os sentidos a serviço da dominação podem estar presentesnas
formas simbólicas próprias da atividade social particular ou
podem se fazer presentes nas autoconstruções reflexivas, caso a
ideologia seja internalizada e naturalizada pelas pessoas. No
entanto, a busca pela auto-identidade, que deve ser criada e
sustentada rotineiramentenasatividadesreflexivas do indivíduo,
também pode sinalizar possibilidade de mudança social.
São os indivíduos, inseridos em práticas discursivas e
sociais, que corroboram para a manutenção ou transformação
de estruturas sociais —uma visão dialética da relação entre
40 Análise de discurso crítica
estrutura eação. No evento discursivo, normas são modificadas,
questionadas ou confirmadas - em ações transformadoras ou
reprodutivas. Textos como elementos de eventos sociais têm
efeitos causais - acarretam mudanças emnosso conhecimento,
em nossas crenças, atitudes, valores e assim por diante
(Fairclough, 2003a). Essas mudanças não estão, contudo, em
uma relação unilateral, visto que a dialética estrutura/ação
também atua, em sua faceta discursiva, na relação texto/agente
(Chouliaraki e Fairclough, 1999). Agentes sociais são
socialmente constrangidos, mas suas ações não são totalmente
determinadas: agentes também têm seus próprios "poderes
causais" que não são redutíveis aospoderes causais de estruturas
e práticas sociais (Fairclough, 2003a). Isso significa que, embora
haja constrangimentos sociais definidos pelos poderes causais
de estruturas e práticas sociais, os agentes sociais são dotados
de relativa liberdade para estabelecer relações inovadoras na
(inter)ação, exercendo sua criatividade e modificando práticas
estabelecidas. Desse modo, a importância do discurso na vida
social transita entre a regulação e a transformação.
De um ponto devista discursivo, a luta hegemônica pode
ser vista como disputa pela sustentação de um stafus universal
para determinadas representações particulares do mundo
material, mental e social (Fairclough, 2003a). Uma vez que o
poder depende da conquista do consenso e não apenas de
recursos para o uso da força, a ideologia tem importância na
sustentação de relações de poder. Segundo Eagleton (1997,
pp. 105-6), há distintas maneiras de se instaurar e manter a
hegemonia. A ideologia é uma maneira de assegurar o
Ciência social crítica 47
consentimento por rneio de lutas de poder levadas a cabo no
nível do momento discursivo de práticas sociais.
O conceito de hegemonia, então, enfatiza a importância
daideologia no estabelecimentoenamanutenção da dominação,
pois, se hegemonias são relações de dominação baseadas mais
noconsenso quenacoerção, anaturalizaçãodepráticaserelações
sociais é fundamental para a permanência de articulações
baseadas no poder (Chouliaraki e Fairclough, 1999). Para
Fairclough (1997), as convenções do discurso podem encerrar
ideologias naturalizadas, que as transformam num mecanismo
eficaz de preservação de hegemonias. Uma vezque asideologias
têm existência material nas práticas discursivas, a investigação
dessas práticas é também a investigação de formas materiais de
ideologia (Fairclough, 2001a).
Discurso e ideologia
A ADCcuida tanto do funcionamento do discurso na
transformação criativa de ideologias quanto do funcio-
namento que assegura sua reprodução. Com vistas para essa
dupla orientação, Fairclough (2001a, p. 117) assim define
as ideologias:
As ideologias são significações/construções da
realidade (o mundo físico, as relações sociais, as
identidades sociais) que são construídas em
várias dimensões das formas/sentidos das
práticas discursivas e que contribuem para a
produção, a reprodução ou a transformaçãodas
relações de dominação.
48 Anólise de discursocrítica
Nesse sentido, determinados discursos podem ser vistos
como ideológicos. Um discurso particular (e, aqui, "discursos"
refere-se ao conceito mais concreto) pode incluir presunções
acerca do que existe, do que é possível, necessário, desejável.
Tais presunções podem ser ideológicas, posicionadas,
conectadas a relações de dominação. E relações de poder,
segundo Fairclough (1989, 2003a), são mais eficientemente
sustentadas por significados tomados como tácitos, pois a busca
pela hegemonia é a busca pela universalização de perspectivas
particulares, O julgamento de quanto uma representação é
ideológica só pode ser feito por meio da análise do efeito causai
dessa representação em áreas particulares da vida social, ou
seja, por meio da análise de como as legitimações decorrentes
dessa representação contribuem na sustentação ou na
transformação de relações de dominação. Daí a importância
de a análise de discurso ser simultaneamente orientada
lingüística e socialmente. O foco na dialética leva Fairclough
(1995, p. 71) a argumentar que:
A ideologia investe a linguagem de várias
maneiras em vários níveis, e nós não temos de
escolher entre diferentes "localizações" possíveis
da ideologia, todas são parcialmente justificáveis
e nenhuma inteiramente satisfatória. A questão
chave é se a ideologia é uma propriedade das
estruturas ou uma propriedade dos eventos, e a
resposta é "ambas". E o problema-chave é
encontrar uma abordagem satisfatória da
dialética entre estruturas e eventos.
Ciência social crítica 49
Ele explicaque algumas abordagens localizam a ideologia
apenas na estrutura, com a virtude de captar que eventos são
constrangidos por normas e convenções sociais.A desvantagem
é que a esse tipo de abordagem escapa a possibilidadecriativa
dos eventos, que são vistos apenas como realizações do
potencial definido pelas estruturas. A conseqüência é que a
capacidade de ação dos sujeitos não é percebida. Talvez o
melhor exemplo de modelo de análise de ideologia centrado
na estrutura seja o trabalho de Althusser (1985). Por outro
lado, a focalizaçao da ideologia centrada apenas nos eventos
discursivos, embora apresente a vantagem de representar a
ideologia como um processo que transcorre no interior dos
eventos, iluminando a possibilidade de mudança social,
também apresenta a desvantagem de sobrevalorização da
liberdade de ação. A solução é não perder de vista a dialética
entre estrutura e ação: a liberdade dos sujeitos, embora não
possa ser apagada, é relativa.
Já o conceito de ideologia da ADC provém de estudos de
Thompson (1995). Na teoria social crítica de Thompson
(1995), o conceito é inerentemente negativo. Ao contrário das
concepções neutras, que tentam caracterizar fenômenos
ideológicos sem implicar que esses fenômenos sejam,
necessariamente, enganadores e ilusórios ou ligados com os
interesses de algum grupo em particular, a concepção crítica
postula que a ideologia é, por natureza, hegemônica, no sentido
de que ela necessariamente serve para estabelecer e sustentar
relações de dominação e, por isso, serve para reproduzir a ordem
social que favorece indivíduos e grupos dominantes.
50 Análise de discurso crítica
Formas simbólicas8
são ideológicas somente quando
servem para estabelecer e sustentar relações sistematicamente
assimétricas depoder. Os modos geraisde operação daideologia
elencados por Thompson (1995, pp. 81-9) são cinco, a saber:
legitimação, dissimulação,unificação,fragmentaçãoe reificação.
Por meio da legitimação, relações de dominação podem
ser estabelecidas ou mantidas, sendo representadas como
legítimas, ou seja, a legitimação estabelece e sustenta relações
de dominação pelo fato de serem apresentadas como justas e
dignas de apoio. Afirmações de legitimação podem basear-se
em três estratégias de construção simbólica: a racionalização,
a universalização e a narrativização. Na racionalização, a
estratégia de legitimação baseia-se em fundamentos racionais,
na legalidade de regras dadas a priori na universalização,
representações parciais são legitimadas por meio de sua
apresentação como servindo a interesses gerais; na
narrativização, a legitimação seconstrói por meio da recorrência
a histórias que buscam no passado a legitimação do presente.
A dissimulação, modo de operação da ideologia que
estabelece e sustenta relações de dominação por meio de sua
negação ou ofuscação, pode ser realizada por construções
simbólicas como deslocamento, eufemização e tropo. No
primeiro caso, há uma recontextualização de termos,
geralmente referentes a um campo e que são usados com
referência a outro, deslocando conotações positivas ou
negativas. Na eufemização, ações, instituições ou relaçõessociais
são representadas de modo que desperte uma valorização
positiva, ofuscando pontos de instabilidade. O tropo refere-se
Ciência social critica 51
ao uso figurativo da linguagem, que pode servir a interesses de
apagamento de relações conflituosas.
A unificação é o modus opemndi da ideologia pelo qual
relações de dominação podem ser estabelecidasou sustentadas
pela construção simbólica da unidade. Há duas estratégias de
construção simbólica relacionadas à unificação: a padronização —
adoção de um referencial padrão partilhado—e a simbolização —
construção de símbolos de identificação coletiva.
Na fragmentação, relações de dominação podem ser
sustentadas por meio da segmentação de indivíduos e grupos
que, se unidos, poderiam constituir obstáculo à manutenção
do poder. Uma das estratégias de construção simbólica da
fragmentação é a diferenciação, em que se enfatizam
características que desunem e impedem a constituição de um
grupo coeso, com objetivo de desestabilizar a luta
hegemônica. Outra estratégia é o expurgo do outro, em que
se objetiva representar simbolicamente o grupo que possa
constituir obstáculo ao poder hegemônico como um inimigo
que deve ser combatido.
Por fim, há o modo de operação da ideologia denominado
reificação, por meio do qual uma situação transitória é
representada como permanente, ocultando seu caráter socio-
histórico. Há quatro estratégias de construção simbólica da
reificação: naturalização, eternalização, nominalização e
passivação. Por meio da naturalização, uma criação social é
tratada como se fosse natural, independente da ação humana.
A eternalização é a estratégia por meio da qual fenômenos
históricos são retratados como permanentes. A nominalização
52 Análise de discurso crítica
e a passivação possibilitam o apagamento de atores e ações,
representando processos corno entidades.
O arcabouço de Thompson para análise de construções
simbólicas ideológicas pode ser resumido no quadro (1995,
pp. 81-9) a seguir:
MODOS GERAIS DE OPERAÇÃO DA
IDEOLOGIA
I.EGÍT1MAÇÃO
Relações de dominação sãofljp-eseaíadascomo
legítimas
DISSIMU AÇÃO
Relações de domínaçSt são ocultadas, negada1
; ou
ôfescureeidas
UNIFICAÇÃO
Construção simbólica de identidade coletiva
FRAGMENTAÇÃO
Segmentação cie indivíduos o grupou que possam
i'cpicscntír ameaça ao grupo dominante
RI-iriCAÇÀO
ESTRATÉGIAS TÍIMCAS DE CONSTRUÇÃO
SIMBÓLICA
RACIONALIZAÇÃO (uma cadeia de raciocínio
procura justificar urn coniunio de relações)
01NIVE8SAÍ4ZAÇÃO (interessas específicos ião
apresentados como interesses gerais)
NARRATIVIXAÇÃO (exigâncias <ie legitimação
inseridas em histórias do passado que legitimam o
presente)
DESLQCAMKNTO (deslocamento contcMuaf de
lermos e expressões)
EUFEMi/AÇÃO (valorarão positivü ík'
instituições, ações ou relações]
TROPO (siriédixjue, metonímía, metáfora)
PADRONIZAÇÃO ium referenciai padrão
prupuxto cuiiio íumiamento parlilhíido)
SÍMBOLIZAÇÁODA UNIDADK (construção de
HÍmholos de unidade e identificação coletiva)
DI!''h,RENCtAÇAO {ênfase em uaracit-ríMicas que
desunem e impedema constituição c!e íiesafio
efetivo)
I-XPÜRGO DO OUTRO (consírueão simbólica de
um inimigo)
NATURALIZAÇÃO (criação social e hiMóriea
tratitda como aoonteciineuts naluraí)
ETERNA) .I/AÇÃO ífenômenos socíohisitóricos
apresentados como permanentes)
NOMINAL1ZAÇÃO/ PASSIVAÇAO
Quadro 3 - Modos de operação da ideologia.
A importânciadessa abordagem paraapesquisa emAnálise
de Discurso é a constituição de um arcabouço para análise de
construções simbólicas ideológicas no discurso. Em outras
palavras, a abordagem de ideologia de Thompson, aliada ao
Ciência social crítica 53
arcabouço da ADC, fornece ferramentas para se analisar,
iingüisticamente, construções discursivasrevestidas de ideologia.
Fairclough (2003a) explica que ideologias são, em
princípio, representações', mas podem ser legitimadas em
maneiras de ação social e inculcadas nas identidades de agentes
sociais. Tal compreensão da ideologia baseia-se na formulação
de gêneros, discursos e estilos como as três principais maneiras
através das quais o discurso figura em práticas sociais
(Fairclough, 2003a), de acordo com a recente proposta de
Fairclough (baseada no funcionalismo de Halliday) de se
abordar o discurso em termos de três principais tipos de
significado: o significado represenracional, ligado a discursos;
o significado acionai, ligado a gêneros; e o significado
identifícacional, ligado a estilos. No próximo capítulo,
discutiremos esses três tipos de significado e a relação dialética
que se estabelece entre eles.
Notas
1
"Modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a
partir do século XVll e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência"
{Giddens, 1991, p. 11).
2
Segundo Giddens (l 991-p- 107), tradição diz respeito às maneiras petasquais crenças e práticas são
organizadas, especialmente em relação ao tempo. A tradição contribui de maneira básica para a
segurança ontológica na medida em que mantém a confiança na continuidade do passado, presente
e futuro e vincula esta confiança a práticas sociais rotimzadas.
3
Giddens (1991, p. 38) explica que a noção de risco originou-se no período moderno em decorrência
da compreensão de que resultados inesperados podem serconseqüência de nossas próprias atividades
ou escolhas, ao invés de se tratar de significados ocultosda natureza.
4
Não consta em Chouliaraki e Fairclough (1999). A Figura ilustra os momentos da prática social,
conforme discutidos no original, procurando captar a articulação entre eles e a importância da
relação que aí se estabelece para o produto da prárica. A articulação entre os momentos de uma
prática social é um equilíbrio insrávci, ou seja, está sujeita à desarticulação c rcaniculação. Esses
quatro momentos podem ser desdobrados em mais momentos: em AnafysingDiscoune, por exemplo,
54 Análisede discursocrítica
Fairclough (2003a, p. 25) sugere cinco momentos, a saber, ação e interação, relações sociais,pessoas
(com crenças, valores, atitudes, histórias), mundo material, discurso.
Não consta em Chouliaralu e Hairclough, 1999.
Não consta em Chouliaralti e Fairclough, 1999.
Muito embora trabalhos de Giddens representem uma grande contribuição para a ADC, alguns
aspectos da teoria giddeana foram criticadospor Choulíaraki c Fairclough (l 999), Castclls{l 999)
eLash (1997), dentre outros autores, pelo fato de não contemplarem o universo soda!excluído das
redes de informação. Chouliaraki e Fairclough (1999, pp. 126-7) ponderam que Giddens (1991)
apresenta explicações generalizadas sobre a construção reflexiva do "eu" na modernidade tardia e
privilegia urna posição social particular (branco, macho, de classe média), em vez de considerar que
existem pessoas posicionadas muito diferemerneme, de acordo com classe, gênero, raça, idade ou
geração, e, portanto, com diferentes possibilidades de acesso a tal construção reflexiva. Castells
(1999, p. 27), que discorda do caráter global do "planejamento reflexivo da auto-identidade",postula
que, exceto para uma elite, o planejamento reflexivo da vida torna-se: impossível. Nesse cenário, a
busca pelo significado da vida e pela auto-identidade ocorre no âmbito da reconstrução de identidades
defensivas em torno de princípios comunais, como o fundamentalismo religioso. Lash (1997,
pp. 146-7) aponta que essa falha origina-se na preocupação de Giddens com a ação social cm
detrimento da estrutura.
Formas simbólicas abarcam "um amplo espectro de ações e falas, imagens e textos, que são produzidos
por sujeitos e reconhecidos por elese outros como construtos significativos"(Thompson, 1995, p. 79).
Lingüística Sistêmica Funcional
e Análise de DiscursoCrítica
Em virtude de focalizarem relações dialéticas entre
momento discursivo e outros elementos de (redes de) práticas
sociais, análises de discurso críticas são orientadas, conforme
já discutimos, lingüística e socialmente. Dado que a face
sociológica da análise de discursojá foi razoavelmente discutida
no capítulo anterior, neste capítulo focalizaremos a face
lingüística da análise. Lembremos que essa divisão é feita para
fins de clareza, o que significa a impossibilidade de separá-las
no trabalho analítico. Neste capítulo, abordamos a recon-
textualização da Lingüística Sistêmica Funcional em Fairclough
50 Análise de discurso crítica
(2003a), mostramos como asmacrofunções de Halliday foram
operárionalizadas para dar origem aos três tipos de significado
propostos por Fairclough, focalizamos cada um desses
significados e discutimos algumas categorias analíticas daADC,
segundo cada um dos tipos de significado.
Lingüística Sistêmica Funcional
e a complexidade funcional da linguagem
No início do primeiro capítulo deste livro, sugerimos quea
ADCbaseia-se no paradigmafuncionalista dosestudoslingüísticos.
Em termos mais específicos, a tradição de análise de discurso em
quesesitua aTeoriaSocial doDiscursoorienta-se lingüisticamente
pela Lingüística Sistêmica Funcional (LSF) de Halliday. Trata-se
de uma teoria da linguagem que se coaduna com a ADC, porque
abordaalinguagem como um sistemaaberto, atentandoparauma
visão dialéticaque percebeostextos não sócomo estruturados no
sistema mastambém potencialmente inovadoresdo sistema:toda
instância discursiva "abre o sistema para novos estímulos de seu
meio social" (Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 141). É nesse
sentido que a linguagem é vista como um sistema aberto a
mudanças socialmente orientadas, o quelheprovesua capacidade
teoricamente ilimitada de construir significados.
Os estudos funcionalistas têm por objetivo, além de
estabelecer princípios gerais relacionados ao uso da linguagem,
investigar a interface entre as funções e o sistema interno das
línguas. A compreensão das implicações de funções sociais na
gramática é central à discussão que relaciona linguagem e
sociedade. A relação entre as funções sociais da linguagem e a
Lingüística sistêmica funcional 57
organização do sistema lingüístico é, para Halliday (1973),
um traço geral da linguagem humana. Daí a necessidade de se
estudar os sistemas internos das línguas naturais sob o foco
das funções sociais.
A variação funcional não é apenas uma distinção de
usos da linguagem, é algo fundamental para sua organização,
uma propriedade básica da linguagem. As abordagens
funcionais da linguagem têm enfatizado seu caráter
multifuncional e, nesse sentido, Halliday (1991) registra três
macrofunções que atuam simultaneamente em textos:
ideacional, interpessoal e textual.
A função ideacional da linguagem é sua função de
representação da experiência, um modo de refletir a "realidade"
na língua: os enunciados remetem a eventos, ações, estados e
outros processos da atividade humana através de relação
simbólica. Essa função trata da expressão lingüística do
conteúdo ideacional presente em todos os usos da linguagem —
independentemente do uso pragmático que sefazda linguagem,
os recursos ideacionais são explorados em seu potencial para
expressar um conteúdo.
A função interpessoal refere-se ao significado do ponto
de vista de sua função no processo de interaçãosocial, da língua
como ação. Essa função, que trata dos usos da língua para
expressar relações sociais e pessoais,está presente em todos os
usos da linguagem, assim como a função ideacional. '
A terceira função apresentada por Halliday é a textual;
aspectos semânticos, gramaticais, estruturais, que devem ser
analisados no texto com vistas ao fator funcional. A gramática
58 Análise de discurso crítica
é o mecanismo lingüístico que opera ligações entre asseleções
significativas derivadas das funções lingüísticas, realizando-as
em estrutura unificada.
As três macrofunções são inter-relacionadas, e os textos
devem ser analisados sob cada um desses aspectos. Isso significa
que todo enunciado é multifuncional em sua totalidade, ou
seja, serve simultaneamente a diversas funções. Nesse sentido,
a linguagem é funcionalmente complexa. As estruturas
lingüísticas não "selecionam" funções específicas isoladaspara
desempenhar; ao contrário, expressamde formaintegrada todos
os componentes funcionais do significado.
Em seus modelos de análise de discurso, Fairclough
recontextualiza a LSF, alterando alguns pontos da teoria de
acordo com seus propósitos analíticos. Em 1992, em Discourse
and Social Change, Fairclough sugeriu a cisão da função
interpessoal de Halliday em duas funções separadas, a Junção
identitâria e a função relacionai. A função identitária da
linguagem "relaciona-se aos modos pelos quais as identidades
sociais são estabelecidas no discurso"; a função relacionai, por
sua vez, refere-se a "como as relações sociais entre os
participantes do discurso são representadas e negociadas"
(Fairclough, 2001a, p. 92).
A justificativa apresentada para essa modificação na
teoria está relacionada à importância do discurso na
constituição, reprodução, contestação e reestruturação de
identidades, que não é captada pelas funções tal como
apresentadas por Halliday, uma vez que a função de
identidade é marginalizada "como aspecto menor da função
Lingüística sistêmica funcional 59
interpessoal" (Fairclough, 2001a, p. 209).Resulta que, para
Fairclough, a ênfase na construção desvela a importância da
função identitária na linguagem, porque os modos de
construção e categorização de identidades em uma dada
sociedade refletem seu funcionamento no que concerne às
relações de poder, à reprodução e à mudança social.
Embora a análise lingüística em ADCbaseie-se na LSF,
Chouliaraki eFairclough(1999, p. 139) alertam que asrelações
entre as duas disciplinas ainda são limitadas tendo em vista o
potencial do diálogo quepoderiam estabelecer. Em suaspalavras:
[...] a ADCcom a qual trabalhamos tem muito a
ganhar com o estreitamento de sua relação,
ainda limitada, com a I..SF (essa relação, até o
momento, tem sido restrita ao uso da gramática
sistêmica do inglês para análise de textos), não
apenas em termos de uso da LSF como recurso
para análise, mas também na direção de um
diálogo teórico.
Em Anâlysing Discourse, Fairclough (2003a) cumpre a
tarefa de ampliação do diálogo teórico entre a ADCe a LSF. Para
tanto, ele propõe uma articulação entre as macrofunções de
Halliday e os conceitos de gênero, discurso e estilo, sugerindo,
no lugar das funções da linguagem, três principais tipos de
significado: o significado acionai, o significado repre-
sentacional e o significado identificacional. Fairclough operou
essa articulação tendo como ponto de partida não as
macrofunções tal como postuladas por Halliday (as funções
00 Análise de discurso critica
ideacional, interpessoal e textual), mas a sua própria
modificação anterior da teoria, ou seja, as funções relacionai,
ideacional e identitária. Quanto à função textual, embora em
seu livro de 1992 Fairclough a tenha incorporado ("Halliday
também distingue uma função 'textual' que pode ser utilmente
acrescentada a minha lista" [Fairclough, 2001a, p. 92]), em
2003 ele rejeita a idéia de uma função textual separada, prefere
incorporá-la ao significado acionai: "não distingo uma função
'textual' separada, ao contrário, eu a incorporo à ação"
(Fairclough, 2003a, p. 27).
A operacionalização dos três significadosmantém a noção
de multifuncionalidade presente na LSF, uma vez que Fairclough
enfatiza que os três atuam simultaneamente em todo
enunciado. Ele explica que o discurso, figura de três principais
maneiras como parte de práticas sociais, na relação entre textos
e eventos: como modos de agir, como modos de representar e
como modos de ser. A cada um desses modos de interação
entre discurso e prática social corresponde um tipo de
significado. O significado acionai focaliza o texto como modo
de (inter)ação em eventos sociais, aproxima-se da função
relacionai, pois a ação legitima/ questiona relações sociais; o
significado representacional enfatiza a representação de aspectos
do mundo - físico, mental, social - emtextos, aproximando-
se da função ideacional, e o significado identificacional, por
sua vez, refere-se à construção e à negociação de identidades
no discurso, relacionando-se à função identitária. O
desenvolvimento dessa perspectiva multifuncional da
linguagem pode ser ilustrado pelo Quadro 4 a seguir:
Lingüístico sistêmica funcional 01
tSF
(Halliday, 1991)
F, Ideactonal
ADC
(Fairelough, 1992)
F, Ideaeiona]
r p LlfTiHrírri
p r. IUL nu 1*11 í^í
F. Relacionai
h F TVvtníil ~———
AOC
(Fairclou^i,2ü«3)
S. Represei]tadoral
S. Irlentificadonal
Quadro 4 - Recontextualização da LSF naADC,
Fairclough (2003a) postula uma correspondência entre
ação e gêneros, representação e discursos,identificaçãoe estilos -
gêneros, discursos e estilos são modos relativamente estáveis
de agir, de representar e de identificar, respectivamente. A
análise discursiva é um nível intermediário entre o texto em si
e seu contexto social —eventos, práticas, estruturas. Então, a
análise de discurso deve ser simultaneamente à análise de como
os três tipos de significadosão realizados em traços lingüísticos
dos textos e da conexão entre o evento social e práticas sociais,
verificando-se quais gêneros, discursose estilos são utilizados e
como são articulados nos textos. Gêneros, discursos e estilos
ligam o texto a outros elementos da esfera social - asrelações
internas do texto a suas relações externas -, por isso a
operacionalizaçao desses conceitos mantém o cerne do
pensamento de Halliday.
Significado acionai e gênero
A concepção de linguagem como um momento de
práticas sociais dialeticamentc interconcctado aos demais
momentos dessas práticas reserva um lugar especial para as
ordens de discurso, o elemento discursivo do social no nível
das práticas. As ordens de discurso organizam socialmente a
62 Análise de discurso crítica
linguagem e orientam avariação lingüística. Cada prática social
produz e utiliza gêneros discursivosparticulares, que articulam
estilos e discursos de maneira relativamente estável num
determinado contexto sociohistórico e cultural.
Gêneros constituem "o aspecto especificamente discursivo
de maneiras de ação e interação no decorrer de eventos sociais"
(Fairclough, 2003a, p. 65). Quando se analisa um texto em
termos de gênero, o objetivo é examinar como o texto figura
na (inter)ação social e como contribui para ela em eventos
sociais concretos. Gêneros específicos são definidos pelas
práticas sociais a eles relacionadas e pelas maneiras como tais
práticas são articuladas, de tal modo que mudanças
articulatórias em práticas sociais incluem mudanças nas formas
de ação e interação, ou seja, nos gêneros discursivos, e a
mudança genérica freqüentemente ocorre pela recombinação
de gêneros preexistentes.
Há uma grande variação nas propriedades de gêneros
concretos. Alguns gêneros atuam em escala local, sãoassociados
a redes de práticas sociais relativamente limitadas; outros
gêneros são especializados na interação em escala global. A
diferença na escala de atuação não é a única diversidade
observada em gêneros, eles também podem variar
consideravelmente em termos de seu grau de estabilização e
homogeneização: alguns gêneros pressupõem padrões
composicionais rigorosos, outros são mais flexíveis. Segundo
Fairclough (2003a, p. 66), "neste período de transformação
social rápida e profunda, há uma tensão entre pressões pela
estabilização, parte da consolidação da nova ordem social, e
Lingüística sistêmica funcional 03
pressões pela fluidez e pela mudança", por isso a mudança
genérica, como parte da mudança discursiva e social, insere-se
na agenda de pesquisa da ADC.
Gêneros discursivos também variam em relação aos níveis
de abstração. Fairclough (2003a) distingue os pré-gêneros dos
gêneros situados. Ospré-gêneros, conceito resgatado de Swales
(1990), são categorias abstratas, que transcendem redes
particulares de práticas sociais e que "participam" na
composição de diversos gêneros situados. Narrativa,
argumentação, descrição e conversação são pré-gêneros no
sentido de que são "potenciais" abstratos que podem ser alçados
na composição de diversos tipos de texto. O pré-gênero
narrativa, por exemplo, é alçado na produção situada de
romances, contos de fadas, novelas, lendas indígenas, filmes,
documentários etc. Gêneros situados^ por outro lado, são
categorias concretas, utilizadas para definir gêneros que são
específicos de uma rede de prática particular, como, por
exemplo, a literatura de cordel e a reportagem de revistas
informativas-gerais.1
Um gênero situado é "um tipo de
linguagem usado na performance de uma prática social
particular" (Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 56). Um gênero
situado geralmente alça vários pré-gêneros. Uma reportagem,
por exemplo, pode alçar os pré-gêneros narrativa, argumentação
e descrição, entre outros. Nesse caso, segundo a proposta de
Fairclough (2003a), haverá um pré-gênero principal e diversos
subgêneros articulados na composição genérica do texto. A
descrição e a interpretação dessa articulação são parte do
trabalho de análise da estrutura genérica em um texto. Por
04 Analise de discurso crítica
que determinadas reportagens são mais narrativas, ou mais
argumentativas, ou mais descritivas?Que implicações isso pode
ter para o modo como esses textos participam na (inter)açáo?
Em Discourse in LateModernity, Chouliaraki e Fairclough
ressaltam que não há uma lista de gêneros do discurso e que há
relativamente poucos nomes estáveis para gêneros, por isso o
rótulo que se dá a um gênero na análise não é importante.
Nessa perspectiva, o ponto relevante é que o gênero seja
reconhecível como um tipo de linguagem usado em domínios
particulares. Fairclough (2003a) questiona também a prática
de se tentar determinar estruturas composicionais rigorosas
para gêneros do discurso, pois os gêneros não constituem regras
rígidas ou padrões imutáveis, ao contrário, consistem em um
potencial que pode ser trabalhado de maneiras variáveis e
criativas em eventos discursivos concretos.
Em decorrência de sua mobilidade e dialogicidade
características, os gêneros estão sempre submetidos à
reformulação nas interações semióticas, o que torna difícil
trabalhar com uma proposta tipológica fixa. Segundo
Chouliaraki e Fairclough (1999, pp. 144-5), um gênero é em
sí um mecanismo articulatório que controla o que pode ser
usado e em que ordem, incluindo configuração e ordenação
de discursos, e, portanto, precisa ser compreendido como a
faceta regulatória do discurso, e não simplesmente como
estruturação apresentada por tipos fixos de discurso. E evidente,
pela dialética entre estrutura e ação, que essa regulação pode
ser questionada e, então, a mudança discursiva aparece como
uma faceta especificamente discursiva de lutas hegemônicas.
Lingüística sistêmica funcional 05
Além da estrutura genérica, o significado acionai pode
ser analisado em textos por meio de outras categorias, que são
encontradas de maneira detalhada e seguidas de exemplo em
Fairclough (2003a).Aqui nos restringimos aapresentar somente
mais uma categoria analítica relacionada a maneiras de agir
discursivamente em práticas sociais: a intertextualidade.
A intertextualidade é uma categoria de análise muito
complexa e potencialmente fértil. Bakhtin (2002) enfatizou a
dialogicidade dalinguagem,postulando que textossãodialógicos
em dois sentidos: primeiro, mesmo textos aparentemente
monológicos, como ostextos escritos, participam de uma cadeia
dialógica, no sentido de que respondem a outros textos e
antecipamrespostas;segundo,odiscursoéinternamente dialógico
porque épolifônico, todo texto articula diversasvozes.
Em linhas gerais, a intertextualidade é a combinação da
voz de quem pronuncia um enunciado com outras vozes que
lhe são articuladas. Fairclough (2003a, p. 39) adota uma visão
ampla de intertextualidade, extrapolando seu sentido mais
evidente: "a presença de elementos atualizados de outro texto
em um texto - ascitações". Para relatar2
um discurso, pode-se
não apenas citar em discurso direto mas também parafrasear,
resumir, ecoar em discurso indireto. O discurso relatado atribui
o dito a seu autor, mas a incorporação de elementos de outros
textos também pode ser feita sem atribuição explícita como,
por exemplo, na paráfrase. Assírn, a intertextualidade cobre
uma gama diversa depossibilidades.
Uma questão inicial no estudo da intertextualidadeem
um texto é a verificação de quais vozes são incluídas e quais
ÓÓ Análise de discurso crítica
são excluídas, isto é, que ausências significativas podem ser
observadas. Em seguida, analisando-se sua presença, é
interessante examinar a relação que se estabelece entre asvozes
articuladas. Quando uma voz "externa" é articulada em um
texto, têm-se (pelo menos) duas vozes que podem representar
duas diferentes perspectivas, com seus respectivos interesses,
objetivos etc. A relação entre essas vozes pode ser harmônica,
de cooperação, ou pode haver tensão entre o texto que relata e
o texto relatado.
Algumas questões acerca do relato se impõem. Primeiro,
o relato pode ser fiel ao que foi dito, reproduzindo as mesmas
palavras, ou não. Segundo, a fronteira entre o texto relatado eo
texto que relata pode ser forte ou fraca, ou seja, o limite entreas
vozespode ou não serbem demarcado. Chama-se discurso direto
a citação pretensamente fiel do que foi dito, com marcas de
citação (aspasou travessão). Discurso indiretoé a paráfrase ou o
resumo do que foi dito, sem uso de palavras exatasesem marcas
de citação. Acresceque não é incomum se utilizarem marcas de
citação quando, na verdade, não se atualizam as palavrasexatas
do discursorelatado (porexemplo,na mídia impressa);tampouco
éraroseatualizaremaspalavrasexatasdo textorelatado omitindo-
se asmarcasde citação (por exemplo, quando não secitaa fonte
em trabalhos acadêmicos em uma apropriação indébita do
pensamento alheio). Outro tipo de relatoque importa definir é
o "relato narrativo de ato de fala", o relato do tipo de ato de fala
que não explicitaum conteúdo (por exemplo, quando se afirma
"ele prometeu", mas não se esclarece o conteúdo do ato de
promessa- Fairclough, 2003a, p. 49).
Lingüística sistêmica funcional 07
Fairclough (1995), baseado em Quirk et ai.,3
enumera
quatro formas por meio das quais se "converte" o discurso
direto em discurso indireto, demarcando o limite entre asvozes:
(a) uso de verbo dicendi seguido de oração subordinada (por
exemplo, "ele disse que..."); (b) mudança de pronomes de 1a
e
2a
pessoas para pronomes de 3a
pessoa (por exemplo, "euvou..."
se torna "ela disse que vai..."); (c) mudança nos dêiticos (por
exemplo, "aqui" se torna "lá"); (d) mudança de verbos para o
passado (por exemplo, do futuro do presente para o futuro do
pretérito, quando "eu irei" se torna "ela disse que iria").
A representação do discurso não é uma mera questão
gramatical, ao contrário, é um processo ideológico cuja
relevância deve ser considerada. Analisar em textos quais vozes
são representadas em discurso direto, quais são representadas
em discurso indireto e quais as conseqüências disso para a
valorização ou depreciação do que foi dito e daqueles(as) que
pronunciaram os discursos relatados no texto pode lançar luz
sobre questões de poder no uso da linguagem.
A dialogicidade varia entre textos. Em alguns, a ausência
de dialogícidade é saliente, com poucas instâncias de discurso
relatado e pouca visibilidade de outras vozes. Nesses casos,
representações oriundas de outras vozessão referidas sem serem
relatadas, outras vozes são trazidas ao texto de uma forma que
abstrai o que realmente foi dito e, então, reduz-se a diferença
(Fairclough, 2003a).
A intertextualidade conecta um texto a outros textos, os
quais nem sempre são claramente distinguíveis, assim como a
pressuposição. Fairclough (2003a, p.40) define a pressuposição
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  • 4. Viviane de Melo Resende Viviane Ramalho Análise de discurso crítica editoracontexto
  • 5. Copyright© 2006 Viviane de Melo Resende e Viviane Ramalho Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto (Editora PinskyLtda.) Capa e diitgntmação Gustavo S. Vilas Boas Revisão DanielaMarini Iwamoto RuihM.KÍuska Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (ClP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Resende, Vivianede Melo Análise do discurso crítica / Viviane de Melo Resende e Viviane Ramalho. —São Paulo : Contexto, 2006. Bibliografia ISBN 85-7244-333-9 1. Análise de textos 2. Análise do discurso 3- Ciências sociais —Pesquisa 4. Fairclough, Norman, 1941 -Críticae interpretação 5. Pesquisa lingüística 6. Teoria crítica L Ramalho,Viviane. II. Título. 06-2398 CDD-401.41 índices para catálogo sistemático: 1. Análisedo discurso crítica : Linguagem c comunicação 401.41 EDITORA CONTEXTO Diretor editorial: Jaime Pinsky Rua Acopiara, 199 - Alto daLapa 05083-110-São Paulo-SP PABX: (11) 3832 5838 contexto@eJitoracontcxro.com.br www.editoracontexIo.com.br 2Q06 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei.
  • 6. Sumário Apresentação 7 Noções preliminares 11 Os paradigmas formalista e funcionalista na investigação lingüística '12 Linguagem e poder: influências sobre a ADC 14 A constituição da Análise de Discurso Crítica 20 Ciência Social Crítica e Análise de Discurso Crítica -. 25 Discurso como prática social 26 Discurso na modernidade tardia 30 Discurso como um momento de práticas sociais 35 Discurso e luta hegemônica 43 Discurso e ideologia 47
  • 7. Lingüística Sistêmica Funcional e Analise de Discurso Crítica 55 Lingüística Sistêmica Funcional e a complexidade funcional da linguagem 56 Significado acionai c- gênero 01 Significado representacional e discurso 70 Significado identificacional e estilo 76 Exemplos cie práticas cie análise 91 A invasão estadunidense ao Iraque no discurso da imprensa brasileira 92 O discurso sobre a infância nas ruas na Literatura de Cordel 114 Considerações finais 145 Bibliografia 153
  • 8. Apresentação A Análise de Discurso Crítica (ADC) é uma abordagem teórico-metodológica para o estudo da linguagem nas sociedades contemporâneas que tem atraído cada vez mais pesquisadores(as), não só da Lingüística Crítica mas também das Ciências Sociais. Há, entretanto, uma carência notável de obras introdutórias a respeito da ADC. Dada a complexidade da abordagem - transdisciplinaremultidisciplinar -, muitos(as) pesquisadores(as) sentem dificuldade quando iniciam suas leituras em ADC. Este livro busca suprir parcialmente essa defasagem, apresentando uma revisão introdutória, mas não superficial,
  • 9. 8 Análise de discurso crítica da obra de Norman Fairclough, maior expoente da ADC. Trata- se, então, de uma introdução à Teoria Social do Discurso, vertente da ADCdesenvolvidapor esse lingüista britânico. Nossa revisão abrange, principalmente, três fases de sua produção: (1) o modelo tridimensional para ADC, presente nas obras Language and Power (1989) e Discourse and Social Change (1992), (2) o enquadre de Chouliaraki e Fairclough proposto em Discourse in Late Modernity: rethinking criticai discourse analysis (1999), em que se recontextualizam abordagens da Ciência Social Crítica (esc) na ADC, e (3) o enquadre para a análise textual em pesquisas sociais, apresentado em Analysing Discourse: textual analysisfor social research (2003), baseado na Lingüística Sistêmica Funcional (LSF) de Haílíday. Além de discutir a teoria e o método em ADC, também abordamos algumas categoriasanalíticas potencialmente férteis, poisacreditamosqueissopossaajudar ailumínar eventuaisanálises futuras. Procuramos ilustrar adiscussãocomfigurasequadrosque facilitem a consulta na hora do trabalho prático de análise. Embora o livro seja uma revisão da obra de Norman Fairclough, não nos restringimos apenas a esse autor. Uma vez que a ADCoperacionaliza conceitos oriundos tanto da Lingüística quanto das Ciências Sociais, agregamos a estelivro reflexões de autores como Halliday, Bakhtin, Foucault, Van Leeuwen, Rajagopalan, Thompson, Giddens, Castells, Harvey, Hall, Gramsci, Bhaskar. No capítulo "Noções preliminares", discutimos conceitos básicos da teoria em ADC, como discurso e prática social. Buscamos localizar a ADCentre os discursos teóricos
  • 10. Apresentação da lingüística contemporânea e apontamos alguns estudos sobre discurso e poder que contribuíram para a constituição da ADC. No capítulo "Ciência Social Crítica eAnálise de Discurso Crítica", confrontamos os enquadres teórico-metodológicos apresentados em Fairclough (2001a) e em Chouliaraki e Fairclough (1999), sustentando nossa hipótese de que a centralidade do discurso como foco dominante de análises deu lugar à centralidade empráticas sociais, de forma que o discurso passou a ser visto como um momento das práticas sociais, interconectado a outros momentos igualmente importantes para pesquisas em ADC. Tendo em vista a discussão da recontextualização da Ciência Social Crítica em ADC realizada no capítulo precedente, em "Lingüística Sistêmica Funcional e Análise de Discurso Crítica" nos dedicamos à discussão da operacionalização em Fairclough (2003a) do postulado da Lingüística Sistêmica Funcional. Queremos lembrar que as duas faces da análise de discurso, social e lingüisticamente orientada, encontram-se separadas apenas para fins didáticos —não podem serseparadas no trabalho analítico, pois o objetivo da análise éjustamente mapear as conexões entre relações de poder e recursos lingüísticos utilizados em textos. Focalizamososprincipais tipos de significados do discurso propostos em Fairclough (2003a)— acionai, representacional e identificacional - e discutimos algumas categorias analíticas da ADCsegundo cada um dos tipos de significado, apresentando alguns exemplos que possam tornar mais claras as noções discutidas.
  • 11. l O Análise de discurso crítica No capítulo "Exemplos de práticas de análise", apresentamos um breverecorte de nossos trabalhos de pesquisa a fim de oferecer alguns exemplos de aplicação do arcabouço teórico-metodológico da ADCem análises que se ocupam de problemas sociais parcialmente discursivos. Esperamos, acima de tudo, que este livro represente uma contribuição para pesquisadores(as) de todas as áreas, os quais, diretaou indiretamente, trabalhamou podemviratrabalharcom análises de textos, estes vistos como produções sociais histo- ricamentesituadasque dizem muito arespeitode nossascrenças, práticas, ideologias, atividades, relações interpessoais e identidades. Também queremos acreditar que este livro possa viabilizar o diálogo entre aLingüística e asCiências Sociaisafim de superar, por um lado, pesquisas em Ciências Sociaisque não contemplam análise de textos e, portanto, tendem a ignorar a relevância da linguagem nas práticas sociaiscontemporâneas, e, por outro, pesquisas em Lingüística que desconsideram teorias sociais, ignorando que textos constituem produções sociais.
  • 12. Noções preliminares ATeoria Social do Discurso é uma abordagem deAnálise de Discurso Crítica (ADC), desenvolvida por Norman Fairclough, que se baseia em uma percepção da linguagem como parte irredutível da vida social dialeticamente interconectada a outros elementos sociais (Fairclough, 2003a). Trata-se de unia proposta que, com amplo escopo de aplicação, constitui modelo teórico-metodológico aberto ao tratamento de diversas práticas na vida social, capaz de mapear relações entre os recursos lingüísticos utilizados por atores sociais e grupos de atores sociais e aspectos da rede de práticas em que
  • 13. 12 Análise de discurso crítica a interação discursivaseinsere.Os conceitos centrais da disciplina são os de discurso eprática social. Neste capítulo, discutiremos esses e outros conceitos básicos da teoria, buscaremos localizar a ADC entre os discursos teóricos da lingüística contemporânea e também apontaremos alguns estudos que contribuíram para a constituição da ADCe cujos enfoquesvoltam-se, de certa forma, para a díade discurso e sociedade. Os paradigmas formalista e funcionalista na investigação lingüística As diferenças entre as abordagens formalista e funcionalista decorrem de duas visões distintas acerca da linguagem: zformalista julgaa linguagem um objeto autônomo, enquanto afuncionalista a julga um objeto não suficiente em si. Isso significa que, para os formalistas, as funções externas da linguagem não influenciariam sua organização interna, e a autonomia formal da gramática, nessa perspectiva, não prevê interseções entre os módulos que a compõem (fonología, morfologia, sintaxe e semântica), os quais também seriam autônomos. A perspectiva funcionalistada linguagem, por sua vez, repousa sobre duas proposições contrárias às da formalista: a linguagem tem funções externas ao sistema, que são a parte central dos estudos lingüístico-discursívos, e essas funções externas são responsáveis pela organização interna do sistema lingüístico (Schiffrin, 1994). Tal divergência de prismas entre as abordagens implica os construtos teóricos de duas gramáticas distintas. De um lado, a gramática formalista trata da estrutura sistemática das
  • 14. Noções preliminares lO formas de uma língua; de outro lado, a gramática flmcionalista analisa as relações entre as formas e as funções lingüísticas. Daí ser esse último o modelo mais abrangente, sobretudo porque, enquanto o paradigma formalista perde de vista as funções da linguagem, o funcionalista analisa tais funções via forma, investigando como a forma atua no significado e como as funções influenciam a forma (Neves, 1997). Dessas duas diferentes abordagens acerca da linguagem emergem também duas diferentes definições de discurso. No paradigma formalista, o discurso é definido como a unidade acimadasentença; no funcionalismo, como alinguagem em uso. Adefinição dediscurso como níveldeestruturaacimadasentença contém, segundo Schiffrin (1994), um problema imediato: o discurso não apresenta característicassemelhantes àsdasentença. Além disso, sesentenças não têm existência fora do discurso ese são criadas nodiscurso, parece contraditório definir o discurso como constituído daquilo que elemesmo cria. Para analistas de discurso, somente o conceito funcionalista de discurso é aplicável, uma vez que o foco de interesse não é apenas a interioridade dos sistemas lingüísticos, mas, sobretudo, a investigação de como esses sistemas funcionam na representação de eventos, na construção de relações sociais, na estruturação, reafirmação e contestação de hegemonias no discurso. Está claro, entretanto, que o conhecimento acerca da gramática - uma gramática funcionalista - é indispensável para quesecompreenda como estruturas lingüísticassão usadas como modo de ação sobre o mundo e sobre as pessoas.
  • 15. l 4 Análise dediscurso crítica E preciso reconhecer, então, a necessidade de equilíbrio entre forma e função nos estudos da linguagem. Isso porque é temerário reduzir a linguagem a seu papel de ferramenta social, bem como reduzi-la ao caráter formal, imanente do sistema lingüístico, pois "língua não é forma nem função, e sim atividade significante e constitutiva" (Marcuschi, 2005, p. 3). A busca desse equilíbrio é uma das grandes contribuições da Análise de Discurso Crítica, uma vez que se trata de uma abordagem social e lingüisticamente orientada (Fairclough, 2001a). Nas próximas seções, abordaremos influênciasteóricas que possibilitaram essa orientação social e lingüística da ADC. Linguagem e poder: influências sobre a ADC A ADCé, por princípio, uma abordagem transdisciplínar. Isso significa que não somente aplica outras teorias como também, por meio do rompimento de fronteiras epistemológicas, operacionaliza e transforma tais teorias em favor da abordagem sociodiscursiva. Assim sendo, aADCprovém da operacionalização de diversos estudos, dentre os quais, com base em Fairclough (2001a), destacamos os de Foucault (l 997, 2003)e de Bakhtin (1997,2002), cujas perspectivasvincularam discurso e poder e exerceram forte influência sobre a ADC. Bakhtin (1997, 2002) foi fundador da primeira teoria semiótica de ideologia, da noção de "dialogismo" na linguagem e precursor da crítica ao objetivismo abstrato de Saussure (1981), Em seusensaios filosóficos marxistas sobre a linguagem, sustentou que a "verdadeira substância da língua" não repousa na interioridade dos sistemas lingüísticos, mas no processosocial
  • 16. Noções preliminares l5 da interação zo&z/(Bakhtin, 2002, p.123).1 Seguindopreceitos do Materialismo Histórico, essa filosofia apresenta a enunciação como realidade da linguagem ecomo estrutura socioideológica, de sorte que prioriza não só a atividade da linguagem mas também sua relação indissolúvel com seus usuários. Bakhtin (2002) sustentou que as leis do objetivismo abstrato, orientação do pensamento filosófico-lingüístico da proposta saussuriana,incorrem no equívoco de separar a língua de seu conteúdo ideológico por postularem que as únicas articulaçõesaque ossignoslingüísticossesubmetem ocorreriam, estritamente, entre eles próprios no interior de um sistema fechado. Com vistasàsuperaçãode talequívoco, Bakhtin (2002, p. 94) apresenta o meio social como o centro organizador da atividade lingüística,refutandoaidentidadedo signo como mero sinal e desvencilhado do contexto histórico: O elemento que torna a forma lingüística um signo não é sua identidade como sinal, mas sua mobilidade específica; da mesma forma que aquilo que constitui a decodificação da forma lingüística não é o reconhecimento do sinal, mas a compreensão da palavra em seu sentido particular, isto é, a apreensão da orientação que é conferida à palavra por um contexto e uma situação precisos, uma orientação no sentido da evolução e não do imobilismo. Na filosofia marxista da linguagem, o signo évisto como um fragmento material da realidade, o qual a refrata, representando-a e a constituindo de formas particulares de
  • 17. l Ó Análise de discursocrítica modo a instaurar, sustentar ou superar formas de dominação.2 Ao contrário da filosofia idealista eda psicologia, que localizam aideologia na consciência, oMarxismo alocalizano signo, dado que a própria consciência só pode existir mediante sua materializaçãoem signos criados no processo deinteração social: Desde o começo, pesa urna maldição sobre o "espírito", a de ser "maculado" pela matéria que se apresenta aqui em forma de camadas de ar agitadas, de sons, em resumo, em forma de linguagem. A linguagem [...] é a consciência real, prática, que existe também para os outros homens, que existe, portanto, também primeiro para mim mesmo e, exatamente como a cons- ciência, a linguagem só aparece com a carência, com a necessidade dos intercâmbios com outros homens. [...] A consciência é, portanto, de início, um pro- duto social e o será enquanto existirem homens. (Marx e Engels, 2002, pp. 24-5). De maneira seminal, abordava-se a luta de interesses sociais antagônicos no nível do signo. O potencial móvel e evolutivo do signo, bem como o que fazdele um instrumento de refração da realidade, foi apresentado como causa e efeito de confrontos sociais. De acordo com a tradição marxista de primazia da luta de classes, cada nova classe que toma o lugar daquela que dominava antes dela é obrigada a dar aos seus pensamentos a forma de universalidade e representá-los como sendo os únicos razoáveis e universalmente válidos:3
  • 18. Noções preliminares l 7 A classe dominante tende a conferir ao signo ideológico um caráter intangível e acima das diferenças de classe, a fim de abafar ou ocultar a luta dos índices sociais de valor que aí se trava, a fim de tornar o signo monovalente [...]. Nas condições habituais da vida social, esta contradição oculta em todo signo ideológico não se mostra à descoberta. (Bakhtin, 2002, p. 47). Além daconcepção dalinguagem comomodode interação eprodução social,oenfoquedíscursivo-interacionistade Bakhtin apresenta conceitos que setornariam, mais tarde, basilares para a ADC> a exemplo de gêneros discursivos e de dialogismo. Em Estética da criação verbal (Bakhtin, 1997), o autor sustenta, de forma mais detida do que em Marxismo e filosofia da linguagem, que a diversidade infinita de produções da linguagem na interação social não constitui um todo caótico porque cada esfera de utilização da língua, de acordo com suas funções e condições específicas, elabora gêneros, ou seja, "tipos de enunciados relativamente estáveis" do ponto de vista temático, composicional e estilístico, que refletem a esfera social em que são gerados (Bakhtin, 1997, p. 284). A perspectiva interacional superou o reconhecimento, até então defendido pela Lingüística, de dois parceiros da comunicação: o locutor, ativo, e o ouvinte, passivo. Em oposição a tal percepção estática da interação verbal, Bakhtin apresenta uma visão dialógica e polifônica da linguagem, segundo a qual mesmo os discursos aparentemente não- dialógicos, como textos escritos, sempre sãoparte de uma cadeia
  • 19. l 8 Análise de discursocrítica dialógica, na qual respondem a discursos anteriores eantecipam discursos posteriores de variadas formas. A interação é, antes, uma operação polifônica que retoma vozesanteriorese antecipa vozes posteriores da cadeia de interações verbais, e não uma operação entre asvozesdo locutor e do ouvinte: "cedo ou tarde, o que foi ouvido e compreendido de modo ativo encontrará um eco no discurso ou no comportamento subseqüente do ouvinte" (Bakhtin, 1997, pp. 290-1). Essa noção de várias vozes,que searticulam e debatem na interação, é crucial para a abordagem da linguagem como espaço de lutahegemônica,uma vezque viabilizaaanálisede contradições sociais e lutas pelo poder que levam o sujeito a selecionar determinadas estruturas lingüísticas ou determinadas vozes, por exemplo, earticulá-las dedeterminadas maneiras num conjunto de outras possibilidades. Conforme discutimos na seçãoanterior, o conhecimento da gramática é indispensável para que o(a) analistadediscursocompreenda como estruturaslingüísticas são usadas como modo de ação sobre o mundo e sobre aspessoas. O princípio da linguagem como espaço de luta hegemônica é desenvolvido nos trabalhos de Foucault. Fairclough (2001a, pp. 64-88) vê em Foucault uma das grandes contribuições para a formulação da Teoria Social do Discurso. Para a ADC, importam, dentre as discussões foucaultianas, sobretudo, o aspecto constitutivodo discurso, a interdependência das praticas discursivas, a natureza discursiva do poder, a naturezapolítica do discurso e a natureza discursiva da mudança social. Foucault (2003, p. 10) destaca a face constitutiva do discurso. Concebe alinguagem como uma prática que constitui
  • 20. Noções preliminares l9 o social, os objetos e os sujeitos sociais. Para o filósofo, analisar discursos corresponde a especificar sodohistoricamente as formações discursivas interdependentes, os sistemas de regras que possibilitam a ocorrência de certos enunciados em determinados tempos, lugares e instituições: [...] toda tarefa crítica, pondo em questão as instâncias de controle, deve analisar ao mesmo tempo as regularidades discursivas através das quais elas seformam; e toda descrição genealógica deve levar em conta os limites que interferem nas formações reais. (Foucault, 2003, p. 66). Da idéia de regulação social sobre "o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada em uma conjuntura determinada" (Maingueneau, 1997, p. 22), que traz à tona tanto relações interdiscursivasquanto relações entreo discursivo e o não-discursivo, origina-se o conceito fundamental para a ADC de ordem de discurso', a totalidade de práticas discursivas dentro de uma instituição ou sociedade e o relacionamento entre elas (Fairclough, 1989, p. 29). Em Vigiar epunir (1997), Foucault discute o conjunto das práticas discursivas disciplinadoras de escolas, prisões e hospitais. O autor defende que essas instituições utilizam técnicas de natureza discursiva, as quais dispensam o uso da força, para "adestrar" e "fabricar" indivíduos ajustados às necessidades do poder. Ao sugerir que o poder, nas sociedades modernas, é exercido por meio de práticas discursivas institucionalizadas, Foucault (1997) contribui, por um lado,
  • 21. 20 Análise de discurso crítica para o estabelecimento do vínculo entre discurso e poder e, por outro, para a noção de que mudanças em práticas discursivas, a exemplo do aprimoramento das técnicas de vigilância, são um indicativo de mudança social. Muito embora reconheça os trabalhos de Foucault como grandes contribuições para a ADC, Fairclough (2001a) destaca duas lacunas de que a ADCprecisaria se ocupar trans- disciplinarmente: primeiro, a visão determinista do aspecto constitutivo do discurso, que vê a ação humana unilateralmente constrangida pela estrutura da sociedade disciplinar, e, segundo, a falta de análise empírica de textos. Para atender aospropósitos daTeoria Social do Discurso, cujo foco repousa na variabilidade emudançabem como naluta social travada no discurso, Fairclough (2001a; 2003a) e Chouliarakí e Fairclough (1999) operacionalizam a teoria foucaultiana, entrevárias outras (veja o capítulo "Ciência Social Crítica eAnálise de Discurso Crítica"), afimde aprimorarem a concepção de linguagem como parte irredutível da vida social. A constituição da Analise de Discurso Crítica O termo "Análise de Discurso Crítica" foi cunhado pelo lingüista britânico Norman Fairclough, da Universidade de Lancaster, emum artigo publicadoem 1985noperiódico/0«mz/ ofPragmatics. Em termos defiliaçãodisciplinar, pode-se afirmar que aADCconfere continuidade aos estudos convencionalmente referidos como LingüísticaCrítica, desenvolvidos na década de 1970, na Universidade de East Anglia, ampliando em escopoe em produtividade os estudos a que se filia (Magalhães, 2005). É
  • 22. Noções preliminares 21 importante salientar,então, que aAnálise de Discurso Crítica e aAnálisedeDiscurso Francesahistoricamentepertencem aramos distintos do estudo da linguagem. A ADC seconsolidou como disciplina no início da década de 1990, quando se reuniram, em um simpósio realizado em janeiro de 1991, em Amsterdã, Teun van Dijk, Norman Fairclough, Gunter Kress, Theo van Leeuwen e Ruth Wodak (Wodak, 2003, p. 21). A despeito de existirem diferentes abordagens de análises críticas da linguagem, o expoente da ADC é reconhecido em Norman Fairclough, a ponto de se ter convencionado chamar sua proposta teórico-metodológica, a Teoria Social do Discurso, de ADC —convenção que mantemos aqui, mas com o cuidado de ressaltar que ps estudos emADC não se limitam ao trabalho de Fairclough. Segundo Izabel Magalhães, da Universidade de Brasília — primeira pesquisadora brasileira a desenvolver trabalho tendo como referencial teórico-metodológico a ADC —, as principais contribuições deFaircloughparaosestudos críticosdalinguagem foram "acriação de um método para o estudo do discurso eseu esforço extraordinário para explicar por que cientistas sociais e estudiosos da mídia precisam dos(as) lingüistas" (Magalhães, 2005, p. 3). Podemos acrescentar a essa lista a relevância que o trabalho de Fairclough assumiu na consolidação do papel do(a) lingüista crítico(a) na crítica social contemporânea. A abordagem faircloughiana de ADCcomeçou a se constituir como uma ciência crítica sobre a linguagem já em 1989, com o livro La.ngua.ge and Power. Em poucas palavras, pode-se afirmar que sua obra, desde o início, visava a contribuir
  • 23. 22 Análise de discursocrítica tanto para a conscientização sobre os efeitos sociais de textos como para mudanças sociais que superassem relações assimétricas de poder, parcialmente sustentadas pelo discurso: A ideologia é mais efetiva quando sua ação é menos visível. Se alguém se torna consciente de que um determinado aspecto do senso comum sustenta desigualdades de poder em detrimento de si próprio, aquele aspecto deixa de ser senso comum e pode perder a potencialidade de sustentar desigualdades de poder, isto é, de funcionar ideologicamente. (1989, p. 85).4 Essa idéia encontra inspiração na visão de Bakhtin, discutida neste capítulo na seção "Linguagem e poder: influências sobre a ADC", de que "nas condições habituais da vida social, esta contradição oculta [aluta pelo poder] em todo signo ideológico não se mostra à descoberta" (Bakhtin, 2002, p. 47, grifo nosso), podendo se tornar senso comum e servir à instauração, sustentação ou transformação de relações assimétricas de poder. Então, a desconstrução ideológica de textos que integram práticas sociais pode intervir de algum modo na sociedade, a fim de desvelar relações de dominação. Fairclough (2001a, p. 28) explica que a abordagem "crítica" implica, por um lado, mostrar conexões e causas que estão ocultas e, por outto, intervir socialmente para produzir mudanças que favoreçam àqueles(as) que possam se enconttat em situação de desvantagem. Assim sendo, Fairclough (2001a, p. 89) propõe a operacionalização de teorias sociais na análise de discurso
  • 24. Noções preliminares 23 lingüisticamente orientada, a fim de compor um quadro teórico-metodológico adequado à perspectiva crítica de linguagem como prática social. Para alcançar tal objetivo, a ADC assenta-se, primeiro, em uma visão científica de crítica social, segundo, no campo da pesquisa social crítica sobre a modernidade tardia e, terceiro, na teoria e na análise lingüística e semiótica. A visão científica de crítica social justifica-se pelo fato de a ADCser motivada pelo objetivo de prover base científica para um questionamento crítico da vida social em termos políticos e morais, ou seja, em termos de justiça social e de poder (Fairclough,2003a, p. 15). O enquadramento no campo da pesquisa social crítica sobre a modernidade tardia é resultado do amplo escopo de aplicação da ADCem pesquisas que, diretamente ou não, contemplam investigações sobre discurso em práticas sociais da modernidade tardia, período em que a linguagem ocupa o centro do modo de produção do capitalismo.5 A teoria e a análise lingüística e semiótica, por sua vez, auxiliam a prática interpretativa e explanatória tanto a respeito de constrangimentos sociais sobre o texto como de efeitos sociais desencadeados por sentidos de textos. A reflexão sobre relações dialéticas entre discurso e sociedade é localizada no contexto da modernidade tardia ou do novo capitalismo. Em Discourse in Late Modernity,, Chouliaraki e Fairclough operacionalizam conceitos de teorias sociais críticas sobre práticas sociais características dessa fase da modernidade, com vistas ao fortalecimento da ADCcomo
  • 25. 24 Análise de discurso crítica base científica para investigações da vida social que almejam contribuir para a superação de relações de dominação. No próximo capítulo, nos dedicamos à recontextualização de conceitos da Ciência Social Crítica na ADC. Notas 1 Eagieton (1997, p. 172) reconhece no autor de Marxismo e.filosofiada linguagem (2002} o pai da análise do discurso, "ciência que acompanha o jogo social do poder no âmbito da próprialinguagem". 2 Noção que pode ser claramente encontrada na concepção da ADCde discurso como representação: "A representação é uma questão claramente discursivae é possível distinguir diferentesdiscursos, que podem representar a mesma área do mundo de diferentes perspectivas ou posições." (Fairclough, 2003a, p. 25). ! O conceito de ideologia adotado pela ADC: "Ideologias são construções de praticas a partir de perspectivas particulares que suprimem contradições, antagonismos, dilemas em direção a seus interesses e projetos de dominação." (Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 26). 4 Todas as traduções de originaiscitados neste livro são de nossa autoria. "' Harvey (1992, pp. 135-87} explica que a crise do capitalismo em i 973-75 exigiu que seusseguidores reestruturassem o modo de produção: a rigidez do fordismo e sua linha de montagem foram substituídas pelo novo modelo de produção baseado na flexibilidade e em redes, propiciadas pela dissolução de fronteirasespaço-temporais. A produção de bens de consumo materiais e duráveisfoi substituída pela produção Acserviços—pessoais, comerciais, educacionais e de saúde, como também de diversão, de espetáculos, eventos, conhecimento,comunicação etc, —,que, ao contráriode geladeiras ou carros, cem vida útil menor eaceleram o consumo e o lucrodo investimento.Fairclough (2003b, p. 188) explica que o discurso tem uma considerável importância nessa reestruturação do capitalismo e em sua reorganização em novaescala,uma vezque aeconomiabaseada em informação econhecimento implica uma economia baseada no discurso: o conhecimento é produzido,circulae é consumido em forma de discursos.
  • 26. Ciência Social Crítica e Análise de Discurso Crítica Neste capítulo discutimos desdobramentos da ADC que resultaram no aprimoramento do enfoque de discurso como parte de práticas sociais. Primeiramente, apresentando o enquadre teórico-metodoiógico de Fairclough (2001a), discutimos a concepção de discurso como modo de ação historicamente situado. Essa concepção implica considerar que, por um lado, estruturas organizam a produção discursiva nas sociedades e que, por outro, cada enunciado novo é uma ação individual sobre tais estruturas,que pode tanto contribuir para
  • 27. 26 Análise de discurso crítico a continuidade quanto para a transformação de formas recorrentes de ação. Em seguida, no início da abordagem de novasperspectivas desenvolvidas no enquadre teórico-metodológico de Choulíaraki e Fairclough (1999) e Fairclough (2003a), procuramos apresentar características da modernidade tardia, uma vez que, seguindo aspectos de teorias sociais, os autores localizam a discussão sobre discurso nessa fase de desenvolvimento da modernidade. Na terceira parte, discutimos avisãocríticaexplanatória de discurso como um elemento da vida social interconectado dialeticamente a outros elementose suas implicações teórico- metodológicas; nas duas últimas seções, levantamos questões sobre discurso, ideologia elutashegemônicas.Não só apresentamos alguns modos pelos quais representações particulares deaspectos do mundo podem favorecer projetosdedominação, mastambém contemplamos aspectos do conceito gramisciano de hegemonia, os quais apontam para a possibilidade de subverter,viadiscurso, relações de poder assimétricas. Discurso como prático social Entender o uso da linguagem como prática social implica compreendê-lo como um modo de ação historicamente situado, que tanto é constituído socialmente como também é constitutivo de identidades sociais, relações sociais esistemas de conhecimento e crença. Nisso consiste a dialética entre discurso e sociedade: o discurso é moldado pela estrutura social,
  • 28. Ciência social crítica 27 mas é também constitutivo da estrutura social. Não há, portanto, uma relação externa entre linguagem e sociedade, mas uma relação interna e dialética (Fairclough, 1989): Ao usar o termo "discurso", proponho considerar o usodalinguagem como formadepráticasocialenão como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis institucionais. Isso tem várias implicações. Primeiro, implica sero discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação. [...] Segundo, implica uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social, existindo mais geralmente tal relação entre a prática social e a estrutura social: a última é tanto uma condição como um efeito da primeira. (Fairclough, 2001a, p. 91). Para construir esse conceito de discurso com vistas à exterioridadelingüística, massem petderanecessáriaorientação para o sistema lingüístico e a dialética entre linguagem e sociedade, Fairclough refuta, naturalmente, o conceito saussutiano deparole, que vê a fala como atividade individual e que,portanto, jamaisseprestariaaumaTeoriaSocialdo Discurso. O autot refuta igualmente a concepção socio-lingüística que, embora descreva o uso da linguagem como sendo moldado socialmente, prevêvariação unilateral dalíngua segundofatores sociais, descartando a contribuição do discurso para a constituição, a reprodução e a mudança de estruturassociais. Nesse sentido, a inovação da ADC para a análisede discurso é um
  • 29. 28 Análise de discurso crítica foco também nas mudanças discursiva esocial, e não apenas nos mecanismos de reprodução (Magalhães, 2001). Assim, Fairclough define discurso como forma de prática social, modo de ação sobre o mundo e a sociedade, um elemento da vida social interconectado a outros elementos. Mas o termo "discurso" apresenta uma ambigüidade: também pode serusado em um sentido mais concreto, como um substantivo contável, em referência a "discursos particulares" - como, por exemplo, o discurso religioso, o discurso midiático, o discurso neoliberal. ATeoria Social do Discurso trabalha com um modelo que considera três dimensões passíveis de serem analisadas (Fairclough, 2001 a), ainda que essas três dimensões possam estar dispersas na análise (Chouliaraki e Fairclough, 1999). Kprática socialé descrita como uma dimensão do evento discursivo, assim como o texto. Essas duas dimensões são mediadas pàa. prática discursiva, que focaliza osprocessos sociocognitrvos de produção, distribuição e consumo do texto, processos sociaisrelacionados a ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares. Anatureza dapráticadiscursivaévariávelentre osdiferentes tipos de discurso, deacordo com fatores sociais envolvidos. O modelo (Fairclough,2001 a,p. 101) érepresentado pelaFigura l, aseguir: TEXTO PRATICA DISCURSIVA PRÁTICA SOCIAL Figura l- Concepção tridimensional dodiscursoemFairclough.
  • 30. Ciência social crítica 29 O que Fairclough (2001a) propõe em Discurso e mudança social c um modelo tridimensional de Análise de Discurso, que compreende a análise da prática discursiva, do texto e da prática social. A separação dessas três dimensões, no modelo proposto por Fairclough em 1989 e aprimorado em 1992 (tradução de 2001a), é analítica: serve ao propósito específico de organização da análise. As categorias analíticas propostas em Discurso e mudança social para cada uma das dimensões da Análise de Discurso podem ser agrupadas conforme propõe o Quadro l: TEXTO vocabulário gramática coesão estrutura textual PRATICA DISCURSIVA PRATICA SOCIAL IntertextuaHdüdc Quadro l - Categorias analíticas propostas no modelo tridimensional, Em um enquadre mais recentemente apresentado, Chouliaraki e Fairclough (1999) mantêm as três dimensões do discurso, contudo de maneira mais pulverizada na análise e com um fortalecimento da análise da prática social, que passou a ser mais privilegiada nesse modelo posterior. Observa-se que houve, entre os modelos, um movimento do discurso para a prática social, ou seja, a centralidade do discurso como foco dominante da análise passou a ser questionada, e o discurso passou a ser visto como um momento das práticas sociais.
  • 31. 30 Análise de discurso crítica As implicações desse movimento dêscentralizador nas análises empíricas são importantes, especialmente no que concerne ao foco na dialética e ao caráter emancipatório da prática teórica em ADC(Resende e Ramalho, 2004). Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 143) explicam que, embora um foco central na linguagem e no semiótico seja uma inclinação normal em lingüística, essa seria uma centralização problemática para uma teoria que visa a ser dialética, daí a importância de se enquadrar a Análise de Discurso na análise de práticas sociais concebidas em sua articulação. Antes de passarmos à discussão do enquadre de Chouliaraki e Fairclough (1999) para a análise de discurso, entretanto, precisamos retomar algumas reflexões recontextualizadas da Ciência Social Crítica, fundamentaispara a compreensão do modelo. Discurso na modernidade tardia Reflexões em ADCsobre características da modernidade tardia são alimentadas por teorizações giddeanas. Segundo Giddens (1991, 2002), modernidade tardia é a presente fase de desenvolvimento das instituições modernas, marcada pela radicalização dos traços básicos da modernidade:' separação de tempo e espaço, mecanismos de desencaixe e reflexividade institucional. Em vários aspectos, as instituições modernas apresentam certas descontinuidades em relação a culturas e modos de vida pré-modernos em decorrência de seu dinamismo, do grau de intetferência nos hábitos e costumes tradicionais2 e de seu impacto global (Giddens, 2002, p. 22).
  • 32. Ciência social crítica 31 A reflexividade institucional, característica da modernidade tardia (ou modernização reflexiva, conforme Giddens; Beck; Lash, 1997), é conceituada por Giddens (2002, p. 25) como "a terceira maior influência sobre o dinamismo das instituições modernas", ao lado da separação espaço-tempo e dos mecanismos de desencaixe e deles derivada. A separação de tempo e espaço é "a condição para a articulação das relações sociais ao longo de amplos intervalos de espaço-tempo, incluindo sistemas globais", no sentido de que as sociedades modernas dependem de modos de interação em que aspessoas estão separadas temporal e espacialmente (Giddens, 2002, p. 26). A separação espaço-tempo é crucial para o desen- volvimento de mecanismos de desencaixe, pois este refere-se ao "deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensõesindefinidas de tempo-espaço" (Giddens, 1991, p. 29). A reflexividade da vida social moderna, por sua vez, refere- se à revisão intensa, por parte dos atores sociais, da maioria dos aspectos da atividade social, à luz de novos conhecimentos gerados pelos sistemasespecialistas. Devido à relação entre esses conhecimentos e o monitoramento reflexivo da ação, Chouliaraki e Fairclough (1999) sugerem que a reflexividade inerente à ação humana foi "externalizada" na modernidade, ou seja, as informaçõesde que os atores sociais se valem para a reflexividade vêm "de fora". Uma boa parte desse conhecimento é veiculada na mídia, e uma das característicasda mídia, segundo Thompson (1998), é a disponibilidade das formas simbólicasno tempo e
  • 33. 32 Análise de discursocrítica no espaço. Isso significa também que as formas simbólicas veiculadas na mídia são desencaixadas de seus contextos originais e recontextualizadas em diversos outros contextos, para aí serem decodificadas por uma pluralidade de atores sociais que têm acesso a esses bens simbólicos. Thompson (1998, p. 45) esclarece também que "ao interpretar as formas simbólicas, os indivíduos as incorporam na própria com- preensão que têm de si mesmos e dos outros, as usam como veículos para reflexão e auto-reílexão". Embora a difusão dos produtos da mídia seja globalizada na modernidade, a apropriação desses materiais simbólicos é localizada, ou seja, ocorre em contextos específicos e por indivíduos especificamente localizados em contextos sociohistóricos. Nesse sentido, Thompson (1998, p. 158) chama atenção para as tensões e conflitosprovenientes da apropriação localizada dos produtos da mídia na construção reflexiva de identidades: "com o desenvolvimento da mídia, indivíduos têm acesso a novos tipos de materiais simbólicos que podem ser incorporados reflexivamente no projeto de autoformaçao". E com base no conceito de reflexividade que Giddens vê as identidades como uma construção reflexiva, em que as pessoas operam escolhas de estilos de vida, ao contrário das sociedades tradicionais, em que as possibilidades de escolha são pré-determinadas pela tradição. O problema imediato da teoria de Giddens é que eleseconcentra nos aspectos "positivos" da nova ordem. Nesse sentido, Giddens privilegia as "oportunidades" geradas pela globalização, ainda que essas
  • 34. Ciência social crítica 33 oportunidades sejam para uma minoria, em detrimento de uma maioria para quem apenas restam os "riscos".3 Está claro que a reflexividade é indiscutível em certos domínios da experiência e para determinadas parcelas da população mundial, mas será possível afirmar que pessoas como, por exemplo, os chamados "moradores de rua", que precisam diariamentesepreocupar com a própriasobrevivência, podem ocupar-se da escolha auto-reflexivade estilos de vida? Que estilos de vida têm disponíveis para escolha pessoas que vivem à margem dos "bens" produzidos pela modernidade? Sem dúvida, para esses atores, a modernidade adquire contornos distintos (Resende, 2005a). Sobre a contradição acerca do conceito de reflexividade, Lash (1997, p. 146) pontua: Por que, poderíamos perguntar, encontramos a reflexividade em algunslocaisenão em outros?Por que em alguns setores econômicos e não em outros? Há certamente um aumento maciço no número de produtores reflexivos de sofhvares, na produção de computadores e de semicondutores, nos serviços empresariais, na construção de máquinas. Mas, equanto àcriação pós-fordista de milhões de subempregos, de empregos fabris de nível inferior; e quanto à criação sistemática de grandes exércitos de desempregados, especial- mente entre osjovensdo sexomasculino?Equanto a todas essas posições do novo mercado de mão- de-obra, que foi rebaixado a uma posição inferior àquela da classe trabalhadora clássica (fordísta)? Há, de fato, ao lado dos "vencedores da refle-
  • 35. 34 Análise de discursocritica xividade", batalhões inteiros de "perdedores da reflexividade" das sociedades atuaisde classescada vez mais polarizadas, embora com informação e consciência de classe cada vez menores? Além disso, fora da escala da produção imediata, como é possíveluma mãesolteira, que viveem um gueto urbano, ser "reflexiva"? Desse modo, o conceito de reflexividade refere-se à possibilidade de os sujeitos construírem ativamente suas auto- identidades, em construções reflexivasde sua atividade na vida social. Por outro lado, identidades sociais são construídas por meio de classificações mantidas pelo discurso. E, assim como são construídas discursivamente, identidades também podem ser contestadas no discurso. A orientação para a possibilidade de mudança social, ausente em Foucault, encontra apoio na epistemologia do Realismo Crítico, cujo expoente é reconhecido no filósofo contemporâneo Bhaskat (1989) e em conceitos como dualidade da estrutura (Giddens, 1989), prática social (inspirado na filosofia marxista dá práxis), internalização (Harvey, 1996), articulação (Laclau e Mouffe, 2004) e hegemonia(Gramsci, 1988, 1995). O Realismo Crítico considera a vida (social e natural) um sistema aberto, constituído por várias dimensões —física, química, biológica, psicológica, econômica, social, semiótica —, que têm suas próprias estruturasdistintivas, seus mecanismos particulares e poder gerativo (Chouliaraki e Fairclough, 1999). Na produção da vida, social ou natural, a operação de qualquer
  • 36. Ciência social crítica 35 mecanismo é mediada pelos outros, de tal forma que nunca se excluem ou se reduzem um ao outro. De acordo com Bhaskar (1989, p. 12), a realidade é estratificada, logo, a atividade científica deve estar comprometida em revelar esses níveis mais profundos, suas entidades, estruturas e mecanismos (visíveis ou invisíveis) que existem e operam no mundo. Com base nesse preceito epistemológico, a ADC considera a organização da vidasocial em torno de práticas, açõeshabituaisda sociedade institucionalizada, traduzidas em ações materiais, em modos habituais de ação historicamente situados. O conceito de práticas sociais é trazido do materialismo histórico-geográfico deHarvey (1996).Paraesseautor,o discurso é um momento de práticas sociais dentre outros — relações sociais, poder, práticas materiais, crenças/valores/desejos e instituições/rituais - que, assim como os demais momentos, internaliza os outros sem ser redutível a nenhum deles. Práticas são, então, "maneiras habituais, em tempos e espaços particulares, pelas quais pessoas aplicam recursos - materiais ou simbólicos - para agirem juntas no mundo" (Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 21). As práticas, assim compreendidas, são constituídas na vida social, nos domínios daeconomia,dapolítica edacultura,incluindoavidacotidiana. Discurso como um momento de práticas sociais No enquadre deADCde Chouliarakie Fairclough (1999), o objetivo é refletir sobre a mudança social contemporânea,
  • 37. 30 Analise de discurso crítica sobre mudanças globais de larga escala e sobre a possibilidade de práticas emancipatórias em estruturas cristalizadas na vida social. De acordo com esseenquadre, toda análise em ADC parte da percepção deumproblema que, em geral, baseia-se emrelações de poder, na distribuição assimétrica de recursos materiais e simbólicos em práticas sociais, na naturalização de discursos particulares como sendo universais, dado o caráter crítico da teoria. O segundo passo sugerido dentro desse método é a identificação de obstáculospara que oproblema seja. superado, ou seja, identificação de elementos da prática social que sustentam oproblema verificado eque constituem obstáculopara mudança estrutural. Há três tipos de análise que atuam juntos nesta etapa: (1) a análise da conjuntura, da configuração de práticas das quais o discurso em análise é parte, das práticas sociais associadas ao problema ou das quais ele decorre, (2) a análise da práticaparticular, com ênfase para os momentos da prática em foco no discurso, para as relações entre o discurso e os outros momentos, e (3) a análise do discurso, orientada para a estrutura (relação da instânciadiscursivaanalisada com ordens de discurso e sua recorrência agêneros, vozes ediscursos de ordens de discurso articuladas) e para a interação (análise lingüística de recursos utilizados no texto e sua relação com a prática social). O terceiro passo é a função do problema na prática, O foco nessa etapa da análise é verificar se há uma função particular para o aspecto problemático do discurso, ou seja, para além da descrição dos conflitos de poder em que ainstância discursiva se envolve, deve-se também avaliar sua função nas práticas discursiva e social, A etapa seguinte são os possíveis
  • 38. Ciência social crítica 37 modos de ultrapassar os obstáculos, cujo objetivo é explorar as possibilidades de mudança e superação dos problemas identificados, por meio das contradições das conjunturas.Por fim, toda pesquisa em ADC; deve conter uma reflexão sobre a análise, ísto é, toda pesquisa crítica deve ser reflexiva. O enquadre (Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 60) érepresentado pelo quadro abaixo: ETAPAS DO ENQUADRE PARA ADC DE CHOULIARAKI E FAI1ÍCLOUGH (1999) l) Um problema(aiividadc, re fiexividade) (LI) análise da conjuntura (i) práticas relevantes 4 ] Possíveis maneiras de superar os obstáculos Quadro 2 - O enquadre para ADCde Chouliaraki e Fairclough. Esse enquadre para a ADCé mais complexo que a abordagem anterior e tem acarretado uma ampliaçãodo caráter emancipatório da disciplina.Primeiro,porque possibilita maior abertura nas análises; segundo, porque incita, mais que o modelo tridimensional, o interesse na análise de práticas problemáticas decorrentes de relações exploratórias; e, terceiro,
  • 39. 38 Análise de discurso crítica porque capta a articulação entre discurso e outros elementos sociais na formação de práticas sociais. Segundo a operacionalização da ADC do Realismo Crítico, os momentos constituintes de uma prática social são discurso (ou semiose), atividade material, relações sociais (relações de poder e luta hegemônica pelo estabelecimento, manutenção e transformação dessas relações) e fenômeno mental (crenças, valores e desejos —ideologia). Sobre os momentos de uma prática particular e a articulação entre eles, Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 21) pontuam: Uma prática particular traz consigo diferentes elementos da vida - tipos particulares de atividade, ligadas de maneiras particulares a condições materiais, temporais e espaciais específicas; pessoasparticulares com experiências, conhecimentos e disposições particulares em relações sociais particulares; fontes semióticas particulares e maneiras de uso da linguagem particulares; e assim por diante. Uma vez que esses diversos elementos da vida são trazidos juntos em uma prática específica, nós podemos chamá-los "momentos da prática" e ver cada momento como "internalizando" os outros sem ser redutível a eles. Nessa perspectiva, o discurso é visto como um momento da prática social ao lado de outros momentos igualmente importantes —e que, portanto, também devem ser privi- legiados na análise, pois o discurso é tanto um elemento da
  • 40. Ciência social crítica 39 prática social que constitui outros elementos sociais como também é influenciadopor eles, em uma relação dialética de articulação e internalização. Por isso, através da análise de amostras discursivas historicamente situadas, pode-se perceber a internalização de outros momentos da prática no discurso, ou seja, a interiorização de momentos como, por exemplo, relações sociais e ideologias no discurso. A proposta pode ser resumida na Figura 2. Atividade Material Discurso , „ ,,. ,., . , v Relações e Semiose ^ PraÜCa S °Clal * Sociais Fenômeno Mental Figura 2- Momentos da prática social.4 De acordo com essa abordagem, uma prática particular envolve configurações de diferentes elementos da vida social chamados de momentos da prática. Os momentos de uma prática são articulados, ou seja, estabelecem relações mais ou menos permanentes como momentos da prática, podendo ser transformados quando há recombinação entre os elementos. O conceito de articulação pode ser estendido para cada um dos momentos de uma prática, pois também eles sãoformados de elementosem relação de articulação interna. Por exemplo, o momento discursivo de uma prática é formado pela articulação de elementos como gêneros, discursos e estilos(ver capítulo "Lingüística Sistêmica Funcional eAnálisede Discurso
  • 41. 40 Análise de discursocrítica Crítica"). A Figura 3 a seguir ilustra a articulação interna de cada momento da prática social. Figura 3- Articulação na estrutura interna de cada momento da prática social.6 Assim, o momento discursivo de uma práticaparticular é o resultado da articulação de recursos simbólicos/discursivos (como gêneros, discursos, estilos), articulados com relativa permanência como momentos do Momento do discurso. Esses recursos sãotransformados no processo de articulação - e, desse modo, a articulação é fonte de criatividade discursiva. A mudança discursiva se dá pela reconfiguração ou pela mutação dos elementos que atuam na articulação, pela "redefinição de limites entre os elementos" (Fairclough, 2001a, p. 97). A luta articulatória assim definida é uma faceta discursiva da luta hegemônica. A ação social é vista como constrangida pelas permanências relativas de práticas sociais —sustenta-as ou as transforma, dependendo das circunstâncias sociais e da articulação entre práticas e momentos de práticas. A articulação entre os momentos da prática assegura que a hegemonia é um estado de relativa permanência de articulações dos elementos sociais.
  • 42. Ciência social crítica 41 Aspectos da Teoria da Estruturação de Giddens (1989) prestam-se à discussão sobre o papel de agentes sociais, e seus discursos, na manutenção e transformação da sociedade. Segundo essa teoria, a constituição da sociedade se dá de maneira bidirecional, ou seja, há uma dualidade da estrutura social que a torna o meio e o resultado de práticas sociais. Ações localizadas são responsáveis pela produção e reprodução ou transformação da organização social. Por isso, mantém-se a possibilidade tanto de intervir em maneiras cristalizadas de ação e interação quanto de reproduzi-las. O caráter relativo das permanências no que se refere a práticas sociais pode ser entendido no contraste entre conjunturas, estruturas e eventos. Conjunturas são "conjuntos relativamente estáveisde pessoas,materiais,tecnologiasepráticas - em seuaspecto depermanência relativa- emtorno deprojetos sociais específicos";estruturas são "condições históricas da vida social que podem ser modificadas por ela, mas lentamente" e eventos são "acontecimentos imediatos individuais ou ocasiões da vida social" (Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 22). Segundo a autora e o autor, a vantagem de se focalizaras práticassociaiséapossibilidadedesepercebernão apenas o efeito deeventosindividuais, masdesériesde eventos conjunturalmente relacionados na sustentação e na transformação de estruturas, uma vez que a prática social é entendida como um ponto de conexão entre estruturas e eventos. Estruturas sociais são entidades abstratas que definem um potencial, um conjunto de possibilidades para arealização deeventos. Masarelação entre o que é estruturalmente possível e o que acontece de fato não é simples, pois os eventos não são efeitos diretos de estruturas: a
  • 43. 42 Análise de discurso crítica relação entre eles é mediada por "entidades organizacionais intermediárias", as práticas sociais (Fairclough, 2003a, p. 23). Assim, pode-se dizer que estruturas, práticas e eventos estão em um continuum de abstração/concretude. O enquadre analítico de Chouliaraki e Fairclough, baseado na crítica explanatória de Bhaskar (1989), parte da percepção de um problema e da análise de sua conjuntura, o que evidencia a importância da abordagem das práticas nesse enquadramento paraADC. Em análises amplas que consideram conjunturas e estruturas observa-se a constituição de redes de práticas interligadas. Em outras palavras, se o jogo de articulação entre os momentos de práticas sociais pode ser minimizado para se aplicar à articulação interna de cada momento de uma prática, também pode ser ampliado parase aplicar à articulação externa, aquela que se estabelece entre práticas na formação de redes de práticas relativamente permanentes. Práticas são articuladas para constituir redes das quais se tornam momentos, como ilustra a Figura 4, a seguir. Figura 4- Articulação entre práticas formando rede de práticas.4
  • 44. Ciência social crítica 43 A abordagem de redes é importante em ADCpor dois motivos: aspráticas assim compreendidas sãodeterminadas umas pelas outras e cada uma pode articular outras gerando diversos efeitos sociais. As redes são sustentadas por relações sociais de poder, estando as articulações entre práticas ligadas a lutas hegemônicas. Desse modo, permanências de articulações são compreendidas como efeito de poder sobre redes de práticas, enquanto tensõespela transformaçãodessasarticulaçõessão vistas como lutas hegemônicas. Dado o caráter inerentemente aberto das práticas sociais,toda hegemonia é um equilíbrioinstável, e a ADC, no seu papel de teoria crítica, trabalha nas brechas ou aberturas existentes em toda relação de dominação. Discurso e luta hegemônica Ao retomar o conceito de Gramsci, Fairclough (1997, 2001a) caracteriza "hegemonia" como domínio exercido pelo poder de um grupo sobre os demais, baseado mais no consenso que no uso da força. A dominação, entretanto, sempre está em equilíbrio instável, daí a noção de luta hegemônica como foco de luta sobre pontos de instabilidade em relações hegemônicas. Na concepção de Gramsci (1988,1995), o poder de uma das classes em aliançacom outras forças sociais sobre a sociedade como um todo nunca é atingido senão parcial e temporariamente na luta hegemônica. O conceito de luta hegemônica, assim compreendido, está em harmonia com a dialética do discurso (Fairclough, 2001a). Fairclough (1997) defineduas relações que seestabelecem entre discurso e hegemonia. Em primeiro lugar, a hegemonia e
  • 45. 44 Análise de discurso crítica a luta hegemônica assumem a forma da prática discursiva em interações verbaisapartir dadialética entre discurso esociedade - hegemonias são produzidas, reproduzidas, contestadas e transformadas no discurso. Emsegundo lugar, opróprio discurso apresenta-se como uma esfera da hegemonia, sendo que a hegemonia de um grupo é dependente, em parte, de sua capacidade de gerarpráticas discursivaseordens dediscurso que a sustentem. Nas palavras de Fairclough (1997, p. 80): O conceito de hegemonia implica o desen- volvimento - em vários domínios da sociedade civil (como o trabalho, a educação, as atividades de lazer) —de práticas que naturalizam relações e ideologias específicas e que são, na sua maioria, práticas discursivas. A um conjunto específico de convenções discursivas [...] estão, impli- citamente, associadas determinadas ideologias — crenças e conhecimentos específicos, posições específicas para cada tipo de sujeito social que participa nessa prática e relações específicas entre categorias de participantes. Uma vez que a hegemonia é vista em termos da permanência relativa de articulações entre elementos sociais, existe uma possibilidade intrínseca de desarticulação e rearticulação desses elementos. Essa possibilidaderelaciona-se à agência humana. Para Chouliarakí e Fairclough (1999), a ação representa um artifício potencial para a superação de relações assimétricas, desde que esse elemento ativo seja subsidiado por uma reflexividade crítica.
  • 46. Ciência social crítica 45 Reflexividade é um outro conceito caro para a ADC, pois reflexivídade sugere que toda prática tem um elemento discursivo, não apenas porque envolve, em grau variado, o uso da linguagem mas também porque construções discursivas sobre práticas são também parte dessas práticas. Segundo Giddens (1991, 2002), a experiência mediada tornou a vida cotidiana mais influenciada pela informação e conhecimento e, nesse cenário, a construção de auto- identidades passou a se sujeitar de forma ampliada a revisões da reflexividade institucional: "Os indivíduos em cenários pré- modernos, em princípio e na prática, poderiam ignorar os pronunciamentos de sacerdotes, sábios e feiticeiros, prosseguindo com as rotinas da atividade cotidiana. Mas este não é o caso no mundo moderno, no que toca ao conhecimento perito" (Giddens, 1991, p. 88, grifo nosso).7 Dessa forma, práticas podem depender dessas autoconstruções reflexivas, cada vez mais influenciadas por informações circundantes, parasustentarrelaçõesde dominação. Os sentidos a serviço da dominação podem estar presentesnas formas simbólicas próprias da atividade social particular ou podem se fazer presentes nas autoconstruções reflexivas, caso a ideologia seja internalizada e naturalizada pelas pessoas. No entanto, a busca pela auto-identidade, que deve ser criada e sustentada rotineiramentenasatividadesreflexivas do indivíduo, também pode sinalizar possibilidade de mudança social. São os indivíduos, inseridos em práticas discursivas e sociais, que corroboram para a manutenção ou transformação de estruturas sociais —uma visão dialética da relação entre
  • 47. 40 Análise de discurso crítica estrutura eação. No evento discursivo, normas são modificadas, questionadas ou confirmadas - em ações transformadoras ou reprodutivas. Textos como elementos de eventos sociais têm efeitos causais - acarretam mudanças emnosso conhecimento, em nossas crenças, atitudes, valores e assim por diante (Fairclough, 2003a). Essas mudanças não estão, contudo, em uma relação unilateral, visto que a dialética estrutura/ação também atua, em sua faceta discursiva, na relação texto/agente (Chouliaraki e Fairclough, 1999). Agentes sociais são socialmente constrangidos, mas suas ações não são totalmente determinadas: agentes também têm seus próprios "poderes causais" que não são redutíveis aospoderes causais de estruturas e práticas sociais (Fairclough, 2003a). Isso significa que, embora haja constrangimentos sociais definidos pelos poderes causais de estruturas e práticas sociais, os agentes sociais são dotados de relativa liberdade para estabelecer relações inovadoras na (inter)ação, exercendo sua criatividade e modificando práticas estabelecidas. Desse modo, a importância do discurso na vida social transita entre a regulação e a transformação. De um ponto devista discursivo, a luta hegemônica pode ser vista como disputa pela sustentação de um stafus universal para determinadas representações particulares do mundo material, mental e social (Fairclough, 2003a). Uma vez que o poder depende da conquista do consenso e não apenas de recursos para o uso da força, a ideologia tem importância na sustentação de relações de poder. Segundo Eagleton (1997, pp. 105-6), há distintas maneiras de se instaurar e manter a hegemonia. A ideologia é uma maneira de assegurar o
  • 48. Ciência social crítica 47 consentimento por rneio de lutas de poder levadas a cabo no nível do momento discursivo de práticas sociais. O conceito de hegemonia, então, enfatiza a importância daideologia no estabelecimentoenamanutenção da dominação, pois, se hegemonias são relações de dominação baseadas mais noconsenso quenacoerção, anaturalizaçãodepráticaserelações sociais é fundamental para a permanência de articulações baseadas no poder (Chouliaraki e Fairclough, 1999). Para Fairclough (1997), as convenções do discurso podem encerrar ideologias naturalizadas, que as transformam num mecanismo eficaz de preservação de hegemonias. Uma vezque asideologias têm existência material nas práticas discursivas, a investigação dessas práticas é também a investigação de formas materiais de ideologia (Fairclough, 2001a). Discurso e ideologia A ADCcuida tanto do funcionamento do discurso na transformação criativa de ideologias quanto do funcio- namento que assegura sua reprodução. Com vistas para essa dupla orientação, Fairclough (2001a, p. 117) assim define as ideologias: As ideologias são significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais) que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou a transformaçãodas relações de dominação.
  • 49. 48 Anólise de discursocrítica Nesse sentido, determinados discursos podem ser vistos como ideológicos. Um discurso particular (e, aqui, "discursos" refere-se ao conceito mais concreto) pode incluir presunções acerca do que existe, do que é possível, necessário, desejável. Tais presunções podem ser ideológicas, posicionadas, conectadas a relações de dominação. E relações de poder, segundo Fairclough (1989, 2003a), são mais eficientemente sustentadas por significados tomados como tácitos, pois a busca pela hegemonia é a busca pela universalização de perspectivas particulares, O julgamento de quanto uma representação é ideológica só pode ser feito por meio da análise do efeito causai dessa representação em áreas particulares da vida social, ou seja, por meio da análise de como as legitimações decorrentes dessa representação contribuem na sustentação ou na transformação de relações de dominação. Daí a importância de a análise de discurso ser simultaneamente orientada lingüística e socialmente. O foco na dialética leva Fairclough (1995, p. 71) a argumentar que: A ideologia investe a linguagem de várias maneiras em vários níveis, e nós não temos de escolher entre diferentes "localizações" possíveis da ideologia, todas são parcialmente justificáveis e nenhuma inteiramente satisfatória. A questão chave é se a ideologia é uma propriedade das estruturas ou uma propriedade dos eventos, e a resposta é "ambas". E o problema-chave é encontrar uma abordagem satisfatória da dialética entre estruturas e eventos.
  • 50. Ciência social crítica 49 Ele explicaque algumas abordagens localizam a ideologia apenas na estrutura, com a virtude de captar que eventos são constrangidos por normas e convenções sociais.A desvantagem é que a esse tipo de abordagem escapa a possibilidadecriativa dos eventos, que são vistos apenas como realizações do potencial definido pelas estruturas. A conseqüência é que a capacidade de ação dos sujeitos não é percebida. Talvez o melhor exemplo de modelo de análise de ideologia centrado na estrutura seja o trabalho de Althusser (1985). Por outro lado, a focalizaçao da ideologia centrada apenas nos eventos discursivos, embora apresente a vantagem de representar a ideologia como um processo que transcorre no interior dos eventos, iluminando a possibilidade de mudança social, também apresenta a desvantagem de sobrevalorização da liberdade de ação. A solução é não perder de vista a dialética entre estrutura e ação: a liberdade dos sujeitos, embora não possa ser apagada, é relativa. Já o conceito de ideologia da ADC provém de estudos de Thompson (1995). Na teoria social crítica de Thompson (1995), o conceito é inerentemente negativo. Ao contrário das concepções neutras, que tentam caracterizar fenômenos ideológicos sem implicar que esses fenômenos sejam, necessariamente, enganadores e ilusórios ou ligados com os interesses de algum grupo em particular, a concepção crítica postula que a ideologia é, por natureza, hegemônica, no sentido de que ela necessariamente serve para estabelecer e sustentar relações de dominação e, por isso, serve para reproduzir a ordem social que favorece indivíduos e grupos dominantes.
  • 51. 50 Análise de discurso crítica Formas simbólicas8 são ideológicas somente quando servem para estabelecer e sustentar relações sistematicamente assimétricas depoder. Os modos geraisde operação daideologia elencados por Thompson (1995, pp. 81-9) são cinco, a saber: legitimação, dissimulação,unificação,fragmentaçãoe reificação. Por meio da legitimação, relações de dominação podem ser estabelecidas ou mantidas, sendo representadas como legítimas, ou seja, a legitimação estabelece e sustenta relações de dominação pelo fato de serem apresentadas como justas e dignas de apoio. Afirmações de legitimação podem basear-se em três estratégias de construção simbólica: a racionalização, a universalização e a narrativização. Na racionalização, a estratégia de legitimação baseia-se em fundamentos racionais, na legalidade de regras dadas a priori na universalização, representações parciais são legitimadas por meio de sua apresentação como servindo a interesses gerais; na narrativização, a legitimação seconstrói por meio da recorrência a histórias que buscam no passado a legitimação do presente. A dissimulação, modo de operação da ideologia que estabelece e sustenta relações de dominação por meio de sua negação ou ofuscação, pode ser realizada por construções simbólicas como deslocamento, eufemização e tropo. No primeiro caso, há uma recontextualização de termos, geralmente referentes a um campo e que são usados com referência a outro, deslocando conotações positivas ou negativas. Na eufemização, ações, instituições ou relaçõessociais são representadas de modo que desperte uma valorização positiva, ofuscando pontos de instabilidade. O tropo refere-se
  • 52. Ciência social critica 51 ao uso figurativo da linguagem, que pode servir a interesses de apagamento de relações conflituosas. A unificação é o modus opemndi da ideologia pelo qual relações de dominação podem ser estabelecidasou sustentadas pela construção simbólica da unidade. Há duas estratégias de construção simbólica relacionadas à unificação: a padronização — adoção de um referencial padrão partilhado—e a simbolização — construção de símbolos de identificação coletiva. Na fragmentação, relações de dominação podem ser sustentadas por meio da segmentação de indivíduos e grupos que, se unidos, poderiam constituir obstáculo à manutenção do poder. Uma das estratégias de construção simbólica da fragmentação é a diferenciação, em que se enfatizam características que desunem e impedem a constituição de um grupo coeso, com objetivo de desestabilizar a luta hegemônica. Outra estratégia é o expurgo do outro, em que se objetiva representar simbolicamente o grupo que possa constituir obstáculo ao poder hegemônico como um inimigo que deve ser combatido. Por fim, há o modo de operação da ideologia denominado reificação, por meio do qual uma situação transitória é representada como permanente, ocultando seu caráter socio- histórico. Há quatro estratégias de construção simbólica da reificação: naturalização, eternalização, nominalização e passivação. Por meio da naturalização, uma criação social é tratada como se fosse natural, independente da ação humana. A eternalização é a estratégia por meio da qual fenômenos históricos são retratados como permanentes. A nominalização
  • 53. 52 Análise de discurso crítica e a passivação possibilitam o apagamento de atores e ações, representando processos corno entidades. O arcabouço de Thompson para análise de construções simbólicas ideológicas pode ser resumido no quadro (1995, pp. 81-9) a seguir: MODOS GERAIS DE OPERAÇÃO DA IDEOLOGIA I.EGÍT1MAÇÃO Relações de dominação sãofljp-eseaíadascomo legítimas DISSIMU AÇÃO Relações de domínaçSt são ocultadas, negada1 ; ou ôfescureeidas UNIFICAÇÃO Construção simbólica de identidade coletiva FRAGMENTAÇÃO Segmentação cie indivíduos o grupou que possam i'cpicscntír ameaça ao grupo dominante RI-iriCAÇÀO ESTRATÉGIAS TÍIMCAS DE CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA RACIONALIZAÇÃO (uma cadeia de raciocínio procura justificar urn coniunio de relações) 01NIVE8SAÍ4ZAÇÃO (interessas específicos ião apresentados como interesses gerais) NARRATIVIXAÇÃO (exigâncias <ie legitimação inseridas em histórias do passado que legitimam o presente) DESLQCAMKNTO (deslocamento contcMuaf de lermos e expressões) EUFEMi/AÇÃO (valorarão positivü ík' instituições, ações ou relações] TROPO (siriédixjue, metonímía, metáfora) PADRONIZAÇÃO ium referenciai padrão prupuxto cuiiio íumiamento parlilhíido) SÍMBOLIZAÇÁODA UNIDADK (construção de HÍmholos de unidade e identificação coletiva) DI!''h,RENCtAÇAO {ênfase em uaracit-ríMicas que desunem e impedema constituição c!e íiesafio efetivo) I-XPÜRGO DO OUTRO (consírueão simbólica de um inimigo) NATURALIZAÇÃO (criação social e hiMóriea tratitda como aoonteciineuts naluraí) ETERNA) .I/AÇÃO ífenômenos socíohisitóricos apresentados como permanentes) NOMINAL1ZAÇÃO/ PASSIVAÇAO Quadro 3 - Modos de operação da ideologia. A importânciadessa abordagem paraapesquisa emAnálise de Discurso é a constituição de um arcabouço para análise de construções simbólicas ideológicas no discurso. Em outras palavras, a abordagem de ideologia de Thompson, aliada ao
  • 54. Ciência social crítica 53 arcabouço da ADC, fornece ferramentas para se analisar, iingüisticamente, construções discursivasrevestidas de ideologia. Fairclough (2003a) explica que ideologias são, em princípio, representações', mas podem ser legitimadas em maneiras de ação social e inculcadas nas identidades de agentes sociais. Tal compreensão da ideologia baseia-se na formulação de gêneros, discursos e estilos como as três principais maneiras através das quais o discurso figura em práticas sociais (Fairclough, 2003a), de acordo com a recente proposta de Fairclough (baseada no funcionalismo de Halliday) de se abordar o discurso em termos de três principais tipos de significado: o significado represenracional, ligado a discursos; o significado acionai, ligado a gêneros; e o significado identifícacional, ligado a estilos. No próximo capítulo, discutiremos esses três tipos de significado e a relação dialética que se estabelece entre eles. Notas 1 "Modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVll e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência" {Giddens, 1991, p. 11). 2 Segundo Giddens (l 991-p- 107), tradição diz respeito às maneiras petasquais crenças e práticas são organizadas, especialmente em relação ao tempo. A tradição contribui de maneira básica para a segurança ontológica na medida em que mantém a confiança na continuidade do passado, presente e futuro e vincula esta confiança a práticas sociais rotimzadas. 3 Giddens (1991, p. 38) explica que a noção de risco originou-se no período moderno em decorrência da compreensão de que resultados inesperados podem serconseqüência de nossas próprias atividades ou escolhas, ao invés de se tratar de significados ocultosda natureza. 4 Não consta em Chouliaraki e Fairclough (1999). A Figura ilustra os momentos da prática social, conforme discutidos no original, procurando captar a articulação entre eles e a importância da relação que aí se estabelece para o produto da prárica. A articulação entre os momentos de uma prática social é um equilíbrio insrávci, ou seja, está sujeita à desarticulação c rcaniculação. Esses quatro momentos podem ser desdobrados em mais momentos: em AnafysingDiscoune, por exemplo,
  • 55. 54 Análisede discursocrítica Fairclough (2003a, p. 25) sugere cinco momentos, a saber, ação e interação, relações sociais,pessoas (com crenças, valores, atitudes, histórias), mundo material, discurso. Não consta em Chouliaralu e Hairclough, 1999. Não consta em Chouliaralti e Fairclough, 1999. Muito embora trabalhos de Giddens representem uma grande contribuição para a ADC, alguns aspectos da teoria giddeana foram criticadospor Choulíaraki c Fairclough (l 999), Castclls{l 999) eLash (1997), dentre outros autores, pelo fato de não contemplarem o universo soda!excluído das redes de informação. Chouliaraki e Fairclough (1999, pp. 126-7) ponderam que Giddens (1991) apresenta explicações generalizadas sobre a construção reflexiva do "eu" na modernidade tardia e privilegia urna posição social particular (branco, macho, de classe média), em vez de considerar que existem pessoas posicionadas muito diferemerneme, de acordo com classe, gênero, raça, idade ou geração, e, portanto, com diferentes possibilidades de acesso a tal construção reflexiva. Castells (1999, p. 27), que discorda do caráter global do "planejamento reflexivo da auto-identidade",postula que, exceto para uma elite, o planejamento reflexivo da vida torna-se: impossível. Nesse cenário, a busca pelo significado da vida e pela auto-identidade ocorre no âmbito da reconstrução de identidades defensivas em torno de princípios comunais, como o fundamentalismo religioso. Lash (1997, pp. 146-7) aponta que essa falha origina-se na preocupação de Giddens com a ação social cm detrimento da estrutura. Formas simbólicas abarcam "um amplo espectro de ações e falas, imagens e textos, que são produzidos por sujeitos e reconhecidos por elese outros como construtos significativos"(Thompson, 1995, p. 79).
  • 56. Lingüística Sistêmica Funcional e Análise de DiscursoCrítica Em virtude de focalizarem relações dialéticas entre momento discursivo e outros elementos de (redes de) práticas sociais, análises de discurso críticas são orientadas, conforme já discutimos, lingüística e socialmente. Dado que a face sociológica da análise de discursojá foi razoavelmente discutida no capítulo anterior, neste capítulo focalizaremos a face lingüística da análise. Lembremos que essa divisão é feita para fins de clareza, o que significa a impossibilidade de separá-las no trabalho analítico. Neste capítulo, abordamos a recon- textualização da Lingüística Sistêmica Funcional em Fairclough
  • 57. 50 Análise de discurso crítica (2003a), mostramos como asmacrofunções de Halliday foram operárionalizadas para dar origem aos três tipos de significado propostos por Fairclough, focalizamos cada um desses significados e discutimos algumas categorias analíticas daADC, segundo cada um dos tipos de significado. Lingüística Sistêmica Funcional e a complexidade funcional da linguagem No início do primeiro capítulo deste livro, sugerimos quea ADCbaseia-se no paradigmafuncionalista dosestudoslingüísticos. Em termos mais específicos, a tradição de análise de discurso em quesesitua aTeoriaSocial doDiscursoorienta-se lingüisticamente pela Lingüística Sistêmica Funcional (LSF) de Halliday. Trata-se de uma teoria da linguagem que se coaduna com a ADC, porque abordaalinguagem como um sistemaaberto, atentandoparauma visão dialéticaque percebeostextos não sócomo estruturados no sistema mastambém potencialmente inovadoresdo sistema:toda instância discursiva "abre o sistema para novos estímulos de seu meio social" (Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 141). É nesse sentido que a linguagem é vista como um sistema aberto a mudanças socialmente orientadas, o quelheprovesua capacidade teoricamente ilimitada de construir significados. Os estudos funcionalistas têm por objetivo, além de estabelecer princípios gerais relacionados ao uso da linguagem, investigar a interface entre as funções e o sistema interno das línguas. A compreensão das implicações de funções sociais na gramática é central à discussão que relaciona linguagem e sociedade. A relação entre as funções sociais da linguagem e a
  • 58. Lingüística sistêmica funcional 57 organização do sistema lingüístico é, para Halliday (1973), um traço geral da linguagem humana. Daí a necessidade de se estudar os sistemas internos das línguas naturais sob o foco das funções sociais. A variação funcional não é apenas uma distinção de usos da linguagem, é algo fundamental para sua organização, uma propriedade básica da linguagem. As abordagens funcionais da linguagem têm enfatizado seu caráter multifuncional e, nesse sentido, Halliday (1991) registra três macrofunções que atuam simultaneamente em textos: ideacional, interpessoal e textual. A função ideacional da linguagem é sua função de representação da experiência, um modo de refletir a "realidade" na língua: os enunciados remetem a eventos, ações, estados e outros processos da atividade humana através de relação simbólica. Essa função trata da expressão lingüística do conteúdo ideacional presente em todos os usos da linguagem — independentemente do uso pragmático que sefazda linguagem, os recursos ideacionais são explorados em seu potencial para expressar um conteúdo. A função interpessoal refere-se ao significado do ponto de vista de sua função no processo de interaçãosocial, da língua como ação. Essa função, que trata dos usos da língua para expressar relações sociais e pessoais,está presente em todos os usos da linguagem, assim como a função ideacional. ' A terceira função apresentada por Halliday é a textual; aspectos semânticos, gramaticais, estruturais, que devem ser analisados no texto com vistas ao fator funcional. A gramática
  • 59. 58 Análise de discurso crítica é o mecanismo lingüístico que opera ligações entre asseleções significativas derivadas das funções lingüísticas, realizando-as em estrutura unificada. As três macrofunções são inter-relacionadas, e os textos devem ser analisados sob cada um desses aspectos. Isso significa que todo enunciado é multifuncional em sua totalidade, ou seja, serve simultaneamente a diversas funções. Nesse sentido, a linguagem é funcionalmente complexa. As estruturas lingüísticas não "selecionam" funções específicas isoladaspara desempenhar; ao contrário, expressamde formaintegrada todos os componentes funcionais do significado. Em seus modelos de análise de discurso, Fairclough recontextualiza a LSF, alterando alguns pontos da teoria de acordo com seus propósitos analíticos. Em 1992, em Discourse and Social Change, Fairclough sugeriu a cisão da função interpessoal de Halliday em duas funções separadas, a Junção identitâria e a função relacionai. A função identitária da linguagem "relaciona-se aos modos pelos quais as identidades sociais são estabelecidas no discurso"; a função relacionai, por sua vez, refere-se a "como as relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e negociadas" (Fairclough, 2001a, p. 92). A justificativa apresentada para essa modificação na teoria está relacionada à importância do discurso na constituição, reprodução, contestação e reestruturação de identidades, que não é captada pelas funções tal como apresentadas por Halliday, uma vez que a função de identidade é marginalizada "como aspecto menor da função
  • 60. Lingüística sistêmica funcional 59 interpessoal" (Fairclough, 2001a, p. 209).Resulta que, para Fairclough, a ênfase na construção desvela a importância da função identitária na linguagem, porque os modos de construção e categorização de identidades em uma dada sociedade refletem seu funcionamento no que concerne às relações de poder, à reprodução e à mudança social. Embora a análise lingüística em ADCbaseie-se na LSF, Chouliaraki eFairclough(1999, p. 139) alertam que asrelações entre as duas disciplinas ainda são limitadas tendo em vista o potencial do diálogo quepoderiam estabelecer. Em suaspalavras: [...] a ADCcom a qual trabalhamos tem muito a ganhar com o estreitamento de sua relação, ainda limitada, com a I..SF (essa relação, até o momento, tem sido restrita ao uso da gramática sistêmica do inglês para análise de textos), não apenas em termos de uso da LSF como recurso para análise, mas também na direção de um diálogo teórico. Em Anâlysing Discourse, Fairclough (2003a) cumpre a tarefa de ampliação do diálogo teórico entre a ADCe a LSF. Para tanto, ele propõe uma articulação entre as macrofunções de Halliday e os conceitos de gênero, discurso e estilo, sugerindo, no lugar das funções da linguagem, três principais tipos de significado: o significado acionai, o significado repre- sentacional e o significado identificacional. Fairclough operou essa articulação tendo como ponto de partida não as macrofunções tal como postuladas por Halliday (as funções
  • 61. 00 Análise de discurso critica ideacional, interpessoal e textual), mas a sua própria modificação anterior da teoria, ou seja, as funções relacionai, ideacional e identitária. Quanto à função textual, embora em seu livro de 1992 Fairclough a tenha incorporado ("Halliday também distingue uma função 'textual' que pode ser utilmente acrescentada a minha lista" [Fairclough, 2001a, p. 92]), em 2003 ele rejeita a idéia de uma função textual separada, prefere incorporá-la ao significado acionai: "não distingo uma função 'textual' separada, ao contrário, eu a incorporo à ação" (Fairclough, 2003a, p. 27). A operacionalização dos três significadosmantém a noção de multifuncionalidade presente na LSF, uma vez que Fairclough enfatiza que os três atuam simultaneamente em todo enunciado. Ele explica que o discurso, figura de três principais maneiras como parte de práticas sociais, na relação entre textos e eventos: como modos de agir, como modos de representar e como modos de ser. A cada um desses modos de interação entre discurso e prática social corresponde um tipo de significado. O significado acionai focaliza o texto como modo de (inter)ação em eventos sociais, aproxima-se da função relacionai, pois a ação legitima/ questiona relações sociais; o significado representacional enfatiza a representação de aspectos do mundo - físico, mental, social - emtextos, aproximando- se da função ideacional, e o significado identificacional, por sua vez, refere-se à construção e à negociação de identidades no discurso, relacionando-se à função identitária. O desenvolvimento dessa perspectiva multifuncional da linguagem pode ser ilustrado pelo Quadro 4 a seguir:
  • 62. Lingüístico sistêmica funcional 01 tSF (Halliday, 1991) F, Ideactonal ADC (Fairelough, 1992) F, Ideaeiona] r p LlfTiHrírri p r. IUL nu 1*11 í^í F. Relacionai h F TVvtníil ~——— AOC (Fairclou^i,2ü«3) S. Represei]tadoral S. Irlentificadonal Quadro 4 - Recontextualização da LSF naADC, Fairclough (2003a) postula uma correspondência entre ação e gêneros, representação e discursos,identificaçãoe estilos - gêneros, discursos e estilos são modos relativamente estáveis de agir, de representar e de identificar, respectivamente. A análise discursiva é um nível intermediário entre o texto em si e seu contexto social —eventos, práticas, estruturas. Então, a análise de discurso deve ser simultaneamente à análise de como os três tipos de significadosão realizados em traços lingüísticos dos textos e da conexão entre o evento social e práticas sociais, verificando-se quais gêneros, discursose estilos são utilizados e como são articulados nos textos. Gêneros, discursos e estilos ligam o texto a outros elementos da esfera social - asrelações internas do texto a suas relações externas -, por isso a operacionalizaçao desses conceitos mantém o cerne do pensamento de Halliday. Significado acionai e gênero A concepção de linguagem como um momento de práticas sociais dialeticamentc interconcctado aos demais momentos dessas práticas reserva um lugar especial para as ordens de discurso, o elemento discursivo do social no nível das práticas. As ordens de discurso organizam socialmente a
  • 63. 62 Análise de discurso crítica linguagem e orientam avariação lingüística. Cada prática social produz e utiliza gêneros discursivosparticulares, que articulam estilos e discursos de maneira relativamente estável num determinado contexto sociohistórico e cultural. Gêneros constituem "o aspecto especificamente discursivo de maneiras de ação e interação no decorrer de eventos sociais" (Fairclough, 2003a, p. 65). Quando se analisa um texto em termos de gênero, o objetivo é examinar como o texto figura na (inter)ação social e como contribui para ela em eventos sociais concretos. Gêneros específicos são definidos pelas práticas sociais a eles relacionadas e pelas maneiras como tais práticas são articuladas, de tal modo que mudanças articulatórias em práticas sociais incluem mudanças nas formas de ação e interação, ou seja, nos gêneros discursivos, e a mudança genérica freqüentemente ocorre pela recombinação de gêneros preexistentes. Há uma grande variação nas propriedades de gêneros concretos. Alguns gêneros atuam em escala local, sãoassociados a redes de práticas sociais relativamente limitadas; outros gêneros são especializados na interação em escala global. A diferença na escala de atuação não é a única diversidade observada em gêneros, eles também podem variar consideravelmente em termos de seu grau de estabilização e homogeneização: alguns gêneros pressupõem padrões composicionais rigorosos, outros são mais flexíveis. Segundo Fairclough (2003a, p. 66), "neste período de transformação social rápida e profunda, há uma tensão entre pressões pela estabilização, parte da consolidação da nova ordem social, e
  • 64. Lingüística sistêmica funcional 03 pressões pela fluidez e pela mudança", por isso a mudança genérica, como parte da mudança discursiva e social, insere-se na agenda de pesquisa da ADC. Gêneros discursivos também variam em relação aos níveis de abstração. Fairclough (2003a) distingue os pré-gêneros dos gêneros situados. Ospré-gêneros, conceito resgatado de Swales (1990), são categorias abstratas, que transcendem redes particulares de práticas sociais e que "participam" na composição de diversos gêneros situados. Narrativa, argumentação, descrição e conversação são pré-gêneros no sentido de que são "potenciais" abstratos que podem ser alçados na composição de diversos tipos de texto. O pré-gênero narrativa, por exemplo, é alçado na produção situada de romances, contos de fadas, novelas, lendas indígenas, filmes, documentários etc. Gêneros situados^ por outro lado, são categorias concretas, utilizadas para definir gêneros que são específicos de uma rede de prática particular, como, por exemplo, a literatura de cordel e a reportagem de revistas informativas-gerais.1 Um gênero situado é "um tipo de linguagem usado na performance de uma prática social particular" (Chouliaraki e Fairclough, 1999, p. 56). Um gênero situado geralmente alça vários pré-gêneros. Uma reportagem, por exemplo, pode alçar os pré-gêneros narrativa, argumentação e descrição, entre outros. Nesse caso, segundo a proposta de Fairclough (2003a), haverá um pré-gênero principal e diversos subgêneros articulados na composição genérica do texto. A descrição e a interpretação dessa articulação são parte do trabalho de análise da estrutura genérica em um texto. Por
  • 65. 04 Analise de discurso crítica que determinadas reportagens são mais narrativas, ou mais argumentativas, ou mais descritivas?Que implicações isso pode ter para o modo como esses textos participam na (inter)açáo? Em Discourse in LateModernity, Chouliaraki e Fairclough ressaltam que não há uma lista de gêneros do discurso e que há relativamente poucos nomes estáveis para gêneros, por isso o rótulo que se dá a um gênero na análise não é importante. Nessa perspectiva, o ponto relevante é que o gênero seja reconhecível como um tipo de linguagem usado em domínios particulares. Fairclough (2003a) questiona também a prática de se tentar determinar estruturas composicionais rigorosas para gêneros do discurso, pois os gêneros não constituem regras rígidas ou padrões imutáveis, ao contrário, consistem em um potencial que pode ser trabalhado de maneiras variáveis e criativas em eventos discursivos concretos. Em decorrência de sua mobilidade e dialogicidade características, os gêneros estão sempre submetidos à reformulação nas interações semióticas, o que torna difícil trabalhar com uma proposta tipológica fixa. Segundo Chouliaraki e Fairclough (1999, pp. 144-5), um gênero é em sí um mecanismo articulatório que controla o que pode ser usado e em que ordem, incluindo configuração e ordenação de discursos, e, portanto, precisa ser compreendido como a faceta regulatória do discurso, e não simplesmente como estruturação apresentada por tipos fixos de discurso. E evidente, pela dialética entre estrutura e ação, que essa regulação pode ser questionada e, então, a mudança discursiva aparece como uma faceta especificamente discursiva de lutas hegemônicas.
  • 66. Lingüística sistêmica funcional 05 Além da estrutura genérica, o significado acionai pode ser analisado em textos por meio de outras categorias, que são encontradas de maneira detalhada e seguidas de exemplo em Fairclough (2003a).Aqui nos restringimos aapresentar somente mais uma categoria analítica relacionada a maneiras de agir discursivamente em práticas sociais: a intertextualidade. A intertextualidade é uma categoria de análise muito complexa e potencialmente fértil. Bakhtin (2002) enfatizou a dialogicidade dalinguagem,postulando que textossãodialógicos em dois sentidos: primeiro, mesmo textos aparentemente monológicos, como ostextos escritos, participam de uma cadeia dialógica, no sentido de que respondem a outros textos e antecipamrespostas;segundo,odiscursoéinternamente dialógico porque épolifônico, todo texto articula diversasvozes. Em linhas gerais, a intertextualidade é a combinação da voz de quem pronuncia um enunciado com outras vozes que lhe são articuladas. Fairclough (2003a, p. 39) adota uma visão ampla de intertextualidade, extrapolando seu sentido mais evidente: "a presença de elementos atualizados de outro texto em um texto - ascitações". Para relatar2 um discurso, pode-se não apenas citar em discurso direto mas também parafrasear, resumir, ecoar em discurso indireto. O discurso relatado atribui o dito a seu autor, mas a incorporação de elementos de outros textos também pode ser feita sem atribuição explícita como, por exemplo, na paráfrase. Assírn, a intertextualidade cobre uma gama diversa depossibilidades. Uma questão inicial no estudo da intertextualidadeem um texto é a verificação de quais vozes são incluídas e quais
  • 67. ÓÓ Análise de discurso crítica são excluídas, isto é, que ausências significativas podem ser observadas. Em seguida, analisando-se sua presença, é interessante examinar a relação que se estabelece entre asvozes articuladas. Quando uma voz "externa" é articulada em um texto, têm-se (pelo menos) duas vozes que podem representar duas diferentes perspectivas, com seus respectivos interesses, objetivos etc. A relação entre essas vozes pode ser harmônica, de cooperação, ou pode haver tensão entre o texto que relata e o texto relatado. Algumas questões acerca do relato se impõem. Primeiro, o relato pode ser fiel ao que foi dito, reproduzindo as mesmas palavras, ou não. Segundo, a fronteira entre o texto relatado eo texto que relata pode ser forte ou fraca, ou seja, o limite entreas vozespode ou não serbem demarcado. Chama-se discurso direto a citação pretensamente fiel do que foi dito, com marcas de citação (aspasou travessão). Discurso indiretoé a paráfrase ou o resumo do que foi dito, sem uso de palavras exatasesem marcas de citação. Acresceque não é incomum se utilizarem marcas de citação quando, na verdade, não se atualizam as palavrasexatas do discursorelatado (porexemplo,na mídia impressa);tampouco éraroseatualizaremaspalavrasexatasdo textorelatado omitindo- se asmarcasde citação (por exemplo, quando não secitaa fonte em trabalhos acadêmicos em uma apropriação indébita do pensamento alheio). Outro tipo de relatoque importa definir é o "relato narrativo de ato de fala", o relato do tipo de ato de fala que não explicitaum conteúdo (por exemplo, quando se afirma "ele prometeu", mas não se esclarece o conteúdo do ato de promessa- Fairclough, 2003a, p. 49).
  • 68. Lingüística sistêmica funcional 07 Fairclough (1995), baseado em Quirk et ai.,3 enumera quatro formas por meio das quais se "converte" o discurso direto em discurso indireto, demarcando o limite entre asvozes: (a) uso de verbo dicendi seguido de oração subordinada (por exemplo, "ele disse que..."); (b) mudança de pronomes de 1a e 2a pessoas para pronomes de 3a pessoa (por exemplo, "euvou..." se torna "ela disse que vai..."); (c) mudança nos dêiticos (por exemplo, "aqui" se torna "lá"); (d) mudança de verbos para o passado (por exemplo, do futuro do presente para o futuro do pretérito, quando "eu irei" se torna "ela disse que iria"). A representação do discurso não é uma mera questão gramatical, ao contrário, é um processo ideológico cuja relevância deve ser considerada. Analisar em textos quais vozes são representadas em discurso direto, quais são representadas em discurso indireto e quais as conseqüências disso para a valorização ou depreciação do que foi dito e daqueles(as) que pronunciaram os discursos relatados no texto pode lançar luz sobre questões de poder no uso da linguagem. A dialogicidade varia entre textos. Em alguns, a ausência de dialogícidade é saliente, com poucas instâncias de discurso relatado e pouca visibilidade de outras vozes. Nesses casos, representações oriundas de outras vozessão referidas sem serem relatadas, outras vozes são trazidas ao texto de uma forma que abstrai o que realmente foi dito e, então, reduz-se a diferença (Fairclough, 2003a). A intertextualidade conecta um texto a outros textos, os quais nem sempre são claramente distinguíveis, assim como a pressuposição. Fairclough (2003a, p.40) define a pressuposição