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Centro de Estudos da Antiguidade Grega (Ceag)
     Departamento de Filosofia PUC - SP




      HYPNOC

    CADERNODO 11 S I M P ~ S I O
        INTERDISCIPLINAR
      D E ESTUDOS G R E G O S




               Comissão editorial:
          Rachel Gazolla de Andrade
           Carlos Eduardo Matheus
            leanne-Marie Gagnebin




                     apoio:
         Consulado Geral da Grécia - SP
Publicação d o Centro d e Estudos da Antiguidade Grega
       d o Departamento d e Filosofia d a PUC-SP

                       Coordenação:
     Professora Doutora Rachei Garolla de Atzdrade




Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


   Centro de Estudos da Antiguidade Grega.
        Departamento de Filosofia da PIJC-SP
        Do Divino : imagens e conceitos . --
   São Paulo : EDUC : Palas Athena, 1996.
        120p. ; 23 cm. - (Hypnos ; 1)


         1. Estudos gregos. 2. Grécia - Antiguidades.
   I. Simpósio Interdisciplinar de Estudos Gregos. 11. Série.


                                                    CDD 938
                                                        880

                       ISSN : em curso




                                                                ... Pois em silêncio divino aprendi a adorar,
                                                                "

                                                                       Quando Diotima me curava a alma."
                                                                                                   Holderlin



                     PALAS ATHENA
Apresentação: A filosofia e seus deuses
                                               Rache1 Gazolla de A~zdrade


                                                                             PALESTRAS

                                              Mitologia grega e saúde psíquica na obra de Jung
                                               Victor-Piem Stirniman?~

                                              Magia, Keligiào, Ciência: Ludwig Wittgenstein e
                                              o Kanio de Ouro de James George Frazer
                                                E g a r d de Assis Can~alho

                                              Psicanálise e religião
                                                Roberto Azevedo

                                              Transcendência e materialidade na ousia aristotélica
                                               A. Hector R. Benoit
Cabeça de Hiprios:
                                              A cognoscibilidade do "em si" em Hegel e Platào
C6pia romana de original grego, si'culo IV.
                                                Carlos Eduardo Matheus
MWO    do l'rado. ~ ~ d r i d .

                                              A noçào d e théos
                                               Henn'qtre Graciarzo Murachco
COMUNICAÇ~ES
                                 %



Os laços da linguagem - Eros e Lógos
 Dion Davi Macedo

Representação e percurssâo no Banquete de Platão
 Edson S. Zampronha




                                                         Um tema feliz - A cerca do Divino: imagens e conceitos - acompanha
                                                   a primeira publicação do CENTKO S ~ J D DAS
                                                                                     I>E E     O ANTIGUIDADE do Depar-
                                                                                                              GREGA,
                                                   tamento de Filosofia da PUC-SP. Textos sobre o divino são sempre instigantes
                                                   e benvindos, principalmente quando de áreas aparentemente diferentes, ao
                                                   menos para a estrutura do ensino universitário: Psicologia, Antropologia,
                                                   Literatura; são saberes que acrescem relações riquíssimas para nós, iniciados
                                                   e iniciantes em Filosofia. E acreditamos que seja recíproco tal acréscimo.
                                                        Talvez, o nome desta publicação soe estranho aos nossos ouvidos
                                                   modernos - Hypnos (sonho e inspiração) -, mas esperamos que menos
                                                   estranho que o nome seja a idéia da interdisciplinariedade que, teimosa-
                                                   mente, insistimos em manter. Ao invés de um "avant-propos" esperado em
                                                   todos os livros, revistas, cadernos, sugerimos que o leitor acompanhe o
                                                   texto que se segue, um texto que procura apresentar, de modo um tanto
                                                   astucioso, as intenções do CENTRO Es'i'u~os AN-~G~~IDADE acom-
                                                                                      DE       DA             GREGA que
                                                   panharão os próximos simpósios e a próxima Hflnos.


                                                                       A FILOSOFIA E SEUS DEUSES

                                                         1.Antes de sua morte, Heidegger foi entrevistado pela revista L'express,
                                                   em outubro de 69, e perguntado sobre a crise da universidade e do sentido
                                                   do estudo da filosofia, o filósofo afirmou que '...a filosofia é essencialmente
                                                   intempestiva porque é uma dessas coisas raras, cujo destino é de jamais
                                                   poder encontrar ressonâncias imediatas.' No que diz respeito ao pensamen-
                                                   to grego, do qual somos herdeiros, considerou-o alheio ao mundo moderno,
mas um bom ponto de partida para aquele que tem 'amor i sabedoria'. O               presente amparado na circularidade de desejos e que projeta a ação como
renascimento da Antiguidade, para ele, é absolutamente improvável, pois             repetição. Esta, cuidadosamente velada para fazer-se passar por criação,
hoje pensamos tecnicamente e, paradoxalmente, o pensamento técnico,                termina impedindo a chegada do espanto ou do inesperado.
exatamente porque é técnico, não pode pensar o que ele é, o mesmo acon-                  Entretanto, se pensadores afirmam a extrema limitação a que chega-
tecendo com a ciência. Nas suas palavras, a ciência não pensa, mas usa o           ram nossos pensamentos e ações neste fim de século, é nisto mesmo que
pensamento. Devemos acreditar que há um, como quis Husserl, que deve               nasce a possibilidade de saída desses limites, apesar da repetição pré-vista
pensar os saberes? Sim, e esse saber é a filosofia.                                do agir técnico. Pois, ao querer pensar o pensamento técnico, acha-se uma
      Merleau-Ponty, nessa mesma linha, afirma nos 'Sinais': "... Uma cultura      relação instigadora: a 'technê' é arte de fabricação, e o aprendizado técnico
julga-se pelo grau da sua transparência, pela consciência que tem de si            é o saber repetir, imitar. Assim, a arte da retórica é o aprendizado sobre a
mesma e das outras ... O que aprendemos sobre as relações históricas da            boa disposição das sentenças no discurso, é aprender a repetir e imitar o
Grécia e do Oiiente, e, inversamente, tudo quanto descobrimos de 'ociden-          melhor uso que se pode conseguir das palavras, para que se tenha o poder
tal' no pensamento oriental ... impede-nos de traçar uma fronteira geográfi-       de persuasão, um poder que se lança sobre o pensar do outro e o aprisiona,
ca entre a filosofia e a não-filosofia." Tais afirmações dão-nos impulso para      fazendo-o assemelhar-se ãs palavras ouvidas. Também a arte do pintor, do
pensar esse saber embrionariamente divino, a filosofia, abraçada em seu            escultor, do poeta é um aprendizado que tem o poder de belamente iludir
berço por Athena.                                                                  pela imitação, assim como a arte de fabricar sapatos é o aprendizado que
      A representação espaço-temporal que hoje temos do processo civi-             tem o poder de repetir o que a natureza faz, isto é, o pé. Para ser um
lizatório aparece-nos como movimento progressivo, do 'primitivo' para o            técnico, portanto, é preciso ter Métis - Astúcia -, quer no modo de cortar
'científico', uma herança do século XIX. No afã de buscar a generalização,         o couro, no de pintar, com borrões bem coordenados, o véu na mulher
nossa época arredonda as multiplicidades diferenciadoras para melhor orga-         renascentista, ou de dispor as sentenças ao falar em público, imitando,
nizar os 'fatos'. Mas, a teimosia de alguns compromete essa leitura quando         como diria Platão, a verdade.
voltam ao 'passado', curiosos quanto ao saber dos mitos e do pensamento                  Escondida no pensamento técnico, a 'Métis' sempre acompanhou os
antigo, curiosidade que logo se transforma em espanto diante das respostas         filósofos, apossando-se das entrelinhas dos textos bem-comportados des-
encontradas e que, de tão refinadas, são difíceis de compreender. O olhar          ses gênios tão pouco míticos, tão pouco sagrados! Ora, é a deusa grega
desses homens curiosos ilumina caminhos inesperados para nós. Alguns               Métis quem acompanha a astúcia dos fabricadores de 'aparências'. E, se
desses caminhos trazem, simplesmente, o desfrute do saber, como se co-             quisermos ser interdisciplinares, temos que ousar - e falar de mitos é
nhecer fosse apenas a decifração de um enigma; outros abrem possibilida-           sempre uma ousadia -, o que deve vir acompanhado de 'métis'.
des de respostas a questões atuais que, por vezes, se movem circularmente
em nossas mãos sem que vislumbremos o seu nó, até que um texto antigo                   2. Nos tempos primordiais "dos engendramentos solitários e das sepa-
seja inspirador para o desate. ~ a l v e seja isso o que Heidegger quis dizer ao
                                         z                                         rações", Eros, o Amor, não atuava, segundo as palavras de Nicole Loraux
 falar da Antiguidade como ponto de partida para os estudos filosóficos.           (Dictionnaire des mythologies). Nux (Noite), sozinha, engendrou Tlianatos
       À pergunta: o que foge das linhas gerais que, nos dias de hoje, repre-      (a odiosa morte), irmão de Hypnos (Sono, Inspiração). Outras divindades
 sentamos a nós mesmos como sendo nossa civilização?O que ela não quer             acercam-se de Thanatos e Hypnos no comércio incessante entre os deuses.
 comportar é o mito, a religião, os saberes exteriores ao padrão científico-       Ao seu lado está Hades, deus do subterrâneo, representado pelo grego na
 tecnológico, criando com isso 'margens' pouco visíveis ao caminhante-pes-         companhia de Hermes, olímpico e dubiamente ctônico e psychopompo,
 quisador. Realmente, há dific~~ldades pensar a amplitude dos aspectos
                                          para                                     deus que é guia e mensageiro e que se move da terra dos homens para as
 da vida e, talvez por isso, parte dela é negada ou simplificada em demasia.       trevas ctônicas, sempre acompanhando os que saem da vida para a morte.
 O mito, diz nossa representação atual, é um resquício do passado que              Além de mensageiro, Hermes é mestre dos sonhos, em estreita relação com
 deverá, mais cedo ou mais tarde, ser superado; a filosofia, no próprio modo       Hypnos, pois o Sono é doce aos homens e abre as fronteiras do sonho, da
 anti-filosófico de estruturar-se nas universidades, perde, todos os dias, o       liberação, das visões. Dormir é uma benção dos deuses, mas é, também, o
 seu sentido indagativo para tornar-se um saber morto repassado formal-            perigo da ausência, uma espécie 'sui generis' de morte, de entrada no des
 mente em palavras bem articuladas; o futuro é projetado a partir de um            conhecido, como nos lembra Shakespeare, no Hamlet.
Nos campos cultivados os homens gregos antigos viam nascer seus                O mito mostra, na riqueza de sua simbologia, que outros deuses estio
alimentos, provenientes, entretato, do temível reino subterrâneo, invisível,    em comércio, que o,utras relações nos interessam e devem ser feitas, uma
domínio de Hades, das sombras dos mortos. Ambigüidade iniportante, da           vez que somos nós os simbolizadores. Mas, nos nossos dias, por que falar
morte nasce a vida e da vida, a morte, par de contrários que preocupou          dessas figuras míticas para leitores de filosofia?
Platão e gerou um dos mais belos e difíceis textos sobre a alma: o 'Fédon'.
      Ora, Hermes Psychopompo marca arcaicamente a representação da                    3. Dizíamos, no início, que a filosofia perde o sentido de saber
fertilidade. Signo da virilidade, é um deus multiplicador dos rebanhos. As-      questionador, de movimento 'erótico', nas nossas universidades. O mito é
sim, Thanatos, geração da escuridão de Nux, representado junto aos subter-       marginalizado como saber 'infantil' ou explicado 'tecnicamente'. Ora, se os
râneos de Hades, une-se no pensamento mítico a Hermes mensageiro entre           deuses gregos voltassem aos nossos dias, poder-se-ia dizer que a técnica é
dois mundos, o que lhe dá ambigüidade: o que morre é também o que                a nossa Métis, que guardamos seus caminhos tortuosos, seus estratagemas
pode dar vida.                                                                   sutis, mas como não temos um Pantheón, não relacionamos essa deusa
      Entretanto, os homens não aceitam olhar Thanatos com o olho de            com nenhum de seus parentes, e isto a faz excessivamente poderosa. Sem
cíclope, e usam um segundo olho, o de Métis, deusa da astúcia. É preciso        limites, a astúcia pode tornar-se exercício útil da repetição insuspeitada, e
escapar da Morte enquanto rosto de Nux, fugir d o aniquilamento, da aporia,     acaba por projetar o gosto d o subterfúgio por ele mesmo. Sem finalidade
da escuridão, e também do Sono que desprotege. Há inúmeras maneiras de          última, o maquinismo leva o homem ao outro rosto da Morte, à aporia, à
fazê-lo, nenhuma sem a deusa Astúcia. Há subterfúgios, fugas, pedidos aos       ausência dormitiva de Hypnos. Métis, como se sabe, foi engolida por Zeus,
deuses cuja força possa impedir a ação de Thanatos odioso e de Hypnos           temeroso dos seus excessos, e estando grávida, haverá um nascimento, de
brumoso. Criam-se relações entre Zeus e seu raio, Apolo e seus signos           Athena, pela cabeça de seu pai, Zeus. Uma nova cadeia simbólica adverte
enganadores, Athena e sua sabedoria, e principalmente com Métis e suas          para os cuidados que se deve ter com o pensamento ardiloso por si só. O
trilhas tortuosas.                                                              comércio entre os deuses, ou, em outras palavras, a presença de Eros como
       Enquanto filhos de Nux, Thanatos e Hypnos são, para aquele que           deus atuante, entrelaçante, relaciona], não pode ser perdida. Eros, que nos
pensa, barreiras que apontam para a ausência de imagens esclarecedoras,         primórdios não atuava, nas gerações seguintes se faz necessário, segundo a
de definições, de medidas, pois o domínio de suas faces terríveis pressupõe     Teogonia de Hesíodo.
a mesma confusão de direções que há para as almas no Tártaro. A morte é                Platão, um filósofo por demais astucioso, apresenta claramente o que
impossibilidade de subterfúgios, ausência de vigilância; o sono é relaxa-       é a filosofia: é atividade amorosa que nos leva, como um 'daímon', d o
mento da atenção, um estado fantasmagórico. Mas, isto é válido para aque-       mortal ao imortal e do imortal ao mortal ("Banquete"). A atividade erótica
le que, ciclopicamente, vê com um só olho, pois com o segundo olho, as          da filosofia, expressão da mobilidade hermética entre os domínios d o visí-
alianças são feitas, com Métis, Zeus, Apolo, Athena, e o que pode aniquilar,    vel e invisível, carrega a sabedoria de Athena e de Zeus, seu pai, sabedoria
pode também gerar. Da morte à vida, da dormência à inspiração. Nascem           que se utiliza, quando assim é necessário, da rede ardilosa de Métis, sua
definições, representações, medidas, direcionamentos sutis, instrumen-          mãe, na forma da composição dos 'Iógoi'. Com uma face de Thanatos e
talização das situações pelo uso da 'mechanê' (do maquinismo). O uso d o        outra de Hypnos, a filosofia pode gerar a vida, o novo, ao ser acompanhada
artifício, que o grego costuma aderir mais ao feminino enquanto potên-          de inspiração, mas pode, também, apresentar-se aporeticamente, ou perder
cia de sedução, vingança e fraude, presentifica-se na união Thanatos-Métis-     seu caminho na confusão d o espaço indimensionável d o Tártaro, isto é, d o
Hypnos. Não podemos ultrapassar os limites do humano, mas podemos               processo logístico sem 'télos', 'Daimoníaca', astuciosa nos modos de inda-
adiar a morte, limitar a dormência e a lascidão, direcionar a destrutividade,   gar, no estilo de linguagem ao poder usar mitos, metáforas, alegorias, e
 fraudar a repetição de nosso agir. A literatura cuidou de resgatar a ambi-     outros recursos retóricas, ela guarka a 'teclinê' própria de Métis e de Apolo,
güidade desses filhos de Nux. Que se lembre, tão somente, de Goethe e           deus dos signos ocultos, ao mesmo tempo em que Dioniso também nela
 seu mefistofélico 'Fausto', ou dos contos de fadas e das inúmeras peripécias   coloca suas máscaras e faz, dos aprendizes de filósofo, os bacantes, como
 dos heróis e heroínas para escaparem d o que seria seu destino, ao busca-      aponta simbolicamente Platão em seus diálogos.
 rem definir, medir, calcular, direcionar subterraneamente seus objetivos,            Apesar de ter que enfrentar possíveis sonos dogmáticos, a filosofia
 inspirando-se em técnicas de enganar.                                          participa de Eros quando recusa ser a sabedoria ou a ignorância e se
Nietzsche, que tão profundamente buscou a filosofia grega, diz que
nomeia 'amiga d o saber', intermediária ao modo da mobilidade vigilante de
                                                                                   n o tempo dos gregos '..; tinha-se ainda sobre a Iíngua o outro gosto, mais
Hermes ctônico e ao da fertilidade de Hermes psychopompo.
                                                                                   antigo e outrora todo-poderoso: contra ele o novo se destacava tão feiti-
     A filosofia e seus deuses, dissemos. Sendo um saber de ressonância
                                                                                    ceiramente, que da dialética, da arte divina, se cantava e balbuciava como
não-imediata, não pode ser '... apreciada por critérios comuns, não se pode
                                                                                   se fora um delírio amoroso ... pensar era um redizer e todo prazer d o dizer
adquiri-la e utilizá-la diretamente ...', como diz Heidegger. Ora, o resgate
                                                                                   e da conversação tinha de estar na forma ... Foi Sócrates quem descobriu o
dos mitos pode significar, para a filosofia, apanhar algo de que ela jamais
                                                                                   feitiço oposto, o da causa e efeito, do fundamento e conscqbência: e nós,
prescinde: a diferença e a semelhança. Ou, como diz Merleau-Ponty, que
                                                                                   homens modernos, estamos tão habituados 2 necessidade da lógica e edu-
possa pensar-se a si própria e ao que não é ela ... - eis o que não pode ser
                                                                                   cados para ela que a temos sobre a língua como o gosto normal ...' (in
separado. Se levarinos ao pf da letra a afirniação de que a filosofia iilo
                                                                                   Aurora, 544).
pode dispensar nenhum saber para pensar-se, fica a dúvida: como conside-
                                                                                         Nietzsche tem razão, é preciso sair do hábito, d o hábito de ver, ouvir,
raríamos, hoje, a +seguinte colocação?:
                                                                                   degustar, cheirar e tatear o mundo, e se falamos da Filosofia e seus deuses,
      "... Zoroastro dá como um segredo infalível para conhecer a abundân-
cia da colheita para o ano seguinte, de fazer o seguinte: é preciso por volta      podemos, quem sabe, ter na língua o gosto do novo. Mas Nietzsche não
                                                                                   poderia ter reconhecido isto sem o conhecimento do pensamento socrático.
de 15 de junho, preparar um pequeno canteiro de terra, à maneira que se
prepara ordinariamente a semeadura. Aí se semeia toda espécie de semen-            O júbilo, a embriaguez, como quer esse filósofo, acompanham a invenção
                                                                                   da filosofia. Então, se num primeiro momento os estudos da Antiguidade
tes e, como nessa estação o calor é ardente e poderia impedir que a semen-
                                                                                   não têm mais sentido para nós, para os olhos não-ciclópicos ao menos são
te germine e que saia comodamente, observe-se após a semeadura qual
dela virá melhor e terá a mais bela aparência, no tempo em que a canícula          um bom ponto de partida.
começa a reinar no horizonte, pois estará advertido por esse sinal de que a              Se essas palavras soarem estrangeiras, ao ponto de não reconhecer-
                                                                                   mos a necessidade da busca d o inabitual, dos signos ocultos, d o não-
                                                                                                                                         -
abundância virá da semente que melhor tiver aparecido, e aquelas que não
                                                                                   repetitivo, não tocaremos, neste fim de século, no escondido dos textos,
aproveitaram da preparação que foi feita, serão estéreis.'
                                                                                   nos processos imitativos inercadológicos, nos desejos expostos na repeti-
      Esse é um extrato d o texto 'Libellus de mirabilibus naturae Arcanis', de
                                                                                   ção. Então, podemos dizer que os deuses realmente cansaram de nós, e a
Alberti Parvi Lucii, também chamado posteriormente 'Pequeno Alberto'.
Essa obra é considerada um manual de magia medieval, e demonstra a                 divina filosofia nada mais tem de divina, transformada em mero utensílio
                                                                                   para cavar seu próprio buraco. Entretanto, a Hypnos não crê nisso ...
leitura dos sinais, a observação da natureza e suas relações com o céu,
leitura não-ausente de nossas representações modernas. Note-se que Alberti
refere-se, inicialmente, a Zoroastro, cuja origem perde-se na antiga Pérsia.
Mas Alberti - e com mais razão Zoroastro - fazem parte da multiplicidade                                                              Rache1 Garolla de Andrade
posta à margem em nossos dias!                                                                                      Prof. D n . da PUC/SP - D e p d e Filosofia e membro
                                                                                                                     da Sociedade Bnsilein d e Est~idos    Clássicos SBEC
      Quanto 2 atual filosofia, acredita ela não fazer parte d o saber marginal,
                                                                                                                                                            Coordenadora
mas, dúbia desde o nascimento foi sempre pertinente a uma pequena 'cas-
ta' social, ao mesmo tempo em que se universaliza ao pensar a cidade, o
cosmo, o homem; por vezes, tenta reconhecer-se num campo próprio, com
objeto próprio, i maneira da ciência, mas se tiver um rosto bem definido,
fenece, transforma-se em campo restrito de pesquisa, tecniciza-se em de-
masia, restringe-se e destrói seu movimento 'daimônico'. Ela, que já foi
serva da teologia, pode vir a ser, pela segunda vez, serva, mas de um único
modo de interpretar o mundo: o da ciência e da técnica. O fenecimento da
filosofia se inicia quando ela se fecha na solidão de um só modo de ver as
coisas. Aí, fica fácil dizer que esse saber está nos seus estertores.
PALESTRAS
MITOLOGIA
                                                                  GREGA E
                                    SAÚDE PSÍQUICA NA OBRA DE JUNG

                                                       VICTOR-PIERRESTIRNIMANN   *




      Falar d e politeísnio, ã luz d e noss:c cultura inonoteísta, fazer mesmo
uma modesta apologia d o politeístno grego, dentro d e u i ~ ~iniversidade
                                                                    i
católica, tem algo d c frívolo. Corremos sempre o risco d e requentar oposi-
~ õ e filosóficas que são velhas demais, como a oposiçião entre o absoluto e
      s
o relativo, muito semelhante 3q~ielaentre objetivo e subjetivo.
      E contudo 1130 se pode fugir d o problema, pois o olhar psicológico é
d e fato rclativista, em riiuitos sentidos. Não dizem que todo relativismo 6
ceticismo disfarçado?
      O relativismo que nos interessa não é assim, merainente negativo; 1130
se trata d e cair no paradoxo infantil d e que tudo é um pouco verdadeiro e
um pouco falso - até esta afirmação mesma. I-Iá uma diinens3o d e
positividade no relativismo que habita, dentre outros lugares, também as
terapias analíticas, e que se manifesta, segundo penso, cada vez que o
diálogo é levado até seu extremo viável coiii nosso interlocutor. Atinge-se
uma concordância niais ou menos parcial, talvez uni iiripasse, e eni3o o
que nos resta, senão conviver e m silêncio coni o tema ou, quem sabe,
trocar o recipiente d e nossa fal:i.
      De um lado, este relativismo reafirma uma obviedade pragmática: não
é sempre factível convencer um interlocutor bem-intencionado através da
transparência dos argumentos. Duas subjetividades razoáveis e isentas d e
maiores impedimentos - o que quer que isto signifique - nem sempre s3o


 Analista jungiiiano, doutonnclo eni filosofki n3 Universidade d e ção Pniilo.


                                           17
capazes de cliegar a uni acordo, ou d e aprender unia coiii :i outra. Conclu-           estantes. No 2iiibito desta dificulclade, qualquer sistema poderia funcio-
são que O senso comum adriiitc~co~nplacente,           dizendo apenas: as pessoas                                  é
                                                                                         nar, e m princípio; n ~ a s fato que :ilguns sistemas s3o mais eficazes d o
l i j o são racionais. Mas, cle outro l:itlo, trilvez possamos retirar daí triinbéiii    que outros. O melhor sistema terá virtudes inneniônicas e indicar5 com boa
o~ltraiiiensageiii, mais construtiva e sutil: quando a coniunicaç30 já não               precisão cada uni destes múltiplos universos, sua localizaçião, teinática, suri
av;iilfa, :i troca ele interlocutor se aprescnt:i corno uma aitern:itivri lícita c       relação com os outros.
necessíria.                                                                                   E agora, finalmente, rios aproximanios d e nosso objeto centr:il. I'ois
         'rransportndri par:i o contexto dc nosso tr;iballio analítico, esta mensri-     acredito que o melhor sistema d e que tlispoiiios para est:i t:irefa, :ité Iioje,
getn nos remete a uni princípio t3o verdadeiro, na prática, quanto nioclesto,           é o oferecido pela rriitologia grega. Não é acaso que a psicologia protiinda
na teoria: n30 é sempre que se pode explic;ir d e modo i-acion:ilmerite                 s ó tenha despertado realmente para si iiicsnia quando I'rcud ;issoci«u
satisfatório os percursos feitos em terapi:~;      cumprido, até oncle nos é d;ido      o mito d e Edipo ao complexo nuclear das neuroses. Refletinelo sobre o
ir, o trabalho pjicientc d e cornpreeiis3o d e uma série d e sonhos, le1nbr:in-         mito, tivemos um começo, identificou-se um roteiro que nos toma pela
ças, Iixações e tropeços em torno d e unia mesma tcniática, às vezes nada               mão, pondo palavras e hesitações e m nossri boca, tlecisoes e silêncios em
de ,na& .sign(ficali~,o     ciconlece, até que siniplesniente c«nfrontainos ;i re-      nosso agir.
núncia d e mais compreender, e com ela talvez um:i abertura inesperada,                       Minha formação profissional é junguiana. O que isto significa, em vista da
que transforma o diálogo sob a fantasia da presença d e um oiilm interlocrilo~;         discussão? Significa que meu sistenia referencial é menos centralizado e
n d i m e sentir olitras coisas. Mudani-se os atorcs, e com isto também 21s             centralizador. Cada estória, cada divindade d o panteão grego pode organi-
falas; pois n2o se traballi;~,afinal, sem a boa e tosca kintasia d e scrriios o         zar, sozinha, toda unia ala de minha bibliotecr em torno d e sua tcrii5tica. Mal
que ainda não temos sido. A prática nos obriga 3 aceitação d e que nem                  comparando, uma biblioteca d e orientação freudiana apareceria aos ollios
tudo se traduz na linguagem, na perspectiva e nos códigos implícitos da                 d e minha prática e meu treinamento conio organizada em torno d e um
retórica que teríamos preferido empregar.                                               único autor - ou ator - princiPil. E j i que estamos perseguindo esta meti-
          Esta liniitafio no sentido tliscursivo costutna arremessar-nos com for-       fora livresca, é curioso lembrar como o crítico Ilarold Bloom vem sugerin-
ça, e dirctamente,             dentro elo rcgistro irnagético. Para o convívio de       do, há anos, que o essencial d o pensamento d e Freud se encontra prefiguratlo
imagens que se sobrepOeiii sem vínculo 1iiel.árquic0, C portanto sem enca-              e m detalhe na obra d e Shakcspcarc. O estudo das cartas tle R-eud indican-
deamento d e necessidr~deexclusiva. Se não lirí movimento seni sucessáo                 d o que teria sido a reflexão sobl-e o Hantlet o elo clecisivo prira aproximar
d e imagens, c o liurnano clani:i por iiiovii~iento,    abandona-se ri prospecção       a dinâmica triangular da histeria c a tragédia d e Sófocles. Por muito pouco,
racioiialist:~ precis;imos trahilliai- com :itriiosfei;is, auras, diriainisiiios que
                  e                                                                     portanto, não estamos todos falando em tirn corriplexo d e Haiiilet. É o mes-
se auto-alinientani, contextos cujo sentido é auto-referente, todos concor-             m o Blooni, a propósito, que em sua última obra reeditri :i sugestão provo-
rendo uns coni os outros, nuiria dança iinprevisível. Cada psique é repleta             cadora d e um cânone para a literatura d o Ocidente; uma biblioteca univer-
d e universos autôno~~ios,      cada um com su:is próprias leis, objetos e habi-        sal que incluiria Freud, mas centrada, justamente, na figura d e Shakcspcarc.
tantes, e o convívio destes universos, i s vezes paralelos, i s vezes secantes,               Mas, voltemos aos gregos. Dispor da lembrança dos vários deuses
é que responde pela confusão ordenada d e nossa vida interior - conio, d e              concede-me exatainente a possibilidade d e trabalhar a partir d e uin
resto, d e nossa vida exterior. Conliccer o outro, dentro ou fora, é como               relativisrno que nada tem d e niilista ou opressor, um caminho que permite
atravessar unia galeria de tantzis diversas subjetividades, uina bibliogrrifia          o diálogo entre muitos interlocutores, todos habitando a mesma cena e as
 infinita, e bem se pode tomar unxi biblioteca corno modelo da psique:                  mesmas pessoas. Probleiiias com dinheiro, uni casamento infeliz, fobiris,
autores que se comentam, autores que se renegam, autol-es que desconlie-                insegurança, solidâo, estes ternas e todos os outros scnipre recorrentes na
cem os demais. Todos, simplesniente, coincitliiido no esforço d e ser o :iu-            terapia ganham nova flexibilidade, quando examinados e m tantas luzes.
tor, aquele que irá afirial contradizer :i iinposição de existênci:~da própria          Nos mitos, cada deus protagoniza um conjunto característico d e peripécias,
biblioteca.                                                                             assim como um conjunto característico de soluções. I'odenios afrontar nos-
          Nesta profusao d e estórias, autor e ator são noções que se confiindeni       sas limitações como pedras d e lenta digestão, a o modo d e Cronos; conio
todo o tempo. Mas, tainbéni por isso, o analist:~é um bil~liotecírioque                 enigmas que pedem uma inspiração herniéticri e maliciosa; como desafios à
necessita d e um sistema d e referências, caso não queira se perder entre as            nossa capacidade técnica, tal qual Hefesto o faria; corno um sortilégio d e
Afrodite qiie olxcurece nossa scnsibilitlacle; podemos apelar ao com                            Pois a dita inversa0 retóric:~ conduz, por su:i vez, :i uma virada
sclvatlorisiiio de Hera, à coinphc~nciri Zeus, I sibedoria de Atena. Tudo
                                             de        :                                   metodológica de :irnplris consequênci:~~,c~ijoc         percurso pode ser apreseti-
            de iioss:i capacidade no identificar os atores da trama, prestar-llies        tado, grosso modo, da seguinte foriiiri: de L I I ~I:ido, :I aniiguitl:itle tios
s;lcrifício e, se isto se fizer necess5ri0, no evocar outros cieuses que nos               parece longe cleiiiais; iiias, de outro, se Édipo esti vivo, isto rios ensina (luc
reconteni a estória.                                                                       os conflitos liuni:i~i«selctiientai-es s5o os mesmos. p:itn :11étn do tenipc e
        Muitos jurig~iianoshl:iiii :mim, hoje cin dia. Este viés peculiar, contli-        do espaço. Assim, se f:izeiiios o confronto entre :i c»nl'~is.;io           tl;is infiriit:is
do, niio é procluto tlc um ccletisiiio ficil, nem tlc uma simplificaciío                  variáveis d:r psique intlividii:il c a gi-:iiitlezn simples tl:i irriclif5o cl5ssicr1,
irreverente. i h i i vale 3 pena tentar explicá-lo uni pouco, recorrendo a uin            como ele diz, o que sc aiiunci:~, fim e ao c:il>o, é ~iiii:~
                                                                                                                                 ao                               now dircç3o :I
curto passeio pcl:i Iiistóri;~ das idéias: afirxil, par:] uni olli:ir ciiid:idoso, este   seguir: fazer coin que os iiiitos nos cxpliquciii, e n.50 o cotxrái-io.Ao invCs
convívio próximo com o tilitológico está no coração mesmo da divergênci;~                 de construir umi teoriii que dccilre, apenas, o iiiitológico, deixar que :i
teórica que leyou ao nascimento da I'sicologia Analític:~, escola jungiiiana
                                                                  :i                      consciência iiiítica nos cnsiiie o que Lizer.
de psican5lise.                                                                                 Cada paciente, e nisto :i postiir:i de Jung niio I I I L I ~ : Ij:imais, f t20
                                                                                                                                                                      ~~
         Quando Jung escreveu Iizz~?sfornznções símbolos da Libido, obra que
                                                    e                                     absolutarnente único em sua coniposiy.3o que, :i rigor, :i tlescriçiio coinp1et:i
provocou sua ruptura com Freud, fez nossa questão aparecer desde as                       de cada caso clínico exigiria tomos inteiros; e descrever, eluciclar, airitl:i s5o
priiiieiras linhas. O livro j principia, dentro tlo estilo sinuoso que beiii
                               5                                                          bem menos do que comprecntler. Mas, sem compreensão, coiiio tlistinguir
convinlia a um discípulo ansiando por independência, pcla inençiío ao                     o essencial do assessório? E coiiio agir, sem esta distinç5o? O recurso ao
choque que :i leitura d:t Inte7pretaçüo dos Sonhos provoca no leitor do                   mitológico e coletivo oferecia justariientc isto, uma cliave de coinprcens2o.
coinefo de nosso século, quando o problerna da fantasia do incesto é asso-                Recurso atestado com absolut:~     simplicidade ri~iiiia  caita cla époc:i, endcreq:itl:i
ciado 3 trrigédia rdipiana. Choque que, supostriniente, seria resultado da                a Viena, onde lemos: coino O se~~hoi- eu sempi-epreciso ir r h exrei-ior
                                                                                                                                     sabe,
inespcr:itl:i :iproxiiiiação com a antig~iitladegrega, o passado ainda se fa-             para o inter-ioi;e do to~iopura pui?c...
                                                                                                                              n
zendo presente em nossa psicologia. Ora, nesta observafào aparentemente                         Freutl identificou ri presença de klipo n:i Iiisterki; liias otide, perguri-
singeki, Jiing cst5 n:i verdade invertendo a tlireçiío do que teri sido, com              tou-sc Juiig, cst5 a g:trantia clc q ~ i en.20 li5 outros atores c outras estórias
toda : prol>abilitlade, a raiz do iriipicto sobre o leitor tla época: que o
         i                                                                                igualrnentc ntuantcs na totalitlade do tliiatli-o neurótico e, sobretudo, tio
núcleo incestuoso da tragédia clássica aindri estejri presente na psique do               distúrbio psicótico? I'ara responder :i isto, buscou :i másiiiia aiiipliaç~o             tio
Iioiiiein inodern«. Como se a maior surpi-esa não estivesse na permanência                olhar, prirtintlo d:i mitologia e tla tr:idi@o, identificantlo :issini o~iti-as
de fantasias incest~iosas    nos recessos d3 contida psique hurg~iesa, sim no e           tenláticas, triiiibé~ntípicas c tainbéiii estratégicas prira :i coiiipreensão tle
fato de que as mesinas faiit;isi:is j5 fosseiii conhecidas há vinte e cinco               seus casos clínicos.
skculos! Est:i inversso retórica só se explica quando percebenios que,                         Em suma, se Jung 3c:ih:i por relritivizat; n;io apenas :i interprctaçiio tI:i
p.it-a Jung, constr~~iruiiia  ponte ligando a psicologia do sujeito sing~ilai-       ao   figura do incesto, iiias tatnl>éniseu p:ipel central ria origem das neuroses, C
legado cultiiral tla antiguiclade representav:i uma tarefa quase mais impor-              porque optou por LIIII iiiétoclo que Ilie periiiitiii faze-lo e, em certa metlitl:i,
tante do que a descobcrt:~       dos segredos do psiquismo individual propria-            o levou forfosaiiientc a isto - coiiio Taiiil>éiii I: riiptur:~C O I ~       Ft-e~icl. [Jiii

mente dito.                                                                               pouco clc ousadia, c bem potlerí:iiiios admitir :i seg~iinte         leitiitx: enquanto
         H5 razões p:ii-a isto. Ein su:i jiiventucle, Jung desej;ir;i, na verdade,        eni Freiitl a :iiito-:in5lise ofereceu, potciici:iliiieiite, o inotlclo de u i i i disciir-
toriiar-se arqueólogo, o que foi iinpossí~:el por razões financeiras. Só teria            so capaz cle interpretar todos os outros discursos (falo d:i lenda clo Étlipo,
optritlo pcla Psiquhtria quando pcrccbcu, na clínica, a oportunidade de                   bem entendido), em Jung estri fóriii~il:~     terminou invertitl:~ todos os dis-
                                                                                                                                                                 -
aproxini:ir-se da vocaçiio renunci:itl:i: tini meio de religar :i consciência do          cursos dri ineiiiória coletiva, filtrados pcla t~itliçio pelo olli:ir psicológico,
                                                                                                                                                      c
Iioiiieni moderno 3 riqueza de seu passado - tem:] que lhe era caro, inclu-               contribuciii potencialiiicnte :i iiiterpretri@o c10 discurso sirip,iil:ir.
sive, ctn vista de seu dilema friiiiili:~~; coiiio veremos iiiais ;itliante. Além              Surge ent30, de imediato, o prohlciiia de esclarecer cotno esta p.iss;i-
 disso, no que tange 5 teoria, este tncsino inoviiiiento poderia abrir caininlio          geni da tradifão grega :is dores da psitluc contciiil>or2ne:i se faz possível. A
 p i - a uma psicologia do coletivo, conferindo inaior objetivitlntle aos aclia-          hipótese de Jung é característica, niío só de seii pensaineiito, mas t:iiiil>éiii
 dos clínicos.                                                                            de toda unia época do iiiiaginirio europeii. Partintlo da distingo entre
d u a s iiiodalitlades clo pensar: a tlirigicla, lógica, verbal, comunicativa,        si mesmo, sugeria :i perfeição humanri no primórdio que é, taiiilxh, um
e nquela simbólica, iiiiagética, característica dos sonhos c da fantasia es-          ápice. A exprcss3o plástica da bela alina será o cliaiiiariz e motivo conclutor
pontânea, ~ u n g  obseKi que a'iiizirca d:i iiioclernidadc est5 n o esforço d o      d e um fascínio quc se estende década após década, sempre riliinentaclo
pensamento dirigido, enquanto a conscit-ncia rnitopoética da antiguidade              pela imagem d e uiiia mesma carência: faltaria ainda 5 aliixi alei112 uiiia
oferece-nos uni gi-:incle acervo d e procluçócs culturais itnprcgnadas d e pen-       exteriorid:icle que lhe fosse aclequada.
samento sinibólico. Portanto, a oposi@o vigília-sono, caiisalidacle-fantasia,               Sem saber coiiio se expressar, toda uiim era projeta riiiiii recorte d o
logos-inythosl é tarnbéiii transferida para uni outro plano, o histórico: para        passado o paraíso cla infhcia, onde o feito inais espontâneo ter5 sido taiii-
a oposi@o entre iiioclernicl:ide e :intiguidade, reeditantlo o co~itmstctrio          béin o iiiais :icalxitlo. Dentro deste contexto siiiibólico, o crivo d e significa-
caro a o idealisino aleinao, aquele entre aleinâes e gregos. Sc os gregos             ção é dado pel:~proxiiiiidade da origem, e em nenli~im          lug:ir isto é inais
oferecem uni3 chave para n psicologia, é porque reflctiriaiii inellioi; pela          transparente d o que n o ensaio clc Fricdricli Scliiller sobre poesia ingênua e
espontmeidade criativa, o hoiiieni e m estado                                         sentimental. O poeta, ou é natureza, ou :I buscari, diz Schiller, e assim
       Esta perspectiva parece seiii dúvida estranha a o leitor d e Plat2o ou         constrói :i linha que tleinarca a distincia entre o horiieiii arcaico e o outro,
Aristóteles, inventores d:i racionalickide t d como a conlieceiiios, ate que          que soiiios sempre nós. A ingenuitlacle é ali definida coino a Iiariiionki
seja apontado um detalhe decisivo: quando Jung recorre ao grego como                  direta entre o sentir e o pensar, possível porque o grego ainda ri50 teria
iiiotlelo d o natural, não o pensa enquanto honieiii selvageiii ou priiiiitivo,       desenvolvido urna das duas faculdades em desproporção 5 outra. Já o lio-
riias como Iioinem arcaico - ecoarido aqui o sentido da x c h é grega: o              mem moderno, curtindo ;i ressacri da embriaguez ilutninistri, sofre porque
coiiieço, o ponto de partida, o princípio indeinonstr5vel. É a ótica que             o cresciiiicnto d e seu pensar ainda n3o foi acompanhado por uni dcsenvol-
busca o arcaico, eiii última instância, a inaiigur:ir umri abordageni junguia-       vimento equivalente no sentir. Como não podemos retomar sobre nossas
na d o psiquismo.                                                                    pegadas, nosso acesso 3 natureza deve, ent30, ser mediado por uma cduca-
       N3o que o tciiia fosse novidade; a Aleiiianha d o século XVIII já tinlia      ção sentimental, uma reflexão sobre o simbólico que cultive e refine nossa
necessitado, na literatura e nas artes, d e uma âncora que seivisse d e contra-      sensibilidade, até que o equilíbrio seja restabelecido.
peso a o classicisino francês; ti-atavri-se d e uina questâo d e soberania nacio-           Pode-se afirmar que este iiiodelo scliilleriano assuiiiiu, eiii Jung, :ilgo
nal, por assim dizer, que só pode ser enfrentada através d o diálogo imagi-          próxin~oda força d e u m princípio fundamental. A criação da teoria dos
nário com o classicisino grego. Ao encenar u m redescoberta clo inundo               tipos, da teoria da neurose, da teoria da intlividuafão, foi intciraiiieiitc
Iielhico :i         d e replicas romanas, J. Winckeltnann ofereceu e n B o todo      permeada pela hipótese d e que na raiz d o sofrimento d o Iioinein moderno
uiii inodelo estético c:ipaz d e satisfaxr a riltivez geriiiâiiica, ansios:~por      está uni desenvolvimento unilateral e especializado d o intelecto, visando
libertar-se da referênciri francesa, e que estava revestido da a~itoridatled o       atender 2s deiriandas d e uma cultura cada vez mais cotiiplicada. E é bom
antigo. Com isso, a Grécia passou :i ser descrita c01110 uma idade dourada           frisar outra vez que esta hipótese, tào vizinliri d o pensamento d e Rousseau,
eiii que prcdominavaiii nobre sitiiplicidatle c grandeza serena, uiii idílio da      depende cla iinageiii-idéia d e um ocidente arcaico que lhe sirvri d e antepa-
cultiir:~e cla beleza que cleveria iiortear as futuras realizrições d o espírito     ro; quer dizer: da iioçâo d e um mundo grego ainda pouco afeito a o IIXII-
alemão. Os maiores fnitos desta viagem iriiagimíriri ao tnediterriineo, coiiio sa-   estar da civilizaç30. Apoiado nela, Jung foi o primeiro a reconhecer n:i
bemos, se encontraiii na obra de Gortlic. E o próprio Goethe tlenunci:~ teor
                                                                           o         Psicanálise a possibilidade d e um espaço institucionalizado para a prática
desta viageiii, quando indica, nutri belo verso da Ifigênia, que s c tr:it:i tle     da reflexão simbólica e m geral, enquanto versão conteinpo6nea da educa-
buscar com a alina :i terra dos gregos: a Gr6cia interessando, sobretudo, co-        ç20 estético-sentimental. Cotno na visão de Schiller, até hoje refletiiiios
rno fundaiiiento ideal, c inuito inenos como objeto de invcstigaçâo histórica.       nossa experiência, no consultório, com instruiiiental eiiiprcstado 3 antigui-
       Inventor da febre grega rio geriiianisiiio, Winckeliiiaiin n20 visitou o      dade clríssica, celebrando diariamente o encontro d e dois universos.
país d e seus sonhos, e dificilmente ter5 visto o original cle unia peça signi-            O que nâo significa, certamente, que a Psicologia Analítica encontre
ficativa da escultura Iiclênica. O gênio wincltelmanniano se encontrava e se         seu s~istento   sobre uiiir~        etlulcorada dos gregos, a iiiesiiia quc resiil-
                                                                                                                 1eit~ii-a
cotnpletava na frtiição da réplica, d o in5riiiore ou da idéia. Herder tinlia        tou dos excessos d o roniantistno alemno. Mas pode signifiar, pelo inenos.
toda a razão, quando disse: o que Wincl<eliixinn queria c precisava encon-           que a Iieranp helênica presenteou-nos com o melhor combustível para
trar e m Roma, ele j5 carregava consigo. O grego, enquanto ideal aleiii3o d e        nossa especulaçào sobre sanidade psíquica. Pois urna diferença entre as
do inconsciente e sua i r i i ~ nlais velha, :i psiquiatria, é que nas
                                                i                                            provável que da nicinória elo pai, s;icerdote sem 1'6, Jung tciiiia obtido o
              a oposição doença-saúde 6 objeto de ~ i n i          iiiarcaclo tr:iballio     molde inicial de sua particul:ir concepç.;io tle neurose: o neurótico coiiio o
especulativo: a questào continua~iienre          refinada e jamais concl~iída.               protagonist:~ vi& iriaiitêritica, que sacrifica su:i natureza interior em noiiic.
                                                                                                            tl:i
      Jique rnencionanios a psiquiatria, convéni :ipriinoi-rir noss:~          visiio pa-    de urna adxptaçào insatisfatória. Isto significi, taiihé~ii,     que desde o pri-
norâiiiic;i acresceiit:iiitlo outro ingrediente que taiiibéni contribuiu p:ir:i :I           meiro nioniento :i pedra-de-toque articul:iricl« o coritnste entre o cs~iclo
                 em nossa escol:~, iiiitologi:~
                                    d:i              com o esforço tci.:ipêiitico:Jung       neurótico c sua reiiiissão C irispi~idana teiii5tic:i clo cont:rto do ii~iiiiario
fez sua cspeci;ilizaç3o clínic:~com I'icrrc Jmet, inestrc que prop~mii:iu i i i              com o divino. I'etlra-de-toque que llic periiiitiu, de uni só golpe, :ifirni:ii-
~nocleloelissociativo d3 mente, defe~icleritlo idéia de que :i consciência
                                                       :i                                    sua independência pela oposiçiio a duas figui-as paternas: Fr:inz, o p;ii cori-
po& dividir-se eiii p:irtes :iutônoin:is, c iiiesnio person;ilitlatles iiiúltiplas,          meto; Signiiind, 0 prii espiritual.
de sofisticaç30 e abi-angênci:~     variaclas. Quando desenvolveu seus friiiiosos                  Este contraste t:inibéiii se manifesta, aliis, no tralaiiiento clos sonhos.
expeririientos de associ:ição de p:ilavr;is e introduziu o conceito de coniple-              Freucl já afirniara ter lido o sonho como uiii;i escritura sagrada, isto é, clxri-
xo no vocab~riário psicologia, Jung exploraw c confirinriv;~ prii1cip;ii
                          tlx                                               :i               do-lhe o tr:itanicnto adequ:ido a um discurso sinil~ólic«     sobre o divino. bias
liçao recebida do iiiestre Janct: a psique, tal conio se nianifesta, é menos                 a dissidêiici:~ir5 surgir, justaiiieiitc, tlri tlifercnça entre clii:is tr:itliçòes, :i
uni continente do que uni xquipélago, onde cada ilha representa uni vór-                     judaica e :i helênica. Enquanto rio judaísrno a forga do síiiibolo se ciicoiiti-;~
tice autonomo de orgariização da experiência. Pois uma niultitlão de perso-                  em seu poder ele velaineiito, obstáculo 5 riianifestnfio iinediara do desígnio
nagens povoa nossa hntasia e, o que C mais grave, assume :iiternativanieii-                  e da mensageiii, no Iielenisrrio vale, eiii princípio, o conti-rírio: o cliscurso
te o controle das imagens. Psicodinâniica é psicodraina. A psique conio                      como ponte c p o ~ t a rcvelaçiio. O que teriiiinou conduzindo ?I de1iiiiit:i-
                                                                                                                     da
prisnxi: quando iniaginainos, quem irliagina por nós?                                        ção de duas abordagens intcrpretatiws diaiiiet~~lrnente          opostas: se, p:ira
                                                                         é
      O princípio de uni polipsiquisino, de que a consciênci:~ o espaço ele                 Jung, o sonho C uni tcxto que equivale i niellior expressb coiiiunicativri
possessões recorrentes, rikilta dos coniplexos, disting~iei i n i pilar de sus-              possível de uni sentido que se encontra efetivarnente além de nosso alc:in-
tentaçiio do perisriniento de Jurig que não derivou da influência frcudiaiia e               ce, para 1:reud o iiiesnio texto rcpi-escnta o iiiellior ocultaiiierito possívcl tlo
que sobreviveu, aprofundado e radicalizado, ao aniadureciniento de sua                       sentido, par:i que nào o possanios alc:inçar.
obra. Entào, se pensarnios a vocafio arcpeológica e a fonnaçrio roniintico-                        Retoiiiando e resumindo: no eiicadeaniciito estrito clc todas estas as-
idealistri, j i mencionadas, corno dois prirneiros clos a justificar a :iproxiina-           sociações, nosso neurótico s e d o iridivíd~io      que atravess:i a vida sem cii-
f i o ele sua psicologia com a religião grega, podemos apontar no po-                        contrai; para si, algum deus.
lipsic~iiisnio,  just:iiiieiite, um terceii-o elo fundanientd. Pois de Aquilcs a                  Mas, conio é possível viver e não encontrar nenliuni deus? O iiiiintlo
Sócrates, nossos heróis sempre fora111 os possuídos dos deuses: o niistério                  está repleto de deuses, jrí dizia 'Iàles. I1ar:i Jung, o que nos falta, apenas, é
de toda inovinieiitaçrio subjetiva repentiii:~      esclarecido por 1111~aintcrvenfão        um ol1i:ir que os revele; pois eles estão sempre tào perto, coiiio a faiiiosa
cfetiva do divino. Hoinero nem mesmo tinha paiavras p a u designx unia                      carta de Edgar Allan Pòc, que neni seria preciso procurá-los. Afinal, eles
decisiio ou escolliri retletida. D:i súbita calma de Aquiles, quc resul~i              de   moram em nosxi psique. É a imagem iiicsniri tln mitologiri que funda :i
unu visita de Atena, ao ckiimori que ironiza a sobriedade socl-rític:~, gre-      os        imagem do psíquico. Isto, contudo, niio quer dizer que a Psicologi:~             An:ilí-
gossempre souberaiii identificar na consciência Iiuinanri a descontinuidade                 tica ofereça uni retorno ingênuo a uiii panteísnio inartici~latlo,mais irigL.-
aberta aos visitantes invisíveis. E a narrativa arcaica assume, aqui, a fciçio              nuo, de resto, que o dos próprios gregos. Pois o Iiuniano e o iiiitológico
de vertlaclc do fenoiiieno.                                                                 nunca se confundirani totalincnte: 1x1 observaç.io beiii-liuiiioríida de I>aiil
      Mas falta ainda uni últinio elo, para conipletarinos nosso quadro ele                 Veyne, uni grego colocava os deuses no céu, 11x1steria ficado atonito se lhe
referêncins teóricas: o papel destacado do fenomeno I-eligioso cin gei-ril,                 dissessem que Hefesto acabara cle se casar novamente, ou que Atena tinli:~
dentro da reflexiio junguiana. Como este tópico riao se deixa ;ifrontar tlirc-              envelhecitlo iiiuito, rios últinios tempos. O espaço e a temporalidade virtii-
tamente numa panor?niica, gostaria de lembrar agora :ipeiias uni pequeno                    ais dos initos srio de outra ordem, e os gregos acreditaraiii neles, mis apc-
detalhe da biografia cle Jung: o relacion:iniento difícil com seu pai Franz,                nas enquanto não encontraram um borii motivo para mudar de idéia. ~ ó s
pastor protestante. Jung enxergava no pai uni exeniplo dc existência equi-                  tarnbern acreditainos na existência dos personagens de uni rornance, eii-
vocada, profiss5o e funçiio social exercidas scni vitalidade e convicçâo. É                 quanto o Ieiiios: eles são reais, na fantasia. O u , o rc:il cla frtntasin ec]uiv;ile
ao psiquicamente real; por isso, nossa psicologi:~      potlc tratliizir estas verclri-      Já foi dito, mais atrás, qiie as cliferentes psicrinfilises lidam cspeculativ;iiiirntc
dcs em outra linguageii~e outro contexto, onde predoinina a nicnç5o a                                           da
                                                                                              com a q ~ i e s t h saúde. Sanitatis j5 tlesignava, origin:ilniente, o LISO racio-
entidades cliainadas inconsciente, cgo, coiiiplexos.                                          nal das palavras. O que aponta, clc modo característico e Ixistantc grego,
      Vriirios citar Jung, 3 g~iisaele exeiiiplo. Ele dizia: "se n tendência 3                para uni problema filosófico.
dissociarXo n3o fosse inerente 3 psique liumana, sistemas psíquicos h-ag-                          Dentro desta perspectiva, se me perguntassem c) que é saúde psíq~iic:~,
nient5rios nunca teriam surgido; ciii outras p:llavras, espíritos e deuscs jn-               seria sempre obrigaclo 21 confess:ir que n k sei; nxis :icresccnt:iriclo, contw
mais teriarii sitio percebidos. Esta é tainl>éni:i n z i o pela q11:il nosso tempo           do, que :I reconlie~o,    quando a vejo. ri-cvtl, por exemplo, :ifiriiiou certa vez
se tornou 150 coinpletarnente ateu e profrino: falta-nos todo e qualquer                     que o ol>jetivoda psic:in5lise era tornar os intlivítluos iiptos 1xir;i o tr;ikallio
conliecinicnto da psique inconsciente, vivetiios no culto exclusivo da cons-                 e pai-a o amor. Parece unia fórniula b:istante simples e anipla. Mas, qii;il
ciênciri. Nossa verdatleir:~religiiio é LI^ iiionoteísiiio tlri consciência."                traballio e qual :iriior:' O ineritligo que pxssa seus dias investigando as latas
      Pois bem: mais inforn~~ições       podem ser deduzidas desta passa,-em.                de lixo, ele ti-aballia?Somos tentados a dizer que niio. Mas nos países euro-
Primeiro, coriio 5 Psicologiri An;ilític:i interessa s o l ~ r e t ~ ~ t l o
                                                                      critic:ir, :iprini«-   peus a socicclatle demanda explicitaiiientc de cada cidadfio a tarefa de
rar c coliipcnsar as forinas rissurriidas pela subjetivitl:idc conte~iipor~riea,             separar o lixo, retirar dos dejetos aq~iilo    qiie é reaproveitivcl. E qual formi
nosso ofício n l o é o de reviver vellios cultos ou o de oferecer epifa14:is de              de amor é a saudável- O u se preferirmos inverter a pergunta: qtial fornxi de
srilão. Por outro lado, equilibrar o cliarnado rnonoteísino cl:i consciência                 amor é não-saudhel, em si inesma?
envolve, forçosamente, o recurso ;I unia perspectiva pliiral, que em muitos                        Precisamos, clar;iinente, de novas tleniarc:ições entre o nornial c o
aspectos se assenlelha ao politeístiio grego. Como se C6sscmos poli-                         patológico, em psicologia como em tudo mais. E o caiiiinlio que se tem
teístas, gregos, arcaicos, c somente isto pudesse garantir-nos i i l i i a nova              mostrado nxiis fecundo para esta retlcxio pass:i pela tentativa de personifi-
sanidade.                                                                                    car nossos sintomas, conferir-lhes o rosto de algum deus, devolvendo-llics
      Uma nova srinickidc que só pode ser extraída, chraniente, d o que                      um sentido coletivo que n5o nos isola c111nossos problemas, nias pode,
ensin:ini nossas falhas, nossos limites e nosso sofrimento. Porque em tcr:i-                 quem sabe, diferenciar-nos eni nossas soluci.ões. O homem grego visitava
                      é
pia, nós saben~os, a nriturcza do sintoma que fornece a pista da cura. E Iiá                 um or5culo e perguntava: a que divindade devo sacrificar, se espero atingir
muito tempo que se convive, nri patologia, com o poiiteísmo do sintonia.                     este o 1 aquele resultado? Mesmo hoje, tomado c01110 nietáfora, não 1 5
                                                                                                    1                                                                            1
Jung gostava de dizer que os deuses se tornaram doenças. Que Zcus n30                        nada de absurdo neste procedimento. A an5lise é o lugar qiie inventamos
governava mais o Olinipo, mis o plexo solai', e produzia espécimes curio-                    para trahilliar os fracassos do tempo, as fissuras de nossa cultura i-acionril-
sos p:ira :i clínica riiédicri. Isto aindri v:i!c para nós. Portanto, ainda pode-            tecnológica; vistos através delas, desaparece nossa distância do arcaico. E
mos trabalhar, como analistas aplicados, nas breclias e racliadurr~sdo                       percebemos que cada intlivíduo é sempre guiado poi- seu Oliinpo parti-
inonoteísiiio, ou no retorno do repriiiiido, o que C finalmente o mesmo.                     cular, aquelri combinaç20 característica tlc convicções injiistificxíveis e
Neurose C unia palavra que l esvi caindo c 1 desuso, a mitologia acabar5
                                   i               11                                        injustific~das,  sem o que seu inundo estaria realmente niorto. Liela con-
sobrevivendo intacia a qualcluer noiiienclatu~i        psicológica, tiias nosso trn-         vicção C 11111 deus, i-etlcxo de nossa religiosidade ainda possível, aquela
ballio, de qualquer forma, apenas começou.                                                   presente em nossas relações e nossos objctos.
      Há uim pígina kicnosa da Gaki Ciência, eni que Nietzsche reconhece                          Deuses são momentos do lionieni, escreveu Alain: Ilertrirs pode ser
110 politeísmo a ~itilitlride   de abrir-nos novos caminhos para o Ii~inxiiio.               um jovem que lhe clá indicações no cruzamento; Atem pode ser acpel;i
Bem niais tarde, Cioran volta ao teiria e rios perguntzi: coiiio litlrir coiii o             professora que você tanto admira. Assim recuperada, a mitologia transfor-
autoritarisino de uni única deus? Scrí:iinos bem mais normais convivendo                     ma a experiência em narrativa, outra vez. E a boa narrativa reordena con-
com vários deuses, ele diz, 210 invés de com ripenas um. E conclui assim: se                 vicções, aléni de produzir novas. Com a propriedade de ceclcr espaço :i
saúde é o critério, entào o nionoteísmo teri sido um retrocesso.                             comentários, interpelações, vias de cscapc. Se o neurótico c:irecc da expe-
      Pois bem: onde está o hotn c vellio Oliiupo, afinal de contas? Em                      riência do divino, como pensava Jung, C porque não se percebe contando
nossos delírios, ou em nossa prometida lucidez? Em :iiiibos. IJrrxi dimensk                  uma niesina estória, a tnesiiia metáfora repetida infinitas vezes. Nio perce-
n30 potlc ser separada da outra: niio existe Lima única niodalidade para o                   be que sua neurose C sua experiênciri do divino, c que infinitas estórix
delírio, assim como uma definicão unitária de lucidez não nos satisb..                       diferentes podem ser contadas. Nossri fantasia do psicológico se p;iralis:i
eiii teorias sobre a inet5foi-:i cl:i ciir:~, clescobrir que a cura existe, escí
                                                 :ité
sciiipre ali, pois :i cur:i é a própri:~     iiiet:ifo~i.
       Mas se a tempia :lvariç;i pela conqiiist:~ novas irnagcns, isto cqiiiV2-
                                                        de
[e 3 ~ n l i a &st$ncia de uni ,elIio lilito, rcssignifici-lo 5 ILIX clc i i r i i i i o ~ o .
                r
Coiiio se ;ipenas :i súbit:~  visiti ele LIIII deus piiclesse relrelar-nos;is atribulaç0es
            pelo s;icriiício qiic tlciii:incl:~v:i uni outro tleus. Existe uma p:iss:i-
geiii iiiisterios:~ Il6lclerlin, onde ele diz: tlifereric,'a é o que O divino ([iicr
                   de                                                                                                                         MAGIA,
                                                                                                                                                   RELIGIAO,
                                                                                                                                                          CIÊNCIA:
ver preservado, para qiic n30 iriten.crilin seu jiiízo. 1'31 com) :I entendo, ela                                                  WITTGENSTEIN RAMO DE OURO
                                                                                                                              LUD~VIG         EO
110s ;IV~S:I cle que prccisanios nos se1xir:ir dc nossos divinos coiiiplexos,
delimitando taiiibéiii uni deus :itravés dos outros, c construindo assim, gra-                                                                        FRAZER
                                                                                                                                        DE JAMES GEORGE
clualinente, a nicdicl:~ 11uni:ina de nossa sanidaclc. Encontrar o divino é
separi-lo do tiuniano. Quando rizo se encontra um deus, 6 porque ele esvi                                                                           EDGARD DE ASSIS CARVALHO *
de~iiasi:idoperto.
       O ~ L I Cnos reconcluz ao tcnia elo início, a mensagem possível de um
relativisiiio deteriiiin:itlo e tolerante (invençh grega, ;iIi,ís, tão velha <ILI:III-
to :I própria filosofia). Qu;intlo estendi :io limite o diAlogo com meu prolde-
ma, e com o deus que se esconde por tr;:is dele, existe um nionienlo, uni
ponto t:ilvez, eiii qiie aparece a corivicç:io peqixn:i do relativo, cal:irid« iiii-
d i a voz c alxiritlo-me para :i cscut:~ próximo intcrlocutor, clo póxiiiio tleiis.
                                            do                                                          Ao que tiido indica, o interesse de Wittgcnstein pela leitura de ',O
É neste curto iiioinerito, t3o ca~xterístico terapia, que sou, com absolut:~
                                                      &i                                          Ramo de Ouro", de Janics George Frazer, ocorreu em 1931. Em su;is "Con-
certez:~, mesmo.
           eii                                                                                    versas coni Wittgenstein"', Drury afirma Iiaver solicitado ~iniexemplar da
       I'oclciiios airicl:~perg~irir;ir, vista do que foi dito: o que solxevivc da
                                         à                                                        edição resumida do livro i biblioteca da Universidade, ;i fim de que o texto
reali&itle liistórica dos gregos nesta apropriaçiio feita pela Psicologia? M;is :i                fosse lido em voz alta "durante várias semanas". Nos sucessivos encontros
Gréci:~   psicológica é rigorosniriente isto, objeto da Psicologia, iniaginaçrio a                em que a leitura começou a ocorrer, malgrado as simpatias nutrielas por
ser elaborada. Quanto aos gregos verdadeiros, não Iiá muito que possaiiios                        Wittgenstein para com as mitologias, as críticas 5s posições de Frazer foram
ofei-eccr-llies, exccto iiin prol'iiiitlo rcspcito por suas iiii:igens. I desconfio               sempre explicitadas, principalmente no que diz respeito iquelas que consi-
qite isto :ité nos ~:Ic;I, 2s vezes, mais gregos do que eles.                                     deravam os rituais primitivos como erros cientíkos. Essas cerimônias e os
       Hoje, ciii linguagem juriguiana, cleuses s3o padrões que organizam a                       ritos sacrificiais que as envolviam expressavam um imenso temor religioso
frintasia. Mas I i i momentos afoi-t~i~-i:itlos :in:ílise, c neles, os padr0cs
                                                      na                                          que n2o poderia, de modo algum, ser identificado : uni equívoco interprc-
                                                                                                                                                       i
reaparecem conio ;rq~iiloque sempre foram Enrâo, de novo, tleuscs srio                            tado e regido por normas científicas, quaisquer que fosseni. Mas essas ses-
cleiises.                                                                                         sões pareciam não provocar em Wittgenstein maiores angústias, e isso por-
                                                                                                  que "depois da leitura, íamos juntos ao cinema, ver ~ i i n   "filmeco", como
                                                                                                  sempre dizia. Insistia seinpre em sentar-se na primeira fila, parecendo coiri-
                                                                                                  pletamcnte absorto no filme. Só íamos ver filmes norte-aniericanos, dado o
                                                                                                  desprezo que sentia pelos ingleses e europeus de modo geral; nesses, o
                                                                                                  câmera sempre se fazia presente como se dissesse: olhem como sou inteli-
                                                                                                  gente. Lembro-me que várias vezes expressou seu deleite pela inaneira de
                                                                                                  dançar de Ginger Rogers e Fred Astaire"'.


                                                                                                   Professor doutor da PUC-SI' - Departamento de Antropologia
~~d~~ generalizados, aliás, não eram estranhos :i existência de              não fossem setnclhantes em todas as sociedades, procurrivatn expressar
Wittgenstein. Aindri nas conversas entreticias c0111 Druiy, principahiiente :i      algo profundo e inatingível que niio poderia ser explicitado por qualquer
de 1929, aparecem teinores pàto~ógicosinfantis c atioiescelites intensos,           determinaçio do real,' por niais racional que pudesse parecer.
qLle talvez só fossem concretizados eni jogos infantis e nas histórias de                 Acresç:i-se a isso o pessimismo cultural - a culturn ocidental e que
países imagint~rios, com seus códigos próprios que criançx sempre inven-            Wittgenstcin assumiu de v5rios modos e intensidades. Se esse fosse o ino-
taiii. O frito é, que ainda nesse ano, ele afirmar5 a Drury: "pensar5 que           tivo priinortlial pelo conheciniento das 'Wteridntles", a influência de '.O
                             da
estou louco, que estou nx~l c a b e q , mas digo a você que os sentimentos          declínio do Ocidente", de Oswald Spcngler, parece ter sido de itnportânci:~
religiosos são a única cura para tais inales", e mais que isso, "não estou          decisiva pam esse ohjetivo. É sabido que Spengler consider:iva a civilizaçiio
falando de superstições, mis de autêiiticos sentimentos religioso^"^.               coino tinia espécie de cultura atrofiad;~ que o declínio cultiirril represent:i-
                                                                                                                               c
       Conversas sobre o Antigo e Novo testamentos, e mesmo sobre relatos           va a substituiçâo de uni organismo vivo e criador por unia estrutura niecâni-
folclóricos Iiebreus n3o se centravani na quest3o da autenticidade ou nâo           ca e morta. Se, no plano das expressões da cultura, essa substituição repre-
dos fatos, da existência re:d ou iniagin5ri;i de Jesus, como se a história 1130     sentava o feneciniento das artes e tloresciiriento da niate~niticae da inec2-
fosse feita para provar nritl:~,mas p:ii-;i colocar as representações que as        nica, o iiioniento histórico represent:itlo pelo final do século 19 e inícios d o
sociedades fazem de si próprias no canal de uni tempo reversível e cíclico.         20 expressam nitidaniente essa coiidiç30. Há uma referência explícita de
O probleiii:~ parecia residir no exercício regular d o sacerdócio e nos             Monk"      esse respeito, quando um deprimido Wittgensteiii adentrou aos
itnpecillios que essa atividade pudesse acarretar para o exercício pleno da         aposentos de Drury, afirniando que havia visto uma representaç3o pictórica
liberdade individual. "Os símbolos do catolicismo são maravilhosos para             d o pensamento de Spengler que o livro em si não conseguira revelar: "Eu
além das palavras. Mas qualquer intençâo de convertê-los em um sistema              estava andando em Cambridge e, ao passar por uma livraria, vi na janela
filosófico é ofensiva. Todas as religiões são rnaravilliosas, mesmo as das          retratos de Russel, Freud e Einstein. Uni pouco mais adiante, n u m loja de
tribos as niais primitivas, as brrnas em que as pessoas expressa111 seus            música, vi retratos de Bcetlioven, Scliubert e Cliopin. Coniparando esses
sentimentos religiosos variam enorniernente."'                                      retratos, eu senti intensamente a terrível degeneração que atingiu o espírito
       As vocações religiosas, se C que existiam, deviam ser assunto exclusi-       humano no curso de apenas 100 anos"'.
vo dos indivíduos e de Deus, se bem que grandes escritores "religiosos",                  Se a palavra de ordem d o processo civilizatório era sintetizacla pelo
 conio Dickens, Tolstoi e Dostoievski, dentre outros, tenham sido os verda-        progresso constante das formas de doniinação da natureza, tão bciii ex-
 deiros "sacerdotes do povo" que não precisaram ser pregadores religiosos          presso na atividade desenfreada das formas de ocupaçào e especulação
 oficiais parri expressarem todas as suas convicções imaginárias a respeito        territoriais, c que a atividade teórica, c filosófica também, n3o conseguiani
 da condiç3o huniana. Igrejas, capehs, imagens de santos pareciam provo-           chegar ao fundo das coisas, era chegada a hora de, pelo menos, mostrar :is
 car em Wittgenstein enioções intensas. De certa feita, ainda em 29, ao visi-      diferenças, afastar-se definitivanieiite dos dilemas filosóficos, abandonar :is
 tar urna capela gótica de Nossa Senhora, em companhia de Druty, diante de         pseudo-proposições. Talvez fosse chegada a liora de debruçar-se sobre o
 uma iniagern da tentaçâo de Eva pela serpente, afirmou: "Quase posso              Outro, clrir-se conta cle sua niorfologia, de seus usos culturais, de suas ex-
 escutar Adio dizendo: a niullier que iiie deste como conipnnlieira deu-me         pressões irnagin5ria.s. Se esse itineririo tivesse que ser concretizatlo por
 o fruto da árvore para pr~var".~l>ouco   iniportava que diversas e contraditó-    uma espécie de "opç3o religiosa", que n3o contivesse proposições tloutrinais,
 rias interpretações dos evangellios fossem feitas e que a existência de Deus      mas que sintetizasse uniri maneira diferente de viver consigo mesmo c de
 fosse tida corno algo natural; se nada C trágico quando se acredita nele, o       conviver com os outros, ele deveria transcender os limites objetivos da
 importante não era desafiá-lo, mas coiisitlerá-lo como uma espécie de p:ir-       linguagem, ultrapassar os limites da raz30, coino se um dever espiritual
 ceiro sin~bólico,  para as perdas c          da existência liurnana. Se esses     impusesse a construç20 de uma graniitica da vida.
 fatos considerados isoladainente, nâo condicionani qualquer tipo de opç3o               A análise filosófica ein si, incapaz de oferecer algo novo para os dile-
 pela leitura de Prazer, tudo parece levar a crer que a busca pelo entcndi-        mas d o pensamento, nâo poderia estar restrita i formulação de probleiiias
 rnento de outros estilos societirios os primitivos principalirientc - estivesse   fundamentais, que jaziam no fundo de todas as coisas do mundo. A in-
 ligada a unia suposição de que as práticas inigicas representavam unia            vestigação, quando muito, contluziria a limites da Iinguageiii, a partir tios
 expressão, ainda que primitiva dos sentimentos religiosos que, mesmo que          quais seria possível prosseguir a pesquisa, dirigindo-a :i novos horizontes,
seriain, assim, ernissores/receptores de mensagens e de linguagens fixa-              complexos, destacar a importância d : ~diferenciaçiio coino um índice de
das e111 vários crinais, sendo apenas a natureza de seu código diferente              desenvolvimento, estudar a psicologi;~relacionada a instituições sociais,
'Io nosso, sempre preocuprido em decifrar c apreender o real através                  pensar fenômenos sociais e psicológicos como sistematicamente organiza-
de níveis de deterrninagão excludentcs e irredutíveis. No eixo d:i comuni-            dos e como funções satisfeitas"."
cação primitiva, suas expressões imagin5rias acabam por sintonizar as                      Essas noções gerais corroborariam a hipótese que a intrligibilidacle ilo
ações liumanas para unia visão da ordeiii cósiiiica que se projeta para o            mundo derivava-se da mente e que essa derivaçiio nào tinlia nad:i a ver
 plano tla existencia humana, se imbrica com ela, dando-lhe sentido, forma           com a cliferenciagão cultural, e isso porque o desenvolvimento da mente
e identidade.                                                                        processava-se independentemente da constituiçiio clc qualquer cultura, atra-
       E evidente que a teoria antropológic:~precisou transitar mais de 50           vés de um conjunto de leis psicológicas invariantes que governavam sua
 anos para que se clieg:issc :I essas teorizações que, se levadas a sua expres-      constitui@o. Por uma contradiçiío que tendeu a se reproduzir, na Antropo-
são mais extrema, acabam por enfatizar unia posic,'âo universalista para a           logia pelo menos, essa unidade psíquica da humanidade passou a requerer
 cultura, em detriniento do relativisiiio que se instalou com a Iiegeiiionia do      ilustrações cada vez maiores e o método coniparativo tornou-se o instru-
 funcionalismo, corroboradri com ;i pseutlo veracidade que a pesquisa de             mento por excelência para o estabelecimento de conexões e regularidades
 campo imprimiu ao iiietier antropológico. Seria iiupensável que Frazer as-          entre dados aparentemente desconexos.
 sumisse posições coino essa, impregnado que estava pclo evolucionisino                    No caso do niundo primitivo, essa contradi$o tornava-se mais aguda,
 típico da antropologia inglesa vitoriana d o século 19. Várias condições le-        pois essas alteridades eram movidas por inn:i tecnologia de inteligência
 varam 30 interesse que historiadores, filósofos e intelectuais de outras tradi-     baseada na oralidade c, portanto, portadoi-a de uina temporalidade reversí-
 ções passariani a ter pelas mitologiris c religiões "primitivas". Dentre elas,      vel e não cumulativa que impedia que se corroborasse localmente a univer-
 poder-se-iam destacar o acúinulo de informações obtido por missionários,            salidade da mente e do psiquisnio. O efeito mais visível desse fato trans-
 viajantes e exploradores :i partir do século 18, sobre o novo inundo, a             pareceu na reconstrução especulativa de etapas evolutivas que culminaram
 África e o Oriente; a expansão colonialista inglesa; a escola indígena d o          numa reificação da noção de progresso como o efeito obrigatório de um
 século 18, formada por historiadores e filósofos morais que defendiam a             processo unilinear de clesenvolviinento. Partindo de uina generalizaçiio
  hon~ogencidade    mental da liuniunidade primitiva; o interesse d o historicismo   invariante que pregava a unidade do gênero Iiumano para uma coinparn-
  romântico e da filologia coiiiparada pela mitologia com uriia espécie de           ção de paiticulares progressivos distribuídos em sequências diversificadas,
  ciência reitora capaz de explicar a "nientalid.~tlepriniitiva" e, findinente, as   o evolucionismo parece revelar uma indulgência com as alteridades que
  descobertas arqueológicas, no mediterrâneo principalmente, que corrobo-            nunca consegue se explicitar, como se tratasse de duas ciências, uma expli-
  ravam a complexidade da "cultura material" de uni niunclo estranho.                cando o que realmente é e existe e outra interpretando o que poderia ser,
        O objetivo maior dt: I:razcr, se fosse possível sintetizá-lo, residiu cxi-   mas que nunca se revela. Mesmo que posteriormente, Frazer viesse a nutrir
  taniente no entendimento da. mitologia, ou niellior, da iiiitografia coino         admiração pelo grande empreendimento empírico de Malinowski entre os
  fonte primordial de entendimento do conjunto de crenças dos povos prinii-          trobriandeses através de suas análises das materialidades técnicas, a antro-
  tivos e antigos. Fortemente intluenciado por Jaines Ward, professor de filo-       pologia econômica funcionalista senipre representou para ele mais unia
  sofia moral e lógica, autor do famoso verbete "l'sicologia" tia Enciclopétiirl     ilustração relativistic:~do que algo que contivesse a chave para o entendi-
  Britânica de 1885, foi dele que Frazcr assimilou a idéia de que a mente            mento das atitudes humanas.
  possui uiiia funçiio interpretativa e cognitiva comum a primitivos e nioder-             Na verdade, o que se estabelecia era uiiia defasagem entre a pritica
  nos. Além disso, sua a t i t ~ ~ dperante os fatos ernpíricos era de extremi
                                    e                                                selvagem, representada pelo conjunto das instituições e a teoria selvagem
  cautela c provisoriedade, numa época em cluc a ernpiria já começava a              explicitada nas construções initológicas, que parecia se ampliar :i partir do
  demonstrar sua forga coiiio expressiio de verdades teóricas, e o positivisiiio     momento que a evolu@o tomava seu rumo. Se os primeiros homens d o
  inglês, mesmo que psicologístico em suas origens, passasse a impregnar             planeta descreviam os fenômenos naturais em linguagciri simples e correu,
  amplas Areas do conheciiiicnto. "Assiiii, Prazer, corno todos os cientistas        guiados que eram pela I-azàonatural, seus descendentes passaram a elabo-
  sociais, tinha com Spencei-uina dívida para com certas noções gerais, coiiio       rar um conjunto de idéias fantásticas e supersticiosas sobre esses niesiiios
  compreender sociedades ... coino produtos de processos evolucionários              eventos, constituindo o que se convencionou chamar de uma "doença da
lingriageiii primordial" que n k teve niais retorno, e isso porqiic esses                        Mesmo evoliicionista, Prazer seinpre enfatizo~i;i fi-agilidatle ela civili-
"palácios d e idéiris cquivocatlas" passaram :i povorir o iiiiaginttrio ela                zaçâo c o sistema tle forças tlestrutivo c conl'iiso que iiiarcava o advento tla
pririiitividade. Para Frazet-, era difícil aceitar :i idéiri d e que os iinivcrsos         modernicladc. Tàlvei por isso, o branco asséptico que iiiarcari;~a s u p o s ~ i
iiiíticos represeritav:ini tloençm tla linguagem, c que os primitivos faziam               superioridade da ciênci:~poderia estar sempre enti-elaç:id« coni o negruiiie
bem e pensavam mal. Ilejeitaiiclo « divórcio entre teoria c práticri, rnestiio             da m:igi;i e 0 fogo ver-riicllio tln i-eligião. E certo que o rei tio bos<l~ie iião
                                                                                                                                                                            j:í
porque os estilos selvagem, filosófico e científico representavam apenas                   existe mais e Diana 1130 é iiiais ado~icla.       Mas pouco importa. Talvez Iiojc
aproxiniações intei-pretativ:is :ios fatos, eiii c:irt:i a IIenry Jackson, integran-       essas expressões culturais de teiiipos primitivos cotistit~iaiiiL I I I ~ : ~espécie clc
te conio clc d o círculo antropológico d e Canibridge, datatia d e 22 d c agosto           reserva siiiibólic:~p;ira o fiituro: n3o sej;ini iii:iis boas pai-a scrcm vivicl:is ou
d e 1988, reitcrou que os mitos possuem força ideativa senielliante hs reprc-              temidas, mas sejam ripen:is "boas pai-a pensar".
scntnçòcs institiicion:iis presentes nas atividades econõiiiico-soci;iis. "Se
usamos mitologia no sentido dris idéias eni gemi, entiio superstiçào é ape-
nas tnitologia aplicada - [ou seja1 superstiyio representa idéias primitivas                                3. A ALTERIDADE QUESTIONADA
mais prática, c niitologia idéias priinitivas menos priticri"."
       Foi com essas intenções, c com urna olxtinada curiosid:ide sobre os                       I'enet~indo mais nas entrelitilias tl:is "Ol>seiva~õcs     sobre o i(nni« d e
cultos sacrificiriis que o "Ramo de Ouro", 11111 estudo nri história da religiiio          Ouro", ;icrcdito que Wittgenstein terili2i exagerado nas críticas a I;r;izer, isso
priiiiitiva, veio ?i cena em sua priiiieiiít ediç2o d e 1870, com objctivos apa-           se accit:~ que os motlelos explicativos contem contradições nccessai-ianien-
rentemente simples clc responder a tlu:is perguntas: "por que o sacerdote                  te e que, por vezes, um:i obra ri50 ilustra a totalidade d o pensanieiito d e um
tinha d e matar seu predecessor c por que devia, primeiro, colher o r a t i ~ o " . ' ~    autor. Exemplo disso reside em sua afiriii:ic;.ào que '.a iiianeira coiiio Frazer
Ilestle a primcii-a etliçiio, com 800 p:íginas, rité a ediçiio abreviada d e 1922,         expòc as coiicepçõcs ixígic;is c religios;is dos Iioiiiens não 6 satisfritória:
o contato com os princípios lógicos que regem a magia sào csquadrinliados                  ele faz aparecer essas concepções como erros"iH que toda cxplicação
                                                                                                                                                         c
no scntido d e denionstrrir que Iiunlrinos de todos os tcnlpos sempre contro-              acaba sempre sendo insatisfritória. "Aqui pode-se apenas descrever c dizer:
laram a natureza por um conjunto de f o r p s iniaginárias destinadas a deter              assim é a vicla huriiariri"'? E difícil xeit:tr-se que a descriç50 scj:i s~ificieritc
e entender os "perigos da rilina" e que, portanto, protcger-se contra a intlu-             parri a cxplicaçào d e qualquer frito ctil~ural , :iléiii disso, que niesiiio que o
                                                                                                                                            e
ência prejudicial cxcrcidri voluntária o11 involuntariainenc pelos est~inlios        é     modclo evolucionista tenlia rcpresentxio a fonte inspiratlot-ri clc todo o
... uni clitaiiie elementar da prudência d o s e l v a g e m " . ' ~ e conjunto dessas
                                                                     0
                                                                                           círculo antropológico d e Giiiibritlge, pelo menos nos :mos que iiiarcriraiii :i
pr5ticas clcverin ser iiltraprissado por conlieciinentos mais sisteinatizatlos, a          publicagio d o "Raino", o erro da iiiagia li30 resitlc eiii s:iber se essa forma
base teórica d o "Ramo" reside, sern sotiilm ele tlúvid:~,na pl-ogressào entre             d o petisriiiicnto é ou não mais corrcta d o que a ciência, m;is aper1:is que 3
rnagia, religib, ciência, e ria hipótese até hoje coiiip:irtilli:iclri por muitos,         ciência provi. uui tipo d e cxplicac,.ão que incorpora elementos iiào iricliisos
quc o progresso da ciência inst:iurari:i o domínio dri ordem e que essas                  na obseivriç;io eiiipírica, pouco importando o qualificativo que se atribua a
substituições sucessivas atirariairi a tlesordem d o cosmos n o canal tl:i                esses significitlos siiiil>ólicos.
dcsraz20. O que acredito seja re1ev:intc rcniarcar que Fmzer, mesino atlirii-                    O q11c p:uece assustar Wittgensteiii é a iiiipossil~iiicl:itleIiei-iiienê~itica
tindo ri linearidade dri progrcssào 1ii:igia-religi30-ciência, parece duvitlar            d e se tentar compreender um jogo ele litiguageiii e unia forni:~d e vitla
quc o conlieciinento cieritífico viesse :i explicar rodos os fcnõiiieiios &i              estranli:~,priniitiv:~.Talvez, por isso, :ifhie deliberaclaiiieiitc que "Frrizcr é
natureza c da cultur;~.Nesse sentido é que considero paracligin5tica sua                  muito mais selvagem que a maioria dos seus selvagciis, pois estes n5o
afirinaç30 nas p5ginas finais d o "Raiiio": "Sem procurar penetrar tão longe              estar30 t 0 consideraveliiicnte afiist:idos ela conipreeii<io de uiri assunto
                                                                                                     3
no futuro, podcnios i l u s t ~ r curso que o pensamento seguiu até a q ~ i i
                                 o                                                        espiritual d o que uni inglês d o século vinte. Suas explic:ições dos usos
comparrindo-o a um:i teia tecida clc três fios diferentes - o fio negro da                primitivos são m~iitoiiiais grosseiras elo que o sentido dos usos em si
magia, o fio vermelho da religiiio e o fio branco da ciência se, sob o nome               mesinos""'. O que parece n2o se enqu:itlrar na cxplicação d:is "tradifoes
tle ciência, considcramos as vertlatles simples, frutos da observaçào da                  incoiiipr-ecnsíveis" n2o é propri;itiicnte :i explicaç:io Iiistórico-evoliitiv:~
natureza, quc constituíram sempre ~ i n a         reserva d o lioiiieiri eiii todas       uniiincar, tiias antes :i aceitaçào <:i ~iiiiti;iclcdo gênero Ii~iiiiano.Me-
as épocas"."                                                                              todologicrimcnte, a '.apresentaçXo sinóticri" é que d'i-', conta siricronicamente
                                                                                                                                                  r I 1'1
&s correlaçõc~stabeleciclasentre os fatos. "Ela representaria a maneira                na qual as iinagens d o inundo e suas representações estivesseni igualmente
como vei1ios as coisas. Urn:i espécie d e Wltanschauung, d e concepção d o            articulaclos? I'or que atribuir uni simbolistno inquestionável apenas aos aros
iri~inclo, aparentciiiente car:icterísticri d e nossa época. (Spengler)" Essa :ifir-   religiosos? Nesse sentido, tendo ;i concordar corli os argumentos d e Ayei-
Iiiação iiie sai próxima ela idéia d e M:ilinowski que recomendava que a               sobre a fragilidade dos :irgiiinentos d e Wittgenstein solxe os :itos exc1usiv:i-
pesquisa d e cainpo devia revelar unia espécie d e "carta institucional" &i            mente simbólicos qiie caracterizariam as pr5ticas iinagin5rias, excluindo-as
vida nativa e que esse era o instruincnto conipreensivo Kisico par:i as cor-           d e qualquer interferência sobre as iiiaterialid;icles culturais. I<cfere-se Ayer
relações fiincionais.                                                                  a o fato d e que todo o tlesenvolviincnto tccnológico d o século 17 na Europa
        Mas corno construi-la? Cerkiiiiente, a apresentação sinótica deverá dar        não aniquilou corli 3 crença nos poderes da feitiçaria e que se feiticeiras
cone1 d o pensaiiiento primitivo conio ele se expressa e , se assim fosse,             foram queirnatlas, nii0 o foram porque seus atos eram meramente siiiibóli-
terhinos cle nos ticspojx tlc tiosxi própriri lingiiageiri para o eiitendiinento       cos, mas porque interferiam nos processos de reproduçào da cultura coin
d o outro, ou d e dispor d e iiiii;i liriguageiii transcendente capriz d e "tradu-     uma força que a tecnologia em si não era capaz de deterininar.
zir" todas as-demais? Se ess3 ti-anscentlência só for possível no plano d o                  Se aqui os rcfercnciais antropológicos poderiam corroborar essa
"caráter incoiiscieiite t1:is rcgr:is d:i linguagem possibilitado pelas oposições      constatação que poderia até adquirir unia consistência mais generalizante
                                             a
binhrias", 3 Ia inanière d e 1.évi-Sti-a~iss, cor~ipreensào  sinótica, tnorfológica,   se nos referíssenios :i que os processos da dominação colonial estabeleci-
poderia rcvckir o outro enquanto outro. Essa parece ser a hipótese defendi-            dos sobre populações nativas n5o conseguiram derrocar esferas míticas
d:i por Wittgensteiii quando, a o comentar uin:i passagem d e Fr:izer sobrc o          ancestrais, que continuaiii ri exercer não apenas sua "eficácia simbólica",
poder que se atribui :io rei de fazei- chover ou n3o, na qualidade d e senhor          mas interferem nas condições cfetivas da vida cotidiana. "Os nativos elo
dos ventos, afirma "O absurclo aqui é que Prazer apresenta isso como se                sudeste da índia possuem avanços tecnológicos e habilidades artísticas,
esses povos tivessem uni3 representa~io          falsa (e mesmo insensata) d o cur-    mas há muitas coisas que eles 1130 fazeni, conio a celebraçiio d e casaiiicn-
s o tl:i natureza, enc]u:into o que eles possuem é apenas unxi interpretação           tos, que s ó ocorre se a situaçiio das estrelas for entendida coino propícia2$.
diferente dos fenõiiienos. Isto quer dizer, seu conheciniento da natureza, se          Para Ayer, a posição d e Wittgenstcin sobre o frito religioso acarretaria iiin
eles o for~nul:issctnpor escrito, não se distinguiria fundamentalmente da              falso ecumenisrno, porque as religiões, coino jogos d e linguagem, nunca
nossa. Soinente sua iriagiri é que é outra"."                                          poderiam ser acessatlas d o exterior, restringindo-se a regras e rituais parti-
        Os exeniplos poderiaili se iiiiiltiplicar no transcorrer d e toda a análise,   culares que nunca seriam questionados. Suas palavras a esse respeito soam
sintetiz:idos no caráter pseudo-científico dos usos iiiágicos e rituais atri-          como inquestionávcis: "Eu não sou L I I ~crente religioso, mas se o fosse,
buídos por Frazer aos priniitivos e m geral. Segundo Wittgenstein, sc assi111          duvido que ficaria contente se rne fosse dito que eu estava jogando uni
o fosse, não poderíamos ver neles natlri d e soinhrio, estranho ou errado. O           jogo d e acordo com um conjunto canônico de regras. Antes d e mais nada,
que poder-se-iri fazer, se cliegísseiiios a urna tribo tlesconliecida é convencê-      eu desejaria ... que minhas crenças fossem verdadeira^"'^.
Ia que seu modo d e agir encontrri-se deslocado e que aquele costume deve                    Considerada reducionista por muitos interpretadores clo pensamento
ser abantlonatlo, excluinclo-se, porém, as priticas religiosas. "Pode perfei-          d e Wittgenstein, suas concepções acerca das origens da religião como algo
tamente acontecer, c :icontccc frcclucntcincntc hoje, que um Iiomem aban-              que tem suas origens em reações primitivas, instintivas e não na especula-
done uni uso após Iiaver reconliccido uni erro sobrc o qual esse uso se                ção soam rnesnio conio estranhas, aincla mais para a Antropologia. Para
apoiava. Mas esse caso refere-se apenas a quando é preciso cliainar aten-              Cook, os wittgensteinianos afirrnarn que os filósofos "que ttatam :i religiiio
@ o d e 11111 hoinerii sobre seu erro, para clernove-lo d e sua prática. Não é o       como envolvendo crenças ... conietciii um erro, c esse erro ... é o resultado
caso quando se trata dos usos religiosos de um povo c é por esta razào que             da incomprecnsão d e como a linguagem religiosa, incluindo a palavra Deus,
não se trata d e um erro"?'                                                            assume seu signific:idon'< Ao assumir que os conceitos religiosos instali-
        Parece p:irad«xal qiie o erro só se aplique a esferas culturais que cx-        ram-se a partir d e reações pré-linguísticas, o significado acaba por se exau-
cluani mitos e religiões, e que a ciência aqui poss;i inhrtnar sobre os equí-          rir numa certa retificaçào da linguagem religiosn no plano dos significantes
vocos d e determinados usos culturais já ultrapassados. Se é procedente a              que acaba por não abrir espaço para a transcendênciri c para a imaginação.
afir~nação   que e m nossa lingiiagei~itoda uma mitologia encontra-se depo-            "Quando os religiosos recitam credos - dizendo por exeniplo, 'eu acredito
sitada, por não estender aos demais aspectos da cultura unia mitologiza~io,            e m Deus, o Pai, criador d o céu e da terra - o verbo 'acreditar' deve ser
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  • 1.
  • 2. Centro de Estudos da Antiguidade Grega (Ceag) Departamento de Filosofia PUC - SP HYPNOC CADERNODO 11 S I M P ~ S I O INTERDISCIPLINAR D E ESTUDOS G R E G O S Comissão editorial: Rachel Gazolla de Andrade Carlos Eduardo Matheus leanne-Marie Gagnebin apoio: Consulado Geral da Grécia - SP
  • 3. Publicação d o Centro d e Estudos da Antiguidade Grega d o Departamento d e Filosofia d a PUC-SP Coordenação: Professora Doutora Rachei Garolla de Atzdrade Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Centro de Estudos da Antiguidade Grega. Departamento de Filosofia da PIJC-SP Do Divino : imagens e conceitos . -- São Paulo : EDUC : Palas Athena, 1996. 120p. ; 23 cm. - (Hypnos ; 1) 1. Estudos gregos. 2. Grécia - Antiguidades. I. Simpósio Interdisciplinar de Estudos Gregos. 11. Série. CDD 938 880 ISSN : em curso ... Pois em silêncio divino aprendi a adorar, " Quando Diotima me curava a alma." Holderlin PALAS ATHENA
  • 4. Apresentação: A filosofia e seus deuses Rache1 Gazolla de A~zdrade PALESTRAS Mitologia grega e saúde psíquica na obra de Jung Victor-Piem Stirniman?~ Magia, Keligiào, Ciência: Ludwig Wittgenstein e o Kanio de Ouro de James George Frazer E g a r d de Assis Can~alho Psicanálise e religião Roberto Azevedo Transcendência e materialidade na ousia aristotélica A. Hector R. Benoit Cabeça de Hiprios: A cognoscibilidade do "em si" em Hegel e Platào C6pia romana de original grego, si'culo IV. Carlos Eduardo Matheus MWO do l'rado. ~ ~ d r i d . A noçào d e théos Henn'qtre Graciarzo Murachco
  • 5. COMUNICAÇ~ES % Os laços da linguagem - Eros e Lógos Dion Davi Macedo Representação e percurssâo no Banquete de Platão Edson S. Zampronha Um tema feliz - A cerca do Divino: imagens e conceitos - acompanha a primeira publicação do CENTKO S ~ J D DAS I>E E O ANTIGUIDADE do Depar- GREGA, tamento de Filosofia da PUC-SP. Textos sobre o divino são sempre instigantes e benvindos, principalmente quando de áreas aparentemente diferentes, ao menos para a estrutura do ensino universitário: Psicologia, Antropologia, Literatura; são saberes que acrescem relações riquíssimas para nós, iniciados e iniciantes em Filosofia. E acreditamos que seja recíproco tal acréscimo. Talvez, o nome desta publicação soe estranho aos nossos ouvidos modernos - Hypnos (sonho e inspiração) -, mas esperamos que menos estranho que o nome seja a idéia da interdisciplinariedade que, teimosa- mente, insistimos em manter. Ao invés de um "avant-propos" esperado em todos os livros, revistas, cadernos, sugerimos que o leitor acompanhe o texto que se segue, um texto que procura apresentar, de modo um tanto astucioso, as intenções do CENTRO Es'i'u~os AN-~G~~IDADE acom- DE DA GREGA que panharão os próximos simpósios e a próxima Hflnos. A FILOSOFIA E SEUS DEUSES 1.Antes de sua morte, Heidegger foi entrevistado pela revista L'express, em outubro de 69, e perguntado sobre a crise da universidade e do sentido do estudo da filosofia, o filósofo afirmou que '...a filosofia é essencialmente intempestiva porque é uma dessas coisas raras, cujo destino é de jamais poder encontrar ressonâncias imediatas.' No que diz respeito ao pensamen- to grego, do qual somos herdeiros, considerou-o alheio ao mundo moderno,
  • 6. mas um bom ponto de partida para aquele que tem 'amor i sabedoria'. O presente amparado na circularidade de desejos e que projeta a ação como renascimento da Antiguidade, para ele, é absolutamente improvável, pois repetição. Esta, cuidadosamente velada para fazer-se passar por criação, hoje pensamos tecnicamente e, paradoxalmente, o pensamento técnico, termina impedindo a chegada do espanto ou do inesperado. exatamente porque é técnico, não pode pensar o que ele é, o mesmo acon- Entretanto, se pensadores afirmam a extrema limitação a que chega- tecendo com a ciência. Nas suas palavras, a ciência não pensa, mas usa o ram nossos pensamentos e ações neste fim de século, é nisto mesmo que pensamento. Devemos acreditar que há um, como quis Husserl, que deve nasce a possibilidade de saída desses limites, apesar da repetição pré-vista pensar os saberes? Sim, e esse saber é a filosofia. do agir técnico. Pois, ao querer pensar o pensamento técnico, acha-se uma Merleau-Ponty, nessa mesma linha, afirma nos 'Sinais': "... Uma cultura relação instigadora: a 'technê' é arte de fabricação, e o aprendizado técnico julga-se pelo grau da sua transparência, pela consciência que tem de si é o saber repetir, imitar. Assim, a arte da retórica é o aprendizado sobre a mesma e das outras ... O que aprendemos sobre as relações históricas da boa disposição das sentenças no discurso, é aprender a repetir e imitar o Grécia e do Oiiente, e, inversamente, tudo quanto descobrimos de 'ociden- melhor uso que se pode conseguir das palavras, para que se tenha o poder tal' no pensamento oriental ... impede-nos de traçar uma fronteira geográfi- de persuasão, um poder que se lança sobre o pensar do outro e o aprisiona, ca entre a filosofia e a não-filosofia." Tais afirmações dão-nos impulso para fazendo-o assemelhar-se ãs palavras ouvidas. Também a arte do pintor, do pensar esse saber embrionariamente divino, a filosofia, abraçada em seu escultor, do poeta é um aprendizado que tem o poder de belamente iludir berço por Athena. pela imitação, assim como a arte de fabricar sapatos é o aprendizado que A representação espaço-temporal que hoje temos do processo civi- tem o poder de repetir o que a natureza faz, isto é, o pé. Para ser um lizatório aparece-nos como movimento progressivo, do 'primitivo' para o técnico, portanto, é preciso ter Métis - Astúcia -, quer no modo de cortar 'científico', uma herança do século XIX. No afã de buscar a generalização, o couro, no de pintar, com borrões bem coordenados, o véu na mulher nossa época arredonda as multiplicidades diferenciadoras para melhor orga- renascentista, ou de dispor as sentenças ao falar em público, imitando, nizar os 'fatos'. Mas, a teimosia de alguns compromete essa leitura quando como diria Platão, a verdade. voltam ao 'passado', curiosos quanto ao saber dos mitos e do pensamento Escondida no pensamento técnico, a 'Métis' sempre acompanhou os antigo, curiosidade que logo se transforma em espanto diante das respostas filósofos, apossando-se das entrelinhas dos textos bem-comportados des- encontradas e que, de tão refinadas, são difíceis de compreender. O olhar ses gênios tão pouco míticos, tão pouco sagrados! Ora, é a deusa grega desses homens curiosos ilumina caminhos inesperados para nós. Alguns Métis quem acompanha a astúcia dos fabricadores de 'aparências'. E, se desses caminhos trazem, simplesmente, o desfrute do saber, como se co- quisermos ser interdisciplinares, temos que ousar - e falar de mitos é nhecer fosse apenas a decifração de um enigma; outros abrem possibilida- sempre uma ousadia -, o que deve vir acompanhado de 'métis'. des de respostas a questões atuais que, por vezes, se movem circularmente em nossas mãos sem que vislumbremos o seu nó, até que um texto antigo 2. Nos tempos primordiais "dos engendramentos solitários e das sepa- seja inspirador para o desate. ~ a l v e seja isso o que Heidegger quis dizer ao z rações", Eros, o Amor, não atuava, segundo as palavras de Nicole Loraux falar da Antiguidade como ponto de partida para os estudos filosóficos. (Dictionnaire des mythologies). Nux (Noite), sozinha, engendrou Tlianatos À pergunta: o que foge das linhas gerais que, nos dias de hoje, repre- (a odiosa morte), irmão de Hypnos (Sono, Inspiração). Outras divindades sentamos a nós mesmos como sendo nossa civilização?O que ela não quer acercam-se de Thanatos e Hypnos no comércio incessante entre os deuses. comportar é o mito, a religião, os saberes exteriores ao padrão científico- Ao seu lado está Hades, deus do subterrâneo, representado pelo grego na tecnológico, criando com isso 'margens' pouco visíveis ao caminhante-pes- companhia de Hermes, olímpico e dubiamente ctônico e psychopompo, quisador. Realmente, há dific~~ldades pensar a amplitude dos aspectos para deus que é guia e mensageiro e que se move da terra dos homens para as da vida e, talvez por isso, parte dela é negada ou simplificada em demasia. trevas ctônicas, sempre acompanhando os que saem da vida para a morte. O mito, diz nossa representação atual, é um resquício do passado que Além de mensageiro, Hermes é mestre dos sonhos, em estreita relação com deverá, mais cedo ou mais tarde, ser superado; a filosofia, no próprio modo Hypnos, pois o Sono é doce aos homens e abre as fronteiras do sonho, da anti-filosófico de estruturar-se nas universidades, perde, todos os dias, o liberação, das visões. Dormir é uma benção dos deuses, mas é, também, o seu sentido indagativo para tornar-se um saber morto repassado formal- perigo da ausência, uma espécie 'sui generis' de morte, de entrada no des mente em palavras bem articuladas; o futuro é projetado a partir de um conhecido, como nos lembra Shakespeare, no Hamlet.
  • 7. Nos campos cultivados os homens gregos antigos viam nascer seus O mito mostra, na riqueza de sua simbologia, que outros deuses estio alimentos, provenientes, entretato, do temível reino subterrâneo, invisível, em comércio, que o,utras relações nos interessam e devem ser feitas, uma domínio de Hades, das sombras dos mortos. Ambigüidade iniportante, da vez que somos nós os simbolizadores. Mas, nos nossos dias, por que falar morte nasce a vida e da vida, a morte, par de contrários que preocupou dessas figuras míticas para leitores de filosofia? Platão e gerou um dos mais belos e difíceis textos sobre a alma: o 'Fédon'. Ora, Hermes Psychopompo marca arcaicamente a representação da 3. Dizíamos, no início, que a filosofia perde o sentido de saber fertilidade. Signo da virilidade, é um deus multiplicador dos rebanhos. As- questionador, de movimento 'erótico', nas nossas universidades. O mito é sim, Thanatos, geração da escuridão de Nux, representado junto aos subter- marginalizado como saber 'infantil' ou explicado 'tecnicamente'. Ora, se os râneos de Hades, une-se no pensamento mítico a Hermes mensageiro entre deuses gregos voltassem aos nossos dias, poder-se-ia dizer que a técnica é dois mundos, o que lhe dá ambigüidade: o que morre é também o que a nossa Métis, que guardamos seus caminhos tortuosos, seus estratagemas pode dar vida. sutis, mas como não temos um Pantheón, não relacionamos essa deusa Entretanto, os homens não aceitam olhar Thanatos com o olho de com nenhum de seus parentes, e isto a faz excessivamente poderosa. Sem cíclope, e usam um segundo olho, o de Métis, deusa da astúcia. É preciso limites, a astúcia pode tornar-se exercício útil da repetição insuspeitada, e escapar da Morte enquanto rosto de Nux, fugir d o aniquilamento, da aporia, acaba por projetar o gosto d o subterfúgio por ele mesmo. Sem finalidade da escuridão, e também do Sono que desprotege. Há inúmeras maneiras de última, o maquinismo leva o homem ao outro rosto da Morte, à aporia, à fazê-lo, nenhuma sem a deusa Astúcia. Há subterfúgios, fugas, pedidos aos ausência dormitiva de Hypnos. Métis, como se sabe, foi engolida por Zeus, deuses cuja força possa impedir a ação de Thanatos odioso e de Hypnos temeroso dos seus excessos, e estando grávida, haverá um nascimento, de brumoso. Criam-se relações entre Zeus e seu raio, Apolo e seus signos Athena, pela cabeça de seu pai, Zeus. Uma nova cadeia simbólica adverte enganadores, Athena e sua sabedoria, e principalmente com Métis e suas para os cuidados que se deve ter com o pensamento ardiloso por si só. O trilhas tortuosas. comércio entre os deuses, ou, em outras palavras, a presença de Eros como Enquanto filhos de Nux, Thanatos e Hypnos são, para aquele que deus atuante, entrelaçante, relaciona], não pode ser perdida. Eros, que nos pensa, barreiras que apontam para a ausência de imagens esclarecedoras, primórdios não atuava, nas gerações seguintes se faz necessário, segundo a de definições, de medidas, pois o domínio de suas faces terríveis pressupõe Teogonia de Hesíodo. a mesma confusão de direções que há para as almas no Tártaro. A morte é Platão, um filósofo por demais astucioso, apresenta claramente o que impossibilidade de subterfúgios, ausência de vigilância; o sono é relaxa- é a filosofia: é atividade amorosa que nos leva, como um 'daímon', d o mento da atenção, um estado fantasmagórico. Mas, isto é válido para aque- mortal ao imortal e do imortal ao mortal ("Banquete"). A atividade erótica le que, ciclopicamente, vê com um só olho, pois com o segundo olho, as da filosofia, expressão da mobilidade hermética entre os domínios d o visí- alianças são feitas, com Métis, Zeus, Apolo, Athena, e o que pode aniquilar, vel e invisível, carrega a sabedoria de Athena e de Zeus, seu pai, sabedoria pode também gerar. Da morte à vida, da dormência à inspiração. Nascem que se utiliza, quando assim é necessário, da rede ardilosa de Métis, sua definições, representações, medidas, direcionamentos sutis, instrumen- mãe, na forma da composição dos 'Iógoi'. Com uma face de Thanatos e talização das situações pelo uso da 'mechanê' (do maquinismo). O uso d o outra de Hypnos, a filosofia pode gerar a vida, o novo, ao ser acompanhada artifício, que o grego costuma aderir mais ao feminino enquanto potên- de inspiração, mas pode, também, apresentar-se aporeticamente, ou perder cia de sedução, vingança e fraude, presentifica-se na união Thanatos-Métis- seu caminho na confusão d o espaço indimensionável d o Tártaro, isto é, d o Hypnos. Não podemos ultrapassar os limites do humano, mas podemos processo logístico sem 'télos', 'Daimoníaca', astuciosa nos modos de inda- adiar a morte, limitar a dormência e a lascidão, direcionar a destrutividade, gar, no estilo de linguagem ao poder usar mitos, metáforas, alegorias, e fraudar a repetição de nosso agir. A literatura cuidou de resgatar a ambi- outros recursos retóricas, ela guarka a 'teclinê' própria de Métis e de Apolo, güidade desses filhos de Nux. Que se lembre, tão somente, de Goethe e deus dos signos ocultos, ao mesmo tempo em que Dioniso também nela seu mefistofélico 'Fausto', ou dos contos de fadas e das inúmeras peripécias coloca suas máscaras e faz, dos aprendizes de filósofo, os bacantes, como dos heróis e heroínas para escaparem d o que seria seu destino, ao busca- aponta simbolicamente Platão em seus diálogos. rem definir, medir, calcular, direcionar subterraneamente seus objetivos, Apesar de ter que enfrentar possíveis sonos dogmáticos, a filosofia inspirando-se em técnicas de enganar. participa de Eros quando recusa ser a sabedoria ou a ignorância e se
  • 8. Nietzsche, que tão profundamente buscou a filosofia grega, diz que nomeia 'amiga d o saber', intermediária ao modo da mobilidade vigilante de n o tempo dos gregos '..; tinha-se ainda sobre a Iíngua o outro gosto, mais Hermes ctônico e ao da fertilidade de Hermes psychopompo. antigo e outrora todo-poderoso: contra ele o novo se destacava tão feiti- A filosofia e seus deuses, dissemos. Sendo um saber de ressonância ceiramente, que da dialética, da arte divina, se cantava e balbuciava como não-imediata, não pode ser '... apreciada por critérios comuns, não se pode se fora um delírio amoroso ... pensar era um redizer e todo prazer d o dizer adquiri-la e utilizá-la diretamente ...', como diz Heidegger. Ora, o resgate e da conversação tinha de estar na forma ... Foi Sócrates quem descobriu o dos mitos pode significar, para a filosofia, apanhar algo de que ela jamais feitiço oposto, o da causa e efeito, do fundamento e conscqbência: e nós, prescinde: a diferença e a semelhança. Ou, como diz Merleau-Ponty, que homens modernos, estamos tão habituados 2 necessidade da lógica e edu- possa pensar-se a si própria e ao que não é ela ... - eis o que não pode ser cados para ela que a temos sobre a língua como o gosto normal ...' (in separado. Se levarinos ao pf da letra a afirniação de que a filosofia iilo Aurora, 544). pode dispensar nenhum saber para pensar-se, fica a dúvida: como conside- Nietzsche tem razão, é preciso sair do hábito, d o hábito de ver, ouvir, raríamos, hoje, a +seguinte colocação?: degustar, cheirar e tatear o mundo, e se falamos da Filosofia e seus deuses, "... Zoroastro dá como um segredo infalível para conhecer a abundân- cia da colheita para o ano seguinte, de fazer o seguinte: é preciso por volta podemos, quem sabe, ter na língua o gosto do novo. Mas Nietzsche não poderia ter reconhecido isto sem o conhecimento do pensamento socrático. de 15 de junho, preparar um pequeno canteiro de terra, à maneira que se prepara ordinariamente a semeadura. Aí se semeia toda espécie de semen- O júbilo, a embriaguez, como quer esse filósofo, acompanham a invenção da filosofia. Então, se num primeiro momento os estudos da Antiguidade tes e, como nessa estação o calor é ardente e poderia impedir que a semen- não têm mais sentido para nós, para os olhos não-ciclópicos ao menos são te germine e que saia comodamente, observe-se após a semeadura qual dela virá melhor e terá a mais bela aparência, no tempo em que a canícula um bom ponto de partida. começa a reinar no horizonte, pois estará advertido por esse sinal de que a Se essas palavras soarem estrangeiras, ao ponto de não reconhecer- mos a necessidade da busca d o inabitual, dos signos ocultos, d o não- - abundância virá da semente que melhor tiver aparecido, e aquelas que não repetitivo, não tocaremos, neste fim de século, no escondido dos textos, aproveitaram da preparação que foi feita, serão estéreis.' nos processos imitativos inercadológicos, nos desejos expostos na repeti- Esse é um extrato d o texto 'Libellus de mirabilibus naturae Arcanis', de ção. Então, podemos dizer que os deuses realmente cansaram de nós, e a Alberti Parvi Lucii, também chamado posteriormente 'Pequeno Alberto'. Essa obra é considerada um manual de magia medieval, e demonstra a divina filosofia nada mais tem de divina, transformada em mero utensílio para cavar seu próprio buraco. Entretanto, a Hypnos não crê nisso ... leitura dos sinais, a observação da natureza e suas relações com o céu, leitura não-ausente de nossas representações modernas. Note-se que Alberti refere-se, inicialmente, a Zoroastro, cuja origem perde-se na antiga Pérsia. Mas Alberti - e com mais razão Zoroastro - fazem parte da multiplicidade Rache1 Garolla de Andrade posta à margem em nossos dias! Prof. D n . da PUC/SP - D e p d e Filosofia e membro da Sociedade Bnsilein d e Est~idos Clássicos SBEC Quanto 2 atual filosofia, acredita ela não fazer parte d o saber marginal, Coordenadora mas, dúbia desde o nascimento foi sempre pertinente a uma pequena 'cas- ta' social, ao mesmo tempo em que se universaliza ao pensar a cidade, o cosmo, o homem; por vezes, tenta reconhecer-se num campo próprio, com objeto próprio, i maneira da ciência, mas se tiver um rosto bem definido, fenece, transforma-se em campo restrito de pesquisa, tecniciza-se em de- masia, restringe-se e destrói seu movimento 'daimônico'. Ela, que já foi serva da teologia, pode vir a ser, pela segunda vez, serva, mas de um único modo de interpretar o mundo: o da ciência e da técnica. O fenecimento da filosofia se inicia quando ela se fecha na solidão de um só modo de ver as coisas. Aí, fica fácil dizer que esse saber está nos seus estertores.
  • 10. MITOLOGIA GREGA E SAÚDE PSÍQUICA NA OBRA DE JUNG VICTOR-PIERRESTIRNIMANN * Falar d e politeísnio, ã luz d e noss:c cultura inonoteísta, fazer mesmo uma modesta apologia d o politeístno grego, dentro d e u i ~ ~iniversidade i católica, tem algo d c frívolo. Corremos sempre o risco d e requentar oposi- ~ õ e filosóficas que são velhas demais, como a oposiçião entre o absoluto e s o relativo, muito semelhante 3q~ielaentre objetivo e subjetivo. E contudo 1130 se pode fugir d o problema, pois o olhar psicológico é d e fato rclativista, em riiuitos sentidos. Não dizem que todo relativismo 6 ceticismo disfarçado? O relativismo que nos interessa não é assim, merainente negativo; 1130 se trata d e cair no paradoxo infantil d e que tudo é um pouco verdadeiro e um pouco falso - até esta afirmação mesma. I-Iá uma diinens3o d e positividade no relativismo que habita, dentre outros lugares, também as terapias analíticas, e que se manifesta, segundo penso, cada vez que o diálogo é levado até seu extremo viável coiii nosso interlocutor. Atinge-se uma concordância niais ou menos parcial, talvez uni iiripasse, e eni3o o que nos resta, senão conviver e m silêncio coni o tema ou, quem sabe, trocar o recipiente d e nossa fal:i. De um lado, este relativismo reafirma uma obviedade pragmática: não é sempre factível convencer um interlocutor bem-intencionado através da transparência dos argumentos. Duas subjetividades razoáveis e isentas d e maiores impedimentos - o que quer que isto signifique - nem sempre s3o Analista jungiiiano, doutonnclo eni filosofki n3 Universidade d e ção Pniilo. 17
  • 11. capazes de cliegar a uni acordo, ou d e aprender unia coiii :i outra. Conclu- estantes. No 2iiibito desta dificulclade, qualquer sistema poderia funcio- são que O senso comum adriiitc~co~nplacente, dizendo apenas: as pessoas é nar, e m princípio; n ~ a s fato que :ilguns sistemas s3o mais eficazes d o l i j o são racionais. Mas, cle outro l:itlo, trilvez possamos retirar daí triinbéiii que outros. O melhor sistema terá virtudes inneniônicas e indicar5 com boa o~ltraiiiensageiii, mais construtiva e sutil: quando a coniunicaç30 já não precisão cada uni destes múltiplos universos, sua localizaçião, teinática, suri av;iilfa, :i troca ele interlocutor se aprescnt:i corno uma aitern:itivri lícita c relação com os outros. necessíria. E agora, finalmente, rios aproximanios d e nosso objeto centr:il. I'ois 'rransportndri par:i o contexto dc nosso tr;iballio analítico, esta mensri- acredito que o melhor sistema d e que tlispoiiios para est:i t:irefa, :ité Iioje, getn nos remete a uni princípio t3o verdadeiro, na prática, quanto nioclesto, é o oferecido pela rriitologia grega. Não é acaso que a psicologia protiinda na teoria: n30 é sempre que se pode explic;ir d e modo i-acion:ilmerite s ó tenha despertado realmente para si iiicsnia quando I'rcud ;issoci«u satisfatório os percursos feitos em terapi:~; cumprido, até oncle nos é d;ido o mito d e Edipo ao complexo nuclear das neuroses. Refletinelo sobre o ir, o trabalho pjicientc d e cornpreeiis3o d e uma série d e sonhos, le1nbr:in- mito, tivemos um começo, identificou-se um roteiro que nos toma pela ças, Iixações e tropeços em torno d e unia mesma tcniática, às vezes nada mão, pondo palavras e hesitações e m nossri boca, tlecisoes e silêncios em de ,na& .sign(ficali~,o ciconlece, até que siniplesniente c«nfrontainos ;i re- nosso agir. núncia d e mais compreender, e com ela talvez um:i abertura inesperada, Minha formação profissional é junguiana. O que isto significa, em vista da que transforma o diálogo sob a fantasia da presença d e um oiilm interlocrilo~; discussão? Significa que meu sistenia referencial é menos centralizado e n d i m e sentir olitras coisas. Mudani-se os atorcs, e com isto também 21s centralizador. Cada estória, cada divindade d o panteão grego pode organi- falas; pois n2o se traballi;~,afinal, sem a boa e tosca kintasia d e scrriios o zar, sozinha, toda unia ala de minha bibliotecr em torno d e sua tcrii5tica. Mal que ainda não temos sido. A prática nos obriga 3 aceitação d e que nem comparando, uma biblioteca d e orientação freudiana apareceria aos ollios tudo se traduz na linguagem, na perspectiva e nos códigos implícitos da d e minha prática e meu treinamento conio organizada em torno d e um retórica que teríamos preferido empregar. único autor - ou ator - princiPil. E j i que estamos perseguindo esta meti- Esta liniitafio no sentido tliscursivo costutna arremessar-nos com for- fora livresca, é curioso lembrar como o crítico Ilarold Bloom vem sugerin- ça, e dirctamente, dentro elo rcgistro irnagético. Para o convívio de do, há anos, que o essencial d o pensamento d e Freud se encontra prefiguratlo imagens que se sobrepOeiii sem vínculo 1iiel.árquic0, C portanto sem enca- e m detalhe na obra d e Shakcspcarc. O estudo das cartas tle R-eud indican- deamento d e necessidr~deexclusiva. Se não lirí movimento seni sucessáo d o que teria sido a reflexão sobl-e o Hantlet o elo clecisivo prira aproximar d e imagens, c o liurnano clani:i por iiiovii~iento, abandona-se ri prospecção a dinâmica triangular da histeria c a tragédia d e Sófocles. Por muito pouco, racioiialist:~ precis;imos trahilliai- com :itriiosfei;is, auras, diriainisiiios que e portanto, não estamos todos falando em tirn corriplexo d e Haiiilet. É o mes- se auto-alinientani, contextos cujo sentido é auto-referente, todos concor- m o Blooni, a propósito, que em sua última obra reeditri :i sugestão provo- rendo uns coni os outros, nuiria dança iinprevisível. Cada psique é repleta cadora d e um cânone para a literatura d o Ocidente; uma biblioteca univer- d e universos autôno~~ios, cada um com su:is próprias leis, objetos e habi- sal que incluiria Freud, mas centrada, justamente, na figura d e Shakcspcarc. tantes, e o convívio destes universos, i s vezes paralelos, i s vezes secantes, Mas, voltemos aos gregos. Dispor da lembrança dos vários deuses é que responde pela confusão ordenada d e nossa vida interior - conio, d e concede-me exatainente a possibilidade d e trabalhar a partir d e uin resto, d e nossa vida exterior. Conliccer o outro, dentro ou fora, é como relativisrno que nada tem d e niilista ou opressor, um caminho que permite atravessar unia galeria de tantzis diversas subjetividades, uina bibliogrrifia o diálogo entre muitos interlocutores, todos habitando a mesma cena e as infinita, e bem se pode tomar unxi biblioteca corno modelo da psique: mesmas pessoas. Probleiiias com dinheiro, uni casamento infeliz, fobiris, autores que se comentam, autores que se renegam, autol-es que desconlie- insegurança, solidâo, estes ternas e todos os outros scnipre recorrentes na cem os demais. Todos, simplesniente, coincitliiido no esforço d e ser o :iu- terapia ganham nova flexibilidade, quando examinados e m tantas luzes. tor, aquele que irá afirial contradizer :i iinposição de existênci:~da própria Nos mitos, cada deus protagoniza um conjunto característico d e peripécias, biblioteca. assim como um conjunto característico de soluções. I'odenios afrontar nos- Nesta profusao d e estórias, autor e ator são noções que se confiindeni sas limitações como pedras d e lenta digestão, a o modo d e Cronos; conio todo o tempo. Mas, tainbéni por isso, o analist:~é um bil~liotecírioque enigmas que pedem uma inspiração herniéticri e maliciosa; como desafios à necessita d e um sistema d e referências, caso não queira se perder entre as nossa capacidade técnica, tal qual Hefesto o faria; corno um sortilégio d e
  • 12. Afrodite qiie olxcurece nossa scnsibilitlacle; podemos apelar ao com Pois a dita inversa0 retóric:~ conduz, por su:i vez, :i uma virada sclvatlorisiiio de Hera, à coinphc~nciri Zeus, I sibedoria de Atena. Tudo de : metodológica de :irnplris consequênci:~~,c~ijoc percurso pode ser apreseti- de iioss:i capacidade no identificar os atores da trama, prestar-llies tado, grosso modo, da seguinte foriiiri: de L I I ~I:ido, :I aniiguitl:itle tios s;lcrifício e, se isto se fizer necess5ri0, no evocar outros cieuses que nos parece longe cleiiiais; iiias, de outro, se Édipo esti vivo, isto rios ensina (luc reconteni a estória. os conflitos liuni:i~i«selctiientai-es s5o os mesmos. p:itn :11étn do tenipc e Muitos jurig~iianoshl:iiii :mim, hoje cin dia. Este viés peculiar, contli- do espaço. Assim, se f:izeiiios o confronto entre :i c»nl'~is.;io tl;is infiriit:is do, niio é procluto tlc um ccletisiiio ficil, nem tlc uma simplificaciío variáveis d:r psique intlividii:il c a gi-:iiitlezn simples tl:i irriclif5o cl5ssicr1, irreverente. i h i i vale 3 pena tentar explicá-lo uni pouco, recorrendo a uin como ele diz, o que sc aiiunci:~, fim e ao c:il>o, é ~iiii:~ ao now dircç3o :I curto passeio pcl:i Iiistóri;~ das idéias: afirxil, par:] uni olli:ir ciiid:idoso, este seguir: fazer coin que os iiiitos nos cxpliquciii, e n.50 o cotxrái-io.Ao invCs convívio próximo com o tilitológico está no coração mesmo da divergênci;~ de construir umi teoriii que dccilre, apenas, o iiiitológico, deixar que :i teórica que leyou ao nascimento da I'sicologia Analític:~, escola jungiiiana :i consciência iiiítica nos cnsiiie o que Lizer. de psican5lise. Cada paciente, e nisto :i postiir:i de Jung niio I I I L I ~ : Ij:imais, f t20 ~~ Quando Jung escreveu Iizz~?sfornznções símbolos da Libido, obra que e absolutarnente único em sua coniposiy.3o que, :i rigor, :i tlescriçiio coinp1et:i provocou sua ruptura com Freud, fez nossa questão aparecer desde as de cada caso clínico exigiria tomos inteiros; e descrever, eluciclar, airitl:i s5o priiiieiras linhas. O livro j principia, dentro tlo estilo sinuoso que beiii 5 bem menos do que comprecntler. Mas, sem compreensão, coiiio tlistinguir convinlia a um discípulo ansiando por independência, pcla inençiío ao o essencial do assessório? E coiiio agir, sem esta distinç5o? O recurso ao choque que :i leitura d:t Inte7pretaçüo dos Sonhos provoca no leitor do mitológico e coletivo oferecia justariientc isto, uma cliave de coinprcens2o. coinefo de nosso século, quando o problerna da fantasia do incesto é asso- Recurso atestado com absolut:~ simplicidade ri~iiiia caita cla époc:i, endcreq:itl:i ciado 3 trrigédia rdipiana. Choque que, supostriniente, seria resultado da a Viena, onde lemos: coino O se~~hoi- eu sempi-epreciso ir r h exrei-ior sabe, inespcr:itl:i :iproxiiiiação com a antig~iitladegrega, o passado ainda se fa- para o inter-ioi;e do to~iopura pui?c... n zendo presente em nossa psicologia. Ora, nesta observafào aparentemente Freutl identificou ri presença de klipo n:i Iiisterki; liias otide, perguri- singeki, Jiing cst5 n:i verdade invertendo a tlireçiío do que teri sido, com tou-sc Juiig, cst5 a g:trantia clc q ~ i en.20 li5 outros atores c outras estórias toda : prol>abilitlade, a raiz do iriipicto sobre o leitor tla época: que o i igualrnentc ntuantcs na totalitlade do tliiatli-o neurótico e, sobretudo, tio núcleo incestuoso da tragédia clássica aindri estejri presente na psique do distúrbio psicótico? I'ara responder :i isto, buscou :i másiiiia aiiipliaç~o tio Iioiiiein inodern«. Como se a maior surpi-esa não estivesse na permanência olhar, prirtintlo d:i mitologia e tla tr:idi@o, identificantlo :issini o~iti-as de fantasias incest~iosas nos recessos d3 contida psique hurg~iesa, sim no e tenláticas, triiiibé~ntípicas c tainbéiii estratégicas prira :i coiiipreensão tle fato de que as mesinas faiit;isi:is j5 fosseiii conhecidas há vinte e cinco seus casos clínicos. skculos! Est:i inversso retórica só se explica quando percebenios que, Em suma, se Jung 3c:ih:i por relritivizat; n;io apenas :i interprctaçiio tI:i p.it-a Jung, constr~~iruiiia ponte ligando a psicologia do sujeito sing~ilai- ao figura do incesto, iiias tatnl>éniseu p:ipel central ria origem das neuroses, C legado cultiiral tla antiguiclade representav:i uma tarefa quase mais impor- porque optou por LIIII iiiétoclo que Ilie periiiitiii faze-lo e, em certa metlitl:i, tante do que a descobcrt:~ dos segredos do psiquismo individual propria- o levou forfosaiiientc a isto - coiiio Taiiil>éiii I: riiptur:~C O I ~ Ft-e~icl. [Jiii mente dito. pouco clc ousadia, c bem potlerí:iiiios admitir :i seg~iinte leitiitx: enquanto H5 razões p:ii-a isto. Ein su:i jiiventucle, Jung desej;ir;i, na verdade, eni Freiitl a :iiito-:in5lise ofereceu, potciici:iliiieiite, o inotlclo de u i i i disciir- toriiar-se arqueólogo, o que foi iinpossí~:el por razões financeiras. Só teria so capaz cle interpretar todos os outros discursos (falo d:i lenda clo Étlipo, optritlo pcla Psiquhtria quando pcrccbcu, na clínica, a oportunidade de bem entendido), em Jung estri fóriii~il:~ terminou invertitl:~ todos os dis- - aproxini:ir-se da vocaçiio renunci:itl:i: tini meio de religar :i consciência do cursos dri ineiiiória coletiva, filtrados pcla t~itliçio pelo olli:ir psicológico, c Iioiiieni moderno 3 riqueza de seu passado - tem:] que lhe era caro, inclu- contribuciii potencialiiicnte :i iiiterpretri@o c10 discurso sirip,iil:ir. sive, ctn vista de seu dilema friiiiili:~~; coiiio veremos iiiais ;itliante. Além Surge ent30, de imediato, o prohlciiia de esclarecer cotno esta p.iss;i- disso, no que tange 5 teoria, este tncsino inoviiiiento poderia abrir caininlio geni da tradifão grega :is dores da psitluc contciiil>or2ne:i se faz possível. A p i - a uma psicologia do coletivo, conferindo inaior objetivitlntle aos aclia- hipótese de Jung é característica, niío só de seii pensaineiito, mas t:iiiil>éiii dos clínicos. de toda unia época do iiiiaginirio europeii. Partintlo da distingo entre
  • 13. d u a s iiiodalitlades clo pensar: a tlirigicla, lógica, verbal, comunicativa, si mesmo, sugeria :i perfeição humanri no primórdio que é, taiiilxh, um e nquela simbólica, iiiiagética, característica dos sonhos c da fantasia es- ápice. A exprcss3o plástica da bela alina será o cliaiiiariz e motivo conclutor pontânea, ~ u n g obseKi que a'iiizirca d:i iiioclernidadc est5 n o esforço d o d e um fascínio quc se estende década após década, sempre riliinentaclo pensamento dirigido, enquanto a conscit-ncia rnitopoética da antiguidade pela imagem d e uiiia mesma carência: faltaria ainda 5 aliixi alei112 uiiia oferece-nos uni gi-:incle acervo d e procluçócs culturais itnprcgnadas d e pen- exteriorid:icle que lhe fosse aclequada. samento sinibólico. Portanto, a oposi@o vigília-sono, caiisalidacle-fantasia, Sem saber coiiio se expressar, toda uiim era projeta riiiiii recorte d o logos-inythosl é tarnbéiii transferida para uni outro plano, o histórico: para passado o paraíso cla infhcia, onde o feito inais espontâneo ter5 sido taiii- a oposi@o entre iiioclernicl:ide e :intiguidade, reeditantlo o co~itmstctrio béin o iiiais :icalxitlo. Dentro deste contexto siiiibólico, o crivo d e significa- caro a o idealisino aleinao, aquele entre aleinâes e gregos. Sc os gregos ção é dado pel:~proxiiiiidade da origem, e em nenli~im lug:ir isto é inais oferecem uni3 chave para n psicologia, é porque reflctiriaiii inellioi; pela transparente d o que n o ensaio clc Fricdricli Scliiller sobre poesia ingênua e espontmeidade criativa, o hoiiieni e m estado sentimental. O poeta, ou é natureza, ou :I buscari, diz Schiller, e assim Esta perspectiva parece seiii dúvida estranha a o leitor d e Plat2o ou constrói :i linha que tleinarca a distincia entre o horiieiii arcaico e o outro, Aristóteles, inventores d:i racionalickide t d como a conlieceiiios, ate que que soiiios sempre nós. A ingenuitlacle é ali definida coino a Iiariiionki seja apontado um detalhe decisivo: quando Jung recorre ao grego como direta entre o sentir e o pensar, possível porque o grego ainda ri50 teria iiiotlelo d o natural, não o pensa enquanto honieiii selvageiii ou priiiiitivo, desenvolvido urna das duas faculdades em desproporção 5 outra. Já o lio- riias como Iioinem arcaico - ecoarido aqui o sentido da x c h é grega: o mem moderno, curtindo ;i ressacri da embriaguez ilutninistri, sofre porque coiiieço, o ponto de partida, o princípio indeinonstr5vel. É a ótica que o cresciiiicnto d e seu pensar ainda n3o foi acompanhado por uni dcsenvol- busca o arcaico, eiii última instância, a inaiigur:ir umri abordageni junguia- vimento equivalente no sentir. Como não podemos retomar sobre nossas na d o psiquismo. pegadas, nosso acesso 3 natureza deve, ent30, ser mediado por uma cduca- N3o que o tciiia fosse novidade; a Aleiiianha d o século XVIII já tinlia ção sentimental, uma reflexão sobre o simbólico que cultive e refine nossa necessitado, na literatura e nas artes, d e uma âncora que seivisse d e contra- sensibilidade, até que o equilíbrio seja restabelecido. peso a o classicisino francês; ti-atavri-se d e uina questâo d e soberania nacio- Pode-se afirmar que este iiiodelo scliilleriano assuiiiiu, eiii Jung, :ilgo nal, por assim dizer, que só pode ser enfrentada através d o diálogo imagi- próxin~oda força d e u m princípio fundamental. A criação da teoria dos nário com o classicisino grego. Ao encenar u m redescoberta clo inundo tipos, da teoria da neurose, da teoria da intlividuafão, foi intciraiiieiitc Iielhico :i d e replicas romanas, J. Winckeltnann ofereceu e n B o todo permeada pela hipótese d e que na raiz d o sofrimento d o Iioinein moderno uiii inodelo estético c:ipaz d e satisfaxr a riltivez geriiiâiiica, ansios:~por está uni desenvolvimento unilateral e especializado d o intelecto, visando libertar-se da referênciri francesa, e que estava revestido da a~itoridatled o atender 2s deiriandas d e uma cultura cada vez mais cotiiplicada. E é bom antigo. Com isso, a Grécia passou :i ser descrita c01110 uma idade dourada frisar outra vez que esta hipótese, tào vizinliri d o pensamento d e Rousseau, eiii que prcdominavaiii nobre sitiiplicidatle c grandeza serena, uiii idílio da depende cla iinageiii-idéia d e um ocidente arcaico que lhe sirvri d e antepa- cultiir:~e cla beleza que cleveria iiortear as futuras realizrições d o espírito ro; quer dizer: da iioçâo d e um mundo grego ainda pouco afeito a o IIXII- alemão. Os maiores fnitos desta viagem iriiagimíriri ao tnediterriineo, coiiio sa- estar da civilizaç30. Apoiado nela, Jung foi o primeiro a reconhecer n:i bemos, se encontraiii na obra de Gortlic. E o próprio Goethe tlenunci:~ teor o Psicanálise a possibilidade d e um espaço institucionalizado para a prática desta viageiii, quando indica, nutri belo verso da Ifigênia, que s c tr:it:i tle da reflexão simbólica e m geral, enquanto versão conteinpo6nea da educa- buscar com a alina :i terra dos gregos: a Gr6cia interessando, sobretudo, co- ç20 estético-sentimental. Cotno na visão de Schiller, até hoje refletiiiios rno fundaiiiento ideal, c inuito inenos como objeto de invcstigaçâo histórica. nossa experiência, no consultório, com instruiiiental eiiiprcstado 3 antigui- Inventor da febre grega rio geriiianisiiio, Winckeliiiaiin n20 visitou o dade clríssica, celebrando diariamente o encontro d e dois universos. país d e seus sonhos, e dificilmente ter5 visto o original cle unia peça signi- O que nâo significa, certamente, que a Psicologia Analítica encontre ficativa da escultura Iiclênica. O gênio wincltelmanniano se encontrava e se seu s~istento sobre uiiir~ etlulcorada dos gregos, a iiiesiiia quc resiil- 1eit~ii-a cotnpletava na frtiição da réplica, d o in5riiiore ou da idéia. Herder tinlia tou dos excessos d o roniantistno alemno. Mas pode signifiar, pelo inenos. toda a razão, quando disse: o que Wincl<eliixinn queria c precisava encon- que a Iieranp helênica presenteou-nos com o melhor combustível para trar e m Roma, ele j5 carregava consigo. O grego, enquanto ideal aleiii3o d e nossa especulaçào sobre sanidade psíquica. Pois urna diferença entre as
  • 14. do inconsciente e sua i r i i ~ nlais velha, :i psiquiatria, é que nas i provável que da nicinória elo pai, s;icerdote sem 1'6, Jung tciiiia obtido o a oposição doença-saúde 6 objeto de ~ i n i iiiarcaclo tr:iballio molde inicial de sua particul:ir concepç.;io tle neurose: o neurótico coiiio o especulativo: a questào continua~iienre refinada e jamais concl~iída. protagonist:~ vi& iriaiitêritica, que sacrifica su:i natureza interior em noiiic. tl:i Jique rnencionanios a psiquiatria, convéni :ipriinoi-rir noss:~ visiio pa- de urna adxptaçào insatisfatória. Isto significi, taiihé~ii, que desde o pri- norâiiiic;i acresceiit:iiitlo outro ingrediente que taiiibéni contribuiu p:ir:i :I meiro nioniento :i pedra-de-toque articul:iricl« o coritnste entre o cs~iclo em nossa escol:~, iiiitologi:~ d:i com o esforço tci.:ipêiitico:Jung neurótico c sua reiiiissão C irispi~idana teiii5tic:i clo cont:rto do ii~iiiiario fez sua cspeci;ilizaç3o clínic:~com I'icrrc Jmet, inestrc que prop~mii:iu i i i com o divino. I'etlra-de-toque que llic periiiitiu, de uni só golpe, :ifirni:ii- ~nocleloelissociativo d3 mente, defe~icleritlo idéia de que :i consciência :i sua independência pela oposiçiio a duas figui-as paternas: Fr:inz, o p;ii cori- po& dividir-se eiii p:irtes :iutônoin:is, c iiiesnio person;ilitlatles iiiúltiplas, meto; Signiiind, 0 prii espiritual. de sofisticaç30 e abi-angênci:~ variaclas. Quando desenvolveu seus friiiiosos Este contraste t:inibéiii se manifesta, aliis, no tralaiiiento clos sonhos. expeririientos de associ:ição de p:ilavr;is e introduziu o conceito de coniple- Freucl já afirniara ter lido o sonho como uiii;i escritura sagrada, isto é, clxri- xo no vocab~riário psicologia, Jung exploraw c confirinriv;~ prii1cip;ii tlx :i do-lhe o tr:itanicnto adequ:ido a um discurso sinil~ólic« sobre o divino. bias liçao recebida do iiiestre Janct: a psique, tal conio se nianifesta, é menos a dissidêiici:~ir5 surgir, justaiiieiitc, tlri tlifercnça entre clii:is tr:itliçòes, :i uni continente do que uni xquipélago, onde cada ilha representa uni vór- judaica e :i helênica. Enquanto rio judaísrno a forga do síiiibolo se ciicoiiti-;~ tice autonomo de orgariização da experiência. Pois uma niultitlão de perso- em seu poder ele velaineiito, obstáculo 5 riianifestnfio iinediara do desígnio nagens povoa nossa hntasia e, o que C mais grave, assume :iiternativanieii- e da mensageiii, no Iielenisrrio vale, eiii princípio, o conti-rírio: o cliscurso te o controle das imagens. Psicodinâniica é psicodraina. A psique conio como ponte c p o ~ t a rcvelaçiio. O que teriiiinou conduzindo ?I de1iiiiit:i- da prisnxi: quando iniaginainos, quem irliagina por nós? ção de duas abordagens intcrpretatiws diaiiiet~~lrnente opostas: se, p:ira é O princípio de uni polipsiquisino, de que a consciênci:~ o espaço ele Jung, o sonho C uni tcxto que equivale i niellior expressb coiiiunicativri possessões recorrentes, rikilta dos coniplexos, disting~iei i n i pilar de sus- possível de uni sentido que se encontra efetivarnente além de nosso alc:in- tentaçiio do perisriniento de Jurig que não derivou da influência frcudiaiia e ce, para 1:reud o iiiesnio texto rcpi-escnta o iiiellior ocultaiiierito possívcl tlo que sobreviveu, aprofundado e radicalizado, ao aniadureciniento de sua sentido, par:i que nào o possanios alc:inçar. obra. Entào, se pensarnios a vocafio arcpeológica e a fonnaçrio roniintico- Retoiiiando e resumindo: no eiicadeaniciito estrito clc todas estas as- idealistri, j i mencionadas, corno dois prirneiros clos a justificar a :iproxiina- sociações, nosso neurótico s e d o iridivíd~io que atravess:i a vida sem cii- f i o ele sua psicologia com a religião grega, podemos apontar no po- contrai; para si, algum deus. lipsic~iiisnio, just:iiiieiite, um terceii-o elo fundanientd. Pois de Aquilcs a Mas, conio é possível viver e não encontrar nenliuni deus? O iiiiintlo Sócrates, nossos heróis sempre fora111 os possuídos dos deuses: o niistério está repleto de deuses, jrí dizia 'Iàles. I1ar:i Jung, o que nos falta, apenas, é de toda inovinieiitaçrio subjetiva repentiii:~ esclarecido por 1111~aintcrvenfão um ol1i:ir que os revele; pois eles estão sempre tào perto, coiiio a faiiiosa cfetiva do divino. Hoinero nem mesmo tinha paiavras p a u designx unia carta de Edgar Allan Pòc, que neni seria preciso procurá-los. Afinal, eles decisiio ou escolliri retletida. D:i súbita calma de Aquiles, quc resul~i de moram em nosxi psique. É a imagem iiicsniri tln mitologiri que funda :i unu visita de Atena, ao ckiimori que ironiza a sobriedade socl-rític:~, gre- os imagem do psíquico. Isto, contudo, niio quer dizer que a Psicologi:~ An:ilí- gossempre souberaiii identificar na consciência Iiuinanri a descontinuidade tica ofereça uni retorno ingênuo a uiii panteísnio inartici~latlo,mais irigL.- aberta aos visitantes invisíveis. E a narrativa arcaica assume, aqui, a fciçio nuo, de resto, que o dos próprios gregos. Pois o Iiuniano e o iiiitológico de vertlaclc do fenoiiieno. nunca se confundirani totalincnte: 1x1 observaç.io beiii-liuiiioríida de I>aiil Mas falta ainda uni últinio elo, para conipletarinos nosso quadro ele Veyne, uni grego colocava os deuses no céu, 11x1steria ficado atonito se lhe referêncins teóricas: o papel destacado do fenomeno I-eligioso cin gei-ril, dissessem que Hefesto acabara cle se casar novamente, ou que Atena tinli:~ dentro da reflexiio junguiana. Como este tópico riao se deixa ;ifrontar tlirc- envelhecitlo iiiuito, rios últinios tempos. O espaço e a temporalidade virtii- tamente numa panor?niica, gostaria de lembrar agora :ipeiias uni pequeno ais dos initos srio de outra ordem, e os gregos acreditaraiii neles, mis apc- detalhe da biografia cle Jung: o relacion:iniento difícil com seu pai Franz, nas enquanto não encontraram um borii motivo para mudar de idéia. ~ ó s pastor protestante. Jung enxergava no pai uni exeniplo dc existência equi- tarnbern acreditainos na existência dos personagens de uni rornance, eii- vocada, profiss5o e funçiio social exercidas scni vitalidade e convicçâo. É quanto o Ieiiios: eles são reais, na fantasia. O u , o rc:il cla frtntasin ec]uiv;ile
  • 15. ao psiquicamente real; por isso, nossa psicologi:~ potlc tratliizir estas verclri- Já foi dito, mais atrás, qiie as cliferentes psicrinfilises lidam cspeculativ;iiiirntc dcs em outra linguageii~e outro contexto, onde predoinina a nicnç5o a da com a q ~ i e s t h saúde. Sanitatis j5 tlesignava, origin:ilniente, o LISO racio- entidades cliainadas inconsciente, cgo, coiiiplexos. nal das palavras. O que aponta, clc modo característico e Ixistantc grego, Vriirios citar Jung, 3 g~iisaele exeiiiplo. Ele dizia: "se n tendência 3 para uni problema filosófico. dissociarXo n3o fosse inerente 3 psique liumana, sistemas psíquicos h-ag- Dentro desta perspectiva, se me perguntassem c) que é saúde psíq~iic:~, nient5rios nunca teriam surgido; ciii outras p:llavras, espíritos e deuscs jn- seria sempre obrigaclo 21 confess:ir que n k sei; nxis :icresccnt:iriclo, contw mais teriarii sitio percebidos. Esta é tainl>éni:i n z i o pela q11:il nosso tempo do, que :I reconlie~o, quando a vejo. ri-cvtl, por exemplo, :ifiriiiou certa vez se tornou 150 coinpletarnente ateu e profrino: falta-nos todo e qualquer que o ol>jetivoda psic:in5lise era tornar os intlivítluos iiptos 1xir;i o tr;ikallio conliecinicnto da psique inconsciente, vivetiios no culto exclusivo da cons- e pai-a o amor. Parece unia fórniula b:istante simples e anipla. Mas, qii;il ciênciri. Nossa verdatleir:~religiiio é LI^ iiionoteísiiio tlri consciência." traballio e qual :iriior:' O ineritligo que pxssa seus dias investigando as latas Pois bem: mais inforn~~ições podem ser deduzidas desta passa,-em. de lixo, ele ti-aballia?Somos tentados a dizer que niio. Mas nos países euro- Primeiro, coriio 5 Psicologiri An;ilític:i interessa s o l ~ r e t ~ ~ t l o critic:ir, :iprini«- peus a socicclatle demanda explicitaiiientc de cada cidadfio a tarefa de rar c coliipcnsar as forinas rissurriidas pela subjetivitl:idc conte~iipor~riea, separar o lixo, retirar dos dejetos aq~iilo qiie é reaproveitivcl. E qual formi nosso ofício n l o é o de reviver vellios cultos ou o de oferecer epifa14:is de de amor é a saudável- O u se preferirmos inverter a pergunta: qtial fornxi de srilão. Por outro lado, equilibrar o cliarnado rnonoteísino cl:i consciência amor é não-saudhel, em si inesma? envolve, forçosamente, o recurso ;I unia perspectiva pliiral, que em muitos Precisamos, clar;iinente, de novas tleniarc:ições entre o nornial c o aspectos se assenlelha ao politeístiio grego. Como se C6sscmos poli- patológico, em psicologia como em tudo mais. E o caiiiinlio que se tem teístas, gregos, arcaicos, c somente isto pudesse garantir-nos i i l i i a nova mostrado nxiis fecundo para esta retlcxio pass:i pela tentativa de personifi- sanidade. car nossos sintomas, conferir-lhes o rosto de algum deus, devolvendo-llics Uma nova srinickidc que só pode ser extraída, chraniente, d o que um sentido coletivo que n5o nos isola c111nossos problemas, nias pode, ensin:ini nossas falhas, nossos limites e nosso sofrimento. Porque em tcr:i- quem sabe, diferenciar-nos eni nossas soluci.ões. O homem grego visitava é pia, nós saben~os, a nriturcza do sintoma que fornece a pista da cura. E Iiá um or5culo e perguntava: a que divindade devo sacrificar, se espero atingir muito tempo que se convive, nri patologia, com o poiiteísmo do sintonia. este o 1 aquele resultado? Mesmo hoje, tomado c01110 nietáfora, não 1 5 1 1 Jung gostava de dizer que os deuses se tornaram doenças. Que Zcus n30 nada de absurdo neste procedimento. A an5lise é o lugar qiie inventamos governava mais o Olinipo, mis o plexo solai', e produzia espécimes curio- para trahilliar os fracassos do tempo, as fissuras de nossa cultura i-acionril- sos p:ira :i clínica riiédicri. Isto aindri v:i!c para nós. Portanto, ainda pode- tecnológica; vistos através delas, desaparece nossa distância do arcaico. E mos trabalhar, como analistas aplicados, nas breclias e racliadurr~sdo percebemos que cada intlivíduo é sempre guiado poi- seu Oliinpo parti- inonoteísiiio, ou no retorno do repriiiiido, o que C finalmente o mesmo. cular, aquelri combinaç20 característica tlc convicções injiistificxíveis e Neurose C unia palavra que l esvi caindo c 1 desuso, a mitologia acabar5 i 11 injustific~das, sem o que seu inundo estaria realmente niorto. Liela con- sobrevivendo intacia a qualcluer noiiienclatu~i psicológica, tiias nosso trn- vicção C 11111 deus, i-etlcxo de nossa religiosidade ainda possível, aquela ballio, de qualquer forma, apenas começou. presente em nossas relações e nossos objctos. Há uim pígina kicnosa da Gaki Ciência, eni que Nietzsche reconhece Deuses são momentos do lionieni, escreveu Alain: Ilertrirs pode ser 110 politeísmo a ~itilitlride de abrir-nos novos caminhos para o Ii~inxiiio. um jovem que lhe clá indicações no cruzamento; Atem pode ser acpel;i Bem niais tarde, Cioran volta ao teiria e rios perguntzi: coiiio litlrir coiii o professora que você tanto admira. Assim recuperada, a mitologia transfor- autoritarisino de uni única deus? Scrí:iinos bem mais normais convivendo ma a experiência em narrativa, outra vez. E a boa narrativa reordena con- com vários deuses, ele diz, 210 invés de com ripenas um. E conclui assim: se vicções, aléni de produzir novas. Com a propriedade de ceclcr espaço :i saúde é o critério, entào o nionoteísmo teri sido um retrocesso. comentários, interpelações, vias de cscapc. Se o neurótico c:irecc da expe- Pois bem: onde está o hotn c vellio Oliiupo, afinal de contas? Em riência do divino, como pensava Jung, C porque não se percebe contando nossos delírios, ou em nossa prometida lucidez? Em :iiiibos. IJrrxi dimensk uma niesina estória, a tnesiiia metáfora repetida infinitas vezes. Nio perce- n30 potlc ser separada da outra: niio existe Lima única niodalidade para o be que sua neurose C sua experiênciri do divino, c que infinitas estórix delírio, assim como uma definicão unitária de lucidez não nos satisb.. diferentes podem ser contadas. Nossri fantasia do psicológico se p;iralis:i
  • 16. eiii teorias sobre a inet5foi-:i cl:i ciir:~, clescobrir que a cura existe, escí :ité sciiipre ali, pois :i cur:i é a própri:~ iiiet:ifo~i. Mas se a tempia :lvariç;i pela conqiiist:~ novas irnagcns, isto cqiiiV2- de [e 3 ~ n l i a &st$ncia de uni ,elIio lilito, rcssignifici-lo 5 ILIX clc i i r i i i i o ~ o . r Coiiio se ;ipenas :i súbit:~ visiti ele LIIII deus piiclesse relrelar-nos;is atribulaç0es pelo s;icriiício qiic tlciii:incl:~v:i uni outro tleus. Existe uma p:iss:i- geiii iiiisterios:~ Il6lclerlin, onde ele diz: tlifereric,'a é o que O divino ([iicr de MAGIA, RELIGIAO, CIÊNCIA: ver preservado, para qiic n30 iriten.crilin seu jiiízo. 1'31 com) :I entendo, ela WITTGENSTEIN RAMO DE OURO LUD~VIG EO 110s ;IV~S:I cle que prccisanios nos se1xir:ir dc nossos divinos coiiiplexos, delimitando taiiibéiii uni deus :itravés dos outros, c construindo assim, gra- FRAZER DE JAMES GEORGE clualinente, a nicdicl:~ 11uni:ina de nossa sanidaclc. Encontrar o divino é separi-lo do tiuniano. Quando rizo se encontra um deus, 6 porque ele esvi EDGARD DE ASSIS CARVALHO * de~iiasi:idoperto. O ~ L I Cnos reconcluz ao tcnia elo início, a mensagem possível de um relativisiiio deteriiiin:itlo e tolerante (invençh grega, ;iIi,ís, tão velha <ILI:III- to :I própria filosofia). Qu;intlo estendi :io limite o diAlogo com meu prolde- ma, e com o deus que se esconde por tr;:is dele, existe um nionienlo, uni ponto t:ilvez, eiii qiie aparece a corivicç:io peqixn:i do relativo, cal:irid« iiii- d i a voz c alxiritlo-me para :i cscut:~ próximo intcrlocutor, clo póxiiiio tleiis. do Ao que tiido indica, o interesse de Wittgcnstein pela leitura de ',O É neste curto iiioinerito, t3o ca~xterístico terapia, que sou, com absolut:~ &i Ramo de Ouro", de Janics George Frazer, ocorreu em 1931. Em su;is "Con- certez:~, mesmo. eii versas coni Wittgenstein"', Drury afirma Iiaver solicitado ~iniexemplar da I'oclciiios airicl:~perg~irir;ir, vista do que foi dito: o que solxevivc da à edição resumida do livro i biblioteca da Universidade, ;i fim de que o texto reali&itle liistórica dos gregos nesta apropriaçiio feita pela Psicologia? M;is :i fosse lido em voz alta "durante várias semanas". Nos sucessivos encontros Gréci:~ psicológica é rigorosniriente isto, objeto da Psicologia, iniaginaçrio a em que a leitura começou a ocorrer, malgrado as simpatias nutrielas por ser elaborada. Quanto aos gregos verdadeiros, não Iiá muito que possaiiios Wittgenstein para com as mitologias, as críticas 5s posições de Frazer foram ofei-eccr-llies, exccto iiin prol'iiiitlo rcspcito por suas iiii:igens. I desconfio sempre explicitadas, principalmente no que diz respeito iquelas que consi- qite isto :ité nos ~:Ic;I, 2s vezes, mais gregos do que eles. deravam os rituais primitivos como erros cientíkos. Essas cerimônias e os Hoje, ciii linguagem juriguiana, cleuses s3o padrões que organizam a ritos sacrificiais que as envolviam expressavam um imenso temor religioso frintasia. Mas I i i momentos afoi-t~i~-i:itlos :in:ílise, c neles, os padr0cs na que n2o poderia, de modo algum, ser identificado : uni equívoco interprc- i reaparecem conio ;rq~iiloque sempre foram Enrâo, de novo, tleuscs srio tado e regido por normas científicas, quaisquer que fosseni. Mas essas ses- cleiises. sões pareciam não provocar em Wittgenstein maiores angústias, e isso por- que "depois da leitura, íamos juntos ao cinema, ver ~ i i n "filmeco", como sempre dizia. Insistia seinpre em sentar-se na primeira fila, parecendo coiri- pletamcnte absorto no filme. Só íamos ver filmes norte-aniericanos, dado o desprezo que sentia pelos ingleses e europeus de modo geral; nesses, o câmera sempre se fazia presente como se dissesse: olhem como sou inteli- gente. Lembro-me que várias vezes expressou seu deleite pela inaneira de dançar de Ginger Rogers e Fred Astaire"'. Professor doutor da PUC-SI' - Departamento de Antropologia
  • 17. ~~d~~ generalizados, aliás, não eram estranhos :i existência de não fossem setnclhantes em todas as sociedades, procurrivatn expressar Wittgenstein. Aindri nas conversas entreticias c0111 Druiy, principahiiente :i algo profundo e inatingível que niio poderia ser explicitado por qualquer de 1929, aparecem teinores pàto~ógicosinfantis c atioiescelites intensos, determinaçio do real,' por niais racional que pudesse parecer. qLle talvez só fossem concretizados eni jogos infantis e nas histórias de Acresç:i-se a isso o pessimismo cultural - a culturn ocidental e que países imagint~rios, com seus códigos próprios que criançx sempre inven- Wittgenstcin assumiu de v5rios modos e intensidades. Se esse fosse o ino- taiii. O frito é, que ainda nesse ano, ele afirmar5 a Drury: "pensar5 que tivo priinortlial pelo conheciniento das 'Wteridntles", a influência de '.O da estou louco, que estou nx~l c a b e q , mas digo a você que os sentimentos declínio do Ocidente", de Oswald Spcngler, parece ter sido de itnportânci:~ religiosos são a única cura para tais inales", e mais que isso, "não estou decisiva pam esse ohjetivo. É sabido que Spengler consider:iva a civilizaçiio falando de superstições, mis de autêiiticos sentimentos religioso^"^. coino tinia espécie de cultura atrofiad;~ que o declínio cultiirril represent:i- c Conversas sobre o Antigo e Novo testamentos, e mesmo sobre relatos va a substituiçâo de uni organismo vivo e criador por unia estrutura niecâni- folclóricos Iiebreus n3o se centravani na quest3o da autenticidade ou nâo ca e morta. Se, no plano das expressões da cultura, essa substituição repre- dos fatos, da existência re:d ou iniagin5ri;i de Jesus, como se a história 1130 sentava o feneciniento das artes e tloresciiriento da niate~niticae da inec2- fosse feita para provar nritl:~,mas p:ii-;i colocar as representações que as nica, o iiioniento histórico represent:itlo pelo final do século 19 e inícios d o sociedades fazem de si próprias no canal de uni tempo reversível e cíclico. 20 expressam nitidaniente essa coiidiç30. Há uma referência explícita de O probleiii:~ parecia residir no exercício regular d o sacerdócio e nos Monk" esse respeito, quando um deprimido Wittgensteiii adentrou aos itnpecillios que essa atividade pudesse acarretar para o exercício pleno da aposentos de Drury, afirniando que havia visto uma representaç3o pictórica liberdade individual. "Os símbolos do catolicismo são maravilhosos para d o pensamento de Spengler que o livro em si não conseguira revelar: "Eu além das palavras. Mas qualquer intençâo de convertê-los em um sistema estava andando em Cambridge e, ao passar por uma livraria, vi na janela filosófico é ofensiva. Todas as religiões são rnaravilliosas, mesmo as das retratos de Russel, Freud e Einstein. Uni pouco mais adiante, n u m loja de tribos as niais primitivas, as brrnas em que as pessoas expressa111 seus música, vi retratos de Bcetlioven, Scliubert e Cliopin. Coniparando esses sentimentos religiosos variam enorniernente."' retratos, eu senti intensamente a terrível degeneração que atingiu o espírito As vocações religiosas, se C que existiam, deviam ser assunto exclusi- humano no curso de apenas 100 anos"'. vo dos indivíduos e de Deus, se bem que grandes escritores "religiosos", Se a palavra de ordem d o processo civilizatório era sintetizacla pelo conio Dickens, Tolstoi e Dostoievski, dentre outros, tenham sido os verda- progresso constante das formas de doniinação da natureza, tão bciii ex- deiros "sacerdotes do povo" que não precisaram ser pregadores religiosos presso na atividade desenfreada das formas de ocupaçào e especulação oficiais parri expressarem todas as suas convicções imaginárias a respeito territoriais, c que a atividade teórica, c filosófica também, n3o conseguiani da condiç3o huniana. Igrejas, capehs, imagens de santos pareciam provo- chegar ao fundo das coisas, era chegada a hora de, pelo menos, mostrar :is car em Wittgenstein enioções intensas. De certa feita, ainda em 29, ao visi- diferenças, afastar-se definitivanieiite dos dilemas filosóficos, abandonar :is tar urna capela gótica de Nossa Senhora, em companhia de Druty, diante de pseudo-proposições. Talvez fosse chegada a liora de debruçar-se sobre o uma iniagern da tentaçâo de Eva pela serpente, afirmou: "Quase posso Outro, clrir-se conta cle sua niorfologia, de seus usos culturais, de suas ex- escutar Adio dizendo: a niullier que iiie deste como conipnnlieira deu-me pressões irnagin5ria.s. Se esse itineririo tivesse que ser concretizatlo por o fruto da árvore para pr~var".~l>ouco iniportava que diversas e contraditó- uma espécie de "opç3o religiosa", que n3o contivesse proposições tloutrinais, rias interpretações dos evangellios fossem feitas e que a existência de Deus mas que sintetizasse uniri maneira diferente de viver consigo mesmo c de fosse tida corno algo natural; se nada C trágico quando se acredita nele, o conviver com os outros, ele deveria transcender os limites objetivos da importante não era desafiá-lo, mas coiisitlerá-lo como uma espécie de p:ir- linguagem, ultrapassar os limites da raz30, coino se um dever espiritual ceiro sin~bólico, para as perdas c da existência liurnana. Se esses impusesse a construç20 de uma graniitica da vida. fatos considerados isoladainente, nâo condicionani qualquer tipo de opç3o A análise filosófica ein si, incapaz de oferecer algo novo para os dile- pela leitura de Prazer, tudo parece levar a crer que a busca pelo entcndi- mas d o pensamento, nâo poderia estar restrita i formulação de probleiiias rnento de outros estilos societirios os primitivos principalirientc - estivesse fundamentais, que jaziam no fundo de todas as coisas do mundo. A in- ligada a unia suposição de que as práticas inigicas representavam unia vestigação, quando muito, contluziria a limites da Iinguageiii, a partir tios expressão, ainda que primitiva dos sentimentos religiosos que, mesmo que quais seria possível prosseguir a pesquisa, dirigindo-a :i novos horizontes,
  • 18.
  • 19. seriain, assim, ernissores/receptores de mensagens e de linguagens fixa- complexos, destacar a importância d : ~diferenciaçiio coino um índice de das e111 vários crinais, sendo apenas a natureza de seu código diferente desenvolvimento, estudar a psicologi;~relacionada a instituições sociais, 'Io nosso, sempre preocuprido em decifrar c apreender o real através pensar fenômenos sociais e psicológicos como sistematicamente organiza- de níveis de deterrninagão excludentcs e irredutíveis. No eixo d:i comuni- dos e como funções satisfeitas"." cação primitiva, suas expressões imagin5rias acabam por sintonizar as Essas noções gerais corroborariam a hipótese que a intrligibilidacle ilo ações liumanas para unia visão da ordeiii cósiiiica que se projeta para o mundo derivava-se da mente e que essa derivaçiio nào tinlia nad:i a ver plano tla existencia humana, se imbrica com ela, dando-lhe sentido, forma com a cliferenciagão cultural, e isso porque o desenvolvimento da mente e identidade. processava-se independentemente da constituiçiio clc qualquer cultura, atra- E evidente que a teoria antropológic:~precisou transitar mais de 50 vés de um conjunto de leis psicológicas invariantes que governavam sua anos para que se clieg:issc :I essas teorizações que, se levadas a sua expres- constitui@o. Por uma contradiçiío que tendeu a se reproduzir, na Antropo- são mais extrema, acabam por enfatizar unia posic,'âo universalista para a logia pelo menos, essa unidade psíquica da humanidade passou a requerer cultura, em detriniento do relativisiiio que se instalou com a Iiegeiiionia do ilustrações cada vez maiores e o método coniparativo tornou-se o instru- funcionalismo, corroboradri com ;i pseutlo veracidade que a pesquisa de mento por excelência para o estabelecimento de conexões e regularidades campo imprimiu ao iiietier antropológico. Seria iiupensável que Frazer as- entre dados aparentemente desconexos. sumisse posições coino essa, impregnado que estava pclo evolucionisino No caso do niundo primitivo, essa contradi$o tornava-se mais aguda, típico da antropologia inglesa vitoriana d o século 19. Várias condições le- pois essas alteridades eram movidas por inn:i tecnologia de inteligência varam 30 interesse que historiadores, filósofos e intelectuais de outras tradi- baseada na oralidade c, portanto, portadoi-a de uina temporalidade reversí- ções passariani a ter pelas mitologiris c religiões "primitivas". Dentre elas, vel e não cumulativa que impedia que se corroborasse localmente a univer- poder-se-iam destacar o acúinulo de informações obtido por missionários, salidade da mente e do psiquisnio. O efeito mais visível desse fato trans- viajantes e exploradores :i partir do século 18, sobre o novo inundo, a pareceu na reconstrução especulativa de etapas evolutivas que culminaram África e o Oriente; a expansão colonialista inglesa; a escola indígena d o numa reificação da noção de progresso como o efeito obrigatório de um século 18, formada por historiadores e filósofos morais que defendiam a processo unilinear de clesenvolviinento. Partindo de uina generalizaçiio hon~ogencidade mental da liuniunidade primitiva; o interesse d o historicismo invariante que pregava a unidade do gênero Iiumano para uma coinparn- romântico e da filologia coiiiparada pela mitologia com uriia espécie de ção de paiticulares progressivos distribuídos em sequências diversificadas, ciência reitora capaz de explicar a "nientalid.~tlepriniitiva" e, findinente, as o evolucionismo parece revelar uma indulgência com as alteridades que descobertas arqueológicas, no mediterrâneo principalmente, que corrobo- nunca consegue se explicitar, como se tratasse de duas ciências, uma expli- ravam a complexidade da "cultura material" de uni niunclo estranho. cando o que realmente é e existe e outra interpretando o que poderia ser, O objetivo maior dt: I:razcr, se fosse possível sintetizá-lo, residiu cxi- mas que nunca se revela. Mesmo que posteriormente, Frazer viesse a nutrir taniente no entendimento da. mitologia, ou niellior, da iiiitografia coino admiração pelo grande empreendimento empírico de Malinowski entre os fonte primordial de entendimento do conjunto de crenças dos povos prinii- trobriandeses através de suas análises das materialidades técnicas, a antro- tivos e antigos. Fortemente intluenciado por Jaines Ward, professor de filo- pologia econômica funcionalista senipre representou para ele mais unia sofia moral e lógica, autor do famoso verbete "l'sicologia" tia Enciclopétiirl ilustração relativistic:~do que algo que contivesse a chave para o entendi- Britânica de 1885, foi dele que Frazcr assimilou a idéia de que a mente mento das atitudes humanas. possui uiiia funçiio interpretativa e cognitiva comum a primitivos e nioder- Na verdade, o que se estabelecia era uiiia defasagem entre a pritica nos. Além disso, sua a t i t ~ ~ dperante os fatos ernpíricos era de extremi e selvagem, representada pelo conjunto das instituições e a teoria selvagem cautela c provisoriedade, numa época em cluc a ernpiria já começava a explicitada nas construções initológicas, que parecia se ampliar :i partir do demonstrar sua forga coiiio expressiio de verdades teóricas, e o positivisiiio momento que a evolu@o tomava seu rumo. Se os primeiros homens d o inglês, mesmo que psicologístico em suas origens, passasse a impregnar planeta descreviam os fenômenos naturais em linguagciri simples e correu, amplas Areas do conheciiiicnto. "Assiiii, Prazer, corno todos os cientistas guiados que eram pela I-azàonatural, seus descendentes passaram a elabo- sociais, tinha com Spencei-uina dívida para com certas noções gerais, coiiio rar um conjunto de idéias fantásticas e supersticiosas sobre esses niesiiios compreender sociedades ... coino produtos de processos evolucionários eventos, constituindo o que se convencionou chamar de uma "doença da
  • 20. lingriageiii primordial" que n k teve niais retorno, e isso porqiic esses Mesmo evoliicionista, Prazer seinpre enfatizo~i;i fi-agilidatle ela civili- "palácios d e idéiris cquivocatlas" passaram :i povorir o iiiiaginttrio ela zaçâo c o sistema tle forças tlestrutivo c conl'iiso que iiiarcava o advento tla pririiitividade. Para Frazet-, era difícil aceitar :i idéiri d e que os iinivcrsos modernicladc. Tàlvei por isso, o branco asséptico que iiiarcari;~a s u p o s ~ i iiiíticos represeritav:ini tloençm tla linguagem, c que os primitivos faziam superioridade da ciênci:~poderia estar sempre enti-elaç:id« coni o negruiiie bem e pensavam mal. Ilejeitaiiclo « divórcio entre teoria c práticri, rnestiio da m:igi;i e 0 fogo ver-riicllio tln i-eligião. E certo que o rei tio bos<l~ie iião j:í porque os estilos selvagem, filosófico e científico representavam apenas existe mais e Diana 1130 é iiiais ado~icla. Mas pouco importa. Talvez Iiojc aproxiniações intei-pretativ:is :ios fatos, eiii c:irt:i a IIenry Jackson, integran- essas expressões culturais de teiiipos primitivos cotistit~iaiiiL I I I ~ : ~espécie clc te conio clc d o círculo antropológico d e Canibridge, datatia d e 22 d c agosto reserva siiiibólic:~p;ira o fiituro: n3o sej;ini iii:iis boas pai-a scrcm vivicl:is ou d e 1988, reitcrou que os mitos possuem força ideativa senielliante hs reprc- temidas, mas sejam ripen:is "boas pai-a pensar". scntnçòcs institiicion:iis presentes nas atividades econõiiiico-soci;iis. "Se usamos mitologia no sentido dris idéias eni gemi, entiio superstiçào é ape- nas tnitologia aplicada - [ou seja1 superstiyio representa idéias primitivas 3. A ALTERIDADE QUESTIONADA mais prática, c niitologia idéias priinitivas menos priticri"." Foi com essas intenções, c com urna olxtinada curiosid:ide sobre os I'enet~indo mais nas entrelitilias tl:is "Ol>seiva~õcs sobre o i(nni« d e cultos sacrificiriis que o "Ramo de Ouro", 11111 estudo nri história da religiiio Ouro", ;icrcdito que Wittgenstein terili2i exagerado nas críticas a I;r;izer, isso priiiiitiva, veio ?i cena em sua priiiieiiít ediç2o d e 1870, com objctivos apa- se accit:~ que os motlelos explicativos contem contradições nccessai-ianien- rentemente simples clc responder a tlu:is perguntas: "por que o sacerdote te e que, por vezes, um:i obra ri50 ilustra a totalidade d o pensanieiito d e um tinha d e matar seu predecessor c por que devia, primeiro, colher o r a t i ~ o " . ' ~ autor. Exemplo disso reside em sua afiriii:ic;.ào que '.a iiianeira coiiio Frazer Ilestle a primcii-a etliçiio, com 800 p:íginas, rité a ediçiio abreviada d e 1922, expòc as coiicepçõcs ixígic;is c religios;is dos Iioiiiens não 6 satisfritória: o contato com os princípios lógicos que regem a magia sào csquadrinliados ele faz aparecer essas concepções como erros"iH que toda cxplicação c no scntido d e denionstrrir que Iiunlrinos de todos os tcnlpos sempre contro- acaba sempre sendo insatisfritória. "Aqui pode-se apenas descrever c dizer: laram a natureza por um conjunto de f o r p s iniaginárias destinadas a deter assim é a vicla huriiariri"'? E difícil xeit:tr-se que a descriç50 scj:i s~ificieritc e entender os "perigos da rilina" e que, portanto, protcger-se contra a intlu- parri a cxplicaçào d e qualquer frito ctil~ural , :iléiii disso, que niesiiio que o e ência prejudicial cxcrcidri voluntária o11 involuntariainenc pelos est~inlios é modclo evolucionista tenlia rcpresentxio a fonte inspiratlot-ri clc todo o ... uni clitaiiie elementar da prudência d o s e l v a g e m " . ' ~ e conjunto dessas 0 círculo antropológico d e Giiiibritlge, pelo menos nos :mos que iiiarcriraiii :i pr5ticas clcverin ser iiltraprissado por conlieciinentos mais sisteinatizatlos, a publicagio d o "Raino", o erro da iiiagia li30 resitlc eiii s:iber se essa forma base teórica d o "Ramo" reside, sern sotiilm ele tlúvid:~,na pl-ogressào entre d o petisriiiicnto é ou não mais corrcta d o que a ciência, m;is aper1:is que 3 rnagia, religib, ciência, e ria hipótese até hoje coiiip:irtilli:iclri por muitos, ciência provi. uui tipo d e cxplicac,.ão que incorpora elementos iiào iricliisos quc o progresso da ciência inst:iurari:i o domínio dri ordem e que essas na obseivriç;io eiiipírica, pouco importando o qualificativo que se atribua a substituições sucessivas atirariairi a tlesordem d o cosmos n o canal tl:i esses significitlos siiiil>ólicos. dcsraz20. O que acredito seja re1ev:intc rcniarcar que Fmzer, mesino atlirii- O q11c p:uece assustar Wittgensteiii é a iiiipossil~iiicl:itleIiei-iiienê~itica tindo ri linearidade dri progrcssào 1ii:igia-religi30-ciência, parece duvitlar d e se tentar compreender um jogo ele litiguageiii e unia forni:~d e vitla quc o conlieciinento cieritífico viesse :i explicar rodos os fcnõiiieiios &i estranli:~,priniitiv:~.Talvez, por isso, :ifhie deliberaclaiiieiitc que "Frrizcr é natureza c da cultur;~.Nesse sentido é que considero paracligin5tica sua muito mais selvagem que a maioria dos seus selvagciis, pois estes n5o afirinaç30 nas p5ginas finais d o "Raiiio": "Sem procurar penetrar tão longe estar30 t 0 consideraveliiicnte afiist:idos ela conipreeii<io de uiri assunto 3 no futuro, podcnios i l u s t ~ r curso que o pensamento seguiu até a q ~ i i o espiritual d o que uni inglês d o século vinte. Suas explic:ições dos usos comparrindo-o a um:i teia tecida clc três fios diferentes - o fio negro da primitivos são m~iitoiiiais grosseiras elo que o sentido dos usos em si magia, o fio vermelho da religiiio e o fio branco da ciência se, sob o nome mesinos""'. O que parece n2o se enqu:itlrar na cxplicação d:is "tradifoes tle ciência, considcramos as vertlatles simples, frutos da observaçào da incoiiipr-ecnsíveis" n2o é propri;itiicnte :i explicaç:io Iiistórico-evoliitiv:~ natureza, quc constituíram sempre ~ i n a reserva d o lioiiieiri eiii todas uniiincar, tiias antes :i aceitaçào <:i ~iiiiti;iclcdo gênero Ii~iiiiano.Me- as épocas"." todologicrimcnte, a '.apresentaçXo sinóticri" é que d'i-', conta siricronicamente r I 1'1
  • 21. &s correlaçõc~stabeleciclasentre os fatos. "Ela representaria a maneira na qual as iinagens d o inundo e suas representações estivesseni igualmente como vei1ios as coisas. Urn:i espécie d e Wltanschauung, d e concepção d o articulaclos? I'or que atribuir uni simbolistno inquestionável apenas aos aros iri~inclo, aparentciiiente car:icterísticri d e nossa época. (Spengler)" Essa :ifir- religiosos? Nesse sentido, tendo ;i concordar corli os argumentos d e Ayei- Iiiação iiie sai próxima ela idéia d e M:ilinowski que recomendava que a sobre a fragilidade dos :irgiiinentos d e Wittgenstein solxe os :itos exc1usiv:i- pesquisa d e cainpo devia revelar unia espécie d e "carta institucional" &i mente simbólicos qiie caracterizariam as pr5ticas iinagin5rias, excluindo-as vida nativa e que esse era o instruincnto conipreensivo Kisico par:i as cor- d e qualquer interferência sobre as iiiaterialid;icles culturais. I<cfere-se Ayer relações fiincionais. a o fato d e que todo o tlesenvolviincnto tccnológico d o século 17 na Europa Mas corno construi-la? Cerkiiiiente, a apresentação sinótica deverá dar não aniquilou corli 3 crença nos poderes da feitiçaria e que se feiticeiras cone1 d o pensaiiiento primitivo conio ele se expressa e , se assim fosse, foram queirnatlas, nii0 o foram porque seus atos eram meramente siiiibóli- terhinos cle nos ticspojx tlc tiosxi própriri lingiiageiri para o eiitendiinento cos, mas porque interferiam nos processos de reproduçào da cultura coin d o outro, ou d e dispor d e iiiii;i liriguageiii transcendente capriz d e "tradu- uma força que a tecnologia em si não era capaz de deterininar. zir" todas as-demais? Se ess3 ti-anscentlência só for possível no plano d o Se aqui os rcfercnciais antropológicos poderiam corroborar essa "caráter incoiiscieiite t1:is rcgr:is d:i linguagem possibilitado pelas oposições constatação que poderia até adquirir unia consistência mais generalizante a binhrias", 3 Ia inanière d e 1.évi-Sti-a~iss, cor~ipreensào sinótica, tnorfológica, se nos referíssenios :i que os processos da dominação colonial estabeleci- poderia rcvckir o outro enquanto outro. Essa parece ser a hipótese defendi- dos sobre populações nativas n5o conseguiram derrocar esferas míticas d:i por Wittgensteiii quando, a o comentar uin:i passagem d e Fr:izer sobrc o ancestrais, que continuaiii ri exercer não apenas sua "eficácia simbólica", poder que se atribui :io rei de fazei- chover ou n3o, na qualidade d e senhor mas interferem nas condições cfetivas da vida cotidiana. "Os nativos elo dos ventos, afirma "O absurclo aqui é que Prazer apresenta isso como se sudeste da índia possuem avanços tecnológicos e habilidades artísticas, esses povos tivessem uni3 representa~io falsa (e mesmo insensata) d o cur- mas há muitas coisas que eles 1130 fazeni, conio a celebraçiio d e casaiiicn- s o tl:i natureza, enc]u:into o que eles possuem é apenas unxi interpretação tos, que s ó ocorre se a situaçiio das estrelas for entendida coino propícia2$. diferente dos fenõiiienos. Isto quer dizer, seu conheciniento da natureza, se Para Ayer, a posição d e Wittgenstcin sobre o frito religioso acarretaria iiin eles o for~nul:issctnpor escrito, não se distinguiria fundamentalmente da falso ecumenisrno, porque as religiões, coino jogos d e linguagem, nunca nossa. Soinente sua iriagiri é que é outra"." poderiam ser acessatlas d o exterior, restringindo-se a regras e rituais parti- Os exeniplos poderiaili se iiiiiltiplicar no transcorrer d e toda a análise, culares que nunca seriam questionados. Suas palavras a esse respeito soam sintetiz:idos no caráter pseudo-científico dos usos iiiágicos e rituais atri- como inquestionávcis: "Eu não sou L I I ~crente religioso, mas se o fosse, buídos por Frazer aos priniitivos e m geral. Segundo Wittgenstein, sc assi111 duvido que ficaria contente se rne fosse dito que eu estava jogando uni o fosse, não poderíamos ver neles natlri d e soinhrio, estranho ou errado. O jogo d e acordo com um conjunto canônico de regras. Antes d e mais nada, que poder-se-iri fazer, se cliegísseiiios a urna tribo tlesconliecida é convencê- eu desejaria ... que minhas crenças fossem verdadeira^"'^. Ia que seu modo d e agir encontrri-se deslocado e que aquele costume deve Considerada reducionista por muitos interpretadores clo pensamento ser abantlonatlo, excluinclo-se, porém, as priticas religiosas. "Pode perfei- d e Wittgenstein, suas concepções acerca das origens da religião como algo tamente acontecer, c :icontccc frcclucntcincntc hoje, que um Iiomem aban- que tem suas origens em reações primitivas, instintivas e não na especula- done uni uso após Iiaver reconliccido uni erro sobrc o qual esse uso se ção soam rnesnio conio estranhas, aincla mais para a Antropologia. Para apoiava. Mas esse caso refere-se apenas a quando é preciso cliainar aten- Cook, os wittgensteinianos afirrnarn que os filósofos "que ttatam :i religiiio @ o d e 11111 hoinerii sobre seu erro, para clernove-lo d e sua prática. Não é o como envolvendo crenças ... conietciii um erro, c esse erro ... é o resultado caso quando se trata dos usos religiosos de um povo c é por esta razào que da incomprecnsão d e como a linguagem religiosa, incluindo a palavra Deus, não se trata d e um erro"?' assume seu signific:idon'< Ao assumir que os conceitos religiosos instali- Parece p:irad«xal qiie o erro só se aplique a esferas culturais que cx- ram-se a partir d e reações pré-linguísticas, o significado acaba por se exau- cluani mitos e religiões, e que a ciência aqui poss;i inhrtnar sobre os equí- rir numa certa retificaçào da linguagem religiosn no plano dos significantes vocos d e determinados usos culturais já ultrapassados. Se é procedente a que acaba por não abrir espaço para a transcendênciri c para a imaginação. afir~nação que e m nossa lingiiagei~itoda uma mitologia encontra-se depo- "Quando os religiosos recitam credos - dizendo por exeniplo, 'eu acredito sitada, por não estender aos demais aspectos da cultura unia mitologiza~io, e m Deus, o Pai, criador d o céu e da terra - o verbo 'acreditar' deve ser