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Homilia tecnológica
                                                                          Dina Maria Rosárioi


                          Não terás outros deuses diante de mim (...) somos a espécie
                          tecnológica e nisto se assenta o nosso gênio (...) nosso destino é
                          nos fazermos substituir por máquinas, o que significa que a
                          inventividade tecnológica e o progresso humano são
                          absolutamente a mesma coisa. (Postman, 2002)ii

Através da conhecida homilia estabelece-se a narrativa tecnológica do “deus da ciência”
(Postman, 2002). Velho conhecido que, agora, a serviço de um discurso de inclusão,
participação, equidade, justiça e ética, oferece a paradisíaca crônica do conforto, da
eficiência e da prosperidade a todos. A nova/velha panacéia. O novo/velho Éden.


Sob os seus mandamentos não corremos o risco da alienação tecnológica?


Que critérios podem ser úteis para garantir a associação entre aparato tecnológico e
desenvolvimento? O que se oculta e o que se explicita através deles?


Os antolhos tecnológicos que, presumidamente, aperfeiçoam a percepção não escamoteiam
a cegueira da interpretação?


Tecnologias são ferramentas criadas por homens e mulheres de todas as nações e etnias em
todos os períodos da existência humana. Essas ferramentas concretizam a constante busca
pela superação dos limites biológicos (memória, atenção, percepção, força, destreza,
acuidade visual e auditiva, rapidez, etc.) do philos do qual fazemos parte.


O século XIX foi prenhe de ferramentas (telegrama, prensa rotativa, fotografia, telefone,
máquina de escrever, fonógrafo, luz elétrica, cinema, locomotiva, foguetes, barco a vapor,
raios-X, revólver, estetoscópio, comida enlatada, revista moderna, imprensa popular, etc.)
no entanto, não foi considerado como “a era das novas tecnologias” e as suas maravilhas,
infelizmente, ainda não podem ser consideradas como democratizadas nem em boa parte
dos países ao sul do equador, nem nas áreas rurais de muitos dos países ditos
desenvolvidos e globalizados. Há que se ressaltar que estas são as invenções que constam
nos anais da ciência, posto que as eficazes invenções e descobertas dos mestres, artesãos,
homens e mulheres ordinários continuam negadas.
Não democratizamos essas tecnologias de melhoria das condições de vida das populações
geradas há dois séculos e anunciamos a altos brados que tecnologias, que sequer
completaram um quarto de século, serão acessíveis ao uso de todos e todas. Não estaremos
diante de um belo discurso silogístico e falacioso?


Estamos(?) na era da sociedade do conhecimento, da sociedade da informação, do mundo
virtualizado... A qual sociedade este discurso, que parece hegemônico, se refere? Quais
características precisam possuir os eleitos? Qual ou quais conhecimentos estão permitidos
neste mundo?

                            En definitivo, Internet como lugar en el que está todo, y para
                            todos (los que accedan a el), por lo que será un lugar en el que hay
                            que estar. Más aún por cuanto el análisis de su importancia y sus
                            capacidades se realiza desde el son de una sociedad que observa el
                            conocimiento y las aplicaciones tecnológicas no ya como el
                            futuro, sino como el mismo presente: todo el mundo habrá de
                            saber desenvolverse como estas herramientas, habrá de estar en el
                            espacio virtual en el que tienen lugar las cosas que se asocian con
                            la noción de progreso, pues de ello depende su adecuada
                            socialización y desarrollo profesional. Más aún los jóvenes, que
                            siendo protagonistas en el primer plano del presente, representan.
                            En sí mismos y porque así los observa el conjunto de la sociedad,
                            el futuro. (Gordo, 2006)iii

As representações sociais ligadas aos jovens relacionam-se ao domínio das tecnologias
contemporâneas da informação; ao desenvolvimento de novas tecnologias; ao
protagonismo social, político e econômico; ao futuro. Os não jovens estão excluídos destas
esferas e, portanto, da possibilidade de marcá-las com os seus pontos de vista, com suas
demandas, com seus saberes.


Mas, quem são os não jovens? Idosos, adultos, imigrantes, pobres, interioranos,
analfabetos, desempregados, famintos... os novos/velhos degredados do paraíso prometido
pelas nações através dos estados.



i  Pedagoga, Psicopedagoga, Docente da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/DEDC XIII, mestranda
em Avaliação e Orientação Sócio-educativas – UCA/Es.
ii POSTMAN, N.(2002). O fimda educaçao: redefiindo o valor da escola. Traduçao José laurenio de Melo. Rio

de Janeiro,RJ/Br:Editora Graphi.
iii GORDO, A.(coord).(2006). Jóvenes y cultura messeger – tecnologia de la información y la comunicación

en la sociedad interativa..Madri/Es:.INJUVE.

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  • 1. Homilia tecnológica Dina Maria Rosárioi Não terás outros deuses diante de mim (...) somos a espécie tecnológica e nisto se assenta o nosso gênio (...) nosso destino é nos fazermos substituir por máquinas, o que significa que a inventividade tecnológica e o progresso humano são absolutamente a mesma coisa. (Postman, 2002)ii Através da conhecida homilia estabelece-se a narrativa tecnológica do “deus da ciência” (Postman, 2002). Velho conhecido que, agora, a serviço de um discurso de inclusão, participação, equidade, justiça e ética, oferece a paradisíaca crônica do conforto, da eficiência e da prosperidade a todos. A nova/velha panacéia. O novo/velho Éden. Sob os seus mandamentos não corremos o risco da alienação tecnológica? Que critérios podem ser úteis para garantir a associação entre aparato tecnológico e desenvolvimento? O que se oculta e o que se explicita através deles? Os antolhos tecnológicos que, presumidamente, aperfeiçoam a percepção não escamoteiam a cegueira da interpretação? Tecnologias são ferramentas criadas por homens e mulheres de todas as nações e etnias em todos os períodos da existência humana. Essas ferramentas concretizam a constante busca pela superação dos limites biológicos (memória, atenção, percepção, força, destreza, acuidade visual e auditiva, rapidez, etc.) do philos do qual fazemos parte. O século XIX foi prenhe de ferramentas (telegrama, prensa rotativa, fotografia, telefone, máquina de escrever, fonógrafo, luz elétrica, cinema, locomotiva, foguetes, barco a vapor, raios-X, revólver, estetoscópio, comida enlatada, revista moderna, imprensa popular, etc.) no entanto, não foi considerado como “a era das novas tecnologias” e as suas maravilhas, infelizmente, ainda não podem ser consideradas como democratizadas nem em boa parte dos países ao sul do equador, nem nas áreas rurais de muitos dos países ditos desenvolvidos e globalizados. Há que se ressaltar que estas são as invenções que constam nos anais da ciência, posto que as eficazes invenções e descobertas dos mestres, artesãos, homens e mulheres ordinários continuam negadas.
  • 2. Não democratizamos essas tecnologias de melhoria das condições de vida das populações geradas há dois séculos e anunciamos a altos brados que tecnologias, que sequer completaram um quarto de século, serão acessíveis ao uso de todos e todas. Não estaremos diante de um belo discurso silogístico e falacioso? Estamos(?) na era da sociedade do conhecimento, da sociedade da informação, do mundo virtualizado... A qual sociedade este discurso, que parece hegemônico, se refere? Quais características precisam possuir os eleitos? Qual ou quais conhecimentos estão permitidos neste mundo? En definitivo, Internet como lugar en el que está todo, y para todos (los que accedan a el), por lo que será un lugar en el que hay que estar. Más aún por cuanto el análisis de su importancia y sus capacidades se realiza desde el son de una sociedad que observa el conocimiento y las aplicaciones tecnológicas no ya como el futuro, sino como el mismo presente: todo el mundo habrá de saber desenvolverse como estas herramientas, habrá de estar en el espacio virtual en el que tienen lugar las cosas que se asocian con la noción de progreso, pues de ello depende su adecuada socialización y desarrollo profesional. Más aún los jóvenes, que siendo protagonistas en el primer plano del presente, representan. En sí mismos y porque así los observa el conjunto de la sociedad, el futuro. (Gordo, 2006)iii As representações sociais ligadas aos jovens relacionam-se ao domínio das tecnologias contemporâneas da informação; ao desenvolvimento de novas tecnologias; ao protagonismo social, político e econômico; ao futuro. Os não jovens estão excluídos destas esferas e, portanto, da possibilidade de marcá-las com os seus pontos de vista, com suas demandas, com seus saberes. Mas, quem são os não jovens? Idosos, adultos, imigrantes, pobres, interioranos, analfabetos, desempregados, famintos... os novos/velhos degredados do paraíso prometido pelas nações através dos estados. i Pedagoga, Psicopedagoga, Docente da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/DEDC XIII, mestranda em Avaliação e Orientação Sócio-educativas – UCA/Es. ii POSTMAN, N.(2002). O fimda educaçao: redefiindo o valor da escola. Traduçao José laurenio de Melo. Rio de Janeiro,RJ/Br:Editora Graphi. iii GORDO, A.(coord).(2006). Jóvenes y cultura messeger – tecnologia de la información y la comunicación en la sociedad interativa..Madri/Es:.INJUVE.