O documento discute a história da descoberta da neurogênese adulta, o ceticismo inicial sobre sua existência e as evidências posteriores que a comprovaram. Também aborda os debates em torno de seus mecanismos, funções e se ocorre no cérebro humano, com estudos apresentando resultados contraditórios. Melhores métodos são necessários para resolver as controvérsias sobre seu papel no comportamento e aprendizagem.
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Será que conseguimos
gerar novos Neurônios?1
No início da década de 1960, a ideia de que neurônios poderiam ser gerados no
encéfalo de mamíferos adultos foi recebida com considerável ceticismo e controvérsia.
Nos 20 anos seguintes, cada estudo relatando a neurogênese* adulta no encéfalo de
mamíferos foi, da mesma forma, recebido com desconfiança.
Um dogma foi estabelecido e aceito pela comunidade científica: após o nascimento,
nenhum novo neurônio poderia ser gerado. Conceitualmente, pensava-se que a
composição estrutural dos neurônios dentro do encéfalo permanecia imutável após o
nascimento. No entanto, a detecção da neurogênese em adultos em certas regiões
encefálicas sugere que o encéfalo adulto exibe mais plasticidade do que se pensava
anteriormente, e isso tem implicações para os conceitos de eu, memória e origem das
doenças neurodegenerativas.
A neurogênese ocorre através da divisão de células-tronco neurais e subsequente
maturação em células progenitoras neurais; esses progenitores então migram e
amadurecem se tornando novos neurônios.
Acreditava-se que esse processo estava restrito ao desenvolvimento embrionário,
cessando logo após o nascimento, de modo que novos neurônios não pudessem ser
gerados.
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Neurogênese é o processo de formação de novos neurónios, provenientes de células-tronco neurais e
progenitores neurais.
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A neurogênese adulta foi inesperadamente detectada durante toda a vida de vários
mamíferos em certas regiões encefálicas, particularmente no hipocampo, uma estrutura
crucial para a aquisição de novas memórias, bem como a recuperação precisa de
memórias mais antigas.
Quais foram os argumentos contra a neurogênese adulta?
A parte técnica do argumento dos céticos questionou como novos neurônios poderiam
ser gerados a partir de neurônios maduros que foram integrados na rede neural madura
existente. A preocupação mais conceitual era que, se novos neurônios estivessem sendo
gerados no encéfalo maduro, então as memórias e até mesmo o conceito de si seriam
instáveis.
Esses argumentos foram rebatidos pela descoberta de que encéfalos de roedores
adultos continham células-tronco e progenitoras neurais nas regiões onde a neurogênese
pós-natal tinha sido detectada. Além disso, a neurogênese adulta aparentemente ocorre
em regiões encefálicas limitadas, e o número de novos neurônios gerados era nitidamente
pequeno.
Nos anos 90, a neurogênese adulta foi investigada em mais espécies, incluindo
primatas não humanos e humanos. No entanto, a atenção estava se voltando para a
questão de revelar os mecanismos celulares e moleculares para gerar esses novos
neurônios. Esse esforço foi particularmente interessante e desafiador devido à falta
presumida de sinais e estruturas de desenvolvimento presentes no encéfalo maduro para
apoiar a neurogênese.
Além disso, havia um interesse substancial e crescente em saber se a neurogênese
adulta tinha alguma consequência para o comportamento animal. Uma reviravolta se deu
com a constatação de que as experiências ambientais, tais como a aprendizagem,
exercício, ambientes ricos em estimulação e estresse poderiam ter efeitos marcantes sobre
vários aspectos da neurogênese adulta, incluindo proliferação, maturação, migração,
diferenciação, sobrevivência e integração.
Além disso, muitas dessas experiências ambientais pareciam ter consequências para o
comportamento dos animais e correlacionavam-se diretamente com a taxa e a extensão
da neurogênese adulta.
Em meio a essa florescente área de pesquisa, preocupações técnicas continuaram a
ser expressas em relação às limitações dos métodos de detecção.
Um método de datação por carbono radioativo foi desenvolvido especificamente para
neurônios humanos de encéfalos pós-morte expostos a radiação ionizante durante o teste
da bomba atômica da década de 1960.
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Usando este método, a neurogênese adulta não foi detectada no neocórtex, cerebelo e
bulbo olfatório de humanos. No entanto, este método confirmou que uma taxa consistente
de neurogênese ocorreu no hipocampo humano até a nona década de vida.
Estes resultados foram apoiados por estudos de encéfalos humanos pós-morte que
detectaram, por técnicas de imunocoloração (nas quais anticorpos são usados para
detectar marcadores em amostras de tecido), vários marcadores de proliferação e
neurogênese precoce em células do giro denteado*, uma sub-região do hipocampo que
contribui para a formação de novas memórias, a exploração de novos ambientes e outras
funções.
Durante este período da década de 1990, os pesquisadores estavam conduzindo
experimentos em roedores, aumentando a taxa de neurogênese ou bloqueando-a de uma
maneira regulada e dependente do tempo, esperando demonstrar papéis causais e
funcionais para a neurogênese adulta no hipocampo.
Embora os resultados tenham indicado cada vez mais que a neurogênese adulta em
roedores era necessária para algumas formas de aprendizado e memória, as
interpretações dos resultados e a estrutura teórica (computacional) para entender o papel
da neurogênese adulta na função hipocampal continuaram sendo pontos de discórdia.
No entanto, esses estudos definiram um número de diversas funções potenciais dos
novos neurônios, incluindo a melhoria da resiliência contra o estresse (resiliência afetiva),
regulação da capacidade de discriminar entre experiências similares (separação de
padrões), incorporação do tempo em memórias episódicas e possibilitando o esquecimento
de memórias antigas.
Atualmente, há mais consenso do que discórdia na alegação sobre a existência de um
papel funcional da neurogênese do hipocampo adulto no encéfalo de mamíferos, porém
mais pesquisas são necessárias para estabelecer uma linguagem comum para descrever
os papéis da neurogênese hipocampal no comportamento do adulto.
No entanto, o debate continua, pois dois estudos recentes relataram resultados
contraditórios. Um encontrou níveis indetectáveis de neurogênese do hipocampo em
encéfalos humanos adultos, o outro apontou neurogênese hipocampal humana persistente
durante todo o envelhecimento. Ambos os estudos foram baseados na mesma premissa
de que, se a neurogênese ocorre em humanos, marcadores específicos de células-tronco
neurais e progenitoras neurais devem ser expressos no giro denteado.
Ambos os estudos utilizaram uma variedade de anticorpos semelhantes para
imunocoloração para marcadores de células-tronco e progenitoras neurais, células em
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O giro denteado corresponde a uma faixa serrilhada de substância cinzenta , abaixo da borda medial do
hipocampo.
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proliferação, progenitores neuronais em migração e marcadores expressos em vários
estágios de maturação dos neurônios.
A tese para ambos os estudos foi que, se a neurogênese está ocorrendo no hipocampo,
então alguma combinação desses marcadores e células deve estar presente lá. Ambos os
estudos detectaram células positivas para o marcador no hipocampo humano adulto, mas
usaram critérios diferentes para concluir que a imunocoloração era adequada, relevante
ou precisa para definir as células como neurogênicas.
É claro que há uma variedade de questões técnicas e metodológicas que podem
contribuir para a variabilidade na imunomarcação entre amostras nesses estudos humanos
pós-morte.
Atualmente, o argumento de que a neurogênese adulta persiste no hipocampo humano
é mais convincente por causa da evidência usando marcadores de destino e datação por
carbono, bem como os estudos mais rigorosamente controlados com tempos pós-morte
mais curtos e ampla informação sobre o indivíduo, bem caracterizada. protocolos de
fixação e métodos de contagem de células aceitos.
Mas como as condições para estudar a neurogênese adulta em humanos podem
melhorar para resolver o debate?
Idealmente, mais trabalhos devem ser realizados para validar e ampliar os métodos que
já foram usados para detectar indicadores indiretos de neurogênese, como a ressonância
magnética funcional em humanos vivos.
Medidas mais diretas de neurogênese adulta usando, por exemplo, espectroscopia de
ressonância magnética de prótons ou sondas poderiam ser desenvolvidas para tomografia
por emissão de pósitrons.
Além disso, estudos de sequenciamento de RNA unicelular de encéfalos pós-morte
estão em andamento e devem adicionar informações valiosas para uma compreensão
mais sofisticada dos componentes celulares em regiões neurogênicas.
Contradições e controvérsias geralmente levam a ciência a desenvolver métodos e
procedimentos melhores e mais confiáveis; esse processo já está em andamento nesse
campo notável.
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Referências:
1
Gage, Fred H. Adult neurogenesis in mammals. Disponível em:
<https://science.sciencemag.org/content/364/6443/827.full > Acesso em: 09 jun. 2019 – Traduzido e
adaptado.