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A atualpandemia do coronavírus ou COVID-19 traz à lembrança a maior de
todas as pandemias que já assolou a humanidade: a peste negra,ou
simplesmente a peste,do século 14.
A atual pandemia do coronavírus ou COVID-19traz à lembrança a maior de todas as
pandemias que já assolou a humanidade: a peste negra, ou simplesmente a peste,
do século 14. Embora existam enormes e evidentes diferenças entre aquele século
e o nosso,também se constatam surpreendentes semelhanças,especialmente,mas
não só, nas atitudes das pessoas diante da doença. Neste artigo, além do contexto
histórico, queremos buscar as orientações e práticas do líder da Reforma da igreja
no século XVI, dr. Martinho Lutero.
Pandemia da Idade Média e hoje
Uma primeira diferença é que a pandemia da Idade Média foi causada por uma
bactéria (a Yersinia pestis), e a atual, por um vírus. Outras diferenças incluem uma
mortalidade muito maior da peste negra do que a provocada,até agora, pela COVID-
19. Calcula-se que a bactéria causou a morte de 75 a 200 (segundo alguns, até 300)
milhões de pessoas no mundo todo. Na Europa, a peste dizimou de um terço à
metade da população total. Diferentemente de hoje, quando todos “sabem” que a
doença é causada por um vírus, ninguém sabia o que causava a peste. Falava-se
em ar envenenado, em miasmas, névoas pegajosas e assim por diante. Alguns
pensavam que os judeus tinham envenenado os poços ou fontes de água dos
cristãos e, em razão disso,os judeus foram perseguidos.A explicação “científica”da
época,fornecida pela faculdade de medicina da universidade de Paris em 1348,era
de que a peste resultava de uma conjunção de planetas ocorridano dia 20 de março
de 1345. Mas o povo em geral via a peste como um castigo de Deus. As condições
de moradia, a falta de higiene, o consumo de água contaminada, a falta de
saneamento básico nas cidades, a ignorância e a superstição favoreceram a rápida
proliferação da peste.
Já se sabia então que a doença era contagiosa e se adotava o isolamento dos
doentes. Mas o pânico provocado pela alta taxa de mortalidade da peste levava
grande parte da população a fugir das cidades atingidas, deixando para trás mesmo
os familiares mais próximos que apresentassem sintomas da doença. Alguns
praticavam o isolamento com dietas leves e exercíciosmoderados.Outros tentavam
livrar-se da peste buscando o prazer desenfreado com bebidas nas tavernas,
diversões e farras, rindo e procurando fazer pouco caso da doença. Houve uma
grande decadência moral e criaram-se situações caóticas devido à morte de muitas
autoridades civis e religiosas. Algumas pessoas tinham a noção de que a sujeira e
falta de higiene favoreciam a propagação da peste. Assim, por exemplo, na cidade
de Nürnberg, na Alemanha, foram adotadas medidas de saneamento tais como a
pavimentação das ruas, o recolhimento do lixo e o incentivo à higiene pessoal
incluindo os banhos que, em geral, costumavam ser tomados apenas duas ou três
vezes por ano naquela época e que alguns até consideravam prejudiciais à saúde.
A manifestação e transmissão da peste negra
A peste negra se manifesta de três formas: a bubônica, a pneumônica e a
septicêmica. A bubônica, a mais comum, deriva seu nome dos bubões ou inchaços
dos nódulos linfáticos que podem chegar ao tamanho de um ovo. O nome ‘peste
negra’ deriva das manchas negras que podem aparecer em várias partes do corpo
do doente devido a hemorragias internas. A forma pneumônica ataca os pulmões e
a septicêmica infecta a corrente sanguínea. A doença é transmitida ao ser humano
pelas picadas de pulgas de ratos. Posteriormente, a transmissão também pode
ocorrer a partir do contato com uma pessoa infectada. A doença é altamente
contagiosa e matava a maioria dos infectados em poucos dias. Tudo o que sai do
corpo dos doentes das formas pneumônica e bubônica tem um cheiro forte e
altamente repugnante. Por esse motivo, e pelo medo do contágio, as pessoas
evitavam o contato e a proximidade com os doentes e esses,muitas vezes, morriam
de forma solitária e sem nenhuma assistência. A ignorância quanto ao modo de
transmissão da doença deixava as pessoas ainda mais apavoradas. Pensava-se,
inclusive, que até o simples fato de olhar nos olhos de um doente poderia transmitir
a doença.
O impacto social da peste na Europa
O primeiro e maior surto da peste manifestou-se na Europa entre os anos de 1346 e
1352.Elasurgiu na Ásiae, acredita-se,que foitrazida à Europa pornavios mercantes
genoveses que trafegavam pelo Mar Mediterrâneo. Desconhecendo a causa da
doença, os médicos prescreviam os remédios mais exóticos e caros que, porém,se
revelavam completamente ineficientes.A peste se propagou pela Europa em ondas
sucessivas ao longo de aproximadamente quatro séculos.
A persistente presençada morte em larga escala ao seu redor,impactou a mente do
ser humano do final da Idade Média de forma profunda e desestabilizadora. Até o
tema da arte passoua ser a morte. Alimentados por uma teologia do mérito humano
que enfatizava as boas obras como meio de satisfazerum Deus exigente,as pessoas
viviam aterrorizadas com a ideia da morte iminente que as colocaria diante do Cristo
juiz que poderiadestiná-las ao céu ou ao inferno.Com isso,cresceua invocação dos
santos e proliferaram as mais diversas manifestaçõesreligiosas como peregrinações,
jejuns, flagelações do corpo e aquisição de indulgências, entre outras. Mas essa
religiosidade externa revelou-se como incapaz de trazer verdadeira paz à
consciência aflita. O jovem Lutero é um exemplo desta busca insistente, mas
infrutífera, de um Deus misericordioso, antes que o encontrasse no evangelho das
Escrituras Sagradas.
Lutero e a pandemia
Ao longo da vida de Lutero, manifestaram-se diversos ciclos da peste negra na
Alemanha. Por exemplo,em 1505,quando Lutero iniciou seus estudos na faculdade
de direito em Erfurt e posteriormente ingressouno mosteiro agostiniano local, a peste
ceifoua vida de diversas pessoas dafaculdade de Erfurt e, posteriormente,também
a de dois irmãos de Lutero. Em 1516, há registro de que a peste ameaçava chegar
novamente a Wittenberg. Outros surtos da doença se manifestaram em Wittenberg
em 1527, 1535 e 1538-39.
Em 1527,quando achegadada peste se evidenciouem Wittenberg,o príncipe-eleitor
da Saxônia, João, o Constante, ordenou a transferência da universidade local para
Jena – uma cidade localizada a aproximadamente 170 quilômetros de Wittenberg.
Mas Lutero, juntamente com o pastor João Bugenhagen e os capelães Jorge Rörer
e João Mantel, decidiram permanecerna cidade.Lutero acolheua todos em sua casa
– o antigo mosteiro agostiniano – e a transformou num hospital, apesar de sua
esposa Catarina estar nos últimos meses de gravidez e seu primogênito Hans
também estivesse doente.A esposade Rörer faleceude peste na casa de Lutero, e
outros doentes se recuperaram ali. Lutero continuou lecionando para um pequeno
grupo de estudantes que ficara em Wittenberg, embora se queixasse de que sua
própria doença não permitia que trabalhasse como gostaria. Ele estivera bastante
debilitado e doente fisicamente, e depois mergulhou numa profunda depressão.
Lutero também permaneceu em Wittenberg quando a peste chegou à cidade em
1535 e 1538, sempre estendendo sua ajuda a pessoas necessitadas ou
abandonadas.
As recomendações e os conselhos de Lutero parecem, em sua maioria, bastante
atuais. Eles continuam válidos porque são provenientes da Palavra de Deus.
Vivência da fé em meio à pandemia
Quando a peste assolava várias partes da Alemanha, em 1527, um pastor de
Breslau, o Dr. João Hess, pediu insistentemente a opinião de Lutero sobre se era
correto, ou não, fugir de uma praga mortal. Lutero inicia sua carta de resposta
registrando a polarização existente em relação à questão. Algumas pessoas
pensavam que não se precisava e nem se devia fugir de uma praga mortal. Para
estas, a morte é um castigo de Deus por nossos pecados e devemos nos submeter
a Deus e à sua punição. Fugir seria uma falta de fé em Deus.Outros eram da opinião
de que se poderia fugir, especialmente se a pessoa não ocupasse nenhum cargo
público.
Lutero afirma que, por mais elogiável que a primeira opinião seja, não se pode
esperar o mesmo pensamento e atitude de todos. Há diferenças na fé dos cristãos:
uns são fortes na fé, outros têm uma fé fraca, e Cristo não quer que os fracos sejam
abandonados (Rm 15.1 e 1Co 12.22). Se a pessoa não ocupa cargo público e não
há pessoas que dependem de seus cuidados, então ela está livre para decidir entre
fugir ou permanecer.Tentar salvar a própria vida e cuidar do corpo é uma tendência
natural implantada por Deus (Ef 5.29;1Co 12.21-26).Lutero cita vários personagens
bíblicos que procuraram salvar suas vidas quando estas corriam perigo: Abraão,
Isaque,Jacó,Davi, o profetaUrias, Elias, Moisés e outros (Gn 22.13;26.7;27.43-45;
1Sm 19.10-17; 2Sm 15.14; Jr 26.21; Êx 2.15; Ez 14.21).
Conselhos para diferentes funções e ações
Lutero argumenta contra a afirmação de que não se deve fugirde um castigo de Deus
dizendo que, nesse caso, também não se deveria fugir de uma casa em chamas
porque o fogo também seria um castigo de Deus. Também não se deveria comer e
beber ao sentir fome e sede, mas esperar que essas punições parassem por si
mesmas.Em última análise, não se deveria, então, nem mesmo orar a petição “livra-
nos do mal”. Ao contrário, diz Lutero, devemos orar contra toda forma de mal e nos
proteger contra ela da melhor maneira possível para não agir contra a vontade de
Deus.Contudo, se forda vontade de Deus que o mal venha sobre nós e nos destrua,
nenhuma de nossas precauções vai nos ajudar.
Mas, argumenta Lutero, existem pessoas que não devem fugir, mas devem
permanecer em seus postos mesmo quando correm risco de vida. Entre essas
pessoas,ele inclui os pastores (Jo 10.11). Pois quando as pessoas estão morrendo,
então é que elas mais precisam de atendimento espiritual para fortalecere confortar
suas consciências por meio da Palavra e do sacramento, para que possam superar
a morte pela fé. Mas, numa situação em que há vários pastores num local, apenas
precisam permaneceros que são necessáriospara realizar o atendimento espiritual,
os demais podem sair para não se expor desnecessariamente ao perigo (At 9.25;
19.30).
Igualmente, autoridades e funcionários públicos devem permanecerem seus postos
para governar e protegero povo,impedindo que o caos se estabeleça(Rm 13.4).Se,
porém, devido à sua fraqueza, quiserem fugir, eles só poderão fazê-lo se deixarem
substitutos capazes em seu lugar.
A mesma regra aplicada a pastores e autoridades civis também vale para todos os
que estão numa relação mútua de serviço ou dever: empregados e patrões, pais e
filhos, funcionários públicos como médicos, policiais e outros. Estes também não
podem abandonar os que dependem deles sem haver algum acordo ou sem
providenciar um substituto. Da mesma forma, ninguém pode fugir abandonando
órfãos ou outras pessoas necessitadas de cuidado sem providenciar alguém que
cuide deles.
Lutero prossegue na sua argumentação dizendo que o amor cristão nos obriga a
ajudar o próximo em todas as suas necessidades.“Alguém que não vai querer ajudar
ou apoiar os outros a menos que possa fazê-lo sem arriscar sua própria segurança
ou propriedade,nunca ajudará seu próximo.” Continua ele dizendo que a peste,ou a
punição de Deus, não veio apenas como punição pelos nossos pecados, mas
também para testar nossa fé e amor. Nossa fé é testada para vermos e
experimentarmos como está nossa relação com Deus. E nosso amor é testado para
percebermos como está nossa disposição em servir ao nosso próximo conforme a
Escritura o ensina (1Jo 3.16).
O diabo tenta impedir que ajudemos nosso próximo, criando em nós horror e nojo
diante da pessoa doente. Devemos resistir a seus ataques, sabendo que ajudar o
próximo é algo que é muito agradável a Deus e a todos os seus anjos. Também
resistimos ao diabo recorrendo à poderosa promessa com que Deus encoraja aos
que servem aos necessitados:“Bem-aventurado é aquele que ajuda os necessitados,
o Senhor o livra no dia do mal” (Sl 41.1-3; Sl 91.11-13).
Cuidado para não tentar a Deus
Por outro lado, diz Lutero, também existem pessoas que tentam a Deus ao agir de
forma precipitada e imprudente, não tomando cuidados para proteger-se da morte e
da peste. Tais pessoas não tomam remédios e não evitam lugares e pessoas
infectadas,levam a doençana brincadeira, tentando mostrarque não têm medo dela.
Diz Lutero: “Isto não é confiar em Deus, mas tentá-lo. Deus criou medicamentos e
nos deu inteligência para proteger e cuidar bem de nossos corpos para que
possamosviver em boasaúde”.Ele continua dizendo que a pessoaque não toma os
devidos cuidados e assim prejudica seu corpo,corre o risco de cometersuicídio aos
olhos de Deus. E, se essa pessoa ficar doente e depois contagiar outras pessoas,
ela será responsável perante Deus por assassinatos.
Lutero diz que um cristão deve pensar assim: “Pedirei a Deus que
misericordiosamente nos proteja. Então vou fumigar, ajudar a purificar o ar, dar
remédios e tomá-los. Evitarei lugares e pessoas onde minha presença não é
necessária para não me contaminar e, desta forma, talvez me infectar e contagiar
outros e assim causar sua morte como resultado de minha negligência. Se Deus
quiser me levar ele certamente me encontrará e eu terei feito o que ele esperava de
mim e por isso não sou responsável pela minha própria morte ou pela morte de
outros”.
Isolamento social e o cuidado com os contaminados
O reformadordefende o isolamento de pessoas contaminadas pelapeste,mas estas
precisam receberadevidaassistênciae não devem serabandonadas.Poroutro lado,
pessoas contaminadas devem tomar cuidado para não transmitir a doençaa outros.
Se um doente fortão perverso aponto de procurar contagiar outros intencionalmente,
este deve ser retirado de circulação pelas autoridades. Lutero ainda acrescenta que,
em Wittenberg, a doença foi causada pela sujeira, e assim a preguiça e o descuido
de alguns levou à contaminação de outros.
As recomendações e os conselhos de Lutero parecem, em sua maioria, bastante
atuais. Eles continuam válidos, porque são provenientes da Palavra de Deus.
Assim como todo o mal existente no mundo, a peste negra e também a COVID-19
resultam da entrada do pecado no mundo. Mas a Palavra de Deus nos aponta para
o amor de Deus e nos concede o perdão obtido por Cristo.
Um teste para a fé e o amor ao próximo
Também a COVID-19 testa nossa fé em Deus e nosso amor ao próximo. Nosso
próximo continua precisando de nós, embora tenhamos hoje mais instituições
públicas e privadas especializadas no cuidado dos doentes e acolhimento dos
necessitadosdo que no século 16. Mas há coisas que hospitais e outras instituições
não fazem: oferecer ajuda para comprar remédios e alimentos para pessoas que
compõegrupos de risco, telefonar para essas pessoaspara levar a elas o conforto e
a orientação da Palavra de Deus, etc. Cada cristão precisa se perguntar como ele
pode ajudar os outros dentro de sua vocação.
Ainda continua valendo a recomendação sobre o cuidado e as medidas preventivas
que temos que tomar para procurar preservar a nossa vida e a vida do próximo: ter
hábitos saudáveis,cuidar da higiene e limpezae tomar remédios quando necessário.
Assim como nos dias de Lutero, ainda hoje precisamos decidir com sabedoria e
prudência quando é importante ficar em casa e quando é preciso expor-se ao risco
do contágio porque o próximo precisa de nós. Dessa forma, não seremos nem
temerários e nem omissos.
Confiando nas promessas de Deus, entregamos nossa vida em suas mãos
misericordiosas, pedindo sua proteção em todas as circunstâncias desta vida e a
preservação na fé em Jesus Cristo para obtermos a vida eterna.
Como a Igreja lidou com epidemias nos
séculos passados? Veja exemplos e lições
Culto ao ar livre em São Francisco durante a pandemia da Gripe Espanhola, em 1918. (Foto:
Reprodução/Twitter/Marina Amaral)
O ano de 2020 trouxe a maior crise epidêmica das últimas décadas: a pandemia da Covid-19. O
impacto foi tanto que alterou todas as áreas da vida, estabelecendo um “novo normal”. Se adaptar
a esse novo contexto sombrio foi um desafio para todo mundo, inclusive para a Igreja.
Congregações em todo o mundo tiveram que se habituar aos decretos de prevenção dos
governos, investir na programação e cultos online, e dar respostas bíblicas às questões mais
difíceis que angustiam o ser humano, como “por que Deus permite o sofrimento?” e “por que o
justo sofre?”.
Quando crises batem à porta, temos o costume de olhar para trás em busca de respostas na
história das gerações passadas, que também vivenciaram angústias como as nossas. Os cristãos
sempre fizeram isto; procuramos nas vidas dos personagens bíblicos o consolo, força e conselho
espiritual para nossos próprios desafios.
Em tempo de pandemia, seria sábio o Corpo de Cristo relembrar como a Igreja lidou com outras
pandemias nos séculos passados, a fim de tirar lições que nos possam servir hoje.
A igreja protestante na linha de frente das pandemias
Quando olhamos para a história da Igreja durante surtos epidêmicos a vemos atuando na linha de
frente, combatendo as pragas através da ajuda social e amparo espiritual.
“As igrejas, de modo geral, têm um histórico de solidariedade e de enfrentamento muito forte das
pandemias. As igrejas evangélicas, sejam elas protestantes ou pentecostais, sempre tiveram uma
postura muito séria em relação às crises epidêmicas”, analisa o professor de Teologia da
Universidade Mackenzie, Gerson Moraes, em entrevista ao Guiame.
O professor afirma que os relatos históricos revelam como muitos pastores e ministros atuaram
de forma heroica nas pandemias – muitos até mesmo se sacrificando para cumprir sua missão.
“Durante a Reforma Protestante, vamos encontrar o próprio Martinho Lutero enfrentando uma
epidemia de peste negra na Europa. Ele deixa registrado em diversos momentos de sua obra
como ele lida com a situação de maneira pastoral; enterra pessoas, cuida de crianças que
perderam os pais”, diz Gerson e conclui: “Esse é o perfil histórico de um sacerdote protestante
que lidou com esta questão”.
Encontramos relatos de cristãos lidando com crises epidêmicas desde a Igreja Primitiva até a
Reforma Protestante; igrejas abrindo suas portas para servir de hospitais, irmãos cuidando de
enfermos na própria casa e pastores doando suas vidas como verdadeiros mártires. Acompanhe
a linha do tempo e entenda como foi a atuação da Igreja durante as principais pandemias da
história.
Imagem ilustrativa de igreja servindo como hospital. (Imagem: Calvin Institute of Christian Worship)
Peste Antonina (166-189 d.C.) – Roma
A primeira grande epidemia enfrentada pela Igreja Primitiva foi a Peste Antonina, de 166 a 189
d.C., levada a Roma pelas tropas que retornavam da campanha contra os persas. A doença,
provavelmente varíola, dizimou cerca de 10% da população. Em 189 d.C., a taxa de mortalidade
por dia chegou a 2 mil pessoas em Roma, de acordo com o historiador romano Dio Cassio.
Segundo Glenn Sunshine, professor de História na Universidade Estadual do Centro de
Connecticut, as pessoas da época já entendiam que a praga era contagiosa e, por isso,
expulsavam seus doentes de casa para morrerem na rua e os ricos fugiam para suas
propriedades rurais no interior.
O professor disse em artigo para a Mission Frontiers, que os cristãos permaneceram em Roma
para cuidar dos vizinhos doentes, mesmo sabendo que não tinham meios de se proteger contra a
doença. Os cuidados básicos de enfermagem oferecidos pela Igreja salvaram muitas vidas e
contribuíram para o rápido crescimento do cristianismo.
Peste de Cipriano (249-262 d.C.) – Roma
Cristãos orando do lado de fora de uma igreja durante a Gripe Espanhola em São Francisco (EUA), em 1918. (Foto: Hulton Archive/Getty images)
No século seguinte, o mesmo fenômeno ocorreu. A Peste de Cipriano – chamada assim em
homenagem a Cipriano, o bispo de Cartago que registrou a epidemia – atingiu o Império Romano
drasticamente. No pico da epidemia, a praga matou 5 mil pessoas por dia em Roma. E dois
terços da população de Alexandria, a segunda maior cidade do Império Romano, morreu vítima
da doença.
A praga – que pode ter sido um novo surto de varíola ou uma febre hemorrágica como o ebola,
segundo os especialistas – foi descrita como terrível pelo Bispo Cipriano: “Os intestinos são
sacudidos por um vômito contínuo; os olhos estão em chamas com o sangue infectado; em
alguns casos, os pés ou algumas partes dos membros são arrancados pelo contágio da
putrefação doentia”.
Novamente os cristãos, de maneira corajosa, cuidavam dos doentes e moribundos enquanto
cidades inteiras eram abandonadas na Itália. “No início da doença, [os italianos] empurraram os
sofredores e fugiram de seus entes queridos, jogando-os nas estradas antes que morressem e
tratando os cadáveres não enterrados como sujeira”, relatou Cipriano.
Assim como no século passado durante a Peste Antonina, o cristianismo teve um crescimento
exponencial. O sociólogo religioso Rodney Stark calcula que a população cristã em 251 d.C. era
formada por cerca de 1,2 milhão no Império Romano e em 300 d.C. já eram cerca de 6 milhões
de crentes, segundo informa Glen Scrivener em artigo para o The Gospel Coalition.
Rodney Stark avalia que ao cuidar dos não crentes infectados, a Igreja criou novas redes sociais,
fazendo com que o Evangelho se propagasse rapidamente e convertendo muitos pagãos ao
Evangelho. O sociólogo conclui que as pragas foram um importante fator para o crescimento do
cristianismo no Império Romano, provando mais uma vez que o Senhor tem o seu caminho na
tormenta e na tempestade.
Peste Negra (século 14) – Europa e Ásia
Do século 14 em diante, a Peste Negra assombrou a Europa matando milhões de pessoas. Em
apenas cinco anos, metade da população do continente morreu vítima da doença. Nesta
pandemia, a Igreja atuava na linha de frente, muitas vezes disponibilizando seus templos para
servirem de hospitais improvisados, onde ministros auxiliavam como enfermeiros leigos.
Na era da Reforma Protestante, em agosto de 1527, a Peste Negra atingiu a cidade de
Wittenberg na Alemanha, morada de Martinho Lutero. Muitos moradores fugiram da cidade para
salvar suas vidas, Lutero foi aconselhado a fazer o mesmo, mas ele e a esposa Katharina, que
estava grávida na época, decidiram permanecer para cuidar dos infectados.
Em carta de 19 de agosto de 1527, Martinho Lutero escreveu: “Estamos aqui sozinhos com os
diáconos, mas Cristo está presente também, para que não estejamos sós, e Ele triunfará em nós
sobre aquela velha serpente, assassina e autora do pecado, por mais que ele machuque o
calcanhar de Cristo. Ore por nós e adeus”.
Segundo Michael Whiting, diretor de conteúdo da Universidade Dallas Baptist, em artigo para o
site da mesma universidade, embora o reformador tivesse se recusado a fugir da praga para
cuidar de doentes em sua própria casa, Lutero recomendava aos fiéis que seguissem as medidas
de proteção contra a Peste Negra.
Martinho dizia que as orações de fé deveriam ser oferecidas pela misericórdia de Deus junto com
as práticas responsáveis de saneamento, medicação e isolamento social para “não ser
responsável pela própria morte ou de qualquer outra pessoa”. E, embora ele seguisse os
conselhos médicos tanto quanto possível, dizia que “não negligenciaria seus deveres como
cristão e pastor”, caso seu vizinho precisasse dele ou alguém necessitasse de conforto quando
estava doente ou morrendo, era seu dever estar presente.
E afirmava contundente: "Se fosse sua hora de morrer, Deus saberia onde encontrá-lo”. Martinho
Lutero e Katharina sobreviveram à epidemia.
Lutero e sua esposa Katharina cuidaram de enfermos durante a Peste Negra em 1527. (Foto: Wikimedia Communs)
Cólera (1817 – até hoje)
Existente desde a Antiguidade, a primeira epidemia global de cólera aconteceu em 1817 e desde
lá o vírus sofreu mutações, ocasionando novos ciclos epidêmicos de tempos em tempos.
Em 1854, um surto de cólera assombrou Londres, na época a capital mais rica do mundo com
mais de 2 milhões de habitantes. Neste tempo, Charles Spurgeon, com apenas 20 anos,
pastoreava a capela da New Park Street.
O príncipe dos pregadores notou que a recepção dos londrinos ao Evangelho estava maior
durante a epidemia. Aqueles que antes zombavam de sua pregação, agora estavam buscando
esperança em Deus.
“Se existe um momento em que a mente é sensível, é quando a morte está em alta. Lembro-me,
quando vim a Londres pela primeira vez, de como as pessoas ouviam o Evangelho com
ansiedade, pois a cólera estava se alastrando terrivelmente. Houve pouca zombaria então”,
relatou Spurgeon.
O pregador contou a história de um homem moribundo de Londres que antes o criticava: “Aquele
homem, em sua vida, costumava zombar de mim. Em linguagem forte, ele sempre me denunciou
como hipócrita. No entanto, ele mal foi atingido pelos dardos da morte e buscou minha presença
e conselho, sem dúvida sentindo em seu coração que eu era um servo de Deus, embora ele não
se importasse em admitir isso com seus lábios”.
Glen Scrivener, evangelista da Igreja da Inglaterra, em artigo para o The Gospel Coalition, avalia
que “Spurgeon viu as pragas de seus dias como uma tempestade que levou muitos a buscar
refúgio em Cristo, a Rocha”.
Gripe Espanhola – (1918 a 1919)
Igreja Episcopal do Calvário em Pittsburgh servindo como hospital durante a Gripe Espanhola. (Foto: Reprodução/ Pittsburgh Post-Gazette)
No início do século 20, a Gripe Espanhola se espalhou pelo mundo todo, dizimando cerca de 50
milhões de pessoas. No Brasil, a doença matou o presidente Rodrigues Alves. A pandemia
desafiou países, governos, igrejas e profissionais da saúde a lidar com uma crise generalizada
em um mundo que ainda se recuperava da destruição da Primeira Guerra Mundial.
Segundo o Dr. Michael Whiting, diretor de Comunicação da Universidade Batista Dallas, nos
EUA, os templos das igrejas foram fechados e os cristãos continuaram adorando a Deus em suas
casas. Há relatos também de cultos ao ar livre, como registrado na cidade de São Francisco.
Muitas igrejas abriram suas portas para servir como clínicas de saúde improvisadas já que os
hospitais estavam lotados. Médicos e enfermeiros cristãos se doavam para cuidar dos infectados,
junto com irmãos leigos, muitos deles sacrificando a própria vida, de acordo com Whiting em
artigo para o site da mesma universidade.
Conforme registros da Biblioteca Mary Baker Eddy, durante a pandemia da Gripe Espanhola,
líderes protestantes, católicos e judeus discutiam sobre os decretos do governo de fechar as
igrejas. Alguns acreditavam que o serviço da igreja era mais do que necessário naquele
momento, defendendo que os templos ficassem abertos. Cientistas cristãos também participavam
da discussão, alguns deles eram favoráveis a obedecer à ordem de contenção.
Também há relatos de igrejas brasileiras na luta contra a Gripe Espanhola, como a Igreja
Presbiteriana de Curitiba. Segundo reportagem da Gazeta do Povo, durante a epidemia que
atingiu a capital do Paraná entre 1918 e 1919, a igreja recebeu doentes, quando os postos de
saúde se encontravam superlotados.
Juarez Marcondes Filho, pastor titular desta igreja e secretário-geral da Igreja Presbiteriana do
Brasil, afirmou à Gazeta do Povo que a casa pastoral serviu de ambulatório emergencial.
“Provavelmente fiéis médicos ajudaram no acolhimento. Foi algo emergencial, não oficial.
Estávamos próximos ao Centro e houve um apelo”, explicou.
Pastores na linha de frente em pandemias: verdadeiros mártires
Pastor Eduardo Lane e sua esposa Mary. O pastor presbiteriano cuidou de enfermos durante um surto de Varíola em Campinas (SP) . (Foto:
Reprodução/IBEL/TV Mackenzie)
Na história da Igreja, encontramos relatos de pastores batalhando na linha de frente nas
pandemias. Homens corajosos que não tiveram sua vida como preciosa e cumpriram seu
pastorado até o fim, muitos sacrificando a própria vida para salvar outras.
Durante a pandemia da Covid-19, a história se repete. Ministros servindo sua igreja, consolando
famílias enlutadas, enterrando vítimas do coronavírus, pregando a esperança vindoura para um
mundo em desespero. Infelizmente, muitos desses pastores foram promovidos aos Céus por
serem infectados da Covid, morrendo como verdadeiros mártires pelo Evangelho.
Gerson Moraes, professor de Teologia da Universidade Mackenzie, lembra ao Guiame que a
situação do pastor é muito delicada: “O pastorado significa se alegrar com os que se alegram e
chorar com os que choram. Você tem que estar preparado espiritualmente para fazer um enterro
de manhã e um casamento ao final da tarde”.
O professor cita como exemplo o testemunho do pastor presbiteriano Eduardo Lane que atuou na
epidemia de Febre Amarela em Campinas, no final dos anos 1880. Na época, a cidade tinha entre
15 mil a 18 mil habitantes e a doença reduziu drasticamente a população para 5 mil moradores.
O pastor Lane, que também era médico, cuidava dos enfermos. E recusando-se a abandonar os
pacientes, acabou morrendo vítima de Febre Amarela.
O papel da Igreja em tempos de pandemia
Jornal anunciando o cancelamento de cultos em São Francisco durante a Gripe Espanhola. (Foto: Reprodução/New spapers.com)
Glenn Shunsine, professor de História na Universidade Estadual do Centro de Connecticut, em
artigo para a Mission Frontiers, lembra que a maneira de amar o próximo pode ser diferente para
cada período da história, visto que nas pandemias anteriores a ciência não era tão avançada e
não haviam hospitais modernos e tantos profissionais qualificados.
“Amar o nosso próximo pode significar coisas diferentes em momentos diferentes”, ponderou
Shunsine. “Pode significar distanciamento social para que não corramos o risco de infectá-los
como Lutero sugeriu, mas também pode significar ir a áreas onde corremos o risco de contrair a
doença. Se formos para essas áreas, devemos tomar todas as precauções possíveis contra a
infecção, mas reconhecer com Paulo que ‘para mim, viver é Cristo e morrer é ganho’", afirmou
Glenn.
O professor também destacou a importância da oração em tempos de pandemia, junto com o
tratamento médico formal. Ele disse que muitos milagres foram registrados nas crises epidêmicas
ao longo da história: “Não é incomum encontrar relatos de curas milagrosas em resposta à oração
em epidemias em várias partes do mundo nos últimos 200 anos”.
Para o historiador, Deus continua ouvindo nossas orações em favor dos enfermos: “Deus
continua a curar em resposta à oração, e seríamos tolos se não nos voltássemos para Ele em
todos os nossos esforços para lidar com doenças e seu impacto em vidas e comunidades. Não
devemos negligenciar a oração”.
“Se existe um momento em que a mente é sensível,
é quando a morte está em alta".
— Charles Spurgeon
Shunsine também enfatizou que a Igreja, desde o seu início, considerou a ciência como uma
graça de Deus dado aos homens, incentivando que Igreja atual faça o mesmo. “Desde os
primeiros séculos, os cristãos reconheceram a medicina como um bom presente de Deus e
utilizaram os melhores conhecimentos médicos e tecnologias disponíveis; eles também
defenderam seguir os conselhos médicos. Ao lidarmos com a Covid-19 e outras doenças,
devemos seguir seu exemplo”, observou Gleen.
Segundo o teólogo Gutierres Fernandes, a Igreja tem um papel social importante em pandemias
porque exerce influência sobre a vida de muitas pessoas: “Quando a Igreja segue os protocolos
de segurança recomendado pelos agentes de saúde e quando promove campanhas de
conscientização, a Igreja está agindo de maneira sábia”, disse ao Guiame.
Já Gerson Moraes, professor de Teologia da Universidade Mackenzie, recorda que a Igreja deve
estar na linha de frente durante as calamidades, ajudando o próximo e anunciando as boas novas
de salvação.
E Gerson vai além: “A Igreja deve ser a linha de frente não apenas no serviço, mas em relação ao
discurso. Ela deve andar de mãos dadas com a ciência, lutando contra o engano. Não ser
negacionista, não ser obscurantista, não se vender para políticos de ocasião. E manter sua
mensagem eterna e eficaz, que não deve mudar ou ser vendida em hipótese nenhuma”.

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  • 1. A atualpandemia do coronavírus ou COVID-19 traz à lembrança a maior de todas as pandemias que já assolou a humanidade: a peste negra,ou simplesmente a peste,do século 14. A atual pandemia do coronavírus ou COVID-19traz à lembrança a maior de todas as pandemias que já assolou a humanidade: a peste negra, ou simplesmente a peste, do século 14. Embora existam enormes e evidentes diferenças entre aquele século e o nosso,também se constatam surpreendentes semelhanças,especialmente,mas não só, nas atitudes das pessoas diante da doença. Neste artigo, além do contexto histórico, queremos buscar as orientações e práticas do líder da Reforma da igreja no século XVI, dr. Martinho Lutero. Pandemia da Idade Média e hoje Uma primeira diferença é que a pandemia da Idade Média foi causada por uma bactéria (a Yersinia pestis), e a atual, por um vírus. Outras diferenças incluem uma mortalidade muito maior da peste negra do que a provocada,até agora, pela COVID- 19. Calcula-se que a bactéria causou a morte de 75 a 200 (segundo alguns, até 300) milhões de pessoas no mundo todo. Na Europa, a peste dizimou de um terço à metade da população total. Diferentemente de hoje, quando todos “sabem” que a doença é causada por um vírus, ninguém sabia o que causava a peste. Falava-se em ar envenenado, em miasmas, névoas pegajosas e assim por diante. Alguns pensavam que os judeus tinham envenenado os poços ou fontes de água dos cristãos e, em razão disso,os judeus foram perseguidos.A explicação “científica”da época,fornecida pela faculdade de medicina da universidade de Paris em 1348,era de que a peste resultava de uma conjunção de planetas ocorridano dia 20 de março de 1345. Mas o povo em geral via a peste como um castigo de Deus. As condições de moradia, a falta de higiene, o consumo de água contaminada, a falta de saneamento básico nas cidades, a ignorância e a superstição favoreceram a rápida proliferação da peste. Já se sabia então que a doença era contagiosa e se adotava o isolamento dos doentes. Mas o pânico provocado pela alta taxa de mortalidade da peste levava grande parte da população a fugir das cidades atingidas, deixando para trás mesmo os familiares mais próximos que apresentassem sintomas da doença. Alguns praticavam o isolamento com dietas leves e exercíciosmoderados.Outros tentavam livrar-se da peste buscando o prazer desenfreado com bebidas nas tavernas, diversões e farras, rindo e procurando fazer pouco caso da doença. Houve uma grande decadência moral e criaram-se situações caóticas devido à morte de muitas autoridades civis e religiosas. Algumas pessoas tinham a noção de que a sujeira e falta de higiene favoreciam a propagação da peste. Assim, por exemplo, na cidade de Nürnberg, na Alemanha, foram adotadas medidas de saneamento tais como a pavimentação das ruas, o recolhimento do lixo e o incentivo à higiene pessoal incluindo os banhos que, em geral, costumavam ser tomados apenas duas ou três vezes por ano naquela época e que alguns até consideravam prejudiciais à saúde. A manifestação e transmissão da peste negra
  • 2. A peste negra se manifesta de três formas: a bubônica, a pneumônica e a septicêmica. A bubônica, a mais comum, deriva seu nome dos bubões ou inchaços dos nódulos linfáticos que podem chegar ao tamanho de um ovo. O nome ‘peste negra’ deriva das manchas negras que podem aparecer em várias partes do corpo do doente devido a hemorragias internas. A forma pneumônica ataca os pulmões e a septicêmica infecta a corrente sanguínea. A doença é transmitida ao ser humano pelas picadas de pulgas de ratos. Posteriormente, a transmissão também pode ocorrer a partir do contato com uma pessoa infectada. A doença é altamente contagiosa e matava a maioria dos infectados em poucos dias. Tudo o que sai do corpo dos doentes das formas pneumônica e bubônica tem um cheiro forte e altamente repugnante. Por esse motivo, e pelo medo do contágio, as pessoas evitavam o contato e a proximidade com os doentes e esses,muitas vezes, morriam de forma solitária e sem nenhuma assistência. A ignorância quanto ao modo de transmissão da doença deixava as pessoas ainda mais apavoradas. Pensava-se, inclusive, que até o simples fato de olhar nos olhos de um doente poderia transmitir a doença. O impacto social da peste na Europa O primeiro e maior surto da peste manifestou-se na Europa entre os anos de 1346 e 1352.Elasurgiu na Ásiae, acredita-se,que foitrazida à Europa pornavios mercantes genoveses que trafegavam pelo Mar Mediterrâneo. Desconhecendo a causa da doença, os médicos prescreviam os remédios mais exóticos e caros que, porém,se revelavam completamente ineficientes.A peste se propagou pela Europa em ondas sucessivas ao longo de aproximadamente quatro séculos. A persistente presençada morte em larga escala ao seu redor,impactou a mente do ser humano do final da Idade Média de forma profunda e desestabilizadora. Até o tema da arte passoua ser a morte. Alimentados por uma teologia do mérito humano que enfatizava as boas obras como meio de satisfazerum Deus exigente,as pessoas viviam aterrorizadas com a ideia da morte iminente que as colocaria diante do Cristo juiz que poderiadestiná-las ao céu ou ao inferno.Com isso,cresceua invocação dos santos e proliferaram as mais diversas manifestaçõesreligiosas como peregrinações, jejuns, flagelações do corpo e aquisição de indulgências, entre outras. Mas essa religiosidade externa revelou-se como incapaz de trazer verdadeira paz à consciência aflita. O jovem Lutero é um exemplo desta busca insistente, mas infrutífera, de um Deus misericordioso, antes que o encontrasse no evangelho das Escrituras Sagradas. Lutero e a pandemia Ao longo da vida de Lutero, manifestaram-se diversos ciclos da peste negra na Alemanha. Por exemplo,em 1505,quando Lutero iniciou seus estudos na faculdade de direito em Erfurt e posteriormente ingressouno mosteiro agostiniano local, a peste ceifoua vida de diversas pessoas dafaculdade de Erfurt e, posteriormente,também a de dois irmãos de Lutero. Em 1516, há registro de que a peste ameaçava chegar novamente a Wittenberg. Outros surtos da doença se manifestaram em Wittenberg em 1527, 1535 e 1538-39. Em 1527,quando achegadada peste se evidenciouem Wittenberg,o príncipe-eleitor da Saxônia, João, o Constante, ordenou a transferência da universidade local para Jena – uma cidade localizada a aproximadamente 170 quilômetros de Wittenberg.
  • 3. Mas Lutero, juntamente com o pastor João Bugenhagen e os capelães Jorge Rörer e João Mantel, decidiram permanecerna cidade.Lutero acolheua todos em sua casa – o antigo mosteiro agostiniano – e a transformou num hospital, apesar de sua esposa Catarina estar nos últimos meses de gravidez e seu primogênito Hans também estivesse doente.A esposade Rörer faleceude peste na casa de Lutero, e outros doentes se recuperaram ali. Lutero continuou lecionando para um pequeno grupo de estudantes que ficara em Wittenberg, embora se queixasse de que sua própria doença não permitia que trabalhasse como gostaria. Ele estivera bastante debilitado e doente fisicamente, e depois mergulhou numa profunda depressão. Lutero também permaneceu em Wittenberg quando a peste chegou à cidade em 1535 e 1538, sempre estendendo sua ajuda a pessoas necessitadas ou abandonadas. As recomendações e os conselhos de Lutero parecem, em sua maioria, bastante atuais. Eles continuam válidos porque são provenientes da Palavra de Deus. Vivência da fé em meio à pandemia Quando a peste assolava várias partes da Alemanha, em 1527, um pastor de Breslau, o Dr. João Hess, pediu insistentemente a opinião de Lutero sobre se era correto, ou não, fugir de uma praga mortal. Lutero inicia sua carta de resposta registrando a polarização existente em relação à questão. Algumas pessoas pensavam que não se precisava e nem se devia fugir de uma praga mortal. Para estas, a morte é um castigo de Deus por nossos pecados e devemos nos submeter a Deus e à sua punição. Fugir seria uma falta de fé em Deus.Outros eram da opinião de que se poderia fugir, especialmente se a pessoa não ocupasse nenhum cargo público. Lutero afirma que, por mais elogiável que a primeira opinião seja, não se pode esperar o mesmo pensamento e atitude de todos. Há diferenças na fé dos cristãos: uns são fortes na fé, outros têm uma fé fraca, e Cristo não quer que os fracos sejam abandonados (Rm 15.1 e 1Co 12.22). Se a pessoa não ocupa cargo público e não há pessoas que dependem de seus cuidados, então ela está livre para decidir entre fugir ou permanecer.Tentar salvar a própria vida e cuidar do corpo é uma tendência natural implantada por Deus (Ef 5.29;1Co 12.21-26).Lutero cita vários personagens bíblicos que procuraram salvar suas vidas quando estas corriam perigo: Abraão, Isaque,Jacó,Davi, o profetaUrias, Elias, Moisés e outros (Gn 22.13;26.7;27.43-45; 1Sm 19.10-17; 2Sm 15.14; Jr 26.21; Êx 2.15; Ez 14.21). Conselhos para diferentes funções e ações Lutero argumenta contra a afirmação de que não se deve fugirde um castigo de Deus dizendo que, nesse caso, também não se deveria fugir de uma casa em chamas porque o fogo também seria um castigo de Deus. Também não se deveria comer e beber ao sentir fome e sede, mas esperar que essas punições parassem por si mesmas.Em última análise, não se deveria, então, nem mesmo orar a petição “livra- nos do mal”. Ao contrário, diz Lutero, devemos orar contra toda forma de mal e nos proteger contra ela da melhor maneira possível para não agir contra a vontade de Deus.Contudo, se forda vontade de Deus que o mal venha sobre nós e nos destrua, nenhuma de nossas precauções vai nos ajudar.
  • 4. Mas, argumenta Lutero, existem pessoas que não devem fugir, mas devem permanecer em seus postos mesmo quando correm risco de vida. Entre essas pessoas,ele inclui os pastores (Jo 10.11). Pois quando as pessoas estão morrendo, então é que elas mais precisam de atendimento espiritual para fortalecere confortar suas consciências por meio da Palavra e do sacramento, para que possam superar a morte pela fé. Mas, numa situação em que há vários pastores num local, apenas precisam permaneceros que são necessáriospara realizar o atendimento espiritual, os demais podem sair para não se expor desnecessariamente ao perigo (At 9.25; 19.30). Igualmente, autoridades e funcionários públicos devem permanecerem seus postos para governar e protegero povo,impedindo que o caos se estabeleça(Rm 13.4).Se, porém, devido à sua fraqueza, quiserem fugir, eles só poderão fazê-lo se deixarem substitutos capazes em seu lugar. A mesma regra aplicada a pastores e autoridades civis também vale para todos os que estão numa relação mútua de serviço ou dever: empregados e patrões, pais e filhos, funcionários públicos como médicos, policiais e outros. Estes também não podem abandonar os que dependem deles sem haver algum acordo ou sem providenciar um substituto. Da mesma forma, ninguém pode fugir abandonando órfãos ou outras pessoas necessitadas de cuidado sem providenciar alguém que cuide deles. Lutero prossegue na sua argumentação dizendo que o amor cristão nos obriga a ajudar o próximo em todas as suas necessidades.“Alguém que não vai querer ajudar ou apoiar os outros a menos que possa fazê-lo sem arriscar sua própria segurança ou propriedade,nunca ajudará seu próximo.” Continua ele dizendo que a peste,ou a punição de Deus, não veio apenas como punição pelos nossos pecados, mas também para testar nossa fé e amor. Nossa fé é testada para vermos e experimentarmos como está nossa relação com Deus. E nosso amor é testado para percebermos como está nossa disposição em servir ao nosso próximo conforme a Escritura o ensina (1Jo 3.16). O diabo tenta impedir que ajudemos nosso próximo, criando em nós horror e nojo diante da pessoa doente. Devemos resistir a seus ataques, sabendo que ajudar o próximo é algo que é muito agradável a Deus e a todos os seus anjos. Também resistimos ao diabo recorrendo à poderosa promessa com que Deus encoraja aos que servem aos necessitados:“Bem-aventurado é aquele que ajuda os necessitados, o Senhor o livra no dia do mal” (Sl 41.1-3; Sl 91.11-13). Cuidado para não tentar a Deus Por outro lado, diz Lutero, também existem pessoas que tentam a Deus ao agir de forma precipitada e imprudente, não tomando cuidados para proteger-se da morte e da peste. Tais pessoas não tomam remédios e não evitam lugares e pessoas infectadas,levam a doençana brincadeira, tentando mostrarque não têm medo dela. Diz Lutero: “Isto não é confiar em Deus, mas tentá-lo. Deus criou medicamentos e nos deu inteligência para proteger e cuidar bem de nossos corpos para que possamosviver em boasaúde”.Ele continua dizendo que a pessoaque não toma os devidos cuidados e assim prejudica seu corpo,corre o risco de cometersuicídio aos
  • 5. olhos de Deus. E, se essa pessoa ficar doente e depois contagiar outras pessoas, ela será responsável perante Deus por assassinatos. Lutero diz que um cristão deve pensar assim: “Pedirei a Deus que misericordiosamente nos proteja. Então vou fumigar, ajudar a purificar o ar, dar remédios e tomá-los. Evitarei lugares e pessoas onde minha presença não é necessária para não me contaminar e, desta forma, talvez me infectar e contagiar outros e assim causar sua morte como resultado de minha negligência. Se Deus quiser me levar ele certamente me encontrará e eu terei feito o que ele esperava de mim e por isso não sou responsável pela minha própria morte ou pela morte de outros”. Isolamento social e o cuidado com os contaminados O reformadordefende o isolamento de pessoas contaminadas pelapeste,mas estas precisam receberadevidaassistênciae não devem serabandonadas.Poroutro lado, pessoas contaminadas devem tomar cuidado para não transmitir a doençaa outros. Se um doente fortão perverso aponto de procurar contagiar outros intencionalmente, este deve ser retirado de circulação pelas autoridades. Lutero ainda acrescenta que, em Wittenberg, a doença foi causada pela sujeira, e assim a preguiça e o descuido de alguns levou à contaminação de outros. As recomendações e os conselhos de Lutero parecem, em sua maioria, bastante atuais. Eles continuam válidos, porque são provenientes da Palavra de Deus. Assim como todo o mal existente no mundo, a peste negra e também a COVID-19 resultam da entrada do pecado no mundo. Mas a Palavra de Deus nos aponta para o amor de Deus e nos concede o perdão obtido por Cristo. Um teste para a fé e o amor ao próximo Também a COVID-19 testa nossa fé em Deus e nosso amor ao próximo. Nosso próximo continua precisando de nós, embora tenhamos hoje mais instituições públicas e privadas especializadas no cuidado dos doentes e acolhimento dos necessitadosdo que no século 16. Mas há coisas que hospitais e outras instituições não fazem: oferecer ajuda para comprar remédios e alimentos para pessoas que compõegrupos de risco, telefonar para essas pessoaspara levar a elas o conforto e a orientação da Palavra de Deus, etc. Cada cristão precisa se perguntar como ele pode ajudar os outros dentro de sua vocação. Ainda continua valendo a recomendação sobre o cuidado e as medidas preventivas que temos que tomar para procurar preservar a nossa vida e a vida do próximo: ter hábitos saudáveis,cuidar da higiene e limpezae tomar remédios quando necessário. Assim como nos dias de Lutero, ainda hoje precisamos decidir com sabedoria e prudência quando é importante ficar em casa e quando é preciso expor-se ao risco do contágio porque o próximo precisa de nós. Dessa forma, não seremos nem temerários e nem omissos. Confiando nas promessas de Deus, entregamos nossa vida em suas mãos misericordiosas, pedindo sua proteção em todas as circunstâncias desta vida e a preservação na fé em Jesus Cristo para obtermos a vida eterna.
  • 6. Como a Igreja lidou com epidemias nos séculos passados? Veja exemplos e lições Culto ao ar livre em São Francisco durante a pandemia da Gripe Espanhola, em 1918. (Foto: Reprodução/Twitter/Marina Amaral) O ano de 2020 trouxe a maior crise epidêmica das últimas décadas: a pandemia da Covid-19. O impacto foi tanto que alterou todas as áreas da vida, estabelecendo um “novo normal”. Se adaptar a esse novo contexto sombrio foi um desafio para todo mundo, inclusive para a Igreja. Congregações em todo o mundo tiveram que se habituar aos decretos de prevenção dos governos, investir na programação e cultos online, e dar respostas bíblicas às questões mais difíceis que angustiam o ser humano, como “por que Deus permite o sofrimento?” e “por que o justo sofre?”. Quando crises batem à porta, temos o costume de olhar para trás em busca de respostas na história das gerações passadas, que também vivenciaram angústias como as nossas. Os cristãos sempre fizeram isto; procuramos nas vidas dos personagens bíblicos o consolo, força e conselho espiritual para nossos próprios desafios. Em tempo de pandemia, seria sábio o Corpo de Cristo relembrar como a Igreja lidou com outras pandemias nos séculos passados, a fim de tirar lições que nos possam servir hoje. A igreja protestante na linha de frente das pandemias Quando olhamos para a história da Igreja durante surtos epidêmicos a vemos atuando na linha de frente, combatendo as pragas através da ajuda social e amparo espiritual. “As igrejas, de modo geral, têm um histórico de solidariedade e de enfrentamento muito forte das pandemias. As igrejas evangélicas, sejam elas protestantes ou pentecostais, sempre tiveram uma postura muito séria em relação às crises epidêmicas”, analisa o professor de Teologia da Universidade Mackenzie, Gerson Moraes, em entrevista ao Guiame. O professor afirma que os relatos históricos revelam como muitos pastores e ministros atuaram de forma heroica nas pandemias – muitos até mesmo se sacrificando para cumprir sua missão. “Durante a Reforma Protestante, vamos encontrar o próprio Martinho Lutero enfrentando uma epidemia de peste negra na Europa. Ele deixa registrado em diversos momentos de sua obra como ele lida com a situação de maneira pastoral; enterra pessoas, cuida de crianças que perderam os pais”, diz Gerson e conclui: “Esse é o perfil histórico de um sacerdote protestante que lidou com esta questão”. Encontramos relatos de cristãos lidando com crises epidêmicas desde a Igreja Primitiva até a Reforma Protestante; igrejas abrindo suas portas para servir de hospitais, irmãos cuidando de enfermos na própria casa e pastores doando suas vidas como verdadeiros mártires. Acompanhe a linha do tempo e entenda como foi a atuação da Igreja durante as principais pandemias da história. Imagem ilustrativa de igreja servindo como hospital. (Imagem: Calvin Institute of Christian Worship) Peste Antonina (166-189 d.C.) – Roma
  • 7. A primeira grande epidemia enfrentada pela Igreja Primitiva foi a Peste Antonina, de 166 a 189 d.C., levada a Roma pelas tropas que retornavam da campanha contra os persas. A doença, provavelmente varíola, dizimou cerca de 10% da população. Em 189 d.C., a taxa de mortalidade por dia chegou a 2 mil pessoas em Roma, de acordo com o historiador romano Dio Cassio. Segundo Glenn Sunshine, professor de História na Universidade Estadual do Centro de Connecticut, as pessoas da época já entendiam que a praga era contagiosa e, por isso, expulsavam seus doentes de casa para morrerem na rua e os ricos fugiam para suas propriedades rurais no interior. O professor disse em artigo para a Mission Frontiers, que os cristãos permaneceram em Roma para cuidar dos vizinhos doentes, mesmo sabendo que não tinham meios de se proteger contra a doença. Os cuidados básicos de enfermagem oferecidos pela Igreja salvaram muitas vidas e contribuíram para o rápido crescimento do cristianismo. Peste de Cipriano (249-262 d.C.) – Roma Cristãos orando do lado de fora de uma igreja durante a Gripe Espanhola em São Francisco (EUA), em 1918. (Foto: Hulton Archive/Getty images) No século seguinte, o mesmo fenômeno ocorreu. A Peste de Cipriano – chamada assim em homenagem a Cipriano, o bispo de Cartago que registrou a epidemia – atingiu o Império Romano drasticamente. No pico da epidemia, a praga matou 5 mil pessoas por dia em Roma. E dois terços da população de Alexandria, a segunda maior cidade do Império Romano, morreu vítima da doença. A praga – que pode ter sido um novo surto de varíola ou uma febre hemorrágica como o ebola, segundo os especialistas – foi descrita como terrível pelo Bispo Cipriano: “Os intestinos são sacudidos por um vômito contínuo; os olhos estão em chamas com o sangue infectado; em alguns casos, os pés ou algumas partes dos membros são arrancados pelo contágio da putrefação doentia”. Novamente os cristãos, de maneira corajosa, cuidavam dos doentes e moribundos enquanto cidades inteiras eram abandonadas na Itália. “No início da doença, [os italianos] empurraram os sofredores e fugiram de seus entes queridos, jogando-os nas estradas antes que morressem e tratando os cadáveres não enterrados como sujeira”, relatou Cipriano. Assim como no século passado durante a Peste Antonina, o cristianismo teve um crescimento exponencial. O sociólogo religioso Rodney Stark calcula que a população cristã em 251 d.C. era formada por cerca de 1,2 milhão no Império Romano e em 300 d.C. já eram cerca de 6 milhões de crentes, segundo informa Glen Scrivener em artigo para o The Gospel Coalition. Rodney Stark avalia que ao cuidar dos não crentes infectados, a Igreja criou novas redes sociais, fazendo com que o Evangelho se propagasse rapidamente e convertendo muitos pagãos ao Evangelho. O sociólogo conclui que as pragas foram um importante fator para o crescimento do cristianismo no Império Romano, provando mais uma vez que o Senhor tem o seu caminho na tormenta e na tempestade. Peste Negra (século 14) – Europa e Ásia Do século 14 em diante, a Peste Negra assombrou a Europa matando milhões de pessoas. Em apenas cinco anos, metade da população do continente morreu vítima da doença. Nesta pandemia, a Igreja atuava na linha de frente, muitas vezes disponibilizando seus templos para servirem de hospitais improvisados, onde ministros auxiliavam como enfermeiros leigos.
  • 8. Na era da Reforma Protestante, em agosto de 1527, a Peste Negra atingiu a cidade de Wittenberg na Alemanha, morada de Martinho Lutero. Muitos moradores fugiram da cidade para salvar suas vidas, Lutero foi aconselhado a fazer o mesmo, mas ele e a esposa Katharina, que estava grávida na época, decidiram permanecer para cuidar dos infectados. Em carta de 19 de agosto de 1527, Martinho Lutero escreveu: “Estamos aqui sozinhos com os diáconos, mas Cristo está presente também, para que não estejamos sós, e Ele triunfará em nós sobre aquela velha serpente, assassina e autora do pecado, por mais que ele machuque o calcanhar de Cristo. Ore por nós e adeus”. Segundo Michael Whiting, diretor de conteúdo da Universidade Dallas Baptist, em artigo para o site da mesma universidade, embora o reformador tivesse se recusado a fugir da praga para cuidar de doentes em sua própria casa, Lutero recomendava aos fiéis que seguissem as medidas de proteção contra a Peste Negra. Martinho dizia que as orações de fé deveriam ser oferecidas pela misericórdia de Deus junto com as práticas responsáveis de saneamento, medicação e isolamento social para “não ser responsável pela própria morte ou de qualquer outra pessoa”. E, embora ele seguisse os conselhos médicos tanto quanto possível, dizia que “não negligenciaria seus deveres como cristão e pastor”, caso seu vizinho precisasse dele ou alguém necessitasse de conforto quando estava doente ou morrendo, era seu dever estar presente. E afirmava contundente: "Se fosse sua hora de morrer, Deus saberia onde encontrá-lo”. Martinho Lutero e Katharina sobreviveram à epidemia. Lutero e sua esposa Katharina cuidaram de enfermos durante a Peste Negra em 1527. (Foto: Wikimedia Communs) Cólera (1817 – até hoje) Existente desde a Antiguidade, a primeira epidemia global de cólera aconteceu em 1817 e desde lá o vírus sofreu mutações, ocasionando novos ciclos epidêmicos de tempos em tempos. Em 1854, um surto de cólera assombrou Londres, na época a capital mais rica do mundo com mais de 2 milhões de habitantes. Neste tempo, Charles Spurgeon, com apenas 20 anos, pastoreava a capela da New Park Street. O príncipe dos pregadores notou que a recepção dos londrinos ao Evangelho estava maior durante a epidemia. Aqueles que antes zombavam de sua pregação, agora estavam buscando esperança em Deus. “Se existe um momento em que a mente é sensível, é quando a morte está em alta. Lembro-me, quando vim a Londres pela primeira vez, de como as pessoas ouviam o Evangelho com ansiedade, pois a cólera estava se alastrando terrivelmente. Houve pouca zombaria então”, relatou Spurgeon. O pregador contou a história de um homem moribundo de Londres que antes o criticava: “Aquele homem, em sua vida, costumava zombar de mim. Em linguagem forte, ele sempre me denunciou como hipócrita. No entanto, ele mal foi atingido pelos dardos da morte e buscou minha presença e conselho, sem dúvida sentindo em seu coração que eu era um servo de Deus, embora ele não se importasse em admitir isso com seus lábios”. Glen Scrivener, evangelista da Igreja da Inglaterra, em artigo para o The Gospel Coalition, avalia que “Spurgeon viu as pragas de seus dias como uma tempestade que levou muitos a buscar refúgio em Cristo, a Rocha”.
  • 9. Gripe Espanhola – (1918 a 1919) Igreja Episcopal do Calvário em Pittsburgh servindo como hospital durante a Gripe Espanhola. (Foto: Reprodução/ Pittsburgh Post-Gazette) No início do século 20, a Gripe Espanhola se espalhou pelo mundo todo, dizimando cerca de 50 milhões de pessoas. No Brasil, a doença matou o presidente Rodrigues Alves. A pandemia desafiou países, governos, igrejas e profissionais da saúde a lidar com uma crise generalizada em um mundo que ainda se recuperava da destruição da Primeira Guerra Mundial. Segundo o Dr. Michael Whiting, diretor de Comunicação da Universidade Batista Dallas, nos EUA, os templos das igrejas foram fechados e os cristãos continuaram adorando a Deus em suas casas. Há relatos também de cultos ao ar livre, como registrado na cidade de São Francisco. Muitas igrejas abriram suas portas para servir como clínicas de saúde improvisadas já que os hospitais estavam lotados. Médicos e enfermeiros cristãos se doavam para cuidar dos infectados, junto com irmãos leigos, muitos deles sacrificando a própria vida, de acordo com Whiting em artigo para o site da mesma universidade. Conforme registros da Biblioteca Mary Baker Eddy, durante a pandemia da Gripe Espanhola, líderes protestantes, católicos e judeus discutiam sobre os decretos do governo de fechar as igrejas. Alguns acreditavam que o serviço da igreja era mais do que necessário naquele momento, defendendo que os templos ficassem abertos. Cientistas cristãos também participavam da discussão, alguns deles eram favoráveis a obedecer à ordem de contenção. Também há relatos de igrejas brasileiras na luta contra a Gripe Espanhola, como a Igreja Presbiteriana de Curitiba. Segundo reportagem da Gazeta do Povo, durante a epidemia que atingiu a capital do Paraná entre 1918 e 1919, a igreja recebeu doentes, quando os postos de saúde se encontravam superlotados. Juarez Marcondes Filho, pastor titular desta igreja e secretário-geral da Igreja Presbiteriana do Brasil, afirmou à Gazeta do Povo que a casa pastoral serviu de ambulatório emergencial. “Provavelmente fiéis médicos ajudaram no acolhimento. Foi algo emergencial, não oficial. Estávamos próximos ao Centro e houve um apelo”, explicou. Pastores na linha de frente em pandemias: verdadeiros mártires Pastor Eduardo Lane e sua esposa Mary. O pastor presbiteriano cuidou de enfermos durante um surto de Varíola em Campinas (SP) . (Foto: Reprodução/IBEL/TV Mackenzie) Na história da Igreja, encontramos relatos de pastores batalhando na linha de frente nas pandemias. Homens corajosos que não tiveram sua vida como preciosa e cumpriram seu pastorado até o fim, muitos sacrificando a própria vida para salvar outras. Durante a pandemia da Covid-19, a história se repete. Ministros servindo sua igreja, consolando famílias enlutadas, enterrando vítimas do coronavírus, pregando a esperança vindoura para um mundo em desespero. Infelizmente, muitos desses pastores foram promovidos aos Céus por serem infectados da Covid, morrendo como verdadeiros mártires pelo Evangelho. Gerson Moraes, professor de Teologia da Universidade Mackenzie, lembra ao Guiame que a situação do pastor é muito delicada: “O pastorado significa se alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram. Você tem que estar preparado espiritualmente para fazer um enterro de manhã e um casamento ao final da tarde”.
  • 10. O professor cita como exemplo o testemunho do pastor presbiteriano Eduardo Lane que atuou na epidemia de Febre Amarela em Campinas, no final dos anos 1880. Na época, a cidade tinha entre 15 mil a 18 mil habitantes e a doença reduziu drasticamente a população para 5 mil moradores. O pastor Lane, que também era médico, cuidava dos enfermos. E recusando-se a abandonar os pacientes, acabou morrendo vítima de Febre Amarela. O papel da Igreja em tempos de pandemia Jornal anunciando o cancelamento de cultos em São Francisco durante a Gripe Espanhola. (Foto: Reprodução/New spapers.com) Glenn Shunsine, professor de História na Universidade Estadual do Centro de Connecticut, em artigo para a Mission Frontiers, lembra que a maneira de amar o próximo pode ser diferente para cada período da história, visto que nas pandemias anteriores a ciência não era tão avançada e não haviam hospitais modernos e tantos profissionais qualificados. “Amar o nosso próximo pode significar coisas diferentes em momentos diferentes”, ponderou Shunsine. “Pode significar distanciamento social para que não corramos o risco de infectá-los como Lutero sugeriu, mas também pode significar ir a áreas onde corremos o risco de contrair a doença. Se formos para essas áreas, devemos tomar todas as precauções possíveis contra a infecção, mas reconhecer com Paulo que ‘para mim, viver é Cristo e morrer é ganho’", afirmou Glenn. O professor também destacou a importância da oração em tempos de pandemia, junto com o tratamento médico formal. Ele disse que muitos milagres foram registrados nas crises epidêmicas ao longo da história: “Não é incomum encontrar relatos de curas milagrosas em resposta à oração em epidemias em várias partes do mundo nos últimos 200 anos”. Para o historiador, Deus continua ouvindo nossas orações em favor dos enfermos: “Deus continua a curar em resposta à oração, e seríamos tolos se não nos voltássemos para Ele em todos os nossos esforços para lidar com doenças e seu impacto em vidas e comunidades. Não devemos negligenciar a oração”. “Se existe um momento em que a mente é sensível, é quando a morte está em alta". — Charles Spurgeon Shunsine também enfatizou que a Igreja, desde o seu início, considerou a ciência como uma graça de Deus dado aos homens, incentivando que Igreja atual faça o mesmo. “Desde os primeiros séculos, os cristãos reconheceram a medicina como um bom presente de Deus e utilizaram os melhores conhecimentos médicos e tecnologias disponíveis; eles também defenderam seguir os conselhos médicos. Ao lidarmos com a Covid-19 e outras doenças, devemos seguir seu exemplo”, observou Gleen. Segundo o teólogo Gutierres Fernandes, a Igreja tem um papel social importante em pandemias porque exerce influência sobre a vida de muitas pessoas: “Quando a Igreja segue os protocolos de segurança recomendado pelos agentes de saúde e quando promove campanhas de conscientização, a Igreja está agindo de maneira sábia”, disse ao Guiame. Já Gerson Moraes, professor de Teologia da Universidade Mackenzie, recorda que a Igreja deve estar na linha de frente durante as calamidades, ajudando o próximo e anunciando as boas novas de salvação.
  • 11. E Gerson vai além: “A Igreja deve ser a linha de frente não apenas no serviço, mas em relação ao discurso. Ela deve andar de mãos dadas com a ciência, lutando contra o engano. Não ser negacionista, não ser obscurantista, não se vender para políticos de ocasião. E manter sua mensagem eterna e eficaz, que não deve mudar ou ser vendida em hipótese nenhuma”.