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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
“Entre a Rosa e o Beija-Flor”: Um Estudo Antropológico de
Trajetórias na União do Vegetal (UDV) e no Santo Daime
JÉSSICA GREGANICH
Porto Alegre, 03 de maio de 2010.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
“Entre a Rosa e o Beija-Flor”: Um Estudo Antropológico de
Trajetórias na União do Vegetal (UDV) e no Santo Daime
JÉSSICA GREGANICH
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social como
requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre em Antropologia Social.
Orientador: Bernardo Lewgoy
Porto Alegre, 03 de maio de 2010.
“Entre a Rosa e o Beija-Flor”: Um Estudo Antropológico de
Trajetórias na União do Vegetal (UDV) e no Santo Daime
JÉSSICA GREGANICH
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social como
requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre em Antropologia Social.
Banca Examinadora:
________________________________________
Bernardo Lewgoy - orientador (PPGAS–UFRGS)
________________________________________
Adriane Rodolpho (UFPEL)
________________________________________
Ari Pedro Oro (PPGAS-UFRGS)
________________________________________
Carlos Alberto Steil (PPGAS–UFRGS)
Porto Alegre, 03 de maio de 2010.
Ao meu amado pai, as entidades
presentes e ao meu amor.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador Bernardo Lewgoy pela “iniciação” e pelas
sábias orientações.
Aos professores Ari Pedro Oro, Carlos Steil e Cornélia Eckert pelos
conhecimentos compartilhados.
A CNPq pela bolsa concedida no último ano de curso de mestrado.
Agradeço a toda irmandade do Santo Daime Céu de São Miguel e ao Núcleo
Jardim das Flores da União do Vegetal, em especial:
Ao padrinho Alan, um verdadeiro “homem de conhecimento”, exemplo de
“clareza”, humildade e bondade.
A madrinha Rosinha, por sua sabedoria, amabilidade, bondade e “carinho de
mãe” com todos.
A Conselheira Maria Thereza Galotti por todo auxílio, zelo e amizade. Este
trabalho também é seu!
Ao Conselheiro Hudson Cavalcante pelo empenho em fazer com que essa
pesquisa fosse possível, pelo auxílio na Espanha e por sua sincera e desprendida
amizade.
Ao Mestre Alberto Bracagioli por toda sabedoria, conhecimento e
disponibilidade em auxiliar.
Ao Mestre Representante Jeziel pela palavra, pela sabedoria e pelo encanto
de trazer o “jeito caboclo” ao Núcleo Jardim das Flores.
A irmã do Corpo Instrutivo Denise Mendes pelo carinho, preocupação e
pelas aplicações de reiki nas minhas incontáveis “peias”.
A irmã Denise Dharma por seu belo trabalho de fiscalização, pelo exemplo
de “garra”, amor, dedicação e caridade.
Ao Mauro Kwitko e sua esposa Juliana Vergutz Kwitko, pela regressão e
pela amizade.
A todos que disponibilizaram seus emocionantes relatos que deram vida a este trabalho.
6
RESUMO
Dentro dos “novos movimentos religiosos” encontramos as religiões
ayahuasqueiras brasileiras União do Vegetal (UDV) e o Santo Daime. Essas duas
religiões se baseiam no uso do chá psicoativo ayahuasca, conhecido como vegetal e
daime, respectivamente. Tiveram início na região amazônica e estão presentes nos
centros urbanos em praticamente todo o Brasil e em outros países, a partir de uma
difusão configurada no contexto da “nova consciência religiosa”. Este contexto é
marcado por uma pluralidade religiosa referente a uma tradição de ecletismo e
circularidade. Esta intensa mobilidade e circulação das pessoas entre diferentes
experiências espirituais está calcada numa dinâmica de conversões, desconversões e
reconversões típico da bem emprega metáfora do peregrino de Hervieu-Léger (1999).
Numa pesquisa etnográfica centrada na União do Vegetal (UDV) e no Santo Daime de
Porto Alegre/Grande Porto Alegre (RS) buscou-se através de um estudo comparativo e
de análise de trajetórias compreender como os fiéis conjugam mobilidade e fidelidade
religiosa focalizando os processos de conversão, desconversão e reconversão, partindo
da hipótese de que o processo de conversão estaria ligado a uma interface entre a
“estrutura” e a experiência religiosa com base na perspectiva da “butinage religiosa”
proposta por Edio Soares (2009), num contraponto a idéia de “bricolage”. A “tradução”
da pesquisa foi construída com base numa metáfora que representa a simbologia nativa:
a rosa e o beija-flor. Para a UDV a rosa representa o chá ayahuasca e o beija-flor
simboliza o Espírito Santo para os daimistas, representado no próprio espírito dos
mestres fundadores da doutrina.
Palavras-chave: Santo Daime, União do Vegetal, trajetórias, butinage.
7
ABSTRACT
Within the "new religious movements" we find the Brazilian ayahuasca
religions União do Vegetal (UDV) and the Santo Daime. These two religions are based
on the use of psychoactive tea ayahuasca, known as vegetable and daime, respectively.
Started in the Amazon region and are present in almost all urban centers in Brazil and
other countries, from a broadcast set in the context of "new religious consciousness."
This context is marked by a number referring to a religious tradition of eclecticism and
circularity. This high degree of mobility and movement between different spiritual
experiences is grounded in a dynamic conversion, desconversion and reconversion
typical and well-used on the metaphor of the pilgrim Hervieu-Léger (1999). In an
ethnographic study focused on the União do Vegetal (UDV) and Santo Daime in Porto
Alegre/Grande Porto Alegre (RS) was sought through a comparative study and analysis
of trajectories understand how the faithful combine mobility and religious fidelity
focusing on the processes conversion, desconversion and reconversion, assuming that
these would be linked to an interface between the "structure" and religious experience
from the perspective of "religious butinage" proposed by Edio Soares (2009), in
contrast to the idea of “bricolage”. The "translation" of the research was built on a
metaphor that represents the native symbols: the rose and the hummingbird. For the rose
represents the UDV ayahuasca and the hummingbird symbolizes the Holy Spirit to the
daimistas, represented the own spirit of the founding masters of doctrine.
Keywords: Santo Daime, União do Vegetal, trajectories, butinage.
8
LISTA DE SIGLAS
ABenSaM – Associação Beneficente São Miguel - Associação Beneficente São Miguel
CEBUDV – Centro Espírita Beneficente União do Vegetal
CEFLURIS – Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra
CDC – Corpo do Conselho (UDV)
CD – Conselho Doutrinário (Santo Daime)
CI – Corpo Instrutivo (UDV)
CICLU – Centro de Iluminação Cristã Luz Universal
CLJ – Curso de Liderança Juvenil
Conad – Conselho Nacional Antidrogas
ConFen – Conselho Federal de Entorpecentes
CRF – Centro Rainha da Floresta
CSD – Conselho Superior Doutrinário (Santo Daime)
Demec – Departamento Médico Científico (UDV)
Dimed – Divisão de Medicamentos do Ministério da Saúde
DMD – Departamento de Memória e Documentação (UDV)
DMT – Dimetil Triptamina
EQM – Experiência de Quase Morte
GMT – Grupo Multidisciplinar de Trabalho
IDA – Instituto de Desenvolvimento Ambiental
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
LSD - Dietilamida do ácido lisérgico
MAO – Monoamina oxidase
MSN – Live Messenger
PET - Politereftalato de Etileno
POA – Porto Alegre
QM – Quadro de Mestre (UDV)
SNC – Sistema Nervoso Central
UA – Unidade Administrativa (UDV)
UDV – União do Vegetal
9
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
Figura 1 – O caule na União do Vegetal.......................................................................111
Figura 2 – Os ramos no Santo Daime............................................................................169
Figura 3 – Tirando os espinhos e colhendo o néctar.....................................................252
Figura 4 – A viagem entre o beija-flor e a rosa.............................................................282
Tabela 1 – Quadro comparativo UDV X Santo Daime...................................................68
10
SUMÁRIO
RESUMO...........................................................................................................................6
ABSTRACT......................................................................................................................7
LISTA DE SIGLAS...........................................................................................................8
LISTA DE FIGURAS E TABELAS.................................................................................9
INTRODUÇÃO...............................................................................................................12
CAPÍTULO 1 - A ROSA NA UNIÃO DO VEGETAL.................................................34
1.1 O Fundador da União do Vegetal............................................................34
1.2 A Fundação da União do Vegetal (UDV)...............................................36
1.3 A Organização da União do Vegetal.......................................................38
1.4 A Expansão da União do Vegetal............................................................39
1.5 O Núcleo Jardim das Flores.....................................................................40
1.6 O Templo do Núcleo Jardim das Flores..................................................44
1.7 Relatório Astrológico do Início da Construção do Templo.....................47
1.8 Relatório Astrológico da Inauguração do Templo..................................48
1.9 Algumas Relações Interessantes..............................................................49
CAPÍTULO 2 - O BEIJA-FLOR NO SANTO DAIME..................................................51
2.1 O Fundador do Santo Daime...................................................................51
2.2 O Fundador do Santo Daime (CEFLURIS).............................................52
2.3 A Fundação do Santo Daime...................................................................53
2.4 A Fundação do Santo Daime (CEFLURIS)............................................54
2.5 A Organização do Santo Daime (CEFLURIS)........................................58
2.6 A Expansão do Santo Daime (CEFLURIS)............................................58
2.7 A Comunidade Céu de São Miguel (AbenSaM).....................................62
2.8 A Igreja do Céu de São Miguel ..............................................................65
CAPÍTULO 3 - O CAULE NA UNIÃO DO VEGETAL...............................................70
3.1 A Doutrina...............................................................................................70
3.2 Igreja, Seita e Tipo Místico.....................................................................74
3.3 O Ritual....................................................................................................86
3.4 A Sociedade Religiosa.............................................................................89
11
CAPÍTULO 4 - OS RAMOS NO SANTO DAIME......................................................112
4.1 A Doutrina.............................................................................................113
4.2 Igreja, Seita e Tipo Místico...................................................................115
4.3 O Ritual..................................................................................................131
4.4 A Comunidade Religiosa.......................................................................139
CAPÍTULO 5 - O CAULE E OS RAMOS: CONSIDERAÇÕES FINAIS DE UMA
PERSPECTIVA COMPARATISTA.............................................................................170
CAPÍTULO 6 - TIRANDO OS ESPINHOS E COLHENDO O NÉCTAR..................188
6.1 Cura e Reencarnação no Santo Daime e na União do Vegetal..............189
6.2 A União do Vegetal, o Santo Daime e a Psicoterapia
Reencarnacionista..........................................................................................................195
6.3 O Processo de Cura nas Religiões Ayahuasqueiras...............................199
6.4 Considerações Finais.............................................................................249
CAPÍTULO 7 - A VIAGEM ENTRE O BEIJA-FLOR E A ROSA.............................253
7.1 A Bricolage no Santo Daime.................................................................254
7.2 A Butinage Religiosa.............................................................................255
7.3 A Butinage Religiosa no Santo Daime e na União do Vegetal.............257
7.4 Considerações Finais Sobre a Butinage no Santo Daime e na União do
Vegetal...........................................................................................................................275
CONCLUSÃO...............................................................................................................283
REFERÊNCIAS............................................................................................................292
12
INTRODUÇÃO
Parto com a Lua
Derramada no espelho do mar
Cartas de um futuro
Tenho o mundo para se revelar [...]
Era o outro lado do Sol
E um perfume
De fruta e de flor
Roda, minha vida
Nas trapaças do Criador
E eu irei em qualquer direção
E voltarei
Eu sou meu guia1
Verifica-se a emergência de um campo de intersecção entre diferentes
formas de espiritualidade, práticas terapêuticas alternativas e experiências espirituais e
religiosas ecléticas, por segmentos de classes médias urbanas (Maluf, 2003). Categorias
distintas são utilizadas para delinear, definir este fenômeno: “novas espiritualidades” ou
“novos movimentos religiosos”, “terapias neo-religiosas”, “alternativas” ou “holísticas”,
“nebulosa místico-esotérica” (Champion, 1994), “nebulosa de heterodoxias” (Maître,
1987), “nova consciência religiosa” (Soares, 1994), “reencantamento do mundo”
(Gauchet, 2004; Pierucci, 2005), “sedução do sagrado” (Bingemer, 1992) e
“religiosidades da Nova Era”.
De acordo com Soares (1994), o traço distintivo essencial da “nova
consciência religiosa” se encontra no fato de estabelecer-se uma relação muito
particular com as religiões, no plural – com a religiosidade. Não é propriamente o
conteúdo das crenças ou das práticas religiosas que é novo, mas um conteúdo cultural
mais abrangente que atribui um sentido peculiar, para o crente de tipo novo, a sua
relação com sua crença e, portanto, ao seu engajamento religioso que é, também, social.
“A nova consciência religiosa é uma forma de metaconsciência da experiência mística e
do compromisso religioso, derivada da preeminência da cosmologia alternativa”
(p.210). O misticismo ecológico – ou a cultura alternativa, define o fiel como,
sobretudo, um peregrino devotado à busca de sabedoria, paz espiritual e participação
harmoniosa – cósmica, ecológica e comunitária.
Steil (2001, p.115) analisa a dinâmica do campo religioso na modernidade,
sustentando que este se caracteriza por ser marcado por um reordenamento de diferentes
1
Trechos da música “Eu sou meu guia” do cantor e compositor Lenine.
13
formas religiosas institucionais e não-institucionais que confluem em um contexto de
pluralismo. As sociedades latino-americanas se caracterizam por apresentarem um
campo religioso profundamente transformado e reordenado, onde as diferentes formas
de expressão religiosa convivem no contexto de um pluralismo que parece não colocar
limites à diversidade. Cada vez mais as escolhas são livres e as religiões adequam-se
aos novos tempos e a sociedade, em permanente mudança, impondo um novo
movimento de valorização da diversidade. Essa dinâmica cultural é inevitável no mundo
pós-moderno, onde os grupos sociais têm recriado suas esferas de pertencimento,
comportamento e identidade. O experimentalismo religioso torna-se prática comum
entre grupos de pessoas que buscam, não uma religião, mas uma religiosidade. É
importante, então, atentar para o papel da experiência religiosa na construção da
identidade individual e coletiva, pensando a tradição e a modernidade, não como um
contraste, mas como “possibilidades de arranjos entre elementos de diferentes origens,
vivenciados em experiências pessoais e coletivas que ultrapassam a possibilidade de
controle das instituições religiosas” (p.126). Pois em época de pós-modernidade já não
se busca uma identidade religiosa só porque ela pretende ser homogênea.
Segundo Soares (1994), existe uma forte correspondência entre a
modernidade e a “nova consciência religiosa”. A modernidade caracteriza-se pelo
deslocamento da religião, onde o compromisso religioso seria, mais um exercício de
opção da subjetividade pessoal. Para ele, a nova consciência representaria a realização,
talvez mais rigorosa e radical, da experiência religiosa moderna, o último avatar do
“racionalismo moderno ocidental” ou a expressão mais radical de um de seus efeitos
mais significativos.
Neste sentido Laplantine (2003), Danièle Hervieu-Léger (1999) e Gauchet
(2004) abordam os “novos movimentos religiosos” como uma forma de contestar a
realidade.
Segundo Laplantine (2003), o espaço religioso contemporâneo torna-se um
dos campos privilegiados de um verdadeiro laboratório social, no qual se elaboram as
reações a um racionalismo vivido como uma ameaça. O religioso é, hoje, um vetor pelo
qual culturas atomizadas ou instáveis procuram reconstituir uma ligação com o social.
Não mais na relação com a sociedade global, mas com um pequeno grupo, onde
identidades problemáticas podem encontrar uma solução.
14
Gauchet (2004) questiona se o “retorno do religioso” tem relação com um
“mundo desencantado2
”. Para o autor, não é o retorno da religião com sua antiga
função, trata-se de entender a religião como instância que integra a sociedade civil, ou
ainda, o religioso como opção privada que entra no espaço público. O princípio de
definição do espaço público é o da “identidade”, isto porque se entra no espaço público
a partir do que se é privadamente. É enquanto pessoa privada e a título de suas opções
privadas que se quer existir ao olhar da coisa pública. Quer-se ratificar, enquanto parte
integrante do conjunto social, os pertencimentos singulares, a identidade privada, a
começar pelas convicções religiosas.
Danièle Hervieu-Léger (1999) aborda três características da modernidade: A
primeira característica da modernidade é a de enfatizar, em todos os domínios da ação, a
racionalidade, isto é, o imperativo da adaptação coerente dos meios aos fins que se
persegue. A segunda característica seria a autonomia do indivíduo-sujeito, capaz de
“fazer” o mundo no qual ele vive e de construir, ele mesmo, as significações que dão
um sentido à sua própria existência. A terceira configura um tipo particular de
organização social, caracterizada pela diferenciação das instituições, especialização dos
diferentes domínios da atividade social. Nas sociedades modernas, a religião cessa de
fornecer, aos indivíduos e aos grupos, o conjunto de referências, das normas, dos
valores e dos símbolos que lhes permitem dar um sentido à sua vida e às suas
experiências. Na modernidade, a tradição religiosa não constitui mais um código de
sentido que se impõe a todos.
Para Steil (2001, p. 116-17), o pluralismo religioso é um fenômeno moderno
que tem sua origem na ruptura da relação orgânica entre Estado e religião. “Na medida
em que a religião deixa de ser fundante social, enquanto sua base ou forma de
organização, ela permite a emergência de diferentes grupos religiosos que irão atuar no
nível da cultura e do conhecimento”. Assim, “a pluralidade e a fragmentação religiosa
são frutos da dinâmica moderna, em que a secularização e a diversidade estão
2
Pierucci (2005) analisa o conceito de “desencantamento do mundo” formulado, originalmente, por Max
Weber: é possível afirmar que para os seres humanos, inicialmente, o mundo, o cosmo, a natureza e todos
os seres que habitam o planeta eram considerados sagrados e encantados, de modo que a história de suas
origens era explicada nos primeiros mitos cosmogônicos oriundos das práticas mágico-religiosas. As
coisas e a vida dos seres que habitam o mundo, conseqüentemente, adquiriram uma essência divinal.
Dessa forma, para Weber, o mundo foi encantado. Os mitos das antigas tradições religiosas sempre
procuraram explicar perfeitamente a origem desse mundo que passa a ser guiado pelo encanto, magia,
intervenção e boa vontade das divindades e deidades sobre humanas. Neste sentido, o cenário de
indecisão e de incertezas o homem atual vivencia o “desencantamento do mundo”, que o faz buscar
respostas e revelações que possam preencher o “vazio” imposto por tal condição vertiginosa.
15
associadas diretamente a um mesmo processo histórico” (p.116). Esta tendência, por sua
vez, aponta para uma diluição de fronteiras que se estenderia para além do campo
religioso. Esse ambiente de fluidez, hibridismos, empréstimos, trocas e apropriações
propicia o surgimento de variadas formas de privatizações religiosas, onde o popular e o
emocional podem se expressar com legitimidade. Para o autor, a experiência da emoção
está no centro da religiosidade contemporânea. Para ele “esta valorização emocional,
por sua vez, [...] sobrepõe-se à dimensão racional ou teológica das instituições religiosas
na modernidade”, fazendo com que os crentes, sejam eles pós-modernos ou
pertencentes a cultos populares, “se mobilizem muito mais pelo sensível e pela emoção
do que pelos dogmas e verdades de fé” (p.123).
Soares (1994) define a “nova consciência religiosa” como um fenômeno das
grandes cidades brasileiras, especialmente das camadas médias voltadas de uma
inquietação religiosa, referente a uma insatisfação com as experiências religiosas
vividas na infância e na adolescência, por força de pressões, estímulos ou identificações
familiares e, por outro lado, o afastamento de antigos vínculos não significa,
necessariamente, a extinção da curiosidade ou da inclinação religiosas. Além disso, a
insatisfação é extensiva às crenças que se apresentaram, em momentos determinados
das trajetórias individuais, como alternativas à religião. Assiste-se a uma “mutação
sociocultural, isto é, a uma ruptura com representações e visões do mundo; com canais
tradicionais de transmissão de mitos e valores, que, até agora, teriam sido o suporte
cultural da identidade brasileira tradicional” (Sanchis, 2001, p.33). Nas sociedades pós-
tradicionais, desencadeia-se um processo de desfiliação religiosa, em que pertenças
religiosas tornam-se opcionais revisáveis, e os vínculos quase experimentais (Pierucci,
2002).
O fenômeno aponta para algo presente na sociedade brasileira: a idéia matriz
do “alternativo”, como orientação e estilo de vida. Genericamente, identificam-se
grandes linhas, contra as quais se definiriam as “alternativas”: competição predatória;
consumismo; violência; negligência ética; impunidade recorrente. Mas, esses traços que
qualificam comportamentos são traços relativamente independentes de estruturas
institucionais. O “alternativo” aparece colado ao cidadão convencional, preocupado
com uma moralidade civil crítica, o que o afastaria da idéia de transgressão. Sem
convenções muito cristalizadas e instituições bastante rígidas para criticar, o perfil do
alternativo se dilui. Esse fenômeno favorece o espaço alternativo, o florescimento de um
espírito de tolerância, de pouco ardor sectário e de uma expressiva variedade. Há no
16
Brasil um processo inusitado de desvio moralizador-crítico do cidadão bem
comportado. (Soares, 1994).
Dentro da cosmologia alternativa, ou misticismo ecológico (sua versão
religiosa), apontada por Soares (1994), o religioso alternativo brasileiro é, também, um
andarilho. Faz parte de sua agenda um deslocamento permanente entre formas de
trabalhar a espiritualidade, em nome de uma busca sempre renovada de experiências
místicas.
Na mesma perspectiva de Soares (1994), da chave interpretativa do “trânsito
religioso”, Amaral (1993, 1994, 2000) e Brandão (1994) analisaram esse fenômeno,
através do enfoque que repousa nos percursos de indivíduos libertos de amarras a
instituições religiosas, cunhando conceitos e categorias como “nomadismo”, “errância”,
“itinerância” espiritual ou religiosa. Nesse sentido, outros autores, explorando o
“espírito de época” da pós-modernidade e da globalização, interpretaram a dinâmica,
dentro das novas relações estabelecidas entre indivíduo e sociedade, marcadas pela
“hiperindividualização” e “reflexividade” – liberdade radical do self de questionamento
e escolha de paradigmas (D’Andrea, 1996) e pela suspensão das fronteiras religiosas,
fruto de múltiplas passagens pelas mais diversas “províncias de sentido religioso”,
realizadas por indivíduos “globalizados”, cuja síntese se dá no interior desses mesmos
indivíduos (Pace, 1997).
Dentro deste universo religioso encontramos as religiões ayahuasqueiras
brasileiras: A União do Vegetal (UDV), o Santo Daime (CEFLURIS e Alto Santo), e a
Barquinha. Essas três religiões se baseiam no uso do chá ayahuasca3
, que é a união de
duas plantas: Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis, conhecidos respectivamente
como Mariri (UDV) ou Jagube (Daime) e Chacrona (UDV) ou Rainha (Daime). Essas
religiões se iniciaram na Região Amazônica e estão presentes nos centros urbanos em
praticamente todo o Brasil e em outros países, a partir de uma difusão configurada no
contexto da “nova consciência religiosa”.
De acordo com Goulart (2004, p.8), o pesquisador Clodomir Monteiro da
Silva (1983) foi quem utilizou pela primeira vez o termo “linha” para designar os
grupos do Santo Daime, da União do Vegetal e da Barquinha, enquanto variantes
3
Luís Eduardo Luna (1986) lista 42 termos designativos do cipó Banisteriopsis Caapi em diversas
regiões e povos do Alto Amazonas, segundo vários autores. Um dos mais disseminados é
ayahuasca.Trata-se de um termo quíchua cuja etimologia é, segundo o autor: Aya= pessoa, alma, espírito;
e Wasca= corda, cipó, liana. Assim, uma tradução possível para o termo ayahuasca seria corda das almas
ou dos espíritos.
17
doutrinárias no interior de uma mesma tradição religiosa. Ele foi seguido por outros
estudiosos nesta via de interpretação, como por exemplo, Fernando de La Rocque Couto
(1989). Tanto Monteiro da Silva como La Rocque Couto entendem que a distinção entre
as linhas é feita através de diferenciações no tocante ao conteúdo das narrativas míticas,
às formas rituais e ao conjunto de entidades que integram cada panteão. Monteiro da
Silva (1983, p. 94) e Sandra Lúcia Goulart (2004, p. 81) afirmam que a noção de linha é
amplamente divulgada entre os pesquisadores do tema ayahuasqueiro, no intuito
analítico de demarcação e recorte dos seus objetos de estudo. A noção de linha também
é adotada epistemologicamente, por estar comumente presente nas narrativas dos fiéis
dessas instituições religiosas, quando se referem ao conjunto de grupos e centros
específicos, sejam eles pertencentes à “linha daimista”, à “linha da barquinha” ou à
“linha udevista”.
Goulart (2004, p.13) emprega a noção de “campo” de Bourdieu para se
referir às três linhas urbanas ayahuasqueiras (Santo Daime, Barquinha e União do
Vegetal), como sendo diferentes partes de um mesmo campo religioso que lutam para
definir quais são as práticas, ou seja, as formas legitimamente religiosas deste espaço.
Labate (2004, p. 92) compartilha dessa compreensão de “campo ayahuasqueiro”, que
abarca a junção dessas três linhas distintas e das igrejas, centros ou núcleos que
surgiram subseqüentes às cisões e dissipações, visto que cada linha religiosa teve sua
origem a partir do contato com o universo xamânico andino, o que as faz
compartilharem dessa tradição em comum. A autora anexa ao campo ayahuasqueiro, o
que ela chama de “usos não convencionais” da bebida.
As três religiões a UDV, o Santo Daime e a Barquinha, embora tenham
significativas diferenças no tocante à doutrina4
, estão dentro do campo dos “novos
movimentos religiosos”, da “nova consciência religiosa”, no qual visualizamos uma
tradição de ecletismo, circularidade, mobilidade religiosa, porém identificado por
Soares (1994) como um marco diferencial, dentro dos novos movimentos religiosos,
pois ao mesmo tempo em que é uma vertente da “nova consciência religiosa”, por outro
lado estanca a errância marcada por este fenômeno.
A mais conhecida dessas religiões é o Santo Daime, porém a que possui
mais fiéis é a União do Vegetal. Atualmente existem cerca de 42 igrejas filiadas ao
Santo Daime do CEFLURIS (Centro Eclético da Fluente luz Universal Raimundo Irineu
4
Doutrina é como freqüentemente os adeptos se referem ao corpo institucional de que fazem parte.
18
Serra) no Brasil (www.santodaime.org) e, aproximadamente, 4.000 membros oficiais. Já
no exterior, este grupo tem centros em pelo menos 23 países, englobando Américas do
Sul, Central e do Norte, Europa, Japão e África do Sul. A União do Vegetal conta com,
aproximadamente, 15.000 membros oficiais, possuindo núcleos fora do Brasil, nos
Estados Unidos, em seis estados diferentes, com cerca de 140 membros e em Madri, na
Espanha, além de núcleos incipientes na Itália, Portugal, Inglaterra e Alemanha (Labate,
Rose e Santos 2008).
A pluralidade religiosa brasileira refere-se à existência de uma tradição de
ecletismo da vivência religiosa e intensa circularidade religiosa no Brasil. Uma intensa
mobilidade e circulação das pessoas entre diferentes experiências espirituais
caracterizam a experiência neo-religiosa no Brasil, calcada numa dinâmica de
conversões e reconversões (e de desconversões) extremamente móvel (Maluf, 2003).
Nesse sentido, o estudo das religiões ayahuasqueiras merece atenção especial dentro de
uma compreensão da “nova consciência religiosa” e das complexidades do espaço
religioso contemporâneo, dada a “crescente relevância social desse fenômeno e,
aparentemente, o êxito de sua expressão política” (Soares, 1994, p.210). Porto Alegre se
configura um campo fértil para análise da mobilidade, característica da experiência neo-
religiosa, pois a cidade tem “uma história antiga de instalação de grupos e ordens
místico-esotéricas” (Maluf, 2003, p.154).
O tema revigora-se, no momento, pela dimensão política envolvida: o pedido
de Registro da ayahuasca como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, em 2008, e pela
ênfase na mídia, em 2009 e início de 2010. Labate, Rose e Santos (2008) ressaltam que
apesar do Boom das pesquisas no Brasil e o início da expansão nos estudos sobre as
religiões ayahuasqueiras no exterior, ocorrido nos anos 2000, este campo de estudos
ainda é marginal, em relação ao mainstream acadêmico, e ao, mesmo tempo, cada vez
mais popular no cenário psicodélico.
Hervieu-Léger (1999) trabalha com duas metáforas do religioso na
modernidade: o peregrino e o convertido. O peregrino é o errante, o migrante, a
mobilidade. O peregrino caracteriza o novo modo de ser religioso: o andarilho. A
trajetória de vida não se mantém na mesma ordem religiosa. Este peregrino vai ser um
construtor pessoal, um construtor da sua trajetória religiosa. O convertido é os
momentos de pausa deste errante. Hervieu-Léger (1999) fala da tríplice figura do
convertido: 1. O indivíduo que “muda de religião”, seja porque rejeita, expressamente,
uma identidade religiosa herdada ou assumida para a substituir por uma nova, seja
19
porque abandona uma identidade religiosa imposta, mas à qual nunca tinha aderido, em
proveito de uma nova fé. 2. A conversão dos “sem religião”, ou seja, do indivíduo que
nunca tendo pertencido a qualquer tradição religiosa, descobre, após um caminho
pessoal mais ou menos longo, aquela em que se reconhece e à qual decide finalmente
agregar-se e 3. O “reafiliado”, do “convertido interior”: aquele que descobre ou
redescobre uma identidade religiosa, que até aí permaneceu formal, ou vivida a
“mínima”, de maneira puramente conformista.
Dentro deste processo, encontramos um sincretismo, encontramos a
“bricolage”, no sentido de Lévi-Strauss, trabalhada por muitos autores como Hervieu-
Léger (1999, 2005), Soares (1994), Champion (1993), Steil (2001), dentre outros. A
“bricolage” seria a possibilidade de organizar um universo de representação simbólica a
partir de elementos provenientes de diferentes sistemas religiosos. Têm-se uma
cosmologia estruturada de referência para errância, ou seja, encaixa-se dentro de uma
estrutura de base a diversidade religiosa.
Edio Soares (2009, p.13) traz a idéia de “butinage religiosa”, distinguindo-a
da “bricolage”. Longe dos velhos esquemas, segundo os quais a conversão implica a
recusa da crença anterior para abraçar uma nova, a “butinage” oferece uma outra
perspectiva: a das práticas plurais, mas vividas como não contraditórias entre elas,
através das quais os fiéis combinam formas variadas de relações com o sagrado. Da
maneira que uma abelha, o praticante “butina” de uma denominação religiosa a outra,
recriando e fabricando sentido no “perfume”, cada vez específico e renovado.
Soares (1994) menciona duas situações de conversão: a primeira com um
caráter provisório, onde o engajamento em um universo de crenças e de práticas é
apenas uma fase de transição para uma adesão de outra qualidade. A segunda forma de
conversão é vivida, não mais como temporária, mas como permanente e “definitiva”.
Para ele, o fator que permite esse engajamento é a flexibilidade inerente às novas
práticas religiosas e o Santo Daime é uma versão do misticismo ecológico e, ao mesmo
tempo, estanca a errância marcada por este fenômeno.
Apesar da União do Vegetal ter mais que o triplo de membros oficiais que o
Santo Daime (CEFLURIS), como foi explicitado anteriormente, o Santo Daime possui
um histórico muito maior de indivíduos que passaram pela religião. Diversas pessoas
freqüentam os rituais do Santo Daime sem estar formalmente vinculada ao CEFLURIS,
havendo uma grande rotatividade de participantes, fazendo com que seja muito difícil a
20
contabilização precisa do número de pessoas envolvidas regularmente com esta
organização religiosa (Labate, Rose e Santos, 2008).
Neste sentido, o presente estudo trata das trajetórias5
dos fiéis da União do
Vegetal – Núcleo Jardim das Flores e do Santo Daime (CEFLURIS) – Comunidade Céu
de São Miguel de Porto Alegre e Grande Porto Alegre respectivamente. Através de um
estudo comparativo, busquei compreender as experiências religiosas e transformações
na vida dos indivíduos, dentro dessa pluralidade religiosa, a partir da análise de suas
trajetórias, que envolvem processos de conversão, desconversão e reconversão, típicos
da bem empregada metáfora do peregrino de Hervieu-Léger (1999), com base na idéia
de “butinage” proposta por Edio Soares (2009).
A literatura sobre o fenômeno da ayahuasca já conta com um número
considerável de obras, textos e pesquisas diversificadas. Segundo a contabilidade
realizada por Labate, Rose e Santos (2008), há no Brasil, 52 livros, 90 artigos
publicados, 70 trabalhos apresentados em eventos e 52 trabalhos acadêmicos sobre o
tema das religiões ayahuasqueiras, sendo 35 dissertações, 7 teses e 9 pesquisas em
andamento. No decorrer da minha escrita, procurei dialogar com os principais e mais
relevantes estudos neste tema.
De acordo com Labate (2004), a União do Vegetal é uma instituição fechada
e seleta para pesquisadores. Alguns pesquisadores conhecidos não conseguiram obter
permissão para estudá-la e outros tiveram a exigência de ser sócio da União, como por
exemplo, a dissertação em ciências sociais de Andrade (1995), atualmente mestre da
UDV e Ricciardi (2008), sócia da UDV. A primeira e, até então, única dissertação em
antropologia é do ex-padre jesuíta Sergio Brissac (1999a), que não foi publicada. Com
exceção de Brissac (1999a), as pesquisas realizadas com a União do Vegetal foram
feitas por pesquisadores adeptos da religião. O Santo Daime, grupo no qual se concentra
a maioria dos estudos acadêmicos, apesar de ter as portas abertas para pesquisadores,
grande parte destes também são nativos. Não acho interessante tomar como objeto de
estudo sua própria religião, pois, como colocou Caldeira (1988), do mesmo modo que o
antropólogo tem que se transformar ao entrar em uma outra cultura, ele tem que
reelaborar a sua experiência ao sair dela, de modo a transformá-la em uma descrição
5
Conforme Bourdieu (2006, p.189), trajetória é uma “série de posições sucessivamente ocupadas por um
mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a
incessantes transformações”, passando por uma compreensão de acontecimentos biográficos da vida do
sujeito, sendo “colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente, nos diferentes
estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no
campo considerado”.
21
objetiva (científica) da cultura como um todo. Porém, as pesquisas feitas por nativos
têm grande contribuição, por apresentarem amplo domínio do conhecimento sobre o
campo.
O meu acesso à UDV, como pesquisadora não convertida à religião, só foi
possível pelo fato de ter pessoas importantes de meu convívio íntimo dentro da União,
importantes, no sentido de possuírem um grau hierárquico significativo e serem pessoas
de prestígio dentro do grupo, e pelo atual interesse do grupo pela realização de
pesquisas científicas, a fim de reconhecer e legitimar, cada vez mais, o uso da
ayahuasca num contexto religioso. Este interesse se reflete, por exemplo, na criação de
um Departamento Médico-Científico – DEMEC (1986) e de um Comitê Científico
(2004). Enquanto o primeiro está voltado para incentivar a realização de pesquisas, com
um enfoque biomédico-farmacológico, o Comitê Científico consiste em órgão
especialmente voltado para receber estudiosos de outras áreas interessados em
investigar o grupo, o que sinaliza uma maior abertura com relação a pesquisadores
acadêmicos das ciências humanas (Labate, Rose e Santos, 2008). O Comitê Científico é
formado por acadêmicos que são sócios (adeptos) da UDV.
O meu projeto de pesquisa de mestrado foi analisado por dois assessores
acadêmicos, sendo avaliado nos aspectos referente ao mérito acadêmico e de interesse
da própria instituição em “ser pesquisada”. O meu projeto preencheu estes aspectos,
sendo assim autorizada à pesquisa. Também recebi recomendações nestes pareceres
acerca de minha pesquisa, bem como a combinação de informar, periodicamente, o
andamento da pesquisa para que a instituição pudesse acompanhá-la e auxiliar no que
fosse preciso.
Também, no ano de 2004, tive o meu primeiro contato com a UDV, que
resultou no meu trabalho de conclusão do curso de Psicologia, intitulado “Uma
aproximação psicológica do uso religioso da ayahuasca” (2005). Assim, este grupo não
era tão “estranho” para mim e nem eu tão “estranha” ao grupo. Porém, era um grupo
estranho no viés antropológico e a etnografia era algo inusitado, o que me faria penetrar
em instâncias inexplícitas e, de acordo com Wagner (1981), essa experiência
etnográfica é tomada como experiência, mediada pelo pensamento e seus parâmetros
culturais, e este é atualizado pela experiência. Segundo o autor, a experiência
etnográfica impõe resistências às categorias analíticas do antropólogo. Ele vai se
tornando o ponto articular entre duas culturas e, à medida que ambas vão sendo
objetificadas, a invenção de uma é concomitante à reinvenção de outra. Quanto mais
22
familiar o estranho se torna, mais estranho o familiar parecerá ao observador. E é esse
estranhamento que faz precipitar a cultura, dando-lhe visibilidade. A dupla experiência,
de inventar culturas para os outros e, por contraste, uma cultura para si, desdobra-se na
invenção da cultura como advento universal do fenômeno humano.
A partir de Mauro, um dos meus principais informantes, foi que cheguei à
comunidade do Santo Daime (CEFLURIS) Céu de São Miguel, em maio de 2008.
Mauro é medico psiquiatra e fundou a psicoterapia reencarnacionista no Rio Grande do
Sul em 1996. Ele foi sócio da União do Vegetal, por quase oito anos, e foi daimista,
morador da referida comunidade, durante toda minha pesquisa etnográfica, afastando-se
do Daime, em janeiro de 2010, não estando, atualmente, ligado a nenhuma religião. Por
ter circulado nos dois grupos religiosos, muitos adeptos udevistas e daimistas se
submeteram e/ou ainda se submetem a sessões de regressão a vidas passadas com ele,
assim enquanto realizava minha pesquisa também me submeti a uma regressão,
considerando ser este um atravessador de análise significativo dessas religiões.
Eu conheci o Mauro em 2004, quando tive contato com a UDV, sabia de seu
afastamento da União e de sua conversão ao Daime, o que, inicialmente, me instigou a
pensar na mobilidade religiosa, trânsito e a trajetória dos fiéis, podendo pensar os
processos de conversão, desconversão e reconversão, abrindo a possibilidade de
trabalhar com duas religiões ayahuasqueiras diferentes, numa perspectiva comparatista.
A única pesquisa que aborda esta perspectiva comparatista entre as religiões
ayahuasqueiras é a tese de doutorado em Ciências Sociais “Contrastes e continuidades
em uma tradição Amazônica: as religiões da ayahuasca”, de Sandra Lúcia Goulart
(2004).
Goulart (2004) realiza um estudo antropológico comparatista entre os
sistemas rituais e simbólicos das três principais religiões ayahuasqueiras brasileiras: a
União do Vegetal (UDV), o Santo Daime e a Barquinha, destacando, também, os
conflitos entre elas e o processo de dissidências que ocorre no interior dos respectivos
grupos. É um trabalho pioneiro no que concerne à comparação exaustiva destas
religiões, envolvendo, simultaneamente, análises dos contextos históricos que levaram à
constituição de cada uma delas e etnografias detalhadas. Além disso, a autora realiza
uma pesquisa ampla sobre a biografia dos fundadores dessas religiões, mostrando como
a formação cultural e a história pessoal dos líderes foram importantes elementos na
elaboração desses cultos. Ao se deter na análise dos conflitos entre essas religiões
ayahuasqueiras, a tese aponta, também, para as principais acusações acionadas entre
23
seus adeptos. Nesse sentido, defendeu-se a hipótese de que atualmente a construção das
fronteiras identitárias entre os diversos grupos desse campo religioso remete ao tema do
uso de drogas ilícitas na nossa sociedade. O estudo concluiu que, apesar dos conflitos e
fragmentações entre as religiões ayahuasqueiras serem de fato acirrados, todas elas
compartilham de um legado cultural comum, de origem amazônica, expressando, assim,
diferentes desenvolvimentos de uma única tradição. Este estudo foi uma das referências
básicas para minha pesquisa.
Depois de retomar contato com a União do Vegetal, em abril de 2008, em
maio do mesmo ano, fui para Bahia, no Núcleo Salvador, para participar de um preparo
de vegetal (ayahuasca), ficando hospedada, durante quatro dias, no Núcleo e,
posteriormente, na casa de um Conselheiro da UDV.
Entrei em contato com o Santo Daime via informante Mauro. O primeiro
contato foi, por telefone, com o Comandante do Céu de São Miguel, Alancardino
Vallejos, identificando-me como pesquisadora e sendo, imediatamente, autorizada para
realizar meu estudo. Posteriormente, o padrinho Alan, como é chamado pelos membros
daimistas, se tornou outro de meus principais informantes. No primeiro encontro que
tive com ele, pessoalmente, e conversei um pouco mais sobre a minha pesquisa,
explicitando que esta se daria concomitantemente com a UDV, ele me contou a seguinte
história:
Eu tive um sonho muito sério com a UDV, e até fui lá no Mestre Augusto, naquela vez, por
causa disso. Eu sonhei que eu tava numa oca indígena e minha esposa tava fardada de azul,
com a nossa farda azul. Ela tava sentada no meio da oca, era uma oca grande, com índios
por ali e outras pessoas brancas e outros fardados e eu também tava fardado. Eu tava na
porta, olhei a negra (esposa dele) lá, os índios, as pessoas, a floresta. E disse: “Negrinha
quem sabe tu leva a chave do Daime que tá ali na minha gaveta. Tem que acender as velas
lá”. Aí eu disse: “O que eu to fazendo aqui? O que é isso aqui?” Aí um senhor veio e me
disse assim: “Aqui é a União do Vegetal”. Aí eu saí daquela oca e tinha uma Lua cheia
daquelas que tão nascendo, tá meio amarela ainda. Fiquei estaqueado quando vi aquela Lua.
E ela saiu de lá e veio em cima de mim, que no sonho eu cheguei a dar um passo pra trás. A
impressão que eu tinha é que ela ia cair em cima de mim. Levei um susto. Olhei para dentro
daquela oca para ver se alguém tinha visto e só eu tinha visto. Ela veio de novo. Na terceira
vez que aconteceu, eu já estava mais preparado. Aí eu acordei. Aí eu contei para minha
esposa e ela disse assim: “Quem sabe tu procura isso aí né”. Aí eu tava lecionando lá na
UNISINOS e um amigo meu disse olha eu vou fazer um ritual, eu tenho uma sessão na
UDV. Aí eu disse: “Bah! To querendo ir nesse negócio aí”. Aí eu contei o sonho e ele disse
que ia falar com o Mestre Augusto que era o Mestre Geral naquela época e ele disse que era
para eu ir num sábado X lá e eu fui. Fui sozinho até, minha esposa não pode ir. Aí cheguei
lá fiz uma sessão maravilhosa [...] E eu tinha recebido nesse sonho que era para eu trabalhar
a aproximação com a União do Vegetal, que iria haver muitas coisas positivas para as duas
linhas. E o Mestre Augusto me cortou aquilo ali né. De repente eles estão mais abertos
agora...Eu gostaria muito de levar nosso povo lá, conhecer uma linha nova, conhecer uma
outra forma de se ligar com o Divino com o chá também. Nós temos a linha xamânica
também, fazemos umbandaime, mas eu gostei muito lá da UDV, daquela forma do
24
questionamento, que eu vejo que é diferente do nosso trabalho. E de repente receber os
irmãos da UDV aqui também. O grande problema que eu vejo nisso aí é o medo que as
pessoas têm do colonialismo. Ou seja, ah! Eu não vou deixar o cara ir naquela sessão porque
de repente vão querer levar o cara para lá. E se o cara for qual é o problema? Eu não mando
em ninguém. Eu tô sempre dizendo para o meu povo aqui, que igreja de Daime não tem
porta. Tu entra e sai à hora que tu quer. Se tu entrou segue as regras, se tu saiu segue as
regras. Quer voltar, tudo bem, entra. O Mauro, por exemplo, era da UDV veio tomar o chá
se deu bem, ótimo. Eu posso ter vários irmãos aqui que são vegetalistas e não sabem porque
nunca tiveram a oportunidade de tomar o vegetal e se encontrar. Às vezes o cara tá no
Daime ta tudo muito bem, mas não lincou bem a história porque não é bem a linha dele. Isso
é do homem não é do Vegetal, não é do Santo Daime, isso é do homem, é do Ego. O Ego
emperra tudo. Mas eu ainda tenho essa esperança de um dia poder me aproximar. Levar meu
pessoal lá, fazer uma sessão. Poder um dia trazer os irmãos da União aqui. Eu já fui no
espiritismo, na umbanda, na igreja Evangélica. Onde disserem que é a casa de Deus eu me
sinto bem. Agora a forma como cultuamos é diferente. A forma é do homem, mas o
conteúdo é de Deus. A fé é única. A forma que é múltipla. Então eu posso ir a qualquer
lugar que cultue Deus, que acredite em Deus. Mas eu fico meio “abichornado” como diz o
gaúcho. Talvez nessa ocasião com a UDV eu também tenha me deixado levar pelo Ego e
acabei não voltando mais na UDV. Talvez ele podia estar se sentindo mal com a presença da
gente, sabe como são essas coisas, a gente não sabe. Tanto faz se a pessoa toma Vegetal ou
Santo Daime todos somos irmãos (Padrinho Alan).
Além de pesquisadora, eu fui vista como uma pessoa especial, relacionada a
uma “missão” maior de união entre as religiões, principalmente as religiões
ayahuasqueiras, que é a nova proposta daimista refletida na “Nova Era”. Conforme
analisou Goulart (2004), as religiões ayahuasqueiras são permeadas de conflitos entre si,
o que pude observar durante minha pesquisa etnográfica, mas que não se configurou
como o foco da minha dissertação e sim como material de análise de uma prática
etnográfica consciente. Quero dizer que não consegui cumprir “minha missão” de
aproximar as duas religiões, mas com certeza foram trazidas questões, que Homi
Bhabha referiu como “Terceiro Espaço”. Evocando novas práticas de mobilidade e
deslocamento, a noção do “Terceiro Espaço” reconceitualiza o campo, ao mesmo tempo
em que aponta o que acontece entre as pessoas no seu interior. Se o autodeslocamento
cognitivo e afetivo é pré-condição para a tradução cultural, o deslocamento físico não é
tanto; a compressão tempo-espaço, a mobilidade global e as tecnologias de
comunicação significam que espaços de alteridade estão no caminho cotidiano do Eu, e
que o campo está em toda parte. A referência ao “espaço”, em oposição ao “lugar”, não
só delineia um terreno conceitual, como também abrange idéias acerca daquilo que pode
acontecer dentro dele, em termos das relações Eu/Outro e da produção de sentido. O
“Terceiro Espaço” é o outro (s) que surge, que não estão nem na cultura do nativo, nem
na do antropólogo. É um espaço intersticial que inova e interrompe o desenrolar do
presente. As práticas do “Terceiro Espaço” são cognitivas, afetivas e éticas.
Inconsciente somos todos etnógrafos (Jordan, 2008). Porém, antes de um possível tecer
25
consciente, deliberado de algo novo – o “Terceiro Espaço”, acabei, por vezes, me
enredando nas teias de sentido deles, bem como seu inverso.
Talal Assad (2008) diz que o etnógrafo tem de construir um texto, no
trabalho de campo; o antropólogo começa com uma situação social, dentro da qual algo
é dito, sendo o significado cultural dessa enunciação que terá de ser reconstruído. A
tradução dos antropólogos não é apenas uma questão de fazer equivaler frases no
abstrato, mas sim de aprender a viver uma outra forma de vida e a falar um outro tipo de
língua. O processo de tradução ocorre no momento em que o etnógrafo se envolve com
um modo de vida específico, tal como acontece com uma criança ao aprender a crescer,
dentro de uma cultura específica. Eu era uma criança que estava aprendendo a crescer
em duas culturas específicas e conflituosas entre si. Eu tinha que “ir e vir” entre elas,
sendo meu próprio guia.
O antropólogo vive simultaneamente em dois mundos mentais diferentes, que se constroem
segundo categorias e valores muitas vezes de difícil conciliação. Tornamo-nos, ao menos
temporariamente, uma espécie de duplo marginal, alienado de dois mundos (Evans-
Pritchard, 1978, p.303).
A “tradução cultural” é uma questão de determinar significados implícitos,
não os significados que os falantes nativos realmente reconhecem no seu discurso, nem
mesmo os significados que o ouvinte nativo aceita necessariamente, mas aqueles que ele
é potencialmente capaz de partilhar com a autoridade científica, numa dada situação
ideal. Assim, a tradução cultural não é uma questão de substituir texto por texto, mas de
co-criar texto, de produzir uma versão escrita de uma realidade vivida, e é, neste
sentido, que ela pode ser uma força transformativa eficaz daqueles que participam no
processo (Assad, 2008). Não sei se o meu texto alcançou esta tradução, mas, desde o
início da pesquisa, mantive um diálogo constante com meus informantes e, após
reescrever todo material, a partir de um pensar com meu orientador, todo este texto foi
lido por uma conselheira (outra informante significativa) da União do Vegetal e por um
membro free6
(outro importante informante) do Santo Daime e da União do Vegetal.
Também o Mestre Alberto, da União do Vegetal, que tem Mestrado em Ciências Sociais
e é professor da UFRGS, pode expressar sua visão nativa e acadêmica sobre a UDV,
bem como, o Padrinho do Santo Daime, dentro de seu conhecimento, resultando em
diálogos, reflexões e pontos reescritos, tentando evitar condicionamentos, ou a minha
6
Designação nativa daimista referente ao que Hervieu-Léger (1999) chamou de peregrinos. Esta
categoria será contextualizada mais a seguir na própria introdução.
26
autoridade sobre o assunto, e procurando que a minha voz e a dos nativos alcançassem
discursos diferentes. Não foi um exercício fácil para mim, visto que venho de uma área
de conhecimento centrada na minha interpretação de uma “outra” realidade, porém este
texto sempre vai ser meu, por mais polifônico que seja e há que se levar em conta que
os dados obtidos fogem ao nosso controle e que há uma multisubjetividade na pesquisa
e, além disso, não hesitei em usar a minha própria experiência como uma oportunidade
de colher dados. Há que se levar em conta, ainda, que por eu ter tido outra trajetória,
outra formação acadêmica (graduação em psicologia e especialização em clínica
psicanalítica lacaniana), antes de ingressar na antropologia, esta escrita vai estar
marcada por esta minha construção de conhecimentos, de saberes e de mudanças de
paradigmas. E, talvez, isso se reflita na escolha dos autores e numa produção no âmbito
de uma antropologia psicológica.
Priorizei, densamente, em toda minha pesquisa, a técnica da observação-
participante, por acreditar, como coloca Clifford (1998), que é por ela que apreendemos,
tanto no nível corporal como intelectual, as vicissitudes da tradução. A observação-
participante, em meu tema de pesquisa, aponta para uma questão significativa: o fato de
ingerir o chá ayahuasca, que é uma substância psicoativa, em todos os rituais, visto a
importância central atribuída, pelos grupos religiosos, ao efeito do chá no indivíduo
(designado de “burracheira” ou “força”). Eu ocupo uma posição e tenho acesso a
determinados lugares a partir dos quais se estabelece uma comunicação específica com
os sujeitos estudados que não é passível de representação. Não se trata de me
transformar em nativo; o que está em jogo é situar-se, ocupar um lugar em que se possa
ser afetado pelas mesmas forças que incidem sobre os nativos. Por outro lado, aceitar
ocupar este lugar não informa, exatamente, sobre as afecções do outro, mas sobre o que
afeta o próprio pesquisador nessa posição em que o outro se colocou. Favret-Saada
(1990) concebe este estado como uma modalidade de experimentação de intensidades
específicas (os afetos), apontando para a possibilidade do pesquisador permitir “ser
afetado” (être affecté).
O ato de tomar o chá é um être affecté sui generis, é como se eu adquirisse
um avatar, um corpo Na’vi humano (antropólogo-ayahuasqueiro), híbrido para interagir
com os nativos de Pandora7
, o campo religioso ayahuasqueiro, porém eu,
7
Fazendo referência ao filme épico de ficção científica “Avatar”, escrito e dirigido por James Cameron.
O filme foi lançado em 2D e 3D no Brasil em 17 e 18 de dezembro de 2009.
27
diferentemente de Jake Sully8
, vou viver com dois distintos clãs de Pandora – A União
do Vegetal e o Santo Daime. O Padrinho Alan recomendou esse filme, numa sessão, e a
comunidade daimista, em todo Brasil, se identificou muito com ele, pois os Na’vi vivem
em harmonia com a natureza e são considerados primitivos pelos humanos – a “religião
primitiva”, como divulgado na Revista Época9
(22 março 2010, n° 618), no caso
Glauco. Essa identificação suscitou um fórum de discussão na comunidade do Santo
Daime, no Orkut, onde os internautas associam o filme à doutrina daimista. Algumas
discussões, por exemplo, enfocam que o povo Na’vi cultuava Eywa, sua divindade
protetora, a deusa mãe, a própria natureza. É o arquétipo do divino feminino, a “Rainha
da Floresta10
”. O povo Na’vi tinha uma árvore das almas, onde, através dela, se
contatavam com todos seus ancestrais, ou seja, através de um vegetal eles alcançavam
essa conexão. Os Na’vi são um povo simples e muito evoluído, “os caboclos
guerreiros”. Diz o Padrinho Alan na comunidade do orkut:
Não é à toa que está fazendo sucesso. Sua linguagem é universal, de um homem que está em
extinção: o homem-pássaro, o homem-terra, o homem-ar, o homem-água, o homem-nação,
onde a vida só tem valor com o outro. Como disse Mário Quintana, somos anjos de uma asa
só. Precisamos do outro para voar. Concordo que me lembrou da doutrina. Será que ele, o
diretor, não passou por aqui?
Pensando assim nessa metáfora, ao ingerir o chá, eu adquiro avatar e
consigo, mentalmente, me ligar e me conectar, através de conexões invisíveis aos olhos
humanos, que me permitem acessar e compartilhar esse mundo espiritual nativo. Eu
entro em contato com seres que desconheço, com a natureza, com a árvore das almas e,
a partir daí, um paradigma se rompe completamente para mim e eu nunca mais consigo
enxergar as coisas como eu anteriormente enxergava. Após um período inicial de
“peias”, medos e resistências, eu consegui me entregar a essa “força”, sendo, por
algum tempo, capturada por “Pandora”, esse lugar mágico, que fica do outro lado do
Sol, com perfume de fruta e de flor. Eu acordava com os hinos ou as chamadas na
cabeça, eu chamava os nativos de irmãos, eu aprendi a rezar, a ter fé e a pensar em
caridade. Muitas vezes, me senti um nativo, como o Jake Sully, sem saber qual
8
Um dos personagens principais, o ex-fuzileiro paraplégico que vai substituir o irmão gêmeo morto no
seu avatar sem ter nenhum conhecimento da cultura Na’vi.
9
Em reportagem referente ao assassinato do cartunista Glauco Villas Boas, comandante da igreja
daimista Céu de Maria, o correspondente de Época em Londres – Paulo Nogueira compara a religião do
Daime ao vodu e o confucionismo, diz ele: o Santo Daime “uma religião primitiva que nasceu nos anos
1920 na Amazônia dos delírios do seringueiro Raimundo Irineu Serra” (Época 22 março 2010, n° 618,
p.100). Essa e outras reportagens causaram muita “indignação” aos daimistas.
10
A Rainha da Floresta é a Nossa Senhora da Conceição de quem o Mestre Irineu recebeu a doutrina
daimista.
28
realidade me pertencia e qual era a verdadeira. Até o dia em que, numa “burracheira”,
“do nada” tive uma experiência muito próxima e íntima com o Mestre Gabriel,
recebendo uma mensagem muito importante para minha vida. A mensagem era simples:
se seguires por esse caminho, irás se arrepender e sofrer; se seguires por esse outro
caminho, ficarás bem e feliz e, como no filme “Efeito Borboleta”, eu “mirei” toda cena
da minha vida futura. A mensagem era muito clara e se referia a uma escolha pessoal
que eu tinha que tomar e que não se referia à religião. Eu fiquei muito assustada e
profundamente abalada, fiquei três dias sem conseguir levantar da cama e com crises de
choro. O que eu devia fazer agora, já que eu estava só “brincando nos campos do
Senhor11
?” A minha vida rodava nas trapaças do Criador. Depois dessa revelação, eu
não ia conseguir seguir por outro caminho diferente daquele apontado pelo Mestre. Foi
o momento no qual, em março de 2009, precisei recorrer a uma terceira pessoa, que
pudesse me auxiliar psicologicamente, pois eu estava com medo de enlouquecer. Por
indicação, eu contatei uma ex-sociológa, que bebeu ayahuasca com os índios no Acre, e
atualmente é terapeuta alternativa, sim, uma terapeuta alternativa, porque, neste
momento de crise, eu estava duvidando até da psicanálise clássica, à qual me submeti
durante quase dez anos de análise pessoal. Essa pessoa me auxiliou a aprender a ir a
qualquer direção e voltar, pois “Eu sou meu guia” e, agora, eu faço uma alusão à
definição de Wagner (1981), do homem como xamã de seus significados, apontando
para as possibilidades de manipulação de um conceito no trânsito entre mundos.
A abordagem wagneriana aponta para a antropologia como disciplina que
inventa cultura a partir da cultura. O estudo da cultura também é cultura e,
simultaneamente, a cultura é o instrumento para sua invenção. Wagner (1981) acentua o
relacional, em detrimento do substantivo, na abordagem do outro como uma experiência
de pensamento, em que são concomitantes o aprendizado e a invenção, em que estão
implicados aprendizado/invenção do outro e aprendizado/invenção de si. Neste sentido,
a “invenção etnográfica”, tal como pensada por Wagner, Strathern, entre outros, tomada
como experiência de pensamento, a construção do outro não prescinde da existência
efetiva do outro, tampouco prescinde da (re)construção de si. Wagner (1981) sugere
11
Fazendo alusão ao filme “Brincando nos campos do Senhor” (At Play in the fields of the lord), direção
de Hector Babenco e roteiro de Hector Babenco e Jean-Claude Carrière baseado em livro de Peter
Matthiesse, lançado em 1991 (EUA). Um casal de evangélicos e seu filho pequeno embrenham-se na
selva amazônica brasileira para catequizar índios arredio à noção de Deus. Um sociólogo termina sendo
motivado pelas experiências de outro casal. As intenções religiosas e a harmonia entre brancos e índios no
local ficam instáveis devido à presença de um mercenário descendente dos índios americanos. Este filme
também é associado à doutrina daimista.
29
uma antropologia reversa, propondo a vinculação necessária da invenção da cultura com
o aprendizado de como as culturas inventam a si mesmas, numa experiência aberta para
a criatividade mútua, em que a cultura em que vivemos é contra – exemplificada pelas
culturas que criamos, e vice-versa.
A antropologia reversa não reduz a alteridade a uma tipologia social, mas
reconhece diferentes estilos de criatividade, que correspondem a diferentes modos de
entendimento.
Assim, duas questões foram norteadoras para pensar a minha etnografia, a
relação entre eu e os nativos, como dispositivo central de construção do conhecimento
antropológico e a “tradução”, o desafio da construção ficcional da etnografia. Wagner
(1981) combina objetividade relativa com relatividade cultural. A relatividade cultural
situa o observador, em posição de equidade, com os observados, já que ambos
pertencem a uma cultura, enquanto aquela atenta para a mediação de sua própria
cultura, na compreensão de uma outra. Assim, a experiência da alteridade só adquire
sentido nos termos da própria cultura, mas o desafio do antropólogo é ralativizar sua
própria cultura, por meio da formulação concreta de outra. É preciso ultrapassar as
fronteiras das próprias convenções e investir na imaginação do mundo da experiência.
Foi a partir daí que pensei na possibilidade de construir a tradução, através de uma
metáfora que representa a simbologia nativa: a rosa e o beija-flor.
Em junho e julho de 2009, as questões conflitivas que perpassam as duas
religiões tiveram seu ápice, pois os grupos estavam se olhando, se questionando pela
minha presença, bem como esta estava suscitando o imaginário dos grupos envolvidos.
Foi um período em que eu sofri muitas “peias”12
, nos rituais religiosos, marcada por
muitas dores corporais, desmaios e vômitos intensos, que se propagavam para além do
ritual. Isso culminou num período de afastamento completo do campo religioso, por
vinte dias, para tratamento médico, pois eu já tinha emagrecido sete quilos e estava com
anemia profunda e desnutrição. Depois desse tempo de pausa, retomei, lentamente, o
campo até os ânimos se estabilizarem.
Em agosto de 2009, viajei para Europa, visando pesquisar o processo de
transnacionalização da União do Vegetal e do Santo Daime na Espanha, com o intuito
de seguir no doutorado, permanecendo naquele país de 27 de agosto a 7 de outubro. A
partir de indicações de um informante meu da UDV, que faz doutorado em Santiago de
12
Termo nativo daimista e udevista que designa os mal-estares físicos e psicológicos suscitados pela
ingestão do chá.
30
Compostela, durante este período fiquei hospedada na casa de um mestre da UDV e,
posteriormente, na residência de uma conselheira e, também, no Núcleo Inmaculada
Concepcion, localizado num “pueblo cerca de Madrid”. Com indicação do Padrinho
Alan, contatei o dirigente do Santo Daime, ficando hospedada na comunidade daimista
também localizada num “pueblo cerca de Madrid”.
Retornando ao Brasil, em outubro do mesmo ano, retomei o trabalho de
campo, que foi encerrado em 20 de dezembro, para iniciar a escrita da dissertação. Em
janeiro e fevereiro de 2010, tive necessidade de ir à comunidade daimista, bem como no
núcleo udevista, para colher alguns materiais necessários que estavam faltando.
Para entender como os fiéis conjugam mobilidade e fidelidade religiosa e
como ocorre o processo de conversão, desconversão e reconversão, além do uso da
etnografia como metodologia de pesquisa, enfatizando a técnica da observação
participante nos dois grupos religiosos concomitantemente, realizei 28 entrevistas
centradas não-diretivas, seguidas de um roteiro temático, dentro de categorias de análise
que identifiquei como configurativa dessa mobilidade. São elas:
1. A categoria dos convertidos, que são designados pelo termo êmico de
“fardados” no Santo Daime e “sócios” na UDV. Nessa identifiquei a
tríplice figura do convertido, proposta por Hervieu-Léger (1999). Essa
categoria é composta por três subcategorias:
a) Indivíduos que são considerados convertidos há bastante
tempo, pelo grupo em questão – há uma estimativa de no
mínimo dez anos para tal conjunto, em ambos grupos
religiosos.
b) Indivíduos recém-convertidos, que são considerados, pelo
grupo religioso em questão, como possuindo pouco tempo de
conversão – estimativa de até dois anos, para ambos grupos
religiosos.
c) Indivíduos que estão entre as categorias a e b.
2. Os peregrinos, como definiu Hervieu-Léger (1999), e que eu chamei de
free, que é o termo nativo daimista empregado para este fim. O free é aquele
31
que continua circulando em outros espaços religiosos e, ainda, não se definiu
como adepto da religião (sócio da UDV e fardado do Daime). Neste caso,
priorizei o free dentro do campo religioso ayahuasqueiro, ou seja, aquele que
freqüenta religiões ayahuasqueiras distintas.
3. Os reconvertidos, dentro do campo religioso ayahuasqueiro. Nessa
categoria se enquadram aqueles que foram convertidos em uma religião
ayahuasqueira, por determinado período, e, atualmente, estão convertidos em
outra religião ayahuasqueira distinta.
4. Os desconvertidos, ou seja, aqueles que foram convertidos, por
determinado período, em uma religião ayahuasqueira e, atualmente, não são
mais, ou seja, é um ex-fardado ou ex-sócio.
Foram realizadas vinte entrevistas para a categoria um (distribuídos nas
subcategorias), sendo dez da UDV e dez do Santo Daime. Na categoria dois, foram
realizadas três entrevistas. Na categoria três foram realizadas duas entrevistas: um sócio
da UDV, que foi fardado do Santo Daime, e um fardado do Daime, que já foi sócio da
UDV. E, na categoria quatro, foram realizadas três entrevistas. Um dos casos da
categoria quatro se refere a uma pessoa que foi entrevistada, durante a minha pesquisa,
como convertida e, depois de um tempo, como reconvertida, ou seja, pude acompanhar
esses dois momentos. Após a realização das entrevistas, houve a desconversão de duas
pessoas e a reconverão de uma entrevistada “desconvertida”. Optei por manter as
entrevistas, por já ter encerrado o trabalho etnográfico, mas foram dados relevantes na
análise da mobilidade e circulação dentro do campo religioso ayahuasqueiro, bem
como, do processo de conversão, desconversão e reconversão.
Levando em consideração a conversão e a mobilidade religiosa, os
entrevistados foram sido selecionados, de acordo com a emergência do campo, e o
número de indivíduos entrevistados foi delimitado, a partir da demanda proveniente,
não sendo algo que foi estruturado e fechado. Do mesmo modo, não foram delimitados,
à priori, questões de gênero e faixa etária para o grupo entrevistado, sendo este
emergido do campo ofertado.
32
Além dessas entrevistas, foram utilizadas mais dez, com os “Mestres de
Origem13
” da UDV, arquivadas pelo Departamento de Memória da União, bem como,
informações contidas nos sites dos respectivos grupos religiosos e fóruns de debates, em
comunidades do Orkut, bem como a “literatura nativa”, em geral, ou seja, as
publicações feitas por membros dos próprios grupos religiosos, o que difere das
pesquisas científicas acadêmicas nas quais, na sua grande maioria, o pesquisador é ele,
também, um nativo.
Escolhi nove casos representativos dessas categorias para serem expostos no
corpo deste trabalho. Para preservação dessas pessoas, seus nomes foram substituídos
por flores, aos relacionados à UDV, e a gêneros de espécies de beija-flor, para o Santo
Daime, havendo nomes compostos nas categorias dois, três e quatro. Essa escolha está
dentro da metáfora trabalhada neste estudo, onde a rosa representa a União do Vegetal e
o beija-flor o Santo Daime. Para União do Vegetal, a rosa simboliza o chá ayahuasca –
designado de vegetal – e seus membros costumam se referenciar às pessoas especiais do
núcleo como “as flores do nosso jardim”, fazendo alusão ao nome do Núcleo “Jardim
das Flores” e ao seu significado dentro da doutrina. O beija-flor simboliza o Espírito
Santo, no Santo Daime, e representa o espírito do próprio ser divino polinizador do
Mestre Irineu e do Padrinho Sebastião (fundadores da doutrina), contido na ayahuasca
(chamada de daime) e em sua expansão para o mundo inteiro. Hoje, todos os daimistas
se identificam com o beija-flor. Como o nome da bebida ayahuasca, nestes grupos, está
também contido no nome da religião, optei, na minha escrita, de o nome da bebida estar
em letra minúscula – daime e vegetal e o nome da religião em letra maiúscula – Santo
Daime e União do Vegetal – para poder haver um entendimento distinto. Todas as
palavras nativas e frases de informantes estão em itálico e entre aspas.
Alguns nomes foram mantidos, como alguns mestres da UDV e
padrinhos/madrinhas do Santo Daime, por serem pessoas públicas e por haver
entendimento de consentimento dessa exposição de ambas as partes envolvidas.
Maluf (2003) discute a existência de uma especificidade dessa cultura neo-
espiritual, no Brasil, provocada pela presença de certos elementos específicos da
realidade social e cultural brasileira: uma confluência entre o terapêutico e o religioso;
uma tradição de ecletismo da vivência religiosa e uma interpenetração entre os
diferentes universos religiosos; a informalidade das práticas terapêuticas e da
13
Termo referente aos mestres que participaram desde início da criação do Núcleo Jardim das Flores.
33
manipulação da esfera doença/cura e a existência de um “pluralismo terapêutico”. Para
a autora, a escolha por cada uma dessas vivências, a adoção de uma prática
espiritualizada como estilo de vida e da vida espiritual como projeto de vida, mostram
que esses itinerários não são simples “errância”, eles não se limitam à soma das
experiências, mas se constroem na direção de um sentido e de uma busca de sentido.
Para ela, alguns estudos apontam a doença e a busca de cura como fatores de conversão
religiosa, o que denota uma importante aproximação entre o terapêutico e o religioso.
Nesse sentido, busquei investigar a cura como fator de conversão, visto que muitos
pesquisadores do campo ayahuasqueiro atribuem esse fenômeno, como Goulart (2004) e
Rose (2005).
De acordo com Maluf (2003), o estudo sobre o ecletismo religioso tem duas
características distintas: existe um conjunto de estudos que busca contextualizar a
pluralidade religiosa brasileira, a partir das estruturas religiosas, da instituição ou campo
religioso. Outro grupo de estudos vai tentar situar a pluralidade religiosa mais na prática
dos sujeitos, no vivido da experiência, do que na análise do sistema religioso. Esta
constatação me fez levantar a hipótese de que o processo de conversão, e a maneira pela
qual o fiel conjuga mobilidade e fidelidade, está ligado a uma interface entre a
experiência e o sistema religioso, com base na “butinage”, e que, neste sentido, um
estudo comparativo entre linhas distintas de um mesmo campo religioso é muito
favorável.
Deste modo, os capítulos um e dois se referem a uma apresentação dos
grupos religiosos estudados. Os capítulos três, quatro e cinco foram dedicados a uma
análise da estrutura religiosa da UDV e do Santo Daime, o capítulo seis, à experiência e
o capítulo sete à perspectiva da “butinage”.
34
CAPÍTULO 1
A ROSA NA UNIÃO DO VEGETAL
A rosa simboliza a ayahuasca na União do Vegetal (UDV). O cipó, quando
cortado, possui no seu interior o desenho de uma flor. Trata-se de uma rosa diferente e
essa simbologia é cercada de mistério dentro da doutrina da UDV. Assim, dentro da
metáfora que estou trabalhando, a rosa representa a União do Vegetal.
Neste capítulo farei um apanhado histórico da União do Vegetal acerca do
Mestre fundador, sua criação, etc. Estes dados já foram bem documentados por Andrade
(1995), Brissac (1998a) e Ricciardi (2008a), em suas dissertações sobre a UDV, e por
Goulart (2004), na sua tese de doutorado, onde analisou comparativamente a União do
Vegetal, o Santo Daime e a Barquinha. Assim, serei objetiva e utilizarei, para esta
descrição, os dados do Departamento de Memória e Documentação da UDV – DMD14
-
de Porto Alegre, detendo-me na forma como é transmitido para seus discípulos essa
história, apesar da UDV manter um rigoroso padrão de transmissão oral de
conhecimento da doutrina em todos seus núcleos. Também delinearei o processo de
criação e fundação do Núcleo Jardim das Flores, em Porto Alegre, a partir de arquivos
fornecidos pelo Departamento de Memória da UDV, bem como, entrevistas com os
“Mestres da Origem” do Núcleo, fornecendo uma descrição do local.
1.1O Fundador da União do Vegetal
José Gabriel da Costa – o Mestre Gabriel - nasceu em 1922, no município de
Coração de Maria, próximo à Feira de Santana, na Bahia. Viveu a sua infância no
sertão baiano e parte da sua juventude em Salvador. Era filho de Manuel Gabriel da
Costa e Prima Feliciana da Costa. Ele teve treze irmãos, sendo que um deles, Antônio
14
No Departamento de Memória e Documentação encontram-se textos construídos pela própria
instituição que são divulgados para irmandade em murais e via internet. Esse material não possui edição e
nem ano assim quando este for utilizado será referenciado como DMD.
35
Gabriel da Costa, faz parte do quadro de mestres da União do Vegetal. Em 1944,
integrou o "exército da borracha" e foi para Rondônia trabalhar como seringueiro.
Casou-se com Raimunda Ferreira da Costa, conhecida como “Pequenina”,
em 1947. Nos períodos de 1950 a 1958, de Porto Velho passou a ir aos seringais com a
sua família, vivendo no Território de Guaporé durante algum tempo e, após, retornou a
Porto Velho. Fez esse trajeto algumas vezes, sem ter a oportunidade de conhecer o chá
hoasca (também chamado de vegetal). Quando decidiu ir aos seringais, dois dos seus
filhos já haviam nascido, Getúlio e Jair15
.
De 1959 a 1964, Mestre Gabriel morou nos Seringais Guarapari e Sunta, às
margens do Rio Abunã, fronteira com o Acre, mais precisamente, na margem boliviana.
Em 1959, na Bolívia, teve contacto com a hoasca, através de outros seringueiros que
usavam o chá de diversas formas, adotando cada um o seu ritual. “Ele percebeu que o
resultado disso nem sempre era benéfico aos usuários” (DMD).
Ali, José Gabriel da Costa, “um trabalhador simples que se destacava pela
sua capacidade de produção como seringueiro, fazia os primeiros contatos com duas
plantas consideráveis por oferecer experiências de estados alterados de consciência”
(DMD). Naquele período a hoasca também já era conhecida por diversos nomes: daime,
cipó, caapi, yagé etc.
Nessa época, iniciou a distribuição ritualística dessa bebida preparada a
partir do cozimento de duas plantas nativas da floresta amazônica: o mariri, conhecido
também como jagube ou cipó (Banisteriopsis caapi) e a chacrona ou rainha (Psichotria
viridis). Por esse trabalho, o seringueiro passou a ser reconhecido por seus discípulos
como Mestre Gabriel. Gradualmente, enquanto distribuía a bebida, conhecida no
universo udevista como hoasca ou vegetal, definiu um ritual para seu uso, criando
cânticos, doutrina e uma lei que rege a União do Vegetal - que os seus discípulos
consideram uma “sociedade fundada para dar a face institucional do seu trabalho”
(DMD).
Mestre Gabriel, então, funda uma associação e, mais tarde, cria o Centro
Espírita, com a estrutura que tem hoje, mas herdando todas as práticas estabelecidas
pela associação. Com efeito, a associação apenas mudou de nome, tendo sido feita uma
reforma no estatuto, considerado mais completo. A União do Vegetal é considerada, por
15
Atualmente mestre da UDV.
36
seus componentes, como “uma religião que, mais do que adeptos ou discípulos, tem
sócios co-responsáveis pela sua administração material” (DMD).
1.2A Fundação da União do Vegetal (UDV)
Em 22 de julho de 1961, no Seringal Sunta, Mestre Gabriel passou a usar a
expressão União do Vegetal16
, dando início à organização de sua religião. A União do
Vegetal destaca que ele não iniciou a beber o chá no Daime (a primeira religião
ayahuasqueira), no Acre, e sim iniciou com os seringueiros na Bolívia, não se tratando,
portanto, de uma dissidência do Daime ou de qualquer outro grupo religioso.
Na floresta, o Mestre Gabriel, combateu o que ele considerava o mau uso do
chá - hoasca. Elaborou um ritual próprio para seu uso, criando cânticos e doutrina. Em
1962, foi reconhecido pelos hoasqueiros (designação usada pela UDV para os usuários
do chá) de "Mestre Superior da União do Vegetal", na Vila Plácido de Castro. “Através
da sua inteligência, com base na lei universal e no cristianismo, estudou e organizou
nesse ritual regras de comportamento com o objetivo de trazer paz e harmonia para
beneficiar a vida de seus seguidores” (DMD). O Mestre Gabriel é um recordado de sua
missão, de seus destacamentos passados, ou seja, sua encarnações anteriores. Enquanto
que o Mestre Irineu (Santo Daime) recebeu uma revelação divina e com isso iniciou sua
missão.
Dessa forma Mestre Gabriel viveu com a sua família nos seringais da
Bolívia até o ano de 1964. Em 1964, o Mestre Gabriel e sua família mudaram-se para a
cidade de Porto Velho – RO, dando início ao processo de institucionalização da
entidade.
Há relatos que, desde seu início, o Mestre Gabriel e seus discípulos lutaram
contra resistências ao uso do chá hoasca (vegetal). “Embora hoje seja permitido seu uso
legal, na época ainda causava, principalmente em Rondônia, preconceitos e
arbitrariedades por parte das autoridades policiais da época” (DMD).
16
A expressão UNIÃO DO VEGETAL foi usada pela primeira vez pelo Mestre Gabriel em 22 de julho
de 1961 no Seringal Sunta da Amazônia, para denominar a organização que estava se iniciando. A sigla
UDV passou a ser usada em Porto Velho do ano de 1966 em diante. Outras organizações dissidentes
surgiram depois de 1976, usando o nome União do Vegetal e a sigla UDV, mas o Centro Espírita
Beneficente União do Vegetal (CEBUDV) detém tanto o registro dessa marca (desde 1986) quanto da
sigla UDV (desde 1983), no INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
37
Em 1967, um delegado de Porto Velho chegou a deter o Mestre Gabriel para
averiguações. Esse episódio foi publicado no Jornal Alto Madeira, numa narrativa
intitulada “Convicção do Mestre”. Nela, José Gabriel da Costa explicou seu
comportamento pacífico na prisão, trouxe conformação aos seus discípulos e definiu a
missão da União do Vegetal, lembrando o símbolo da Paz e da Fraternidade Humana
adotada por essa religião: “Luz, Paz e Amor”. Com esse acontecimento, Mestre Gabriel
viu a necessidade de registrar a instituição em cartório no ano de 1968, com o nome de
Associação Beneficente União do Vegetal, pensando na defesa e garantia dos direitos à
prática religiosa. O Regimento Interno e o Estatuto do Centro foram as primeiras leis
escritas e serviram de base para dar a face institucional da União do Vegetal.
Em 1971, o Bispo de Porto Velho fez algumas críticas à Instituição em um
sermão. Mestre Gabriel respondeu, publicando, no dia 16 de julho, no Jornal O
Guaporé, um artigo denominado “Velado enquanto Dorme”, em que assegurava que um
sócio da União do Vegetal, com 60 dias de freqüência na UDV, estava livre de vícios
como a bebida e o cigarro.
Em 1970, um delegado de polícia mandou fechar a União do Vegetal.
Naquele período, Mestre Gabriel deixou de atender a adventícios (designação utilizada
para aqueles que bebem o chá pela primeira vez), mas continuou a distribuir o vegetal
aos sócios. A União do Vegetal, pela primeira vez estabeleceu um advogado para a
defesa de seus direitos. Vencido o impasse, a Associação passou a ter a denominação de
Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, em 1971. Ainda na presença do
fundador, foi autorizada a criação de um núcleo (filial) em Manaus – AM.
Crentes da verdade contida nas palavras do Mestre e observando a
necessidade de assegurar aos seus filiados o direito de uso do vegetal em seus rituais
religiosos, a Direção do Centro instituiu, em 1986, o Departamento Médico-Científico -
Demec17
, criado para atuar como um canal permanente de relacionamento da UDV com
a comunidade acadêmica.
17
O Demec foi criado um ano após a inclusão da Banisteriopsis caapi na lista de produtos de uso
proscrito em território nacional pela Divisão de Medicamentos do Ministério da Saúde (Dimed) sem a
devida autorização do Conselho Federal de Entorpecentes (Confen), resultando na formação do primeiro
Grupo de Trabalho Multidisciplinar para pesquisar o uso ritual da ayahuasca no Santo Daime e na União
do Vegetal. Após a conclusão dessa pesquisa, em 1987, a ayahuasca foi excluída da lista de produtos
proscritos pelo Dimed e autorizada para uso ritual. A legalidade do uso ritual da ayahuasca foi novamente
questionada em 1988 e 1994, porém o Confen manteve sua decisão anterior de permitir a utilização da
bebida em contextos rituais, incluindo as recomendações de que ela não fosse consumida por pessoas com
problemas psiquiátricos, grávidas ou menores de idade. Em 2004, o Conselho Nacional Antidrogas
(Conad) suspendeu essas duas últimas restrições e instituiu um Grupo Multidisciplinar de Trabalho para
levantamento e acompanhamento do uso religioso da ayahuasca, bem como para a pesquisa de sua
38
O Mestre José Gabriel da Costa – fundador, mentor dessa obra –
“desencarnou” (faleceu) em 24 de setembro de 1971. “Com total despojamento
material, entregou o seu legado a um quadro diretivo de mestres e conselheiros,
formados por ele, para dar continuidade à sua missão de trabalhar pela evolução do ser
humano, no sentido do seu desenvolvimento espiritual” (DMD).
1.3A Organização da União do Vegetal
No seu aspecto religioso e administrativo, as regras foram sendo criadas pelo
seu fundador e seus seguidores, ao longo de toda uma década. “O Centro Espírita
Beneficente União do Vegetal consiste de uma diretoria eleita por votação direta em
assembléia geral e funciona seguindo o padrão das modernas instituições democráticas
do país” (DMD).
A Sede Geral (matriz) permaneceu até 1982, na capital de Rondônia. Pela
necessidade de atender o seu crescimento institucional, em 1º de novembro de 1982, foi
transferida para Brasília – DF, localizando-se aí o atual Centro Administrativo, que
supervisiona os trabalhos das Unidades Administrativas em todo o Brasil e no exterior.
Cada Unidade Administrativa (UA) do Centro mantém o mesmo perfil
institucional, organiza-se rigorosamente dentro dos mesmos critérios de
comportamentos, imprimindo forte unidade à instituição. As UA’s têm uma média de,
no mínimo, 70 sócios que comungam religiosamente o chá.
Com quatro classes de filiados: Mestres, Conselheiros, Corpo Instrutivo e
Sócios, a administração do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal está
distribuída em três níveis:
a) Sede Geral – Brasília - DF, de onde emanam as diretrizes;
b) Administrações Regionais, que supervisionam as Unidades
Administrativas;
utilização terapêutica. Em 2006, este GMT divulgou seu relatório sendo publicado oficialmente em 2009.
Assim com a criação do Demec pela UDV, a partir de um interesse em legitimar o uso da ayahuasca do
ponto de vista médico-científico as principais pesquisas biomédico-farmacológicas realizadas no contexto
das religiões ayahuasqueiras foram feitas no âmbito da UDV. A primeira destas foi o “Projeto Hoasca”,
ou o “Projeto Farmacologia Humana da Hoasca”, realizada em Manaus (AM) na década de 90. Essa
pesquisa foi produzida por nove centros em conjunto, entre instituições e universidades do Brasil, Estados
Unidos e Finlândia, envolvendo mais de trinta pesquisadores. Participaram como voluntários dessas
pesquisas quinze membros da União do Vegetal filiados ao grupo por pelo menos dez anos. Foi realizada,
igualmente, no âmbito da UDV e consiste em uma avaliação neuropisicológica de quarenta adolescentes
da UDV (Labate,Rose e Santos, 2008).
39
c) Administrações Locais, constituídas por Núcleos, Pré-núcleos e
Distribuições Autorizadas, que distribuem o vegetal aos sócios com critérios pré-
estabelecidos pela Sede Geral.
1.4 A Expansão da União do Vegetal
Assim, além de crescer em Porto Velho, a obra do Mestre Gabriel chegou
também a Manaus, quando alguns de seus sócios para lá se transferiram. Iniciou-se a
expansão da União do Vegetal. O estabelecimento da União do Vegetal em Manaus
trouxe novidades para a instituição. Entre elas, o cultivo do mariri. Na capital
amazonense desenvolveram-se técnicas para seu cultivo nos arredores urbanos.
A partir de Porto Velho e Manaus, a União do Vegetal começou a ser
conhecida em outros centros urbanos como São Paulo e Brasília, onde, posteriormente,
criaram-se novas filiais. Gradualmente, regras e critérios foram sendo estabelecidos para
consolidar a institucionalização da União do Vegetal na sociedade brasileira.
Com a chegada da União do Vegetal ao sul do país, começa também a mudar
o perfil do sócio. O Mestre Gabriel já não está mais encarnado, mas a doutrina continua
sendo a mesma e única, atendendo a todos que procuram a UDV. Inicia-se um novo
período da União do Vegetal: expandir-se sem seu guia espiritual e fundador nas
sessões e nas decisões do dia-a-dia da nova ordem religiosa.
A União do Vegetal é hoje uma organização com Unidades Administrativas
no Brasil e no exterior, Estados Unidos e países da Europa como Portugal e Espanha,
procurando manter o mesmo perfil institucional, somando em torno de quinze mil
sócios. Sendo organizada dentro de critérios de comportamento, a UDV acaba
imprimindo forte unidade à instituição.
Existem três níveis de direção: a central (localizada em sua Sede Geral,
atualmente em Brasília, originalmente em Porto Velho), coordenada por uma
Representação Geral (Mestre Geral Representante e seus assistentes) e uma Diretoria
Geral; a regional, coordenada por um Mestre Central de cada uma das 9 regiões; e uma
direção local: coordenada pelo Mestre Representante e sua diretoria, que coordenam os
Núcleos e Pré-núcleos18
.
18
A abertura do núcleo ou pré-núcleo é autorizada pelo Quadro de Mestres da Sede Geral, mediante
solicitação do Mestre Central da Região, devendo ter no mínimo dois mestres, dois conselheiros e trinta
40
1.5 O Núcleo Jardim das Flores
A primeira sessão da União do Vegetal, em Porto Alegre, ocorreu em 1979 e
foi dirigida pelo Mestre José Mauro, em visita à cidade, reunindo alguns amigos.
Em 1983, o Mestre Paulo Tarso Freire, do Núcleo Pupuramanta (RJ), veio a
Porto Alegre e realizou uma sessão de vegetal com Teresinha Margarete da Rosa, que,
na época, era novata. Ela havia ido ao Rio de Janeiro, naquele ano, para conhecer o
vegetal, a convite de sua amiga Regina Richau. Desde 1981, Regina já falava a respeito
do vegetal para Margarete que, em 1984, associou-se no Núcleo Pupuramanta (RJ),
transferindo-se, sucessivamente, para o Núcleo Samaúma (SP) e Núcleo São Cosmo e
São Damião (PR).
No Núcleo São Cosmo e São Damião (PR), em 1987, também freqüentavam
João Henrique Ramos e Nelson Barbosa Bittencourt. João Henrique conheceu a UDV
em 1980, em Manaus, associando-se ao Núcleo Samaúma e foi convocado para o Corpo
Instrutivo quando já estava filiado ao Núcleo São Cosmo e São Damião (PR). Nelson
conheceu a UDV em 1987, quando em viagem à Curitiba, junto com Virgínia.
Margarete levou sua amiga Liropeya para conhecer a União em São Paulo, e
esta lhe apresentou Rosana Cavalcanti e Carmen Lúcia Ponsoni. Margarete falou a
respeito da UDV para Carmen Lúcia, que viajou, ainda em 1986, ao Rio de Janeiro e
bebeu vegetal no Núcleo Pupuramanta. Cristina Galvão, Flávio Del Arroyo e Venina
iam a São Paulo beber vegetal. No primeiro semestre de 1987, Mestre Juan realizou
uma sessão na casa do João Henrique, em Porto Alegre, onde também estava presente
Paulo Mello.
Havia, portanto, um movimento de pessoas que viajavam para beber vegetal
em diferentes núcleos – como o Núcleo Pupuramanta (RJ), o Núcleo Samaúma (SP) e o
Núcleo São Cosmo e São Damião (PR) – demonstrando um grande interesse em trazer a
União do Vegetal para Porto Alegre. Foi, então, que surgiu uma oportunidade de
trabalho na cidade para o então Mestre Augusto César Monteiro Freire19
, do Núcleo
sócios. Deve possuir imóvel adquirido em nome do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, Sede
Geral, com documentação aprovada pelo departamento jurídico e construção adequada aos trabalhos
religiosos. Em Porto Alegre temos o Núcleo Jardim das Flores e o Pré-Núcleo Porto Alegre fundado em
2008 e passando a ser considerado Núcleo Porto Alegre em 2009 pelo crescimento de membros.
19
Augusto atualmente encontra-se no grau de conselheiro. Ele foi rebaixado de grau quando se separou
de sua companheira. Para ser mestre e permanecer neste quadro há que estar obrigatoriamente casado.
41
Pupuramanta (RJ), através de um convite de seu irmão, Mestre Paulo Tarso Freire, que
havia dito à Margarete, na primeira sessão em Porto Alegre, que vira, em uma
“miração20
”, sua casa cheia de gente. Mestre Augusto viajou para Porto Alegre, em
agosto de 1987, sendo recebido por João Henrique e Margarete. Foi quando se realizou
a primeira sessão com o Mestre Augusto, no apartamento do Nelson. Estavam presentes
Mestre Augusto, João Henrique, Margarete, Carmen Lúcia, Nelson, Virgínia, Cristina
Galvão, Flávio Del Arroyo e Paulo Mello. Nesta sessão, Nelson teve uma “miração”
especialmente bonita, em que via um jardim com muitas flores. Margarete, durante a
sessão, ofereceu seu sítio à União do Vegetal, para a realização das sessões. No dia
seguinte, um domingo, Margarete apresentou o Sítio Paloma, onde se fez, então, um
churrasco, sendo Nelson o assador.
Mestre Augusto mudou-se para Porto Alegre, junto com sua companheira, a
Conselheira Marlídia Carvalho Freire, no final de setembro desse mesmo ano. Em 3 de
outubro de 1987, deu-se o início do trabalho, com a primeira sessão no Sítio Paloma ,
sendo a quinta sessão em Porto Alegre. A partir daí, passaram a ser realizadas sessões
de vegetal regularmente. Em 06 de janeiro de 1988, foi realizada a primeira reunião de
diretoria, quando foram eleitos os membros para coordenar as ações, sendo que alguns
já vinham exercendo tais funções desde outubro de 1987.
Em 10 de fevereiro de 1988, a Sede Geral autorizou uma distribuição de
vegetal para receber adventícios (pessoas que bebem vegetal pela primeira vez), sendo o
Mestre Manoel Nogueira o Mestre Geral Representante e o Mestre Felipe Belmonte dos
Santos o Mestre Central. A Distribuição Autorizada funcionou aproximadamente
durante quatro anos, período em que houve um movimento para arrecadação de recursos
para a compra de uma sede própria.
Considera-se o dia 3 de outubro de 1987 a data de início dos trabalhos em
Porto Alegre e, portanto, o de aniversário do Núcleo Jardim das Flores, sendo que a
Elevação a Núcleo deu-se na mesma data anual, no ano de 1996. Na época, a Direção
era formada pelo Mestre Augusto e pela Conselheira Marlídia. João Henrique Ramos já
pertencia ao Corpo Instrutivo. Margarete já era sócia. Carmen Lucia associou-se no dia
da primeira sessão no Sitio Paloma.
Em 1989, foi adquirido o primeiro terreno para sede própria, localizado na
Rua Júlio Antônio Pereira, nº 100/120, próximo à Estrada Costa Gama. Em 21 de
20
Termo nativo referente as imagens contempladas durante a “burracheira”, que é o termo referente aos
efeitos do chá no indivíduo.
42
dezembro de 1991 foi anunciado o nome do Pré-Núcleo Jardim das Flores. A Fundação
do Pré-Núcleo Jardim das Flores deu-se em 6 de janeiro de 1992, às vinte e uma horas,
conforme autorização da Sede Geral, tendo-se o Mestre Augusto César Monteiro Freire
como Mestre Representante e o Conselheiro João Henrique Ramos como Presidente.
“Fez-se, nesse local, um importante trabalho de jardinagem, em que se
restaurou a natureza do lugar, que passou de um descampado a um jardim bem cuidado
e florido” (DMD).
O Núcleo Jardim das Flores permaneceu nesse local até 1993, quando, por
necessidade de expansão, a Unidade Administrativa – UA - foi transferida para o Beco
dos Farias, na região do Morro São Pedro, onde, posteriormente, foi construído o
templo definitivo, inaugurado em 26 de outubro de 2002, com a presença do Mestre
Geral Representante José Luiz de Oliveira e do Mestre Central Cândido Alberto
Machado.
Com a aquisição do atual terreno, de 6 (seis) hectares, no Beco dos Farias,
pôde-se construir a fornalha e, algum tempo depois, a casa de preparo. De fato, a
mudança a este local deu-se a partir do primeiro preparo realizado em Porto Alegre.
Neste local, o trabalho de jardinagem e preservação ambiental teve
continuidade e aprimoramento. Em 3 de outubro de 1996, foi realizada a sessão de
Elevação a Núcleo, na mesma data anual do início dos trabalhos no Sítio Paloma, em
1987. Esta sessão foi dirigida pelo então Mestre Geral Representante Raimundo
Monteiro de Souza, e do Mestre Central Clovis. A Elevação aconteceu pela
transferência do Mestre Djalma Valeza Bruno, vindo do Núcleo Mestre Joanico (Boa
Vista/AC), inteirando o número de quatro mestres no Núcleo Jardim das Flores,
continuando o Mestre Augusto César Monteiro Freire como Mestre Representante.
A faixa de Mestre Assistente começou a ser utilizada em 1º de setembro de
2001, quando foi convocado para o Quadro de Mestres Sérgio Fernando Meneghel
Colla, inteirando o número de cinco mestres no Núcleo. O primeiro a vestir a faixa foi
Mestre Paulo Ricardo Maciel Guterres. Nesta data, o Mestre Representante era Mestre
Nelson Barbosa Bittencourt.
O Templo do Núcleo Jardim das Flores foi projetado pelo arquiteto e
Conselheiro João Henrique Ramos, sendo Mestre Sérgio Fernando Meneghel Colla o
responsável pela obra. O Presidente e Vice-Presidente na época eram, respectivamente,
Mestre Djalma Rodrigues Valeza Bruno e César Augusto Marques dos Santos Filho.
Esta ação aconteceu no período da 2ª gestão do Mestre Nelson Barbosa Bittencourt na
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Trajetórias religiosas na UDV e no Santo Daime

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL “Entre a Rosa e o Beija-Flor”: Um Estudo Antropológico de Trajetórias na União do Vegetal (UDV) e no Santo Daime JÉSSICA GREGANICH Porto Alegre, 03 de maio de 2010.
  • 2. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL “Entre a Rosa e o Beija-Flor”: Um Estudo Antropológico de Trajetórias na União do Vegetal (UDV) e no Santo Daime JÉSSICA GREGANICH Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Antropologia Social. Orientador: Bernardo Lewgoy Porto Alegre, 03 de maio de 2010.
  • 3. “Entre a Rosa e o Beija-Flor”: Um Estudo Antropológico de Trajetórias na União do Vegetal (UDV) e no Santo Daime JÉSSICA GREGANICH Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Antropologia Social. Banca Examinadora: ________________________________________ Bernardo Lewgoy - orientador (PPGAS–UFRGS) ________________________________________ Adriane Rodolpho (UFPEL) ________________________________________ Ari Pedro Oro (PPGAS-UFRGS) ________________________________________ Carlos Alberto Steil (PPGAS–UFRGS) Porto Alegre, 03 de maio de 2010.
  • 4. Ao meu amado pai, as entidades presentes e ao meu amor.
  • 5. AGRADECIMENTOS Agradeço ao meu orientador Bernardo Lewgoy pela “iniciação” e pelas sábias orientações. Aos professores Ari Pedro Oro, Carlos Steil e Cornélia Eckert pelos conhecimentos compartilhados. A CNPq pela bolsa concedida no último ano de curso de mestrado. Agradeço a toda irmandade do Santo Daime Céu de São Miguel e ao Núcleo Jardim das Flores da União do Vegetal, em especial: Ao padrinho Alan, um verdadeiro “homem de conhecimento”, exemplo de “clareza”, humildade e bondade. A madrinha Rosinha, por sua sabedoria, amabilidade, bondade e “carinho de mãe” com todos. A Conselheira Maria Thereza Galotti por todo auxílio, zelo e amizade. Este trabalho também é seu! Ao Conselheiro Hudson Cavalcante pelo empenho em fazer com que essa pesquisa fosse possível, pelo auxílio na Espanha e por sua sincera e desprendida amizade. Ao Mestre Alberto Bracagioli por toda sabedoria, conhecimento e disponibilidade em auxiliar. Ao Mestre Representante Jeziel pela palavra, pela sabedoria e pelo encanto de trazer o “jeito caboclo” ao Núcleo Jardim das Flores. A irmã do Corpo Instrutivo Denise Mendes pelo carinho, preocupação e pelas aplicações de reiki nas minhas incontáveis “peias”. A irmã Denise Dharma por seu belo trabalho de fiscalização, pelo exemplo de “garra”, amor, dedicação e caridade. Ao Mauro Kwitko e sua esposa Juliana Vergutz Kwitko, pela regressão e pela amizade. A todos que disponibilizaram seus emocionantes relatos que deram vida a este trabalho.
  • 6. 6 RESUMO Dentro dos “novos movimentos religiosos” encontramos as religiões ayahuasqueiras brasileiras União do Vegetal (UDV) e o Santo Daime. Essas duas religiões se baseiam no uso do chá psicoativo ayahuasca, conhecido como vegetal e daime, respectivamente. Tiveram início na região amazônica e estão presentes nos centros urbanos em praticamente todo o Brasil e em outros países, a partir de uma difusão configurada no contexto da “nova consciência religiosa”. Este contexto é marcado por uma pluralidade religiosa referente a uma tradição de ecletismo e circularidade. Esta intensa mobilidade e circulação das pessoas entre diferentes experiências espirituais está calcada numa dinâmica de conversões, desconversões e reconversões típico da bem emprega metáfora do peregrino de Hervieu-Léger (1999). Numa pesquisa etnográfica centrada na União do Vegetal (UDV) e no Santo Daime de Porto Alegre/Grande Porto Alegre (RS) buscou-se através de um estudo comparativo e de análise de trajetórias compreender como os fiéis conjugam mobilidade e fidelidade religiosa focalizando os processos de conversão, desconversão e reconversão, partindo da hipótese de que o processo de conversão estaria ligado a uma interface entre a “estrutura” e a experiência religiosa com base na perspectiva da “butinage religiosa” proposta por Edio Soares (2009), num contraponto a idéia de “bricolage”. A “tradução” da pesquisa foi construída com base numa metáfora que representa a simbologia nativa: a rosa e o beija-flor. Para a UDV a rosa representa o chá ayahuasca e o beija-flor simboliza o Espírito Santo para os daimistas, representado no próprio espírito dos mestres fundadores da doutrina. Palavras-chave: Santo Daime, União do Vegetal, trajetórias, butinage.
  • 7. 7 ABSTRACT Within the "new religious movements" we find the Brazilian ayahuasca religions União do Vegetal (UDV) and the Santo Daime. These two religions are based on the use of psychoactive tea ayahuasca, known as vegetable and daime, respectively. Started in the Amazon region and are present in almost all urban centers in Brazil and other countries, from a broadcast set in the context of "new religious consciousness." This context is marked by a number referring to a religious tradition of eclecticism and circularity. This high degree of mobility and movement between different spiritual experiences is grounded in a dynamic conversion, desconversion and reconversion typical and well-used on the metaphor of the pilgrim Hervieu-Léger (1999). In an ethnographic study focused on the União do Vegetal (UDV) and Santo Daime in Porto Alegre/Grande Porto Alegre (RS) was sought through a comparative study and analysis of trajectories understand how the faithful combine mobility and religious fidelity focusing on the processes conversion, desconversion and reconversion, assuming that these would be linked to an interface between the "structure" and religious experience from the perspective of "religious butinage" proposed by Edio Soares (2009), in contrast to the idea of “bricolage”. The "translation" of the research was built on a metaphor that represents the native symbols: the rose and the hummingbird. For the rose represents the UDV ayahuasca and the hummingbird symbolizes the Holy Spirit to the daimistas, represented the own spirit of the founding masters of doctrine. Keywords: Santo Daime, União do Vegetal, trajectories, butinage.
  • 8. 8 LISTA DE SIGLAS ABenSaM – Associação Beneficente São Miguel - Associação Beneficente São Miguel CEBUDV – Centro Espírita Beneficente União do Vegetal CEFLURIS – Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra CDC – Corpo do Conselho (UDV) CD – Conselho Doutrinário (Santo Daime) CI – Corpo Instrutivo (UDV) CICLU – Centro de Iluminação Cristã Luz Universal CLJ – Curso de Liderança Juvenil Conad – Conselho Nacional Antidrogas ConFen – Conselho Federal de Entorpecentes CRF – Centro Rainha da Floresta CSD – Conselho Superior Doutrinário (Santo Daime) Demec – Departamento Médico Científico (UDV) Dimed – Divisão de Medicamentos do Ministério da Saúde DMD – Departamento de Memória e Documentação (UDV) DMT – Dimetil Triptamina EQM – Experiência de Quase Morte GMT – Grupo Multidisciplinar de Trabalho IDA – Instituto de Desenvolvimento Ambiental INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial INPS – Instituto Nacional de Previdência Social LSD - Dietilamida do ácido lisérgico MAO – Monoamina oxidase MSN – Live Messenger PET - Politereftalato de Etileno POA – Porto Alegre QM – Quadro de Mestre (UDV) SNC – Sistema Nervoso Central UA – Unidade Administrativa (UDV) UDV – União do Vegetal
  • 9. 9 LISTA DE FIGURAS E TABELAS Figura 1 – O caule na União do Vegetal.......................................................................111 Figura 2 – Os ramos no Santo Daime............................................................................169 Figura 3 – Tirando os espinhos e colhendo o néctar.....................................................252 Figura 4 – A viagem entre o beija-flor e a rosa.............................................................282 Tabela 1 – Quadro comparativo UDV X Santo Daime...................................................68
  • 10. 10 SUMÁRIO RESUMO...........................................................................................................................6 ABSTRACT......................................................................................................................7 LISTA DE SIGLAS...........................................................................................................8 LISTA DE FIGURAS E TABELAS.................................................................................9 INTRODUÇÃO...............................................................................................................12 CAPÍTULO 1 - A ROSA NA UNIÃO DO VEGETAL.................................................34 1.1 O Fundador da União do Vegetal............................................................34 1.2 A Fundação da União do Vegetal (UDV)...............................................36 1.3 A Organização da União do Vegetal.......................................................38 1.4 A Expansão da União do Vegetal............................................................39 1.5 O Núcleo Jardim das Flores.....................................................................40 1.6 O Templo do Núcleo Jardim das Flores..................................................44 1.7 Relatório Astrológico do Início da Construção do Templo.....................47 1.8 Relatório Astrológico da Inauguração do Templo..................................48 1.9 Algumas Relações Interessantes..............................................................49 CAPÍTULO 2 - O BEIJA-FLOR NO SANTO DAIME..................................................51 2.1 O Fundador do Santo Daime...................................................................51 2.2 O Fundador do Santo Daime (CEFLURIS).............................................52 2.3 A Fundação do Santo Daime...................................................................53 2.4 A Fundação do Santo Daime (CEFLURIS)............................................54 2.5 A Organização do Santo Daime (CEFLURIS)........................................58 2.6 A Expansão do Santo Daime (CEFLURIS)............................................58 2.7 A Comunidade Céu de São Miguel (AbenSaM).....................................62 2.8 A Igreja do Céu de São Miguel ..............................................................65 CAPÍTULO 3 - O CAULE NA UNIÃO DO VEGETAL...............................................70 3.1 A Doutrina...............................................................................................70 3.2 Igreja, Seita e Tipo Místico.....................................................................74 3.3 O Ritual....................................................................................................86 3.4 A Sociedade Religiosa.............................................................................89
  • 11. 11 CAPÍTULO 4 - OS RAMOS NO SANTO DAIME......................................................112 4.1 A Doutrina.............................................................................................113 4.2 Igreja, Seita e Tipo Místico...................................................................115 4.3 O Ritual..................................................................................................131 4.4 A Comunidade Religiosa.......................................................................139 CAPÍTULO 5 - O CAULE E OS RAMOS: CONSIDERAÇÕES FINAIS DE UMA PERSPECTIVA COMPARATISTA.............................................................................170 CAPÍTULO 6 - TIRANDO OS ESPINHOS E COLHENDO O NÉCTAR..................188 6.1 Cura e Reencarnação no Santo Daime e na União do Vegetal..............189 6.2 A União do Vegetal, o Santo Daime e a Psicoterapia Reencarnacionista..........................................................................................................195 6.3 O Processo de Cura nas Religiões Ayahuasqueiras...............................199 6.4 Considerações Finais.............................................................................249 CAPÍTULO 7 - A VIAGEM ENTRE O BEIJA-FLOR E A ROSA.............................253 7.1 A Bricolage no Santo Daime.................................................................254 7.2 A Butinage Religiosa.............................................................................255 7.3 A Butinage Religiosa no Santo Daime e na União do Vegetal.............257 7.4 Considerações Finais Sobre a Butinage no Santo Daime e na União do Vegetal...........................................................................................................................275 CONCLUSÃO...............................................................................................................283 REFERÊNCIAS............................................................................................................292
  • 12. 12 INTRODUÇÃO Parto com a Lua Derramada no espelho do mar Cartas de um futuro Tenho o mundo para se revelar [...] Era o outro lado do Sol E um perfume De fruta e de flor Roda, minha vida Nas trapaças do Criador E eu irei em qualquer direção E voltarei Eu sou meu guia1 Verifica-se a emergência de um campo de intersecção entre diferentes formas de espiritualidade, práticas terapêuticas alternativas e experiências espirituais e religiosas ecléticas, por segmentos de classes médias urbanas (Maluf, 2003). Categorias distintas são utilizadas para delinear, definir este fenômeno: “novas espiritualidades” ou “novos movimentos religiosos”, “terapias neo-religiosas”, “alternativas” ou “holísticas”, “nebulosa místico-esotérica” (Champion, 1994), “nebulosa de heterodoxias” (Maître, 1987), “nova consciência religiosa” (Soares, 1994), “reencantamento do mundo” (Gauchet, 2004; Pierucci, 2005), “sedução do sagrado” (Bingemer, 1992) e “religiosidades da Nova Era”. De acordo com Soares (1994), o traço distintivo essencial da “nova consciência religiosa” se encontra no fato de estabelecer-se uma relação muito particular com as religiões, no plural – com a religiosidade. Não é propriamente o conteúdo das crenças ou das práticas religiosas que é novo, mas um conteúdo cultural mais abrangente que atribui um sentido peculiar, para o crente de tipo novo, a sua relação com sua crença e, portanto, ao seu engajamento religioso que é, também, social. “A nova consciência religiosa é uma forma de metaconsciência da experiência mística e do compromisso religioso, derivada da preeminência da cosmologia alternativa” (p.210). O misticismo ecológico – ou a cultura alternativa, define o fiel como, sobretudo, um peregrino devotado à busca de sabedoria, paz espiritual e participação harmoniosa – cósmica, ecológica e comunitária. Steil (2001, p.115) analisa a dinâmica do campo religioso na modernidade, sustentando que este se caracteriza por ser marcado por um reordenamento de diferentes 1 Trechos da música “Eu sou meu guia” do cantor e compositor Lenine.
  • 13. 13 formas religiosas institucionais e não-institucionais que confluem em um contexto de pluralismo. As sociedades latino-americanas se caracterizam por apresentarem um campo religioso profundamente transformado e reordenado, onde as diferentes formas de expressão religiosa convivem no contexto de um pluralismo que parece não colocar limites à diversidade. Cada vez mais as escolhas são livres e as religiões adequam-se aos novos tempos e a sociedade, em permanente mudança, impondo um novo movimento de valorização da diversidade. Essa dinâmica cultural é inevitável no mundo pós-moderno, onde os grupos sociais têm recriado suas esferas de pertencimento, comportamento e identidade. O experimentalismo religioso torna-se prática comum entre grupos de pessoas que buscam, não uma religião, mas uma religiosidade. É importante, então, atentar para o papel da experiência religiosa na construção da identidade individual e coletiva, pensando a tradição e a modernidade, não como um contraste, mas como “possibilidades de arranjos entre elementos de diferentes origens, vivenciados em experiências pessoais e coletivas que ultrapassam a possibilidade de controle das instituições religiosas” (p.126). Pois em época de pós-modernidade já não se busca uma identidade religiosa só porque ela pretende ser homogênea. Segundo Soares (1994), existe uma forte correspondência entre a modernidade e a “nova consciência religiosa”. A modernidade caracteriza-se pelo deslocamento da religião, onde o compromisso religioso seria, mais um exercício de opção da subjetividade pessoal. Para ele, a nova consciência representaria a realização, talvez mais rigorosa e radical, da experiência religiosa moderna, o último avatar do “racionalismo moderno ocidental” ou a expressão mais radical de um de seus efeitos mais significativos. Neste sentido Laplantine (2003), Danièle Hervieu-Léger (1999) e Gauchet (2004) abordam os “novos movimentos religiosos” como uma forma de contestar a realidade. Segundo Laplantine (2003), o espaço religioso contemporâneo torna-se um dos campos privilegiados de um verdadeiro laboratório social, no qual se elaboram as reações a um racionalismo vivido como uma ameaça. O religioso é, hoje, um vetor pelo qual culturas atomizadas ou instáveis procuram reconstituir uma ligação com o social. Não mais na relação com a sociedade global, mas com um pequeno grupo, onde identidades problemáticas podem encontrar uma solução.
  • 14. 14 Gauchet (2004) questiona se o “retorno do religioso” tem relação com um “mundo desencantado2 ”. Para o autor, não é o retorno da religião com sua antiga função, trata-se de entender a religião como instância que integra a sociedade civil, ou ainda, o religioso como opção privada que entra no espaço público. O princípio de definição do espaço público é o da “identidade”, isto porque se entra no espaço público a partir do que se é privadamente. É enquanto pessoa privada e a título de suas opções privadas que se quer existir ao olhar da coisa pública. Quer-se ratificar, enquanto parte integrante do conjunto social, os pertencimentos singulares, a identidade privada, a começar pelas convicções religiosas. Danièle Hervieu-Léger (1999) aborda três características da modernidade: A primeira característica da modernidade é a de enfatizar, em todos os domínios da ação, a racionalidade, isto é, o imperativo da adaptação coerente dos meios aos fins que se persegue. A segunda característica seria a autonomia do indivíduo-sujeito, capaz de “fazer” o mundo no qual ele vive e de construir, ele mesmo, as significações que dão um sentido à sua própria existência. A terceira configura um tipo particular de organização social, caracterizada pela diferenciação das instituições, especialização dos diferentes domínios da atividade social. Nas sociedades modernas, a religião cessa de fornecer, aos indivíduos e aos grupos, o conjunto de referências, das normas, dos valores e dos símbolos que lhes permitem dar um sentido à sua vida e às suas experiências. Na modernidade, a tradição religiosa não constitui mais um código de sentido que se impõe a todos. Para Steil (2001, p. 116-17), o pluralismo religioso é um fenômeno moderno que tem sua origem na ruptura da relação orgânica entre Estado e religião. “Na medida em que a religião deixa de ser fundante social, enquanto sua base ou forma de organização, ela permite a emergência de diferentes grupos religiosos que irão atuar no nível da cultura e do conhecimento”. Assim, “a pluralidade e a fragmentação religiosa são frutos da dinâmica moderna, em que a secularização e a diversidade estão 2 Pierucci (2005) analisa o conceito de “desencantamento do mundo” formulado, originalmente, por Max Weber: é possível afirmar que para os seres humanos, inicialmente, o mundo, o cosmo, a natureza e todos os seres que habitam o planeta eram considerados sagrados e encantados, de modo que a história de suas origens era explicada nos primeiros mitos cosmogônicos oriundos das práticas mágico-religiosas. As coisas e a vida dos seres que habitam o mundo, conseqüentemente, adquiriram uma essência divinal. Dessa forma, para Weber, o mundo foi encantado. Os mitos das antigas tradições religiosas sempre procuraram explicar perfeitamente a origem desse mundo que passa a ser guiado pelo encanto, magia, intervenção e boa vontade das divindades e deidades sobre humanas. Neste sentido, o cenário de indecisão e de incertezas o homem atual vivencia o “desencantamento do mundo”, que o faz buscar respostas e revelações que possam preencher o “vazio” imposto por tal condição vertiginosa.
  • 15. 15 associadas diretamente a um mesmo processo histórico” (p.116). Esta tendência, por sua vez, aponta para uma diluição de fronteiras que se estenderia para além do campo religioso. Esse ambiente de fluidez, hibridismos, empréstimos, trocas e apropriações propicia o surgimento de variadas formas de privatizações religiosas, onde o popular e o emocional podem se expressar com legitimidade. Para o autor, a experiência da emoção está no centro da religiosidade contemporânea. Para ele “esta valorização emocional, por sua vez, [...] sobrepõe-se à dimensão racional ou teológica das instituições religiosas na modernidade”, fazendo com que os crentes, sejam eles pós-modernos ou pertencentes a cultos populares, “se mobilizem muito mais pelo sensível e pela emoção do que pelos dogmas e verdades de fé” (p.123). Soares (1994) define a “nova consciência religiosa” como um fenômeno das grandes cidades brasileiras, especialmente das camadas médias voltadas de uma inquietação religiosa, referente a uma insatisfação com as experiências religiosas vividas na infância e na adolescência, por força de pressões, estímulos ou identificações familiares e, por outro lado, o afastamento de antigos vínculos não significa, necessariamente, a extinção da curiosidade ou da inclinação religiosas. Além disso, a insatisfação é extensiva às crenças que se apresentaram, em momentos determinados das trajetórias individuais, como alternativas à religião. Assiste-se a uma “mutação sociocultural, isto é, a uma ruptura com representações e visões do mundo; com canais tradicionais de transmissão de mitos e valores, que, até agora, teriam sido o suporte cultural da identidade brasileira tradicional” (Sanchis, 2001, p.33). Nas sociedades pós- tradicionais, desencadeia-se um processo de desfiliação religiosa, em que pertenças religiosas tornam-se opcionais revisáveis, e os vínculos quase experimentais (Pierucci, 2002). O fenômeno aponta para algo presente na sociedade brasileira: a idéia matriz do “alternativo”, como orientação e estilo de vida. Genericamente, identificam-se grandes linhas, contra as quais se definiriam as “alternativas”: competição predatória; consumismo; violência; negligência ética; impunidade recorrente. Mas, esses traços que qualificam comportamentos são traços relativamente independentes de estruturas institucionais. O “alternativo” aparece colado ao cidadão convencional, preocupado com uma moralidade civil crítica, o que o afastaria da idéia de transgressão. Sem convenções muito cristalizadas e instituições bastante rígidas para criticar, o perfil do alternativo se dilui. Esse fenômeno favorece o espaço alternativo, o florescimento de um espírito de tolerância, de pouco ardor sectário e de uma expressiva variedade. Há no
  • 16. 16 Brasil um processo inusitado de desvio moralizador-crítico do cidadão bem comportado. (Soares, 1994). Dentro da cosmologia alternativa, ou misticismo ecológico (sua versão religiosa), apontada por Soares (1994), o religioso alternativo brasileiro é, também, um andarilho. Faz parte de sua agenda um deslocamento permanente entre formas de trabalhar a espiritualidade, em nome de uma busca sempre renovada de experiências místicas. Na mesma perspectiva de Soares (1994), da chave interpretativa do “trânsito religioso”, Amaral (1993, 1994, 2000) e Brandão (1994) analisaram esse fenômeno, através do enfoque que repousa nos percursos de indivíduos libertos de amarras a instituições religiosas, cunhando conceitos e categorias como “nomadismo”, “errância”, “itinerância” espiritual ou religiosa. Nesse sentido, outros autores, explorando o “espírito de época” da pós-modernidade e da globalização, interpretaram a dinâmica, dentro das novas relações estabelecidas entre indivíduo e sociedade, marcadas pela “hiperindividualização” e “reflexividade” – liberdade radical do self de questionamento e escolha de paradigmas (D’Andrea, 1996) e pela suspensão das fronteiras religiosas, fruto de múltiplas passagens pelas mais diversas “províncias de sentido religioso”, realizadas por indivíduos “globalizados”, cuja síntese se dá no interior desses mesmos indivíduos (Pace, 1997). Dentro deste universo religioso encontramos as religiões ayahuasqueiras brasileiras: A União do Vegetal (UDV), o Santo Daime (CEFLURIS e Alto Santo), e a Barquinha. Essas três religiões se baseiam no uso do chá ayahuasca3 , que é a união de duas plantas: Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis, conhecidos respectivamente como Mariri (UDV) ou Jagube (Daime) e Chacrona (UDV) ou Rainha (Daime). Essas religiões se iniciaram na Região Amazônica e estão presentes nos centros urbanos em praticamente todo o Brasil e em outros países, a partir de uma difusão configurada no contexto da “nova consciência religiosa”. De acordo com Goulart (2004, p.8), o pesquisador Clodomir Monteiro da Silva (1983) foi quem utilizou pela primeira vez o termo “linha” para designar os grupos do Santo Daime, da União do Vegetal e da Barquinha, enquanto variantes 3 Luís Eduardo Luna (1986) lista 42 termos designativos do cipó Banisteriopsis Caapi em diversas regiões e povos do Alto Amazonas, segundo vários autores. Um dos mais disseminados é ayahuasca.Trata-se de um termo quíchua cuja etimologia é, segundo o autor: Aya= pessoa, alma, espírito; e Wasca= corda, cipó, liana. Assim, uma tradução possível para o termo ayahuasca seria corda das almas ou dos espíritos.
  • 17. 17 doutrinárias no interior de uma mesma tradição religiosa. Ele foi seguido por outros estudiosos nesta via de interpretação, como por exemplo, Fernando de La Rocque Couto (1989). Tanto Monteiro da Silva como La Rocque Couto entendem que a distinção entre as linhas é feita através de diferenciações no tocante ao conteúdo das narrativas míticas, às formas rituais e ao conjunto de entidades que integram cada panteão. Monteiro da Silva (1983, p. 94) e Sandra Lúcia Goulart (2004, p. 81) afirmam que a noção de linha é amplamente divulgada entre os pesquisadores do tema ayahuasqueiro, no intuito analítico de demarcação e recorte dos seus objetos de estudo. A noção de linha também é adotada epistemologicamente, por estar comumente presente nas narrativas dos fiéis dessas instituições religiosas, quando se referem ao conjunto de grupos e centros específicos, sejam eles pertencentes à “linha daimista”, à “linha da barquinha” ou à “linha udevista”. Goulart (2004, p.13) emprega a noção de “campo” de Bourdieu para se referir às três linhas urbanas ayahuasqueiras (Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal), como sendo diferentes partes de um mesmo campo religioso que lutam para definir quais são as práticas, ou seja, as formas legitimamente religiosas deste espaço. Labate (2004, p. 92) compartilha dessa compreensão de “campo ayahuasqueiro”, que abarca a junção dessas três linhas distintas e das igrejas, centros ou núcleos que surgiram subseqüentes às cisões e dissipações, visto que cada linha religiosa teve sua origem a partir do contato com o universo xamânico andino, o que as faz compartilharem dessa tradição em comum. A autora anexa ao campo ayahuasqueiro, o que ela chama de “usos não convencionais” da bebida. As três religiões a UDV, o Santo Daime e a Barquinha, embora tenham significativas diferenças no tocante à doutrina4 , estão dentro do campo dos “novos movimentos religiosos”, da “nova consciência religiosa”, no qual visualizamos uma tradição de ecletismo, circularidade, mobilidade religiosa, porém identificado por Soares (1994) como um marco diferencial, dentro dos novos movimentos religiosos, pois ao mesmo tempo em que é uma vertente da “nova consciência religiosa”, por outro lado estanca a errância marcada por este fenômeno. A mais conhecida dessas religiões é o Santo Daime, porém a que possui mais fiéis é a União do Vegetal. Atualmente existem cerca de 42 igrejas filiadas ao Santo Daime do CEFLURIS (Centro Eclético da Fluente luz Universal Raimundo Irineu 4 Doutrina é como freqüentemente os adeptos se referem ao corpo institucional de que fazem parte.
  • 18. 18 Serra) no Brasil (www.santodaime.org) e, aproximadamente, 4.000 membros oficiais. Já no exterior, este grupo tem centros em pelo menos 23 países, englobando Américas do Sul, Central e do Norte, Europa, Japão e África do Sul. A União do Vegetal conta com, aproximadamente, 15.000 membros oficiais, possuindo núcleos fora do Brasil, nos Estados Unidos, em seis estados diferentes, com cerca de 140 membros e em Madri, na Espanha, além de núcleos incipientes na Itália, Portugal, Inglaterra e Alemanha (Labate, Rose e Santos 2008). A pluralidade religiosa brasileira refere-se à existência de uma tradição de ecletismo da vivência religiosa e intensa circularidade religiosa no Brasil. Uma intensa mobilidade e circulação das pessoas entre diferentes experiências espirituais caracterizam a experiência neo-religiosa no Brasil, calcada numa dinâmica de conversões e reconversões (e de desconversões) extremamente móvel (Maluf, 2003). Nesse sentido, o estudo das religiões ayahuasqueiras merece atenção especial dentro de uma compreensão da “nova consciência religiosa” e das complexidades do espaço religioso contemporâneo, dada a “crescente relevância social desse fenômeno e, aparentemente, o êxito de sua expressão política” (Soares, 1994, p.210). Porto Alegre se configura um campo fértil para análise da mobilidade, característica da experiência neo- religiosa, pois a cidade tem “uma história antiga de instalação de grupos e ordens místico-esotéricas” (Maluf, 2003, p.154). O tema revigora-se, no momento, pela dimensão política envolvida: o pedido de Registro da ayahuasca como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, em 2008, e pela ênfase na mídia, em 2009 e início de 2010. Labate, Rose e Santos (2008) ressaltam que apesar do Boom das pesquisas no Brasil e o início da expansão nos estudos sobre as religiões ayahuasqueiras no exterior, ocorrido nos anos 2000, este campo de estudos ainda é marginal, em relação ao mainstream acadêmico, e ao, mesmo tempo, cada vez mais popular no cenário psicodélico. Hervieu-Léger (1999) trabalha com duas metáforas do religioso na modernidade: o peregrino e o convertido. O peregrino é o errante, o migrante, a mobilidade. O peregrino caracteriza o novo modo de ser religioso: o andarilho. A trajetória de vida não se mantém na mesma ordem religiosa. Este peregrino vai ser um construtor pessoal, um construtor da sua trajetória religiosa. O convertido é os momentos de pausa deste errante. Hervieu-Léger (1999) fala da tríplice figura do convertido: 1. O indivíduo que “muda de religião”, seja porque rejeita, expressamente, uma identidade religiosa herdada ou assumida para a substituir por uma nova, seja
  • 19. 19 porque abandona uma identidade religiosa imposta, mas à qual nunca tinha aderido, em proveito de uma nova fé. 2. A conversão dos “sem religião”, ou seja, do indivíduo que nunca tendo pertencido a qualquer tradição religiosa, descobre, após um caminho pessoal mais ou menos longo, aquela em que se reconhece e à qual decide finalmente agregar-se e 3. O “reafiliado”, do “convertido interior”: aquele que descobre ou redescobre uma identidade religiosa, que até aí permaneceu formal, ou vivida a “mínima”, de maneira puramente conformista. Dentro deste processo, encontramos um sincretismo, encontramos a “bricolage”, no sentido de Lévi-Strauss, trabalhada por muitos autores como Hervieu- Léger (1999, 2005), Soares (1994), Champion (1993), Steil (2001), dentre outros. A “bricolage” seria a possibilidade de organizar um universo de representação simbólica a partir de elementos provenientes de diferentes sistemas religiosos. Têm-se uma cosmologia estruturada de referência para errância, ou seja, encaixa-se dentro de uma estrutura de base a diversidade religiosa. Edio Soares (2009, p.13) traz a idéia de “butinage religiosa”, distinguindo-a da “bricolage”. Longe dos velhos esquemas, segundo os quais a conversão implica a recusa da crença anterior para abraçar uma nova, a “butinage” oferece uma outra perspectiva: a das práticas plurais, mas vividas como não contraditórias entre elas, através das quais os fiéis combinam formas variadas de relações com o sagrado. Da maneira que uma abelha, o praticante “butina” de uma denominação religiosa a outra, recriando e fabricando sentido no “perfume”, cada vez específico e renovado. Soares (1994) menciona duas situações de conversão: a primeira com um caráter provisório, onde o engajamento em um universo de crenças e de práticas é apenas uma fase de transição para uma adesão de outra qualidade. A segunda forma de conversão é vivida, não mais como temporária, mas como permanente e “definitiva”. Para ele, o fator que permite esse engajamento é a flexibilidade inerente às novas práticas religiosas e o Santo Daime é uma versão do misticismo ecológico e, ao mesmo tempo, estanca a errância marcada por este fenômeno. Apesar da União do Vegetal ter mais que o triplo de membros oficiais que o Santo Daime (CEFLURIS), como foi explicitado anteriormente, o Santo Daime possui um histórico muito maior de indivíduos que passaram pela religião. Diversas pessoas freqüentam os rituais do Santo Daime sem estar formalmente vinculada ao CEFLURIS, havendo uma grande rotatividade de participantes, fazendo com que seja muito difícil a
  • 20. 20 contabilização precisa do número de pessoas envolvidas regularmente com esta organização religiosa (Labate, Rose e Santos, 2008). Neste sentido, o presente estudo trata das trajetórias5 dos fiéis da União do Vegetal – Núcleo Jardim das Flores e do Santo Daime (CEFLURIS) – Comunidade Céu de São Miguel de Porto Alegre e Grande Porto Alegre respectivamente. Através de um estudo comparativo, busquei compreender as experiências religiosas e transformações na vida dos indivíduos, dentro dessa pluralidade religiosa, a partir da análise de suas trajetórias, que envolvem processos de conversão, desconversão e reconversão, típicos da bem empregada metáfora do peregrino de Hervieu-Léger (1999), com base na idéia de “butinage” proposta por Edio Soares (2009). A literatura sobre o fenômeno da ayahuasca já conta com um número considerável de obras, textos e pesquisas diversificadas. Segundo a contabilidade realizada por Labate, Rose e Santos (2008), há no Brasil, 52 livros, 90 artigos publicados, 70 trabalhos apresentados em eventos e 52 trabalhos acadêmicos sobre o tema das religiões ayahuasqueiras, sendo 35 dissertações, 7 teses e 9 pesquisas em andamento. No decorrer da minha escrita, procurei dialogar com os principais e mais relevantes estudos neste tema. De acordo com Labate (2004), a União do Vegetal é uma instituição fechada e seleta para pesquisadores. Alguns pesquisadores conhecidos não conseguiram obter permissão para estudá-la e outros tiveram a exigência de ser sócio da União, como por exemplo, a dissertação em ciências sociais de Andrade (1995), atualmente mestre da UDV e Ricciardi (2008), sócia da UDV. A primeira e, até então, única dissertação em antropologia é do ex-padre jesuíta Sergio Brissac (1999a), que não foi publicada. Com exceção de Brissac (1999a), as pesquisas realizadas com a União do Vegetal foram feitas por pesquisadores adeptos da religião. O Santo Daime, grupo no qual se concentra a maioria dos estudos acadêmicos, apesar de ter as portas abertas para pesquisadores, grande parte destes também são nativos. Não acho interessante tomar como objeto de estudo sua própria religião, pois, como colocou Caldeira (1988), do mesmo modo que o antropólogo tem que se transformar ao entrar em uma outra cultura, ele tem que reelaborar a sua experiência ao sair dela, de modo a transformá-la em uma descrição 5 Conforme Bourdieu (2006, p.189), trajetória é uma “série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações”, passando por uma compreensão de acontecimentos biográficos da vida do sujeito, sendo “colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente, nos diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo considerado”.
  • 21. 21 objetiva (científica) da cultura como um todo. Porém, as pesquisas feitas por nativos têm grande contribuição, por apresentarem amplo domínio do conhecimento sobre o campo. O meu acesso à UDV, como pesquisadora não convertida à religião, só foi possível pelo fato de ter pessoas importantes de meu convívio íntimo dentro da União, importantes, no sentido de possuírem um grau hierárquico significativo e serem pessoas de prestígio dentro do grupo, e pelo atual interesse do grupo pela realização de pesquisas científicas, a fim de reconhecer e legitimar, cada vez mais, o uso da ayahuasca num contexto religioso. Este interesse se reflete, por exemplo, na criação de um Departamento Médico-Científico – DEMEC (1986) e de um Comitê Científico (2004). Enquanto o primeiro está voltado para incentivar a realização de pesquisas, com um enfoque biomédico-farmacológico, o Comitê Científico consiste em órgão especialmente voltado para receber estudiosos de outras áreas interessados em investigar o grupo, o que sinaliza uma maior abertura com relação a pesquisadores acadêmicos das ciências humanas (Labate, Rose e Santos, 2008). O Comitê Científico é formado por acadêmicos que são sócios (adeptos) da UDV. O meu projeto de pesquisa de mestrado foi analisado por dois assessores acadêmicos, sendo avaliado nos aspectos referente ao mérito acadêmico e de interesse da própria instituição em “ser pesquisada”. O meu projeto preencheu estes aspectos, sendo assim autorizada à pesquisa. Também recebi recomendações nestes pareceres acerca de minha pesquisa, bem como a combinação de informar, periodicamente, o andamento da pesquisa para que a instituição pudesse acompanhá-la e auxiliar no que fosse preciso. Também, no ano de 2004, tive o meu primeiro contato com a UDV, que resultou no meu trabalho de conclusão do curso de Psicologia, intitulado “Uma aproximação psicológica do uso religioso da ayahuasca” (2005). Assim, este grupo não era tão “estranho” para mim e nem eu tão “estranha” ao grupo. Porém, era um grupo estranho no viés antropológico e a etnografia era algo inusitado, o que me faria penetrar em instâncias inexplícitas e, de acordo com Wagner (1981), essa experiência etnográfica é tomada como experiência, mediada pelo pensamento e seus parâmetros culturais, e este é atualizado pela experiência. Segundo o autor, a experiência etnográfica impõe resistências às categorias analíticas do antropólogo. Ele vai se tornando o ponto articular entre duas culturas e, à medida que ambas vão sendo objetificadas, a invenção de uma é concomitante à reinvenção de outra. Quanto mais
  • 22. 22 familiar o estranho se torna, mais estranho o familiar parecerá ao observador. E é esse estranhamento que faz precipitar a cultura, dando-lhe visibilidade. A dupla experiência, de inventar culturas para os outros e, por contraste, uma cultura para si, desdobra-se na invenção da cultura como advento universal do fenômeno humano. A partir de Mauro, um dos meus principais informantes, foi que cheguei à comunidade do Santo Daime (CEFLURIS) Céu de São Miguel, em maio de 2008. Mauro é medico psiquiatra e fundou a psicoterapia reencarnacionista no Rio Grande do Sul em 1996. Ele foi sócio da União do Vegetal, por quase oito anos, e foi daimista, morador da referida comunidade, durante toda minha pesquisa etnográfica, afastando-se do Daime, em janeiro de 2010, não estando, atualmente, ligado a nenhuma religião. Por ter circulado nos dois grupos religiosos, muitos adeptos udevistas e daimistas se submeteram e/ou ainda se submetem a sessões de regressão a vidas passadas com ele, assim enquanto realizava minha pesquisa também me submeti a uma regressão, considerando ser este um atravessador de análise significativo dessas religiões. Eu conheci o Mauro em 2004, quando tive contato com a UDV, sabia de seu afastamento da União e de sua conversão ao Daime, o que, inicialmente, me instigou a pensar na mobilidade religiosa, trânsito e a trajetória dos fiéis, podendo pensar os processos de conversão, desconversão e reconversão, abrindo a possibilidade de trabalhar com duas religiões ayahuasqueiras diferentes, numa perspectiva comparatista. A única pesquisa que aborda esta perspectiva comparatista entre as religiões ayahuasqueiras é a tese de doutorado em Ciências Sociais “Contrastes e continuidades em uma tradição Amazônica: as religiões da ayahuasca”, de Sandra Lúcia Goulart (2004). Goulart (2004) realiza um estudo antropológico comparatista entre os sistemas rituais e simbólicos das três principais religiões ayahuasqueiras brasileiras: a União do Vegetal (UDV), o Santo Daime e a Barquinha, destacando, também, os conflitos entre elas e o processo de dissidências que ocorre no interior dos respectivos grupos. É um trabalho pioneiro no que concerne à comparação exaustiva destas religiões, envolvendo, simultaneamente, análises dos contextos históricos que levaram à constituição de cada uma delas e etnografias detalhadas. Além disso, a autora realiza uma pesquisa ampla sobre a biografia dos fundadores dessas religiões, mostrando como a formação cultural e a história pessoal dos líderes foram importantes elementos na elaboração desses cultos. Ao se deter na análise dos conflitos entre essas religiões ayahuasqueiras, a tese aponta, também, para as principais acusações acionadas entre
  • 23. 23 seus adeptos. Nesse sentido, defendeu-se a hipótese de que atualmente a construção das fronteiras identitárias entre os diversos grupos desse campo religioso remete ao tema do uso de drogas ilícitas na nossa sociedade. O estudo concluiu que, apesar dos conflitos e fragmentações entre as religiões ayahuasqueiras serem de fato acirrados, todas elas compartilham de um legado cultural comum, de origem amazônica, expressando, assim, diferentes desenvolvimentos de uma única tradição. Este estudo foi uma das referências básicas para minha pesquisa. Depois de retomar contato com a União do Vegetal, em abril de 2008, em maio do mesmo ano, fui para Bahia, no Núcleo Salvador, para participar de um preparo de vegetal (ayahuasca), ficando hospedada, durante quatro dias, no Núcleo e, posteriormente, na casa de um Conselheiro da UDV. Entrei em contato com o Santo Daime via informante Mauro. O primeiro contato foi, por telefone, com o Comandante do Céu de São Miguel, Alancardino Vallejos, identificando-me como pesquisadora e sendo, imediatamente, autorizada para realizar meu estudo. Posteriormente, o padrinho Alan, como é chamado pelos membros daimistas, se tornou outro de meus principais informantes. No primeiro encontro que tive com ele, pessoalmente, e conversei um pouco mais sobre a minha pesquisa, explicitando que esta se daria concomitantemente com a UDV, ele me contou a seguinte história: Eu tive um sonho muito sério com a UDV, e até fui lá no Mestre Augusto, naquela vez, por causa disso. Eu sonhei que eu tava numa oca indígena e minha esposa tava fardada de azul, com a nossa farda azul. Ela tava sentada no meio da oca, era uma oca grande, com índios por ali e outras pessoas brancas e outros fardados e eu também tava fardado. Eu tava na porta, olhei a negra (esposa dele) lá, os índios, as pessoas, a floresta. E disse: “Negrinha quem sabe tu leva a chave do Daime que tá ali na minha gaveta. Tem que acender as velas lá”. Aí eu disse: “O que eu to fazendo aqui? O que é isso aqui?” Aí um senhor veio e me disse assim: “Aqui é a União do Vegetal”. Aí eu saí daquela oca e tinha uma Lua cheia daquelas que tão nascendo, tá meio amarela ainda. Fiquei estaqueado quando vi aquela Lua. E ela saiu de lá e veio em cima de mim, que no sonho eu cheguei a dar um passo pra trás. A impressão que eu tinha é que ela ia cair em cima de mim. Levei um susto. Olhei para dentro daquela oca para ver se alguém tinha visto e só eu tinha visto. Ela veio de novo. Na terceira vez que aconteceu, eu já estava mais preparado. Aí eu acordei. Aí eu contei para minha esposa e ela disse assim: “Quem sabe tu procura isso aí né”. Aí eu tava lecionando lá na UNISINOS e um amigo meu disse olha eu vou fazer um ritual, eu tenho uma sessão na UDV. Aí eu disse: “Bah! To querendo ir nesse negócio aí”. Aí eu contei o sonho e ele disse que ia falar com o Mestre Augusto que era o Mestre Geral naquela época e ele disse que era para eu ir num sábado X lá e eu fui. Fui sozinho até, minha esposa não pode ir. Aí cheguei lá fiz uma sessão maravilhosa [...] E eu tinha recebido nesse sonho que era para eu trabalhar a aproximação com a União do Vegetal, que iria haver muitas coisas positivas para as duas linhas. E o Mestre Augusto me cortou aquilo ali né. De repente eles estão mais abertos agora...Eu gostaria muito de levar nosso povo lá, conhecer uma linha nova, conhecer uma outra forma de se ligar com o Divino com o chá também. Nós temos a linha xamânica também, fazemos umbandaime, mas eu gostei muito lá da UDV, daquela forma do
  • 24. 24 questionamento, que eu vejo que é diferente do nosso trabalho. E de repente receber os irmãos da UDV aqui também. O grande problema que eu vejo nisso aí é o medo que as pessoas têm do colonialismo. Ou seja, ah! Eu não vou deixar o cara ir naquela sessão porque de repente vão querer levar o cara para lá. E se o cara for qual é o problema? Eu não mando em ninguém. Eu tô sempre dizendo para o meu povo aqui, que igreja de Daime não tem porta. Tu entra e sai à hora que tu quer. Se tu entrou segue as regras, se tu saiu segue as regras. Quer voltar, tudo bem, entra. O Mauro, por exemplo, era da UDV veio tomar o chá se deu bem, ótimo. Eu posso ter vários irmãos aqui que são vegetalistas e não sabem porque nunca tiveram a oportunidade de tomar o vegetal e se encontrar. Às vezes o cara tá no Daime ta tudo muito bem, mas não lincou bem a história porque não é bem a linha dele. Isso é do homem não é do Vegetal, não é do Santo Daime, isso é do homem, é do Ego. O Ego emperra tudo. Mas eu ainda tenho essa esperança de um dia poder me aproximar. Levar meu pessoal lá, fazer uma sessão. Poder um dia trazer os irmãos da União aqui. Eu já fui no espiritismo, na umbanda, na igreja Evangélica. Onde disserem que é a casa de Deus eu me sinto bem. Agora a forma como cultuamos é diferente. A forma é do homem, mas o conteúdo é de Deus. A fé é única. A forma que é múltipla. Então eu posso ir a qualquer lugar que cultue Deus, que acredite em Deus. Mas eu fico meio “abichornado” como diz o gaúcho. Talvez nessa ocasião com a UDV eu também tenha me deixado levar pelo Ego e acabei não voltando mais na UDV. Talvez ele podia estar se sentindo mal com a presença da gente, sabe como são essas coisas, a gente não sabe. Tanto faz se a pessoa toma Vegetal ou Santo Daime todos somos irmãos (Padrinho Alan). Além de pesquisadora, eu fui vista como uma pessoa especial, relacionada a uma “missão” maior de união entre as religiões, principalmente as religiões ayahuasqueiras, que é a nova proposta daimista refletida na “Nova Era”. Conforme analisou Goulart (2004), as religiões ayahuasqueiras são permeadas de conflitos entre si, o que pude observar durante minha pesquisa etnográfica, mas que não se configurou como o foco da minha dissertação e sim como material de análise de uma prática etnográfica consciente. Quero dizer que não consegui cumprir “minha missão” de aproximar as duas religiões, mas com certeza foram trazidas questões, que Homi Bhabha referiu como “Terceiro Espaço”. Evocando novas práticas de mobilidade e deslocamento, a noção do “Terceiro Espaço” reconceitualiza o campo, ao mesmo tempo em que aponta o que acontece entre as pessoas no seu interior. Se o autodeslocamento cognitivo e afetivo é pré-condição para a tradução cultural, o deslocamento físico não é tanto; a compressão tempo-espaço, a mobilidade global e as tecnologias de comunicação significam que espaços de alteridade estão no caminho cotidiano do Eu, e que o campo está em toda parte. A referência ao “espaço”, em oposição ao “lugar”, não só delineia um terreno conceitual, como também abrange idéias acerca daquilo que pode acontecer dentro dele, em termos das relações Eu/Outro e da produção de sentido. O “Terceiro Espaço” é o outro (s) que surge, que não estão nem na cultura do nativo, nem na do antropólogo. É um espaço intersticial que inova e interrompe o desenrolar do presente. As práticas do “Terceiro Espaço” são cognitivas, afetivas e éticas. Inconsciente somos todos etnógrafos (Jordan, 2008). Porém, antes de um possível tecer
  • 25. 25 consciente, deliberado de algo novo – o “Terceiro Espaço”, acabei, por vezes, me enredando nas teias de sentido deles, bem como seu inverso. Talal Assad (2008) diz que o etnógrafo tem de construir um texto, no trabalho de campo; o antropólogo começa com uma situação social, dentro da qual algo é dito, sendo o significado cultural dessa enunciação que terá de ser reconstruído. A tradução dos antropólogos não é apenas uma questão de fazer equivaler frases no abstrato, mas sim de aprender a viver uma outra forma de vida e a falar um outro tipo de língua. O processo de tradução ocorre no momento em que o etnógrafo se envolve com um modo de vida específico, tal como acontece com uma criança ao aprender a crescer, dentro de uma cultura específica. Eu era uma criança que estava aprendendo a crescer em duas culturas específicas e conflituosas entre si. Eu tinha que “ir e vir” entre elas, sendo meu próprio guia. O antropólogo vive simultaneamente em dois mundos mentais diferentes, que se constroem segundo categorias e valores muitas vezes de difícil conciliação. Tornamo-nos, ao menos temporariamente, uma espécie de duplo marginal, alienado de dois mundos (Evans- Pritchard, 1978, p.303). A “tradução cultural” é uma questão de determinar significados implícitos, não os significados que os falantes nativos realmente reconhecem no seu discurso, nem mesmo os significados que o ouvinte nativo aceita necessariamente, mas aqueles que ele é potencialmente capaz de partilhar com a autoridade científica, numa dada situação ideal. Assim, a tradução cultural não é uma questão de substituir texto por texto, mas de co-criar texto, de produzir uma versão escrita de uma realidade vivida, e é, neste sentido, que ela pode ser uma força transformativa eficaz daqueles que participam no processo (Assad, 2008). Não sei se o meu texto alcançou esta tradução, mas, desde o início da pesquisa, mantive um diálogo constante com meus informantes e, após reescrever todo material, a partir de um pensar com meu orientador, todo este texto foi lido por uma conselheira (outra informante significativa) da União do Vegetal e por um membro free6 (outro importante informante) do Santo Daime e da União do Vegetal. Também o Mestre Alberto, da União do Vegetal, que tem Mestrado em Ciências Sociais e é professor da UFRGS, pode expressar sua visão nativa e acadêmica sobre a UDV, bem como, o Padrinho do Santo Daime, dentro de seu conhecimento, resultando em diálogos, reflexões e pontos reescritos, tentando evitar condicionamentos, ou a minha 6 Designação nativa daimista referente ao que Hervieu-Léger (1999) chamou de peregrinos. Esta categoria será contextualizada mais a seguir na própria introdução.
  • 26. 26 autoridade sobre o assunto, e procurando que a minha voz e a dos nativos alcançassem discursos diferentes. Não foi um exercício fácil para mim, visto que venho de uma área de conhecimento centrada na minha interpretação de uma “outra” realidade, porém este texto sempre vai ser meu, por mais polifônico que seja e há que se levar em conta que os dados obtidos fogem ao nosso controle e que há uma multisubjetividade na pesquisa e, além disso, não hesitei em usar a minha própria experiência como uma oportunidade de colher dados. Há que se levar em conta, ainda, que por eu ter tido outra trajetória, outra formação acadêmica (graduação em psicologia e especialização em clínica psicanalítica lacaniana), antes de ingressar na antropologia, esta escrita vai estar marcada por esta minha construção de conhecimentos, de saberes e de mudanças de paradigmas. E, talvez, isso se reflita na escolha dos autores e numa produção no âmbito de uma antropologia psicológica. Priorizei, densamente, em toda minha pesquisa, a técnica da observação- participante, por acreditar, como coloca Clifford (1998), que é por ela que apreendemos, tanto no nível corporal como intelectual, as vicissitudes da tradução. A observação- participante, em meu tema de pesquisa, aponta para uma questão significativa: o fato de ingerir o chá ayahuasca, que é uma substância psicoativa, em todos os rituais, visto a importância central atribuída, pelos grupos religiosos, ao efeito do chá no indivíduo (designado de “burracheira” ou “força”). Eu ocupo uma posição e tenho acesso a determinados lugares a partir dos quais se estabelece uma comunicação específica com os sujeitos estudados que não é passível de representação. Não se trata de me transformar em nativo; o que está em jogo é situar-se, ocupar um lugar em que se possa ser afetado pelas mesmas forças que incidem sobre os nativos. Por outro lado, aceitar ocupar este lugar não informa, exatamente, sobre as afecções do outro, mas sobre o que afeta o próprio pesquisador nessa posição em que o outro se colocou. Favret-Saada (1990) concebe este estado como uma modalidade de experimentação de intensidades específicas (os afetos), apontando para a possibilidade do pesquisador permitir “ser afetado” (être affecté). O ato de tomar o chá é um être affecté sui generis, é como se eu adquirisse um avatar, um corpo Na’vi humano (antropólogo-ayahuasqueiro), híbrido para interagir com os nativos de Pandora7 , o campo religioso ayahuasqueiro, porém eu, 7 Fazendo referência ao filme épico de ficção científica “Avatar”, escrito e dirigido por James Cameron. O filme foi lançado em 2D e 3D no Brasil em 17 e 18 de dezembro de 2009.
  • 27. 27 diferentemente de Jake Sully8 , vou viver com dois distintos clãs de Pandora – A União do Vegetal e o Santo Daime. O Padrinho Alan recomendou esse filme, numa sessão, e a comunidade daimista, em todo Brasil, se identificou muito com ele, pois os Na’vi vivem em harmonia com a natureza e são considerados primitivos pelos humanos – a “religião primitiva”, como divulgado na Revista Época9 (22 março 2010, n° 618), no caso Glauco. Essa identificação suscitou um fórum de discussão na comunidade do Santo Daime, no Orkut, onde os internautas associam o filme à doutrina daimista. Algumas discussões, por exemplo, enfocam que o povo Na’vi cultuava Eywa, sua divindade protetora, a deusa mãe, a própria natureza. É o arquétipo do divino feminino, a “Rainha da Floresta10 ”. O povo Na’vi tinha uma árvore das almas, onde, através dela, se contatavam com todos seus ancestrais, ou seja, através de um vegetal eles alcançavam essa conexão. Os Na’vi são um povo simples e muito evoluído, “os caboclos guerreiros”. Diz o Padrinho Alan na comunidade do orkut: Não é à toa que está fazendo sucesso. Sua linguagem é universal, de um homem que está em extinção: o homem-pássaro, o homem-terra, o homem-ar, o homem-água, o homem-nação, onde a vida só tem valor com o outro. Como disse Mário Quintana, somos anjos de uma asa só. Precisamos do outro para voar. Concordo que me lembrou da doutrina. Será que ele, o diretor, não passou por aqui? Pensando assim nessa metáfora, ao ingerir o chá, eu adquiro avatar e consigo, mentalmente, me ligar e me conectar, através de conexões invisíveis aos olhos humanos, que me permitem acessar e compartilhar esse mundo espiritual nativo. Eu entro em contato com seres que desconheço, com a natureza, com a árvore das almas e, a partir daí, um paradigma se rompe completamente para mim e eu nunca mais consigo enxergar as coisas como eu anteriormente enxergava. Após um período inicial de “peias”, medos e resistências, eu consegui me entregar a essa “força”, sendo, por algum tempo, capturada por “Pandora”, esse lugar mágico, que fica do outro lado do Sol, com perfume de fruta e de flor. Eu acordava com os hinos ou as chamadas na cabeça, eu chamava os nativos de irmãos, eu aprendi a rezar, a ter fé e a pensar em caridade. Muitas vezes, me senti um nativo, como o Jake Sully, sem saber qual 8 Um dos personagens principais, o ex-fuzileiro paraplégico que vai substituir o irmão gêmeo morto no seu avatar sem ter nenhum conhecimento da cultura Na’vi. 9 Em reportagem referente ao assassinato do cartunista Glauco Villas Boas, comandante da igreja daimista Céu de Maria, o correspondente de Época em Londres – Paulo Nogueira compara a religião do Daime ao vodu e o confucionismo, diz ele: o Santo Daime “uma religião primitiva que nasceu nos anos 1920 na Amazônia dos delírios do seringueiro Raimundo Irineu Serra” (Época 22 março 2010, n° 618, p.100). Essa e outras reportagens causaram muita “indignação” aos daimistas. 10 A Rainha da Floresta é a Nossa Senhora da Conceição de quem o Mestre Irineu recebeu a doutrina daimista.
  • 28. 28 realidade me pertencia e qual era a verdadeira. Até o dia em que, numa “burracheira”, “do nada” tive uma experiência muito próxima e íntima com o Mestre Gabriel, recebendo uma mensagem muito importante para minha vida. A mensagem era simples: se seguires por esse caminho, irás se arrepender e sofrer; se seguires por esse outro caminho, ficarás bem e feliz e, como no filme “Efeito Borboleta”, eu “mirei” toda cena da minha vida futura. A mensagem era muito clara e se referia a uma escolha pessoal que eu tinha que tomar e que não se referia à religião. Eu fiquei muito assustada e profundamente abalada, fiquei três dias sem conseguir levantar da cama e com crises de choro. O que eu devia fazer agora, já que eu estava só “brincando nos campos do Senhor11 ?” A minha vida rodava nas trapaças do Criador. Depois dessa revelação, eu não ia conseguir seguir por outro caminho diferente daquele apontado pelo Mestre. Foi o momento no qual, em março de 2009, precisei recorrer a uma terceira pessoa, que pudesse me auxiliar psicologicamente, pois eu estava com medo de enlouquecer. Por indicação, eu contatei uma ex-sociológa, que bebeu ayahuasca com os índios no Acre, e atualmente é terapeuta alternativa, sim, uma terapeuta alternativa, porque, neste momento de crise, eu estava duvidando até da psicanálise clássica, à qual me submeti durante quase dez anos de análise pessoal. Essa pessoa me auxiliou a aprender a ir a qualquer direção e voltar, pois “Eu sou meu guia” e, agora, eu faço uma alusão à definição de Wagner (1981), do homem como xamã de seus significados, apontando para as possibilidades de manipulação de um conceito no trânsito entre mundos. A abordagem wagneriana aponta para a antropologia como disciplina que inventa cultura a partir da cultura. O estudo da cultura também é cultura e, simultaneamente, a cultura é o instrumento para sua invenção. Wagner (1981) acentua o relacional, em detrimento do substantivo, na abordagem do outro como uma experiência de pensamento, em que são concomitantes o aprendizado e a invenção, em que estão implicados aprendizado/invenção do outro e aprendizado/invenção de si. Neste sentido, a “invenção etnográfica”, tal como pensada por Wagner, Strathern, entre outros, tomada como experiência de pensamento, a construção do outro não prescinde da existência efetiva do outro, tampouco prescinde da (re)construção de si. Wagner (1981) sugere 11 Fazendo alusão ao filme “Brincando nos campos do Senhor” (At Play in the fields of the lord), direção de Hector Babenco e roteiro de Hector Babenco e Jean-Claude Carrière baseado em livro de Peter Matthiesse, lançado em 1991 (EUA). Um casal de evangélicos e seu filho pequeno embrenham-se na selva amazônica brasileira para catequizar índios arredio à noção de Deus. Um sociólogo termina sendo motivado pelas experiências de outro casal. As intenções religiosas e a harmonia entre brancos e índios no local ficam instáveis devido à presença de um mercenário descendente dos índios americanos. Este filme também é associado à doutrina daimista.
  • 29. 29 uma antropologia reversa, propondo a vinculação necessária da invenção da cultura com o aprendizado de como as culturas inventam a si mesmas, numa experiência aberta para a criatividade mútua, em que a cultura em que vivemos é contra – exemplificada pelas culturas que criamos, e vice-versa. A antropologia reversa não reduz a alteridade a uma tipologia social, mas reconhece diferentes estilos de criatividade, que correspondem a diferentes modos de entendimento. Assim, duas questões foram norteadoras para pensar a minha etnografia, a relação entre eu e os nativos, como dispositivo central de construção do conhecimento antropológico e a “tradução”, o desafio da construção ficcional da etnografia. Wagner (1981) combina objetividade relativa com relatividade cultural. A relatividade cultural situa o observador, em posição de equidade, com os observados, já que ambos pertencem a uma cultura, enquanto aquela atenta para a mediação de sua própria cultura, na compreensão de uma outra. Assim, a experiência da alteridade só adquire sentido nos termos da própria cultura, mas o desafio do antropólogo é ralativizar sua própria cultura, por meio da formulação concreta de outra. É preciso ultrapassar as fronteiras das próprias convenções e investir na imaginação do mundo da experiência. Foi a partir daí que pensei na possibilidade de construir a tradução, através de uma metáfora que representa a simbologia nativa: a rosa e o beija-flor. Em junho e julho de 2009, as questões conflitivas que perpassam as duas religiões tiveram seu ápice, pois os grupos estavam se olhando, se questionando pela minha presença, bem como esta estava suscitando o imaginário dos grupos envolvidos. Foi um período em que eu sofri muitas “peias”12 , nos rituais religiosos, marcada por muitas dores corporais, desmaios e vômitos intensos, que se propagavam para além do ritual. Isso culminou num período de afastamento completo do campo religioso, por vinte dias, para tratamento médico, pois eu já tinha emagrecido sete quilos e estava com anemia profunda e desnutrição. Depois desse tempo de pausa, retomei, lentamente, o campo até os ânimos se estabilizarem. Em agosto de 2009, viajei para Europa, visando pesquisar o processo de transnacionalização da União do Vegetal e do Santo Daime na Espanha, com o intuito de seguir no doutorado, permanecendo naquele país de 27 de agosto a 7 de outubro. A partir de indicações de um informante meu da UDV, que faz doutorado em Santiago de 12 Termo nativo daimista e udevista que designa os mal-estares físicos e psicológicos suscitados pela ingestão do chá.
  • 30. 30 Compostela, durante este período fiquei hospedada na casa de um mestre da UDV e, posteriormente, na residência de uma conselheira e, também, no Núcleo Inmaculada Concepcion, localizado num “pueblo cerca de Madrid”. Com indicação do Padrinho Alan, contatei o dirigente do Santo Daime, ficando hospedada na comunidade daimista também localizada num “pueblo cerca de Madrid”. Retornando ao Brasil, em outubro do mesmo ano, retomei o trabalho de campo, que foi encerrado em 20 de dezembro, para iniciar a escrita da dissertação. Em janeiro e fevereiro de 2010, tive necessidade de ir à comunidade daimista, bem como no núcleo udevista, para colher alguns materiais necessários que estavam faltando. Para entender como os fiéis conjugam mobilidade e fidelidade religiosa e como ocorre o processo de conversão, desconversão e reconversão, além do uso da etnografia como metodologia de pesquisa, enfatizando a técnica da observação participante nos dois grupos religiosos concomitantemente, realizei 28 entrevistas centradas não-diretivas, seguidas de um roteiro temático, dentro de categorias de análise que identifiquei como configurativa dessa mobilidade. São elas: 1. A categoria dos convertidos, que são designados pelo termo êmico de “fardados” no Santo Daime e “sócios” na UDV. Nessa identifiquei a tríplice figura do convertido, proposta por Hervieu-Léger (1999). Essa categoria é composta por três subcategorias: a) Indivíduos que são considerados convertidos há bastante tempo, pelo grupo em questão – há uma estimativa de no mínimo dez anos para tal conjunto, em ambos grupos religiosos. b) Indivíduos recém-convertidos, que são considerados, pelo grupo religioso em questão, como possuindo pouco tempo de conversão – estimativa de até dois anos, para ambos grupos religiosos. c) Indivíduos que estão entre as categorias a e b. 2. Os peregrinos, como definiu Hervieu-Léger (1999), e que eu chamei de free, que é o termo nativo daimista empregado para este fim. O free é aquele
  • 31. 31 que continua circulando em outros espaços religiosos e, ainda, não se definiu como adepto da religião (sócio da UDV e fardado do Daime). Neste caso, priorizei o free dentro do campo religioso ayahuasqueiro, ou seja, aquele que freqüenta religiões ayahuasqueiras distintas. 3. Os reconvertidos, dentro do campo religioso ayahuasqueiro. Nessa categoria se enquadram aqueles que foram convertidos em uma religião ayahuasqueira, por determinado período, e, atualmente, estão convertidos em outra religião ayahuasqueira distinta. 4. Os desconvertidos, ou seja, aqueles que foram convertidos, por determinado período, em uma religião ayahuasqueira e, atualmente, não são mais, ou seja, é um ex-fardado ou ex-sócio. Foram realizadas vinte entrevistas para a categoria um (distribuídos nas subcategorias), sendo dez da UDV e dez do Santo Daime. Na categoria dois, foram realizadas três entrevistas. Na categoria três foram realizadas duas entrevistas: um sócio da UDV, que foi fardado do Santo Daime, e um fardado do Daime, que já foi sócio da UDV. E, na categoria quatro, foram realizadas três entrevistas. Um dos casos da categoria quatro se refere a uma pessoa que foi entrevistada, durante a minha pesquisa, como convertida e, depois de um tempo, como reconvertida, ou seja, pude acompanhar esses dois momentos. Após a realização das entrevistas, houve a desconversão de duas pessoas e a reconverão de uma entrevistada “desconvertida”. Optei por manter as entrevistas, por já ter encerrado o trabalho etnográfico, mas foram dados relevantes na análise da mobilidade e circulação dentro do campo religioso ayahuasqueiro, bem como, do processo de conversão, desconversão e reconversão. Levando em consideração a conversão e a mobilidade religiosa, os entrevistados foram sido selecionados, de acordo com a emergência do campo, e o número de indivíduos entrevistados foi delimitado, a partir da demanda proveniente, não sendo algo que foi estruturado e fechado. Do mesmo modo, não foram delimitados, à priori, questões de gênero e faixa etária para o grupo entrevistado, sendo este emergido do campo ofertado.
  • 32. 32 Além dessas entrevistas, foram utilizadas mais dez, com os “Mestres de Origem13 ” da UDV, arquivadas pelo Departamento de Memória da União, bem como, informações contidas nos sites dos respectivos grupos religiosos e fóruns de debates, em comunidades do Orkut, bem como a “literatura nativa”, em geral, ou seja, as publicações feitas por membros dos próprios grupos religiosos, o que difere das pesquisas científicas acadêmicas nas quais, na sua grande maioria, o pesquisador é ele, também, um nativo. Escolhi nove casos representativos dessas categorias para serem expostos no corpo deste trabalho. Para preservação dessas pessoas, seus nomes foram substituídos por flores, aos relacionados à UDV, e a gêneros de espécies de beija-flor, para o Santo Daime, havendo nomes compostos nas categorias dois, três e quatro. Essa escolha está dentro da metáfora trabalhada neste estudo, onde a rosa representa a União do Vegetal e o beija-flor o Santo Daime. Para União do Vegetal, a rosa simboliza o chá ayahuasca – designado de vegetal – e seus membros costumam se referenciar às pessoas especiais do núcleo como “as flores do nosso jardim”, fazendo alusão ao nome do Núcleo “Jardim das Flores” e ao seu significado dentro da doutrina. O beija-flor simboliza o Espírito Santo, no Santo Daime, e representa o espírito do próprio ser divino polinizador do Mestre Irineu e do Padrinho Sebastião (fundadores da doutrina), contido na ayahuasca (chamada de daime) e em sua expansão para o mundo inteiro. Hoje, todos os daimistas se identificam com o beija-flor. Como o nome da bebida ayahuasca, nestes grupos, está também contido no nome da religião, optei, na minha escrita, de o nome da bebida estar em letra minúscula – daime e vegetal e o nome da religião em letra maiúscula – Santo Daime e União do Vegetal – para poder haver um entendimento distinto. Todas as palavras nativas e frases de informantes estão em itálico e entre aspas. Alguns nomes foram mantidos, como alguns mestres da UDV e padrinhos/madrinhas do Santo Daime, por serem pessoas públicas e por haver entendimento de consentimento dessa exposição de ambas as partes envolvidas. Maluf (2003) discute a existência de uma especificidade dessa cultura neo- espiritual, no Brasil, provocada pela presença de certos elementos específicos da realidade social e cultural brasileira: uma confluência entre o terapêutico e o religioso; uma tradição de ecletismo da vivência religiosa e uma interpenetração entre os diferentes universos religiosos; a informalidade das práticas terapêuticas e da 13 Termo referente aos mestres que participaram desde início da criação do Núcleo Jardim das Flores.
  • 33. 33 manipulação da esfera doença/cura e a existência de um “pluralismo terapêutico”. Para a autora, a escolha por cada uma dessas vivências, a adoção de uma prática espiritualizada como estilo de vida e da vida espiritual como projeto de vida, mostram que esses itinerários não são simples “errância”, eles não se limitam à soma das experiências, mas se constroem na direção de um sentido e de uma busca de sentido. Para ela, alguns estudos apontam a doença e a busca de cura como fatores de conversão religiosa, o que denota uma importante aproximação entre o terapêutico e o religioso. Nesse sentido, busquei investigar a cura como fator de conversão, visto que muitos pesquisadores do campo ayahuasqueiro atribuem esse fenômeno, como Goulart (2004) e Rose (2005). De acordo com Maluf (2003), o estudo sobre o ecletismo religioso tem duas características distintas: existe um conjunto de estudos que busca contextualizar a pluralidade religiosa brasileira, a partir das estruturas religiosas, da instituição ou campo religioso. Outro grupo de estudos vai tentar situar a pluralidade religiosa mais na prática dos sujeitos, no vivido da experiência, do que na análise do sistema religioso. Esta constatação me fez levantar a hipótese de que o processo de conversão, e a maneira pela qual o fiel conjuga mobilidade e fidelidade, está ligado a uma interface entre a experiência e o sistema religioso, com base na “butinage”, e que, neste sentido, um estudo comparativo entre linhas distintas de um mesmo campo religioso é muito favorável. Deste modo, os capítulos um e dois se referem a uma apresentação dos grupos religiosos estudados. Os capítulos três, quatro e cinco foram dedicados a uma análise da estrutura religiosa da UDV e do Santo Daime, o capítulo seis, à experiência e o capítulo sete à perspectiva da “butinage”.
  • 34. 34 CAPÍTULO 1 A ROSA NA UNIÃO DO VEGETAL A rosa simboliza a ayahuasca na União do Vegetal (UDV). O cipó, quando cortado, possui no seu interior o desenho de uma flor. Trata-se de uma rosa diferente e essa simbologia é cercada de mistério dentro da doutrina da UDV. Assim, dentro da metáfora que estou trabalhando, a rosa representa a União do Vegetal. Neste capítulo farei um apanhado histórico da União do Vegetal acerca do Mestre fundador, sua criação, etc. Estes dados já foram bem documentados por Andrade (1995), Brissac (1998a) e Ricciardi (2008a), em suas dissertações sobre a UDV, e por Goulart (2004), na sua tese de doutorado, onde analisou comparativamente a União do Vegetal, o Santo Daime e a Barquinha. Assim, serei objetiva e utilizarei, para esta descrição, os dados do Departamento de Memória e Documentação da UDV – DMD14 - de Porto Alegre, detendo-me na forma como é transmitido para seus discípulos essa história, apesar da UDV manter um rigoroso padrão de transmissão oral de conhecimento da doutrina em todos seus núcleos. Também delinearei o processo de criação e fundação do Núcleo Jardim das Flores, em Porto Alegre, a partir de arquivos fornecidos pelo Departamento de Memória da UDV, bem como, entrevistas com os “Mestres da Origem” do Núcleo, fornecendo uma descrição do local. 1.1O Fundador da União do Vegetal José Gabriel da Costa – o Mestre Gabriel - nasceu em 1922, no município de Coração de Maria, próximo à Feira de Santana, na Bahia. Viveu a sua infância no sertão baiano e parte da sua juventude em Salvador. Era filho de Manuel Gabriel da Costa e Prima Feliciana da Costa. Ele teve treze irmãos, sendo que um deles, Antônio 14 No Departamento de Memória e Documentação encontram-se textos construídos pela própria instituição que são divulgados para irmandade em murais e via internet. Esse material não possui edição e nem ano assim quando este for utilizado será referenciado como DMD.
  • 35. 35 Gabriel da Costa, faz parte do quadro de mestres da União do Vegetal. Em 1944, integrou o "exército da borracha" e foi para Rondônia trabalhar como seringueiro. Casou-se com Raimunda Ferreira da Costa, conhecida como “Pequenina”, em 1947. Nos períodos de 1950 a 1958, de Porto Velho passou a ir aos seringais com a sua família, vivendo no Território de Guaporé durante algum tempo e, após, retornou a Porto Velho. Fez esse trajeto algumas vezes, sem ter a oportunidade de conhecer o chá hoasca (também chamado de vegetal). Quando decidiu ir aos seringais, dois dos seus filhos já haviam nascido, Getúlio e Jair15 . De 1959 a 1964, Mestre Gabriel morou nos Seringais Guarapari e Sunta, às margens do Rio Abunã, fronteira com o Acre, mais precisamente, na margem boliviana. Em 1959, na Bolívia, teve contacto com a hoasca, através de outros seringueiros que usavam o chá de diversas formas, adotando cada um o seu ritual. “Ele percebeu que o resultado disso nem sempre era benéfico aos usuários” (DMD). Ali, José Gabriel da Costa, “um trabalhador simples que se destacava pela sua capacidade de produção como seringueiro, fazia os primeiros contatos com duas plantas consideráveis por oferecer experiências de estados alterados de consciência” (DMD). Naquele período a hoasca também já era conhecida por diversos nomes: daime, cipó, caapi, yagé etc. Nessa época, iniciou a distribuição ritualística dessa bebida preparada a partir do cozimento de duas plantas nativas da floresta amazônica: o mariri, conhecido também como jagube ou cipó (Banisteriopsis caapi) e a chacrona ou rainha (Psichotria viridis). Por esse trabalho, o seringueiro passou a ser reconhecido por seus discípulos como Mestre Gabriel. Gradualmente, enquanto distribuía a bebida, conhecida no universo udevista como hoasca ou vegetal, definiu um ritual para seu uso, criando cânticos, doutrina e uma lei que rege a União do Vegetal - que os seus discípulos consideram uma “sociedade fundada para dar a face institucional do seu trabalho” (DMD). Mestre Gabriel, então, funda uma associação e, mais tarde, cria o Centro Espírita, com a estrutura que tem hoje, mas herdando todas as práticas estabelecidas pela associação. Com efeito, a associação apenas mudou de nome, tendo sido feita uma reforma no estatuto, considerado mais completo. A União do Vegetal é considerada, por 15 Atualmente mestre da UDV.
  • 36. 36 seus componentes, como “uma religião que, mais do que adeptos ou discípulos, tem sócios co-responsáveis pela sua administração material” (DMD). 1.2A Fundação da União do Vegetal (UDV) Em 22 de julho de 1961, no Seringal Sunta, Mestre Gabriel passou a usar a expressão União do Vegetal16 , dando início à organização de sua religião. A União do Vegetal destaca que ele não iniciou a beber o chá no Daime (a primeira religião ayahuasqueira), no Acre, e sim iniciou com os seringueiros na Bolívia, não se tratando, portanto, de uma dissidência do Daime ou de qualquer outro grupo religioso. Na floresta, o Mestre Gabriel, combateu o que ele considerava o mau uso do chá - hoasca. Elaborou um ritual próprio para seu uso, criando cânticos e doutrina. Em 1962, foi reconhecido pelos hoasqueiros (designação usada pela UDV para os usuários do chá) de "Mestre Superior da União do Vegetal", na Vila Plácido de Castro. “Através da sua inteligência, com base na lei universal e no cristianismo, estudou e organizou nesse ritual regras de comportamento com o objetivo de trazer paz e harmonia para beneficiar a vida de seus seguidores” (DMD). O Mestre Gabriel é um recordado de sua missão, de seus destacamentos passados, ou seja, sua encarnações anteriores. Enquanto que o Mestre Irineu (Santo Daime) recebeu uma revelação divina e com isso iniciou sua missão. Dessa forma Mestre Gabriel viveu com a sua família nos seringais da Bolívia até o ano de 1964. Em 1964, o Mestre Gabriel e sua família mudaram-se para a cidade de Porto Velho – RO, dando início ao processo de institucionalização da entidade. Há relatos que, desde seu início, o Mestre Gabriel e seus discípulos lutaram contra resistências ao uso do chá hoasca (vegetal). “Embora hoje seja permitido seu uso legal, na época ainda causava, principalmente em Rondônia, preconceitos e arbitrariedades por parte das autoridades policiais da época” (DMD). 16 A expressão UNIÃO DO VEGETAL foi usada pela primeira vez pelo Mestre Gabriel em 22 de julho de 1961 no Seringal Sunta da Amazônia, para denominar a organização que estava se iniciando. A sigla UDV passou a ser usada em Porto Velho do ano de 1966 em diante. Outras organizações dissidentes surgiram depois de 1976, usando o nome União do Vegetal e a sigla UDV, mas o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (CEBUDV) detém tanto o registro dessa marca (desde 1986) quanto da sigla UDV (desde 1983), no INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
  • 37. 37 Em 1967, um delegado de Porto Velho chegou a deter o Mestre Gabriel para averiguações. Esse episódio foi publicado no Jornal Alto Madeira, numa narrativa intitulada “Convicção do Mestre”. Nela, José Gabriel da Costa explicou seu comportamento pacífico na prisão, trouxe conformação aos seus discípulos e definiu a missão da União do Vegetal, lembrando o símbolo da Paz e da Fraternidade Humana adotada por essa religião: “Luz, Paz e Amor”. Com esse acontecimento, Mestre Gabriel viu a necessidade de registrar a instituição em cartório no ano de 1968, com o nome de Associação Beneficente União do Vegetal, pensando na defesa e garantia dos direitos à prática religiosa. O Regimento Interno e o Estatuto do Centro foram as primeiras leis escritas e serviram de base para dar a face institucional da União do Vegetal. Em 1971, o Bispo de Porto Velho fez algumas críticas à Instituição em um sermão. Mestre Gabriel respondeu, publicando, no dia 16 de julho, no Jornal O Guaporé, um artigo denominado “Velado enquanto Dorme”, em que assegurava que um sócio da União do Vegetal, com 60 dias de freqüência na UDV, estava livre de vícios como a bebida e o cigarro. Em 1970, um delegado de polícia mandou fechar a União do Vegetal. Naquele período, Mestre Gabriel deixou de atender a adventícios (designação utilizada para aqueles que bebem o chá pela primeira vez), mas continuou a distribuir o vegetal aos sócios. A União do Vegetal, pela primeira vez estabeleceu um advogado para a defesa de seus direitos. Vencido o impasse, a Associação passou a ter a denominação de Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, em 1971. Ainda na presença do fundador, foi autorizada a criação de um núcleo (filial) em Manaus – AM. Crentes da verdade contida nas palavras do Mestre e observando a necessidade de assegurar aos seus filiados o direito de uso do vegetal em seus rituais religiosos, a Direção do Centro instituiu, em 1986, o Departamento Médico-Científico - Demec17 , criado para atuar como um canal permanente de relacionamento da UDV com a comunidade acadêmica. 17 O Demec foi criado um ano após a inclusão da Banisteriopsis caapi na lista de produtos de uso proscrito em território nacional pela Divisão de Medicamentos do Ministério da Saúde (Dimed) sem a devida autorização do Conselho Federal de Entorpecentes (Confen), resultando na formação do primeiro Grupo de Trabalho Multidisciplinar para pesquisar o uso ritual da ayahuasca no Santo Daime e na União do Vegetal. Após a conclusão dessa pesquisa, em 1987, a ayahuasca foi excluída da lista de produtos proscritos pelo Dimed e autorizada para uso ritual. A legalidade do uso ritual da ayahuasca foi novamente questionada em 1988 e 1994, porém o Confen manteve sua decisão anterior de permitir a utilização da bebida em contextos rituais, incluindo as recomendações de que ela não fosse consumida por pessoas com problemas psiquiátricos, grávidas ou menores de idade. Em 2004, o Conselho Nacional Antidrogas (Conad) suspendeu essas duas últimas restrições e instituiu um Grupo Multidisciplinar de Trabalho para levantamento e acompanhamento do uso religioso da ayahuasca, bem como para a pesquisa de sua
  • 38. 38 O Mestre José Gabriel da Costa – fundador, mentor dessa obra – “desencarnou” (faleceu) em 24 de setembro de 1971. “Com total despojamento material, entregou o seu legado a um quadro diretivo de mestres e conselheiros, formados por ele, para dar continuidade à sua missão de trabalhar pela evolução do ser humano, no sentido do seu desenvolvimento espiritual” (DMD). 1.3A Organização da União do Vegetal No seu aspecto religioso e administrativo, as regras foram sendo criadas pelo seu fundador e seus seguidores, ao longo de toda uma década. “O Centro Espírita Beneficente União do Vegetal consiste de uma diretoria eleita por votação direta em assembléia geral e funciona seguindo o padrão das modernas instituições democráticas do país” (DMD). A Sede Geral (matriz) permaneceu até 1982, na capital de Rondônia. Pela necessidade de atender o seu crescimento institucional, em 1º de novembro de 1982, foi transferida para Brasília – DF, localizando-se aí o atual Centro Administrativo, que supervisiona os trabalhos das Unidades Administrativas em todo o Brasil e no exterior. Cada Unidade Administrativa (UA) do Centro mantém o mesmo perfil institucional, organiza-se rigorosamente dentro dos mesmos critérios de comportamentos, imprimindo forte unidade à instituição. As UA’s têm uma média de, no mínimo, 70 sócios que comungam religiosamente o chá. Com quatro classes de filiados: Mestres, Conselheiros, Corpo Instrutivo e Sócios, a administração do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal está distribuída em três níveis: a) Sede Geral – Brasília - DF, de onde emanam as diretrizes; b) Administrações Regionais, que supervisionam as Unidades Administrativas; utilização terapêutica. Em 2006, este GMT divulgou seu relatório sendo publicado oficialmente em 2009. Assim com a criação do Demec pela UDV, a partir de um interesse em legitimar o uso da ayahuasca do ponto de vista médico-científico as principais pesquisas biomédico-farmacológicas realizadas no contexto das religiões ayahuasqueiras foram feitas no âmbito da UDV. A primeira destas foi o “Projeto Hoasca”, ou o “Projeto Farmacologia Humana da Hoasca”, realizada em Manaus (AM) na década de 90. Essa pesquisa foi produzida por nove centros em conjunto, entre instituições e universidades do Brasil, Estados Unidos e Finlândia, envolvendo mais de trinta pesquisadores. Participaram como voluntários dessas pesquisas quinze membros da União do Vegetal filiados ao grupo por pelo menos dez anos. Foi realizada, igualmente, no âmbito da UDV e consiste em uma avaliação neuropisicológica de quarenta adolescentes da UDV (Labate,Rose e Santos, 2008).
  • 39. 39 c) Administrações Locais, constituídas por Núcleos, Pré-núcleos e Distribuições Autorizadas, que distribuem o vegetal aos sócios com critérios pré- estabelecidos pela Sede Geral. 1.4 A Expansão da União do Vegetal Assim, além de crescer em Porto Velho, a obra do Mestre Gabriel chegou também a Manaus, quando alguns de seus sócios para lá se transferiram. Iniciou-se a expansão da União do Vegetal. O estabelecimento da União do Vegetal em Manaus trouxe novidades para a instituição. Entre elas, o cultivo do mariri. Na capital amazonense desenvolveram-se técnicas para seu cultivo nos arredores urbanos. A partir de Porto Velho e Manaus, a União do Vegetal começou a ser conhecida em outros centros urbanos como São Paulo e Brasília, onde, posteriormente, criaram-se novas filiais. Gradualmente, regras e critérios foram sendo estabelecidos para consolidar a institucionalização da União do Vegetal na sociedade brasileira. Com a chegada da União do Vegetal ao sul do país, começa também a mudar o perfil do sócio. O Mestre Gabriel já não está mais encarnado, mas a doutrina continua sendo a mesma e única, atendendo a todos que procuram a UDV. Inicia-se um novo período da União do Vegetal: expandir-se sem seu guia espiritual e fundador nas sessões e nas decisões do dia-a-dia da nova ordem religiosa. A União do Vegetal é hoje uma organização com Unidades Administrativas no Brasil e no exterior, Estados Unidos e países da Europa como Portugal e Espanha, procurando manter o mesmo perfil institucional, somando em torno de quinze mil sócios. Sendo organizada dentro de critérios de comportamento, a UDV acaba imprimindo forte unidade à instituição. Existem três níveis de direção: a central (localizada em sua Sede Geral, atualmente em Brasília, originalmente em Porto Velho), coordenada por uma Representação Geral (Mestre Geral Representante e seus assistentes) e uma Diretoria Geral; a regional, coordenada por um Mestre Central de cada uma das 9 regiões; e uma direção local: coordenada pelo Mestre Representante e sua diretoria, que coordenam os Núcleos e Pré-núcleos18 . 18 A abertura do núcleo ou pré-núcleo é autorizada pelo Quadro de Mestres da Sede Geral, mediante solicitação do Mestre Central da Região, devendo ter no mínimo dois mestres, dois conselheiros e trinta
  • 40. 40 1.5 O Núcleo Jardim das Flores A primeira sessão da União do Vegetal, em Porto Alegre, ocorreu em 1979 e foi dirigida pelo Mestre José Mauro, em visita à cidade, reunindo alguns amigos. Em 1983, o Mestre Paulo Tarso Freire, do Núcleo Pupuramanta (RJ), veio a Porto Alegre e realizou uma sessão de vegetal com Teresinha Margarete da Rosa, que, na época, era novata. Ela havia ido ao Rio de Janeiro, naquele ano, para conhecer o vegetal, a convite de sua amiga Regina Richau. Desde 1981, Regina já falava a respeito do vegetal para Margarete que, em 1984, associou-se no Núcleo Pupuramanta (RJ), transferindo-se, sucessivamente, para o Núcleo Samaúma (SP) e Núcleo São Cosmo e São Damião (PR). No Núcleo São Cosmo e São Damião (PR), em 1987, também freqüentavam João Henrique Ramos e Nelson Barbosa Bittencourt. João Henrique conheceu a UDV em 1980, em Manaus, associando-se ao Núcleo Samaúma e foi convocado para o Corpo Instrutivo quando já estava filiado ao Núcleo São Cosmo e São Damião (PR). Nelson conheceu a UDV em 1987, quando em viagem à Curitiba, junto com Virgínia. Margarete levou sua amiga Liropeya para conhecer a União em São Paulo, e esta lhe apresentou Rosana Cavalcanti e Carmen Lúcia Ponsoni. Margarete falou a respeito da UDV para Carmen Lúcia, que viajou, ainda em 1986, ao Rio de Janeiro e bebeu vegetal no Núcleo Pupuramanta. Cristina Galvão, Flávio Del Arroyo e Venina iam a São Paulo beber vegetal. No primeiro semestre de 1987, Mestre Juan realizou uma sessão na casa do João Henrique, em Porto Alegre, onde também estava presente Paulo Mello. Havia, portanto, um movimento de pessoas que viajavam para beber vegetal em diferentes núcleos – como o Núcleo Pupuramanta (RJ), o Núcleo Samaúma (SP) e o Núcleo São Cosmo e São Damião (PR) – demonstrando um grande interesse em trazer a União do Vegetal para Porto Alegre. Foi, então, que surgiu uma oportunidade de trabalho na cidade para o então Mestre Augusto César Monteiro Freire19 , do Núcleo sócios. Deve possuir imóvel adquirido em nome do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, Sede Geral, com documentação aprovada pelo departamento jurídico e construção adequada aos trabalhos religiosos. Em Porto Alegre temos o Núcleo Jardim das Flores e o Pré-Núcleo Porto Alegre fundado em 2008 e passando a ser considerado Núcleo Porto Alegre em 2009 pelo crescimento de membros. 19 Augusto atualmente encontra-se no grau de conselheiro. Ele foi rebaixado de grau quando se separou de sua companheira. Para ser mestre e permanecer neste quadro há que estar obrigatoriamente casado.
  • 41. 41 Pupuramanta (RJ), através de um convite de seu irmão, Mestre Paulo Tarso Freire, que havia dito à Margarete, na primeira sessão em Porto Alegre, que vira, em uma “miração20 ”, sua casa cheia de gente. Mestre Augusto viajou para Porto Alegre, em agosto de 1987, sendo recebido por João Henrique e Margarete. Foi quando se realizou a primeira sessão com o Mestre Augusto, no apartamento do Nelson. Estavam presentes Mestre Augusto, João Henrique, Margarete, Carmen Lúcia, Nelson, Virgínia, Cristina Galvão, Flávio Del Arroyo e Paulo Mello. Nesta sessão, Nelson teve uma “miração” especialmente bonita, em que via um jardim com muitas flores. Margarete, durante a sessão, ofereceu seu sítio à União do Vegetal, para a realização das sessões. No dia seguinte, um domingo, Margarete apresentou o Sítio Paloma, onde se fez, então, um churrasco, sendo Nelson o assador. Mestre Augusto mudou-se para Porto Alegre, junto com sua companheira, a Conselheira Marlídia Carvalho Freire, no final de setembro desse mesmo ano. Em 3 de outubro de 1987, deu-se o início do trabalho, com a primeira sessão no Sítio Paloma , sendo a quinta sessão em Porto Alegre. A partir daí, passaram a ser realizadas sessões de vegetal regularmente. Em 06 de janeiro de 1988, foi realizada a primeira reunião de diretoria, quando foram eleitos os membros para coordenar as ações, sendo que alguns já vinham exercendo tais funções desde outubro de 1987. Em 10 de fevereiro de 1988, a Sede Geral autorizou uma distribuição de vegetal para receber adventícios (pessoas que bebem vegetal pela primeira vez), sendo o Mestre Manoel Nogueira o Mestre Geral Representante e o Mestre Felipe Belmonte dos Santos o Mestre Central. A Distribuição Autorizada funcionou aproximadamente durante quatro anos, período em que houve um movimento para arrecadação de recursos para a compra de uma sede própria. Considera-se o dia 3 de outubro de 1987 a data de início dos trabalhos em Porto Alegre e, portanto, o de aniversário do Núcleo Jardim das Flores, sendo que a Elevação a Núcleo deu-se na mesma data anual, no ano de 1996. Na época, a Direção era formada pelo Mestre Augusto e pela Conselheira Marlídia. João Henrique Ramos já pertencia ao Corpo Instrutivo. Margarete já era sócia. Carmen Lucia associou-se no dia da primeira sessão no Sitio Paloma. Em 1989, foi adquirido o primeiro terreno para sede própria, localizado na Rua Júlio Antônio Pereira, nº 100/120, próximo à Estrada Costa Gama. Em 21 de 20 Termo nativo referente as imagens contempladas durante a “burracheira”, que é o termo referente aos efeitos do chá no indivíduo.
  • 42. 42 dezembro de 1991 foi anunciado o nome do Pré-Núcleo Jardim das Flores. A Fundação do Pré-Núcleo Jardim das Flores deu-se em 6 de janeiro de 1992, às vinte e uma horas, conforme autorização da Sede Geral, tendo-se o Mestre Augusto César Monteiro Freire como Mestre Representante e o Conselheiro João Henrique Ramos como Presidente. “Fez-se, nesse local, um importante trabalho de jardinagem, em que se restaurou a natureza do lugar, que passou de um descampado a um jardim bem cuidado e florido” (DMD). O Núcleo Jardim das Flores permaneceu nesse local até 1993, quando, por necessidade de expansão, a Unidade Administrativa – UA - foi transferida para o Beco dos Farias, na região do Morro São Pedro, onde, posteriormente, foi construído o templo definitivo, inaugurado em 26 de outubro de 2002, com a presença do Mestre Geral Representante José Luiz de Oliveira e do Mestre Central Cândido Alberto Machado. Com a aquisição do atual terreno, de 6 (seis) hectares, no Beco dos Farias, pôde-se construir a fornalha e, algum tempo depois, a casa de preparo. De fato, a mudança a este local deu-se a partir do primeiro preparo realizado em Porto Alegre. Neste local, o trabalho de jardinagem e preservação ambiental teve continuidade e aprimoramento. Em 3 de outubro de 1996, foi realizada a sessão de Elevação a Núcleo, na mesma data anual do início dos trabalhos no Sítio Paloma, em 1987. Esta sessão foi dirigida pelo então Mestre Geral Representante Raimundo Monteiro de Souza, e do Mestre Central Clovis. A Elevação aconteceu pela transferência do Mestre Djalma Valeza Bruno, vindo do Núcleo Mestre Joanico (Boa Vista/AC), inteirando o número de quatro mestres no Núcleo Jardim das Flores, continuando o Mestre Augusto César Monteiro Freire como Mestre Representante. A faixa de Mestre Assistente começou a ser utilizada em 1º de setembro de 2001, quando foi convocado para o Quadro de Mestres Sérgio Fernando Meneghel Colla, inteirando o número de cinco mestres no Núcleo. O primeiro a vestir a faixa foi Mestre Paulo Ricardo Maciel Guterres. Nesta data, o Mestre Representante era Mestre Nelson Barbosa Bittencourt. O Templo do Núcleo Jardim das Flores foi projetado pelo arquiteto e Conselheiro João Henrique Ramos, sendo Mestre Sérgio Fernando Meneghel Colla o responsável pela obra. O Presidente e Vice-Presidente na época eram, respectivamente, Mestre Djalma Rodrigues Valeza Bruno e César Augusto Marques dos Santos Filho. Esta ação aconteceu no período da 2ª gestão do Mestre Nelson Barbosa Bittencourt na