Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
A classe média e a necessidade de respostas conjuntas e solidárias
1. Para Elísio Estanque, a clas-
se média consumista e indi-
vidualista vai ser obrigada a
perceber que os problemas
actuais exigem respostas
conjuntas e solidárias
MANUEL VICENTE
tionáveis. A partir de determinada altu-
ra, ou os poderes têm capacidade de inver-
ter algumas das suas opções para ir ao
encontro daquilo que a sociedade exige,
mostrar sensibilidade perante os que estão
de facto com a corda na garganta. Ou então
essas mesmas pessoas terão de dar um
murro na mesa para manifestarem a sua
oposição.
A solução passa portanto por um mur-
ro na mesa?
Não que isso seja em si mesmo a solução
dos problemas. Mas ficar quieto e calado
e aguentar para lá daquilo que é tolerá-
vel também não é solução. Em democra-
cia, são necessárias discussões e debates
públicos, petições. As iniciativas de rebel-
dia devem ser encaradas com naturali-
dade, como fazendo parte do desenvolvi-
mento do espírito crítico. A democracia
só funciona se diferentes correntes de opi-
A classe média conquistou empregos segu- quiátrico, discussões familiares, violên- portugueses têm sido pacientes face à nião puderem ganhar visibilidade no espa-
ros, um estatuto digno, uma perspectiva cia doméstica, etc... opção (ou obsessão) pela austeridade. Mas ço público, se houver questionamento dos
de carreira, aumento de poder de com- É a esse quadro que se refere quando haverá um limiar a partir do qual esta modelos de funcionamento, busca de solu-
pra, etc... fala de “doença” da classe média? capacidade de “engolir austeridade” pode ções alternativas às que nos são apresen-
É por isso que a quebra de expectati- A classe média tem uma espécie de per- atingir um limite. tadas como se fossem únicas. Qualquer
vas é vivida com muito mais intensida- sonalidade bipolar. Vive num limbo difí- Não lhe parece que falta consciência líder tem de saber ser sensível ao pulsar
de e dramatismo por esse meio social? cil de gerir, entre a perspectiva positiva política e cívica indispensável a uma da sociedade e dos seus sectores mais acti-
Alguém que se imaginava num progres- face às promessas que o sistema econó- reacção política organizada com pro- vos, que são os líderes de amanhã.
so constante e em segurança e se vê em mico fazia e uma atitude de frustração postas alternativas? A haver uma alternativa consistente e
pouco tempo sem possibilidades de pagar que pode resultar em respostas autopu- Os portugueses adoptam uma atitude estruturada, devemos esperá-la vinda
os seus empréstimos e sem casa, vive uma nitivas e de inibição. Numa lógica atomi- reverencial face aos símbolos de posição da classe média?
grande angústia. Também porque dá uma zada, individualista. social, enquanto aqueles que estão colo- Na classe média existe um potencial para
outra importância à imagem que perde Mas também pode ter respostas acti- cados em situação hierarquicamente supe- um projecto de futuro, de desenvolvimen-
aos olhos dos outros. Essas famílias vão vas... rior esperam uma dedicação sem reser- to. Esta integra um conjunto de recursos
envergonhadamente pedir apoio aos ser- Sim. As respostas pró-activas podem aca- vas e reagem mal quando o subalterno se significativos em termos de conhecimen-
viços de assistência em horários menos bar até numa intervenção mais política, assume como sujeito com direitos. Não tos, competências e qualificações, capa-
frequentados, para não se misturarem no engrossar de dinâmicas de rejeição há no mundo ocidental muitos outros paí- cidade de pensar... Não é um tampão do
com outros de meios sociais diferentes. das propostas políticas apresentadas. Os ses onde o tratamento “doutor” suscite a sistema vocacionado a aderir cegamente
Os novos pobres sentem-se diferentes, vénia que merece em Portugal. Em Espa- aos princípios do mercado. Vimos recen-
apesar de igualmente pobres? nha não é assim, no Brasil não é assim. temente, nas “Primaveras árabes”, que
Há um problema de status e de inconsis- Voltando ao plano político, é mau sinal não são os mais carenciados, demasiado
tência de status. Esta camada de novos a classe média acatar, sem revolta, o presos ao assegurar da subsistência ime-
pobres continua a ter recursos educacio- crescendo de austeridade? diata, que estão na vanguarda das lutas
nais e de formação cultural relativamen- Não é aceitável a violência no protesto. pela liberdade e direitos, mas sim a clas-
te elevados, apesar de ter perdido, de Mas as medidas de austeridade que estão se média. O mesmo quanto à capacidade
repente, a sua base de conforto económi-
As medidas a ser adoptadas equivalem ao uso de enor- de reinventar: do ponto de vista dos recur-
co. É aquilo que em sociologia se chama de austeridade que me violência sobre um determinado sec- sos e da sustentabilidade, não há condi-
de inconsistência de status, que é um tipo estão a ser adoptadas tor da sociedade. Uma parte daqueles que ções, nem daqui a dez anos, para se regres-
particular de instabilidade que pode dege- têm maior protecção, conforto e recursos sar ao modelo de funcionamento da eco-
nerar no mais variado tipo de respostas,
equivalem ao uso tem sido poupada. A distribuição e a lei nomia e do Estado que tivemos até 2000.
desde o isolamento, a doenças do foro psi- de enorme violência da distribuição dos sacrifícios são ques- Vamos ter de encontrar alternativas.
—9 Abril 2012 23