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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
Trabalho de Geografia Individual
A Apropriação pelo Movimento Punk Paulistano
dos anos 70/ 80 do “Circuito Inferior da Economia
Urbana”
Caio Nascimento Uehbe
n° Usp: 5683652
Orientador: Prof.Dr. Fábio Betioli Contel
São Paulo
2011
2
Agradecimentos
Nesse período de graduação no curso de geografia, na Universidade
de São Paulo, onde tive o prazer de conviver com colegas e professores que
não poderiam ficar de fora de forma alguma na conclusão dessa etapa de
vida. Pessoas essas que contribuíram de forma indireta e direta na minha
formação que teve como resultado, entre tantas outras coisas, nesse trabalho
de conclusão de curso que lhes apresento.
Agradeço aos sempre amigos nesse percurso de graduação Caio
Jorge Zarino (Kio), Júlio Silva Fonseca, Danilo Cardoso, Charles Thompsom,
Rodrigo (Digão), Antonio Afonso (Pafa), Janaína Moraes, Vitor Siqueira
(Vitão), Lígia Petrini, Caio (Mococa) e tantos outros.
Aos grandes mestres e professores com quem tive o prazer de
conviver na graduação André Roberto Martin, Armen Mamigonian, Élvio
Rodrigues Martins, Francisco Capuano Scarlato, Glória da Anunciação Alves,
Heinz Dieter Heidemann, Léa Francesconi, Maria Mónica Arroyo, Ricardo
Mendes Antas Junior, Ricardo Musse, Sonia Maria Vanzella Castellar e
Valéria de Marcos.
Aos grandes companheiros de Partido dos Trabalhadores Juliana
Borges, Maria Alice, Cid Barbosa, Lelo Purini, Maira Pinheiro, Gabriel Landi,
Matheus Ribas, André Mendes, Vitor Quarenta e tantos outros com quem tive
o prazer de aumentar meus laços de amizade e militância nesse período de
graduação.
Aos familiares, tios, primos e avós que sempre deram apoio nas
minhas escolhas e decisões.
Ao sempre amigo Pedro Henrique Nieto de Almeida.
Aos companheiros de banda atuais e passados Cesar Hiro, Felipe
(Boi), Ricardo Faga Martines, Raphael Borghi, Paulo Vinicius, William Lopes,
Gianpaulo, Felipe Simões (Limão) e em especial ao grande amigo, que nos
deixou no início desse ano de 2011, Kenzo Simambukulo, descanse em paz
grande companheiro.
3
Aos amigos geógrafos e companheiros de profissão Alex, Antonio
(Gordo), Nando, Raphael (Tim), Sussa.
Agradecimentos Especiais
Meus pais Issa e Idalina, pelo apoio em minhas escolas e por toda a
educação que contribuiu de forma decisiva nas minhas escolhas e opiniões.
A minha querida Irmã Lais. Pelo companheirismo, apesar das
inevitáveis brigas de irmãos, mas que no fim de tudo sempre esteve ao meu
lado.
A minha tia, madrinha e geógrafa, Elisabet Gomes que sempre me
ajudou e apoiou seja na graduação e em tudo na vida.
Ao meu orientador Fabio Betioli Contel, pela paciência com a minha
falta de tempo para a conclusão do meu trabalho, por sua enorme dedicação
e pelos ensinamentos que levarei por toda a vida.
Aos grandes amigos que contribuíram com esse trabalho através de
seus relatos sobre o que viveram no período, Clemente Nascimento,
Hércules Santos e Renato Pereira.
E dedico esse trabalho em especial à memória de meu grande amigo
Redson Pozzi. Com quem tive o enorme prazer de conviver por quase 10
anos da minha vida, quando montei minha primeira banda em 2002 com
grande influência de sua genialidade musical, tendo a oportunidade de
tocarmos juntos anos depois. Redson contribuiu de forma determinante para
a conclusão desse trabalho e para que acontecesse no período grande parte
do que apresento nesse trabalho. Infelizmente Redson nos deixou de uma
forma inesperada, no dia 27 de setembro de 2011, exatamente 13 dias após
me conceder uma entrevista para a conclusão do trabalho. Descanse em paz
companheiro.
4
“Punk Rock é vida - É autonomia
O expressar sincero - É autonomia
Quero entender, Você e Eu
Eu não quero as regras - Quero autonomia
Não cultivo as guerras
Quero a liberdade pra tentar
Faça você mesmo, faça pra entender
Crie um mundo novo
Era, Era, Era de criar o novo
Era, Era, Era de estar e ser autônomo
Assumir os erros - É autonomia
Repensar os meios
Quero ser e me expressar também
Eu agora penso, abro a minha mente
Quero a liberdade pra tentar.”
(Música “ERA”, Redson Pozzi, Grupo Cólera, Disco “Caos Mental Geral” de 1998)
5
Sumário
1. O Circuito Inferior da Economia Urbana e o Movimento Punk:
Definições e conceitos................................................................................. 9
1.1. Introdução – justificativa da pesquisa e metodologia ............................... 9
1.2. A Teoria dos Circuitos da Economia Urbana – alguns apontamentos
iniciais........................................................................................................... 13
1.3. O movimento Punk: origens – o surgimento do punk, suas
características, identidade, idéias e formas de manifestação ....................... 16
1.4. A cidade de São Paulo e o Modo de Acumulação Flexível .................... 24
2. O Movimento Punk Paulistano .............................................................. 31
2.1. Origens, influências e características próprias (uma aproximação a partir
de depoimentos e entrevistas)...................................................................... 31
3. O movimento punk como uma "contra-racionalidade" surgida nos
interstícios da metrópole ........................................................................... 42
3.1. A localização periférica da população que faz parte do movimento punk
..................................................................................................................... 48
3.2. A baixa renda e as ocupações "sem status" dos membros do movimento
e a freqüência a lugares "não-hegemônicos" (galeria do rock, centro histórico
da cidade,"inferninhos" etc.) ......................................................................... 51
3.3. A estética "combativa" das músicas e da vestimenta............................. 54
4. As formas precárias de organização do movimento e de suas
manifestações artísticas e as técnicas "não-hegemônicas" que os
agentes do movimento punk utilizam ....................................................... 59
4.1. A idéia do "faça você mesmo" (isso é: uma ausência total de
"organização") .............................................................................................. 60
4.2. As primeiras bandas - obtenção de instrumentos e aparelhagem e os
estúdios improvisados .................................................................................. 64
4.3. As dificuldades para organização dos shows......................................... 70
4.4. Ausência de empresários e de gravadoras. A Gravação de discos e
criação de Selos Independentes................................................................... 75
4.5. Formas de divulgação alternativas (fanzines, fitas K7 e correspondências
- reutilização de selos).................................................................................. 79
4.5.1. Fanzines ..........................................................................................................80
4.5.2. Fitas K7............................................................................................................88
4.5.3. Correspondências (Reutilização de Selos)................................................91
5. Conclusão ............................................................................................... 93
6. Bibliografia.............................................................................................. 96
6
7. Anexos .................................................................................................... 98
7.1. Entrevista Renato Pereira de Andrade, 45 anos – Combate Rock
30.09.2010 – São Paulo - SP ....................................................................... 98
7.2 Entrevista Hércules Santos, 48 Anos, 17.10.2010, ABC – São Bernardo
................................................................................................................... 104
7.3. Entrevistas Clemente Nascimento (banda Inocentes), 47 Anos,
11.11.2010, São Paulo - SP ....................................................................... 107
7.4. Entrevista Redson Pozzi (banda Cólera), 49 Anos, 15.09.2011, São
Paulo – SP ................................................................................................. 111
7
“Estamos convencidos de que a mudança histórica em
perspectiva provirá de um movimento de baixo para cima, tendo como atores
principais os países subdesenvolvidos e não os países ricos; os deserdados
e os pobres e não os opulentos e outras classes obesas; o indivíduo liberado
que partícipe das novas massas e não o homem acorrentado; o pensamento
livre e não o discurso único.” (SANTOS, p.14, 2005).
Este trecho do livro “Por Uma Outra Globalização”, expressa o motivo
pelo qual escolhi como objeto de estudo o movimento Punk paulista dos anos
1980, tendo vista que o mesmo é um movimento sócio-político-cultural típico
das camadas oprimidas e excluídas das cidades.
Levando como válida tal afirmativa do professor Milton Santos, acho
de extrema importância uma análise mais aprofundada dos possíveis atores
dessa mudança histórica em marcha, atores que tenho a convicção de que
não serão únicos nem isolados, mas que serão sim, a somatória de
momentos históricos e experiências transformadoras, que num futuro próximo
terão sim as reais condições de se tornarem sujeitos históricos
transformadores.
“O processo de tomada de consciência não é homogêneo, nem
segundo os lugares, nem segundo as classes sociais ou situações
profissionais, nem quanto aos indivíduos. A velocidade com que
cada pessoa se apropria da verdade contida na história é diferente,
tanto quanto a profundidade e coerência dessa apropriação.”
(SANTOS, p.168. 2005).
Tendo em vista tais considerações, essa pesquisa analisará o
movimento destacado, sob a perspectiva de que o mesmo é resultado direto
de uma segregação econômica, social e espacial, no qual, dentro desse
processo de segregação, o movimento teria se desenvolvido naquelas
parcelas do espaço urbano pertencentes ao “circuito inferior da economia”,
como definiu o Prof. Milton Santos ([1979] 2004). Nossa pesquisa procura
retomar a idéia de que este circuito não se explica por si só, assim como não
explica toda a complexidade de um movimento sócio-cultural tão significante
quanto o Movimento Punk Paulista, porém várias das características do
8
movimento nos autorizaram a pensar na sua formação em relação ao
crescimento do circuito inferior.
É a partir deste pano de fundo inicial que procuraremos construir nosso
argumento.
9
1. O Circuito Inferior da Economia Urbana e o Movimento
Punk: Definições e conceitos
1.1. Introdução – justificativa da pesquisa e metodologia
O entendimento do espaço geográfico, de sua organização e das
manifestações culturais resultantes desse espaço humanamente organizado,
é a preocupação principal desse trabalho, e requer uma profunda análise
histórica dos processos pelo qual esse espaço em questão passou.
Pela própria característica de uma monografia de final de curso, esta
investigação não visa a criação de teorias gerais para as mais diversas
manifestações culturais encontradas pelas diversas partes do Mundo, mas
pretende sim realizar um aprofundamento na discussão da importância
desses movimentos de resistência, assim como procura aumentar a
compreensão dos fatores causais que colaboram para a existência dos
mesmos. Neste sentido, um recorte desse “todo” será necessário. Tendo em
vista tal consideração, o trabalho abordará, num primeiro momento,
manifestações sócio-culturais presentes no espaço urbano dos países
subdesenvolvidos, dando destaque para o caso Brasileiro.
Não é a intenção do mesmo aprofundar-se no estudo das cidades e de
sua organização, porém será de extrema importância para o desenvolvimento
desse trabalho a abordagem do tema.
O objetivo do estudo será compreender as manifestações culturais
resultantes do processo de desenvolvimento desigual e contraditório nos
países subdesenvolvidos e da configuração sócio-espacial estabelecida por
esse processo.
Dentre as diversas manifestações culturais significativas encontradas
na Cidade de São Paulo ao longo das últimas décadas, abordarei
especificamente o chamado “Movimento Punk”, que teve seu surgimento
entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 1980.
Um “parênteses” metodológico se faz necessário nesse momento. O
estudo geográfico de manifestações culturais pressupõe a análise das
interações entre o espaço e as pessoas que se organizam nesse espaço.
Como salientou o Prof. Milton Santos
10
“(...) Se a geografia deseja interpretar o espaço humano como o
fato histórico que ele é, somente a história da sociedade mundial
aliada à sociedade local pode servir como fundamento da
compreensão da realidade espacial e permitir sua transformação a
serviço do homem. Pois a história não se escreve fora do espaço e
não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social”
(SANTOS, 2005, p. 22),
Para pensarmos com maior recuo histórico sobre este caráter humano
do espaço geográfico, vale lembrar ainda a problematização fundamental
feita por Karl Marx e Friedrich Engels em seu livro “A Ideologia Alemã”, a
respeito do processo de formação da consciência humana. Segundo os
fundadores da moderna economia política,
“O modo como os homens produzem os seus meios de vida
depende, inicialmente, da natureza dos próprios meios de vida
encontrados e a produzir. Este modo de produção não deve ser
considerado no seu mero aspecto de ser a reprodução da
existência física dos indivíduos. Trata-se já, isto sim, de uma forma
determinada de atividade desses indivíduos, de uma forma
determinada de exteriorizarem a sua vida, de um modo de vida
determinado. O que eles são coincide, portanto com a sua
produção, tanto com o que produzem quanto também com o como
produzem. Portanto, o que os indivíduos são depende das
condições materiais da sua produção” (MARX e ENGELS, .
1845/1846, p.24).
O entendimento das diversas formas de organização do ser humano,
dos diversos modos de produção e técnicas utilizados pelo homem, assim
como das mais variadas formas de cultura e suas manifestações, passa pelo
estudo do espaço geográfico, sobre o qual essa população está presente.
Espaço esse que nos dias atuais ganha status de território, tendo em vista
que esse espaço já é um espaço humanamente ocupado, organizado e
racionalizado.
“A produção das idéias, representações, da consciência está de
início imediatamente entrelaçada com a atividade material e o
11
intercâmbio material dos homens, linguagem da vida efetiva”
(MARX e ENGELS, 1845/1846, p.31).
O geógrafo Milton Santos, assim como Karl Marx e Friedrich Engels,
exalta a importância das “condições materiais” como fatores determinantes
da vida social. Para o primeiro pensador, o espaço geográfico é a categoria
que permite entender a influência destas “condições materiais” na formação
das consciências humanas, tema esse muitas vezes esquecido ou
abandonado pela geografia mais tradicional. Porém, mais do que nunca, se
faz necessário esse resgate do papel do território, e dos usos que são feitos
dele, para a compreensão das mais diversas manifestações sociais e
culturais, em um tempo de extrema racionalização hegemônica dos
territórios, segundo lógicas perversas e interesses individuais prevalecentes
aos coletivos. Segundo proposta do referido geógrafo,
“(... )o território não é um dado neutro, nem um ator passivo.
Produz-se uma verdadeira esquizofrenia, já que os lugares
escolhidos acolhem e beneficiam os vetores da racionalidade
dominante mas também permitem a emergência de outras formas
de vida. Essa esquizofrenia do território e do lugar tem um papel
ativo na formação da consciência. O espaço geográfico não apenas
revela o transcurso da história como indica a seus atores o modo de
nela intervir de maneira consciente.” (SANTOS, 2005, p.80 )
O estudo da manifestação cultural em questão, portanto, será
realizado como mostraram há tempos Karl Marx e Friedrich Engels,
“Não se parte do que os homens dizem, imaginam, se representam,
também não de homens ditos, pensados, imaginados,
representados, para aí se chegar aos homens de carne e osso;
parte-se de homens efetivamente ativos, e a partir do processo
efetivo de vida deles é também apresentado o desenvolvimento dos
reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida” (MARX e
ENGELS. 1845/1846, p.31).
A partir, portanto, do estudo da “formação sócio-espacial” brasileira, e
das manifestações desta formação nos meios urbanos, poderemos identificar
os agentes e processos que estão na gênese do Movimento Punk paulista
12
dos anos 1980. Não partiremos, portanto, da análise “ideológica” desse
movimento para entendê-lo, o que resultaria numa análise ligada apenas à
“superestrutura” da formação socioespacial brasileira; buscaremos identificar
a complexidade do processo de formação dos movimentos sócio-culturais,
incluindo os aspectos “materiais” deste processo. “Não é a consciência que
determina a vida, mas a vida que determina a consciência” (MARX e
ENGELS, 1845/1846, p.193), desse modo pensarmos estar partindo da
causa, do determinante, e não do efeito, do resultado.
Como já foi explicitado anteriormente, nos apoiaremos também na
materialidade expressada pela feição espacial das sociedades, e dos
diversos modos de produção que se reproduzem de forma combinada e
contraditória no território, sendo a categoria de “formação socioespacial” –
derivada principalmente do conceito de “formação econômica e social” –
a mais adequada para a elaboração teórica em questão; nos parece mais
adequada exatamente por dizer
“(...) respeito a evolução diferencial das sociedades, no seu quadro
próprio e em relação com as forças externas de onde mais
frequentemente lhe provém o impulso”. “(...) sendo que a própria
base da explicação é a produção, isto é, o trabalho do homem para
transformar, segundo leis historicamente determinadas, o espaço
com o qual o grupo se confronta”. (SANTOS, 2005, p.22).
Essa abordagem da Formação Econômica e Social tem uma intima relação
com o espaço geográfico, pois
“Aceitá-la sem levar em conta o espaço levaria a aceitar o erro da
interpretação dualista das relações Homem-Natureza. Natureza e
Espaço são sinônimos, desde que se considere a Natureza como
uma natureza transformada, uma segunda natureza, como Marx a
chamou” (SANTOS, 2005, p.22).
Será esse estudo de nossa “formação socioespacial”, e em especifico
de suas repercussões na cidade de São Paulo, que nos permitirá, tendo em
vista uma abordagem materialista da história, compreender o meio no qual se
originou o movimento Punk Paulista, com as suas diversas peculiaridades em
13
relação a esta manifestação ocorrida em outras partes do Mundo e até
mesmo do território nacional. 1
A “formação socioespacial” (diretamente inspirada no conceito leninista
de Formação Econômico-social) está ligada as formas concretas em que os
modos de produção se dão no espaço geográfico. Porém não podemos cair
no engano de julgar que ambos são sinônimos. Para Milton Santos (2005, p.
27):
“O conceito de modo de produção está ligado a um modelo
explicativo, isto é, um conjunto coerente de hipóteses nascidas da
consideração de elementos comuns a uma série de sociedades que
se consideram pertencentes a um mesmo tipo. Pelo contrário, o
conceito de Formação Econômica e Social está sempre ligado a
uma realidade concreta, suscetível de localização histórico-
temporal” (J.G. Caravaglia, 1974. p.7 apud. Santos, Milton. 2005.
p.27.).
Podemos, desse modo, encontrar num mesmo recorte espaço-
temporal a materialização de modos de produção distintos que se intercalam
e interagem dialeticamente. O surgimento de um novo modo de produção
não é pressuposto para a eliminação imediata de todos os modos de
produção anteriores; portanto, podemos dizer que é dessa forma que o
espaço pode ser considerado como uma “acumulação desigual de tempos”.2
1.2. A Teoria dos Circuitos da Economia Urbana – alguns apontamentos
iniciais.
Dentre as diversas teorias existentes para explicar a dinâmica desse
espaço urbano desigual dos países subdesenvolvidos, destaca-se a teoria
dos dois circuitos da economia urbana, do Prof.Dr. Milton Santos, exposta em
sua obra “O Espaço Dividido” de 1979.
1
O conceito de “formação socioespacial” nos ajuda a pensar nesta relação entre a totalidade e
as particularidades dos lugares – ou processos locais. Para Milton Santos, “É preciso definir a
especificidade de cada formação, o que a distingue das outras, e, no interior da Formação Econômica e
Social, a apreensão do particular como uma fração do todo, um momento do todo, assim como o todo
reproduzido numa de suas frações” (SANTOS, 2005, p. 25).
2
SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem. Hucitec. 1982.
14
Acreditamos que uma das melhores formas de análise do
processo formador das consciências humanas – que resultariam em
movimentos sócio-culturais nos países subdesenvolvidos –, sob uma
perspectiva materialista, passa pela compreensão teórica dos circuitos da
economia urbana. Observando este processo de formação das consciências
como um resultado do processo histórico e econômico segregador verificado
nesses países, é possível identificar como ocorrem também as mais variadas
diferenciações de renda, o que leva a uma seleção pelo dinheiro.
Segundo Milton Santos o espaço urbano nos países subdesenvolvidos
seria dividido em dois circuitos econômicos, o circuito superior e o circuito
inferior, sendo que
“O circuito superior originou-se diretamente da modernização
tecnológica e seus elementos mais representativos hoje são os
monopólios. O essencial de suas relações ocorre fora da cidade e
da região que os abrigam e tem por cenário o país ou o exterior. O
circuito inferior, formado de atividades de pequena dimensão e
interessado principalmente às populações pobres, é, ao contrário,
bem enraizado e mantém relações privilegiadas com sua região”
(SANTOS 2004, p.22).
O conjunto das atividades realizadas e o setor da população que se
liga aos circuitos essencialmente pela atividade e pelo consumo são as
formas que nos permitem defini-los. Isto é, o circuito superior seria fruto direto
de um processo global. De uma racionalidade técnico-científica instalada no
território por agentes hegemônicos e segundo interesses distantes aos locais
de implantação. Já o circuito inferior comporia aquele conjunto de atividades
e parcelas do território no qual essa racionalidade ainda não chegou, e que
talvez nunca chegue; seriam as parcelas do território sujeitas as técnicas
produtivas anteriores ao período atual, reflexo de modos de produção
anteriores, e que, portanto, por serem menos “contemporâneas” – ou por
exigirem menores quantidades de capital – acabam se destinando a
satisfação dos interesses locais, das populações locais economicamente
desfavorecidas, o que só vem por corroborar que o espaço é uma
“acumulação desigual dos tempos”.
15
A existência do circuito inferior está diretamente relacionada com a
existência do circuito superior, existindo uma oposição dialética entre os
mesmos, tendo em vista que são opostos e ao mesmo tempo
complementares. Este fato se explica pelo circuito inferior ascender à medida
que as técnicas hegemônicas que estão por trás do circuito superior se
instalam no território, reproduzindo desigualdades pela forma que se
estruturam.
A diferença fundamental, apontada por Milton Santos, que nos permite
caracterizar tanto o circuito inferior, quanto o circuito superior está na forma
em que se organizam os circuitos, ou seja, o modo que são organizadas as
atividades dos circuitos, e no nível tecnológico das técnicas utilizadas por
eles.
A tecnologia utilizada pelo circuito superior é de alto nível e na maioria
das vezes importada, uma tecnologia, segundo termo utilizado por Milton
Santos “capital intensivo”. O circuito inferior já se utiliza de uma tecnologia
local, localmente adaptada ou recriada, onde o “trabalho intensivo” é
predominante, com uma pequena quantidade de capital sendo necessária
para a reprodução do circuito, que se utiliza de relações técnicas e de
organização pouco sofisticadas.
A importância do estudo dos dois circuitos da economia urbana dos
países subdesenvolvidos, relacionados ao estudo de um movimento sócio-
cultural, como no caso do movimento Punk, está diretamente ligado ao fato
de que este movimento seja formado por jovens dos subúrbios e periferias
das grandes cidades; ou seja, por essas populações economicamente
desfavorecidas, e que a própria configuração sócio-espacial de centros e
periferias, já nos remete a um desenvolvimento desigual, combinado e
contraditório, no qual esses jovens estão inseridos. Para pensarmos ainda
nesta amarração entre o surgimento do movimento Punk e a teoria dos dois
circuitos da economia urbana, podemos lembrar um raciocínio da geógrafa
María Laura Silveira (2007, p.162):
“La pobreza, el desempleo, la falta de oportunidades, la violencia y
tantos otros males que suelen ser expuestos como sinónimo de la
vida urbana son, en realidad, resultado de un modelo modernizador
16
excluyente, en el cual el circuito inferior, crecientemente distanciado
del circuito superior, es una forma dependiente de supervivencia
social.”.
Outras formas de análise da economia e da cultura urbana vem sendo
desenvolvidas antes mesmo da obra do professor Milton Santos, sendo que
vários autores marxistas e “terceiromundistas” serviram como base para sua
proposta dos “dois circuitos”. Porém, a proposta teórica dos “dois
circuitos”parece constituir um salto qualitativo nesses estudos ao enxergar os
circuitos, e em destaque o circuito inferior, além do simples estudo dos
mercados.
Para o autor, o circuito inferior abarcaria atividades de fabricação “não-
contemporâneas”, ou “não-hegemônicas”, como por exemplo todas as formas
de artesanato, assim como os transportes “tradicionais” e a prestação de
serviços voltados para a população de baixa renda.
Levando em conta essas características do circuito inferior, o trabalho
buscará relacionar as formas utilizadas pelo movimento punk paulistano dos
anos 80 para se reproduzir, enquanto movimento, como formas culturais –
materiais e imateriais – que teriam sido forjadas nestes mesmos lugares que
compõem o circuito inferior da economia urbana na cidade, através da
análise de suas técnicas utilizadas, da forma em que se organizavam as
atividades, principalmente as musicais, e o seu caráter “contra-racional.
1.3. O movimento Punk: origens – o surgimento do punk, suas
características, identidade, idéias e formas de manifestação
Passados mais de 30 anos do surgimento do movimento punk ainda
existem muitas controvérsias a respeito de sua origem. A razão de maior
discórdia entre as pessoas que debatem o assunto é se o movimento
originou-se em Londres (na Inglaterra), ou em Nova Iorque (nos Estados
Unidos). Para os fins desse trabalho, essa discussão não ganha muita
relevância, já que não é a intenção do mesmo estudar as origens do
movimento punk. Porém, tendo em vista que o objeto de estudo desse
trabalho é a apropriação, para a sua reprodução, do denominado circuito
17
inferior da economia urbana pelo movimento punk paulistano dos anos 80, é
necessário ao menos fazer um adendo a respeito do que foi esse movimento
em seus primórdios para entendermos as formas de manifestação do mesmo
aqui no Brasil.
O termo “punk” é anterior ao movimento e é utilizado na língua inglesa
há séculos como um xingamento, um termo pejorativo que remete a pessoas
marginalizadas, delinqüentes juvenis, drogados, prostitutos adolescentes etc.
como explica Antonio Bivar (1992) em seu livro “O Que é Punk”.
O punk como movimento surge em meados dos anos 70, sendo
também muito difícil delimitar um ano específico. Correntemente utiliza-se a
data de 1977, que foi quando ocorreu uma explosão de bandas do gênero,
mas é evidente que, se houve essa explosão em 1977, já vinha ocorrendo
algo nos anos anteriores.
O movimento foi um movimento de revolta adolescente, tendo seus
membros idade em torno dos 18 anos. O já citado autor em seu livro “O Que
é Punk” faz um breve histórico dos movimentos culturais que precederam o
surgimento do Punk. A retomada desses movimentos que precederam o punk
é de muita importância contemplando um dos aspectos formadores da
totalidade, porém a compreensão do punk somente pelo aspecto da cultura
corre o risco de se tornar uma mera explanação idealista do assunto. É,
portanto, necessário entender o contexto econômico e político que está por
trás desses movimentos sociais, e que de fato foram os impulsionadores dos
mesmos.
Uma das formas de entender a gênese do movimento punk é retomar
o surgimento de outro “estilo musical, o chamado “rock’n’roll”. O “rock’n‘roll”
surge em meados da década de 50 nos Estados Unidos da América, mais
especificamente no sul desse país. É nessa região do sul estadunidense
onde há a maior parte da população negra desse país, devido aspectos
históricos coloniais, e o rock foi inventado, justamente, por essa população
negra marginalizada do sul dos Estados Unidos.
Desde o começo, o rock foi visto como sinônimo de rebeldia à ordem
estabelecida, seja pela sua origem social, seja pelas atitudes
comportamentais que despertava nas pessoas que o ouviam. Tanto que,
desde seu início até a sua apropriação pela indústria cultural de massas,
18
foram inúmeras as perseguições a esse estilo musical, como aponta BIVAR
(1992) e filmes biográficos sobre a época.3
O rock, portanto, sempre representou o espírito de rebeldia da
juventude, e por se tratar de um estilo musical jovem, feito por jovens e para
os jovens, é um estilo musical de fácil execução, sem a complexidade dos
estilos musicais até então existentes.
Porém, no ano de 1970, essa “essência” do rock começa a mudar.
Novas linguagens passam a ser incorporadas a ele, para algumas pessoas
que tocavam o estilo a simplicidade do mesmo já não bastava, e o rock foi se
tornando algo complexo, de difícil assimilação, e desse modo o rock foi
durante a década de 1970 se afastando de sua origem, e com isso perdendo
também aquele “espírito” jovem e de rebeldia que sempre teve; para um dos
estudiosos do assunto,
“de alguma forma o que ocorreu no rock, foi uma transferência das
diferenças da estrutura e formas musicais dos estilos da música,
para os estilos de vida das pessoas que se identificam com esta ou
aquela sonoridade, e vice-versa. A partir do momento em que esse
processo teve início, a especialização de estilos foi se tornando
cada vez mais rapidamente proliferada.” (KEMP,1993, p.9).
Para Craig O’Hara, que possui uma visão ainda mais crítica sobre a evolução
e a banalização do estilo “rock’n’roll”,
“Infelizmente, seja qual for o bem que essa música tenha
causado ao glorificar a liberdade e desdenhar a hipocrisia social,
ela teve o mesmo destino das primeiras e ultimas formas de
rock: ‘diluição comercial/exaustão criativa, cooptação e domínio
pelas forças do mainstream’”. (O’Hara. 2005, p.30)
É nesse contexto musical que o movimento punk surge em Londres e
em Nova Iorque. O movimento punk, fazendo um recorte do todo e
considerando apenas o aspecto “musical” do movimento, foi uma ruptura a
esse processo de tecnização do rock, e em seu som de poucos acordes,
3
JUDY, Cairo; SADWITH, James Steven. Elvis: o início de uma lenda. Universal Pictures, 2005. DVD,
172 min. Color. Som.
19
menos melodia e mais atitude, retomou o “espírito” e a essência do rock,
fazendo com que o mesmo voltasse a ser ouvido pelo público jovem, que
poderia além de tudo voltar a tocar rock sem se tornar um doutor em música.
Para Janice Caiafa (1985, p. 9),
“O punk surgiu então num momento em que a extrema
complexidade de elaboração e execução fazia do rock uma obra
de muitos anos de trabalho (as etapas de progresso e maturação)
e muito dinheiro para comprar os mais sofisticados equipamentos”.
Desse modo, o punk deu uma nova conotação ao rock, pois somente
um estilo musical com as origens que teve o rock poderia ser utilizado com
essa nova roupagem que o punk o deu. O rock, através do movimento punk,
se torna novamente jovem, contestador, chocante e rebelde.4
Evidentemente que não foi somente uma insatisfação com os rumos
do rock que deram origem ao movimento punk. Resumir o movimento punk a
apenas um movimento musical, como já explicitado anteriormente, seria uma
postura um tanto quanto reducionista, e deixaria de lado todo o contexto
econômico, político, social e espacial no qual o movimento está inserido.
Foi na Inglaterra onde o gênero musical, chamado punk rock e o
próprio movimento punk foi mais difundido e abrangente. A crise pela qual
passava a Inglaterra na década de 1970 tirava qualquer perspectiva de
inserção profissional dos jovens no mercado de trabalho, assim como as
desigualdades e injustiças sociais se acentuavam. Neste contexto, havia
grande número de desempregados jovens sem ter o que fazer,
perambulando pelas ruas de Londres. Como mostra O’Hara (2005, p. 32):
“O punk na Grã-Bretanha era essencialmente um movimento
composto de jovens brancos da classe operária desprivilegiada.
Muitos deles sentiram fundo a sua situação social e usaram
meio punk para manifestar sua insatisfação” (O’Hara. 2005,
p.32)
4
Segundo ainda uma matéria jornalística sobre o assunto, “depois de Elvis Presley e Beatles não
existiu nada mais contestador, subversivo e anárquico dentro do rock do que o movimento punk. O
gênero mudou a música e, principalmente, o comportamento das pessoas nos anos 70” (A Maior
Rebeldia da Historia do Rock – Jornal da Tarde - 29/11/1996).
20
Para entender os motivos dessa situação que passava a Inglaterra
podemos nos deter um pouco na análise do processo pelo qual passava o
modo de produção capitalista no período. David Harvey ([1992] 2003) em seu
livro “A Condição Pós-Moderna” estuda esse período e o processo de
passagem do modo de acumulação fordista para o modo de acumulação
flexível, nos dando os subsídios necessários para a compreensão do
processo em questão e suas conseqüências sociais.
O período de 1965 a 1973, segundo Harvey, evidenciou-se a
incapacidade do fordismo, aliado ao Estado de bem-estar “keynesiano”, de
conter as contradições inerentes do modo de produção capitalista. Uma
somatória de acontecimentos evidencia esse fato.
A recuperação no período do “pós-guerra” da Europa e do Japão – e a
necessidade desses países de exportarem seus excedentes – causaram
sérios problemas à economia estadunidense, levando a uma queda na
produtividade e lucratividade das corporações daquele país, sendo um marco
para o início dos problemas fiscais norte-americanos. Como solução a esses
problemas houve um processo de aceleração da inflação, com a impressão
de moedas a um montante considerado necessário, abalando o papel do
dólar como moeda internacional, culminando no rompimento do acordo de
Bretton Woods e da chamada “paridade ouro/dólar”.
No mesmo período, agravando o processo e contribuindo para a crise,
ocorria uma onda de industrialização fordista em “novos territórios”, onde os
direitos trabalhistas eram pouco respeitados e até mesmo inexistentes, como
na América Latina e no Sudeste Asiático.
As dificuldades do período em superar a crise estavam resumidas,
ainda segundo Harvey, a uma única palavra: a rigidez.
“(...) Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital
fixo de longa escala e de longo prazo em sistemas de produção
em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e
presumiam crescimento estável em mercados de consumo
invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na
alocação e nos contratos de trabalho (especialmente no chamado
setor “monopolista”).” (HARVEY, 2003, p. 135)
21
A superação dessas dificuldades de rigidez fordista sempre esbarrava
na força da classe trabalhadora organizada em sindicatos, um dos pilares de
sustentação do modo de acumulação fordista, que nesse período já se torna
um obstáculo para a reprodução do mesmo e nos compromisso estatais com
a seguridade social, que se tornavam insustentáveis devido à rigidez na
produção, uma restrição a expansão da base fiscal para gastos públicos.
A crise do petróleo, de 1973, se soma a todo esse processo,
obrigando os países a realizar expressivas mudanças tecnológicas e
organizacionais, tornando as décadas de 1970 e 1980 um “conturbado
período de reestruturação econômica e de reajustamento social e político”
(HARVEY, 2003. p. 140). Essa reestruturação e reajustamento, conseqüência
de todo o processo explanado, deram origem ao que David Harvey
classificou como acumulação flexível.
A acumulação flexível “se apóia na flexibilidade dos processos de
trabalho, de mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo”
(HARVEY, 2003, p. 140). Surgem setores inteiramente novos de produção,
novos serviços financeiros, novos mercados, e uma inovação comercial,
tecnológica e organizacional intensificada.
Uma das principais implicações da acumulação flexível são os níveis
relativamente altos de desemprego “estrutural”, rápida destruição e
reconstrução de habilidades, ganhos modestos de salários reais e retrocesso
do poder sindical, imposição aos trabalhadores de regimes e contratos de
trabalho mais flexíveis, redução do emprego regular e um crescimento do
trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado.
Essa reestruturação econômica internacional tem implicações culturais
e comportamentais diretas. Ainda para Harvey (2003, p. 148), a
reestruturação vem acompanhada
“(...) na ponta do consumo por uma atenção muito maior às modas
fugazes e pela mobilização de todos os artifícios de indução de
necessidades e de transformação cultural que isso implica. A
estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar
a todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma
estética pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o
espetáculo, a moda e a mercadificação de formas culturais”
22
As reações a todo esse processo foram inúmeras ao redor do mundo,
e em particular no caso inglês o punk veio ocupar o mesmo lócus histórico do
início da reação da nova direita, que culminou na ascensão ao poder da
Margareth Thatcher. Porém, o punk vem como uma reação "subversiva”,
enquanto a ascensão de Margareth Thatcher como primeira ministra britânica
em 1979 foi uma reação conservadora.
Os jovens que se identificam com o movimento, e que dele participam
ativamente, despontam para a vida adulta no período de crise, não vivendo e
colhendo os frutos do auge do modo de acumulação fordista, do “Welfare
State”, e sim a sua ruína. O mundo para esses jovens já não lhes era
suficiente da forma que estava, e era necessário repensá-lo, reconstruí-lo, e
para eles até mesmo destruí-lo.
Essa foi uma geração da insatisfação e o punk era visto por eles como
uma possibilidade de mudança e, através do afrontamento aos ditos corretos
padrões comportamentais e culturais do período, eles mostravam a sua
insatisfação. Segundo Antonio Bivar (1992, p. 49)
“Eles são o exemplo mais perfeito da obra de arte popular viva.
Mesmo quando subnutridos. Mas o punk não é só visual, só musica
crassa. É também uma crítica e um ataque frontal a uma sociedade
exploradora, estagnada e estagnante nos seus próprios vícios. Os
punks não querem mais esperar o tão prometido fim do mundo.
Eles querem apocalipse agora, em 1976”
Em matéria de 1994 do Jornal Folha de São Paulo, é possível
identificarmos de forma sucinta uma explicação para as idéias do movimento
punk em sua origem. Segundo a reportagem, é possível entender o
movimento punk
“Como um contraponto ao ‘paz e amor’ dos hippies, o slogan era
‘burn and destroy’ (queime e destrua). Os punks eram pessimistas.
(...) Eles achavam que não havia um bom futuro possível, odiavam
o ‘sistema’ e pregavam a anarquia, seja na política, nas relações
familiares e até nas roupas” (Punks de SP mantêm o ‘movimento’
vivo – Folha de São Paulo 04/04/1994).
23
Um dos conjuntos pioneiros do punk, o Sex Pistols, uniu os punks ao
anarquismo, um anarquismo ligado a uma atitude individual e a uma revolta
espontânea, posto por muitos como algo “niilista”. Para Craig O’Hara (2005,
p.32) “Seria uma mentira dizer que esses punks originais tinham teorias
sociais e políticas bem desenvolvidas. (...) O objetivo desses punks era
expressar sua fúria de uma maneira áspera e original.”
Não havia um posicionamento político explícito do punk, embora
houvesse aqueles que assumiam uma postura considerada “mais à
esquerda”.5
Porém, mesmo que de forma não-articulada, os punks estavam
fazendo política, novas formas não-convencionais ao período de se fazer
política. Formas essas que para muitos deles eram chamadas de
anarquismo. Evidentemente que esse anarquismo idealizado por eles não
tem relação explícita com o conceito clássico de anarquismo dos chamados
“socialistas utópicos”. Tratava-se muito mais uma idéia de “mude você
mesmo que dessa forma você poderá mudar o mundo”, ou até mesmo algo
destrutivo e afrontador como na música “Anarchy in the U.K.” (Anarquia para
o Reino Unido), da banda Sex Pistols 6
.
Há no movimento punk, desde seu início, uma busca pela agressão a
moral burguesa e a sociedade de consumo, através de um discurso de
revolta, e de justiça. Havia a exposição explícita da revolta deles contra o
sistema que significava pra eles opressão, falta de liberdade, hierarquia
familiar, desemprego, falta de perspectiva de mudanças pela via política.
Kemp ressalta que, apesar dessa percepção,
“ao lado desse discurso ideológico, porém não se prendem a uma
militância ortodoxa, porque acima de tudo eles não se pretendem
5
A exemplo da banda The Clash, que desde seu primeiro álbum de 1977 levanta bandeiras históricas
da esquerda como a luta contra o racismo e a denúncia da ação imperialista estadunidense no período
da Guerra Fria, como fica explícito em sua música I’m So Bored With The USA e até mesmo no
lançamento no ano de 1980, em plena revolução Sandinista de um álbum cujo o título era Sandinista!.
6
“I'm antichrist, I'm anarchist / Don't know what I want/ But I know how to get it / I wanna
destroy the passerby // 'Cause I want to be anarchy / No dog's body // Anarchy for the U.K. / It's coming
sometime and maybe / I give a wrong time, stop a traffic line / Your future dream is a shopping scheme
// 'Cause I wanna be anarchy / In the city // How many ways / To get what you want / I use the best, I
use the rest / I use the enemy, I use anarchy // 'Cause I want to be anarchy / It's the only way to be // Is
this the M.P.L.A. or / Is this the U.D.A. or / Is this the I.R.A.? / I thought it was the U.K. / Or just another
country / Another council tenacy // I wanna be anarchy / And I wanna be anarchy / Oh, what a name /
And I wanna be an anarchist / I get pissed, destroy”.
24
como uma instituição de alternativa ao poder; eles preferem
mostrar desejos em relação a formas e modos de convivência
social, recusando os valores que estão estabelecidos.” (KEMP,
1993, p.53).
Não cabe ao trabalho fazer o juízo de valor da “eficiência” – se é que
assim se pode dizer – , e da legitimidade de tais atitudes e pensamentos
como de fato transformadores da realidade. Porém, é um fato concreto que
um determinado processo histórico levou a um tipo de reação, que no caso
do recorte da pesquisa, foi o movimento punk. Pareceu-nos possível sim
fazer o reconhecimento do mesmo como um movimento que conduziu grande
parte de jovens desacreditados a um motivo na vida, concretizando suas
idéias, anseios e angústias através da música, da arte, de fanzines (jornais
independentes) e diversas formas de expressão da criatividade pessoal,
através do lema “Pense por si mesmo, seja você mesmo, não aceite o que a
sociedade lhe oferece, crie suas próprias regras, viva sua própria vida.”
(O’HARA, 2005, p.41), ou seja, “Faça você mesmo”.
1.4. A cidade de São Paulo e o Modo de Acumulação Flexível
A cidade de São Paulo, embora mantenha de longa data o seu status
de metrópole nacional, enquadra-se no processo de urbanização dos países
não-desenvolvidos, desse modo, contendo em si todos os elementos da
complexidade desse grupo de países.
O entendimento justo e coerente do processo pelo qual passou a
cidade de São Paulo, e nesse momento ainda podendo se ampliar as demais
cidades localizadas em países subdesenvolvidos requer uma análise do que
é o subdesenvolvimento e dos seus agentes urbanizadores, abdicando da
utilização pragmática de conceitos e teorias a cerca da urbanização de
países desenvolvidos, como se as mesmas, pudessem se adaptar ao
processo de urbanização dos países subdesenvolvidos.
Esses países que hoje se enquadram no grupo de nações capitalistas
não-desenvolvidas, tiveram em algum momento de seu desenvolvimento
histórico a imposição de um processo de desenvolvimento econômico
25
segundo interesses estranhos a sua própria realidade, interesses esses
também distantes, o que resultou em um processo de apropriação do espaço
desigual, combinado e contraditório.
“Os espaços dos países subdesenvolvidos caracterizam-se
primeiramente pelo fato de se organizarem e se reorganizarem em
função de interesses distantes e mais frequentemente em escala
mundial (...) por outro lado, as forças de modernização impostas no
interior ou do exterior são extremamente seletivas, em suas formas
e em seus efeitos” (SANTOS, p.20, 2004).
Considerando o processo histórico da modernização do território
brasileiro, notamos esta interferência estrangeira desde os primórdios de sua
colonização, onde a organização do espaço era voltada a um modo de
produção pautado nos interesses da metrópole (em nosso caso, Portugal).
Fato esse que impediu, durante o maior período da história brasileira, o
desenvolvimento das forças produtivas e uma apropriação econômica
condizente com as necessidades locais. Esta estrutura colonial colocava o
Brasil – assim como um conjunto de países que foram colônias de exploração
– numa situação de atraso e conseqüentemente de dependência em relação
as nações exploradoras e até mesmo as colonizadas segundo lógicas
distintas (as chamadas “colônias de povoamento”).
Um marco para compreensão do processo pelo qual passou o Brasil e
o Mundo nas últimas décadas é o fim da Segunda Guerra Mundial, como
mostram Milton Santos e María Laura Silveira (2005, p. 47):
“O fim da Guerra marca também o início de uma nova era dentro do
percurso capitalista, com as perspectivas abertas pela revolução
científico-técnica. Era o momento de lançar a semente da
dominação do mundo pelas firmas multinacionais, preparando
assim todos os espaços mundiais para uma nova aventura que, na
escala mundial, só iria frutificar plenamente trinta anos depois.”
26
No período pós-Segunda Guerra Mundial a ciência e a informação são
incorporadas como técnicas produtivas, o que possibilitou avanços materiais
e imateriais, jamais vistos na história da humanidade 7
.
Esses avanços possibilitados pela “tecnociência” deram a base
material necessária para a instalação do atual período da globalização.
Termo esse, hoje em dia, mencionado e utilizado por praticamente todas as
pessoas e meios de informação, mesmo sem esses terem a clareza no que
de fato é esse processo e nas suas causas e conseqüências.
Em linhas gerais esse período histórico denominado globalização pode
ser considerado como “ o ápice do processo de internacionalização do
mundo capitalista”, onde
“As técnicas são oferecidas como um sistema e realizadas
combinadamente através do trabalho e das formas de escolha dos
momentos e dos lugares de seu uso” sendo, “[...] também o
resultado das ações que asseguram a emergência de um mercado
dito global.” (SANTOS, p.23, 2005).
Essa racionalidade hegemônica nas suas mais variadas formas
técnicas irá se espalhar por todos os países do Mundo, como se fosse a
única forma de se chegar ao desenvolvimento, gerando reorganizações
econômicas, sociais, políticas e espaciais, sobretudo nos países
subdesenvolvidos, onde esse processo se demonstrará, sobretudo, perverso.
Ainda segundo o geógrafo Milton Santos (2005, p. 53),
“Como as técnicas hegemônicas atuais são, todas elas, filhas da
ciência, e como sua utilização se dá ao serviço do mercado, esse
amálgama produz um ideário da técnica e do mercado que é
santificado pela ciência, considerada, ela própria, infalível. Essa,
aliás, é uma das fontes do poder do pensamento único. Tudo que é
feito pela mão dos vetores fundamentais da globalização parte de
idéias científicas, indispensáveis à produção, aliás acelerada, de
novas realidades, de tal modo que as ações assim criadas se
impõem como soluções únicas.”
7
“No fim do século XX e graças aos avanços das ciências, produziu-se um sistema de técnicas
presidido pela técnica da informação, que passaram a exercer um papel de elo entre as demais,
unindo-as e assegurando ao novo sistema técnico uma presença planetária.” (SANTOS, p.23, 2005)
27
Esse processo é perverso, dentre outros motivos, por usar da ciência e
da informação para criar consensos universais, mais que na verdade nada
mais são do que “fábulas” do progresso e do desenvolvimento, vendidas e
impostas a esses países não-desenvolvidos, mas que nunca se
concretizaram e se concretizarão. O mercado aparece como a forma capaz
de tornar o mundo homogêneo, porém, é na gênese desse processo que são
aprofundadas as desigualdades entre os lugares.8
Esses agentes globais são seletivos, sendo essa tecnociência e seus
usos em grande parte determinados pelo mercado em busca de uma mais-
valia globalizada. A busca dessa mais-valia globalizada resulta na
seletividade dos lugares segundo os interesses das técnicas hegemônicas,
onde as mesmas se realizam graças a ação política conjunta ou separada
das grandes empresas e dos Estados.9
Podemos dizer, portanto que é apenas um pequeno número de
agentes de fato que se beneficiam desse processo de internacionalização do
capitalismo e do desenvolvimento de suas técnicas científico-informatizadas.
Porque essas
“técnicas da informação são principalmente utilizadas por um
punhado de atores em função de seus objetivos particulares. Estas
técnicas da informação (por enquanto) são apropriadas por alguns
Estados e por algumas empresas, aprofundando assim os
processos de criação de desigualdades. É desse modo que a
periferia do sistema capitalista acaba se tornando ainda mais
periférica, seja porque não dispõe totalmente dos novos meios de
produção, seja porque lhe escapa a possibilidade de controle.”
(SANTOS, p.39, 2005).
O papel tirano e perverso da técnica implantada racionalmente pela
ciência no espaço geográfico, segundo interesses hegemônicos e
8
“Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando,
na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos
atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma
cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado.” (SANTOS,
Milton. p.19. 2005).
9
“O princípio de seletividade se dá também como princípio de hierarquia, porque todos os
outros lugares são avaliados e devem se referir àqueles dotados das técnicas hegemônicas. (...) hoje,
as técnicas não hegemônicas são hegemonizadas. (...) As técnicas apenas se realizam, tornado-se
história, com a intermediação da política, isto é, da política das empresas e da política dos Estados,
conjunta ou separadamente.” (SANTOS, Milton. p.26. 2005).
28
“individuais”, é condicionante para a criação de situações de
desfavorecimentos, segregações, exclusões, nas quais se encontram a
grande maioria das populações dos países não-desenvolvidos. E as
possibilidades de alteração, de mudanças nesses espaços, são mínimas nas
atuais condições históricas,(para não dizermos “impossíveis”), por se
tratarem de espaços fixos, pré-fabricados, e legitimados pelo pensamento
único, fruto dessa mesma lógica perversa e propagado aos quatro ventos
pelos meios de comunicação.10
É daí, dessa organização e reorganização espacial segundo
interesses distantes e exteriores aos países subdesenvolvidos, que está a
gênese da atual situação de “desigualdades sócio-espaciais”, presentes nas
mais diversas dimensões do território desses países.
O resultado de todo esse processo, é a atual situação sócio-
econômica a qual estão sujeitas as populações desses países não
desenvolvidos. Fruto de uma organização espacial de cunho econômico e
segundo interesses exteriores. A partir deste contexto teórico – e histórico –
mais geral, como pensar a evolução recente da cidade de São Paulo? Que
aspectos desta evolução podem ser lembrados, para entendermos melhor o
surgimento e o desenvolvimento do movimento punk na cidade?
A cidade de São Paulo é um grande exemplo de todo esse processo
pelo qual passaram as principais cidades do mundo não-desenvolvido.
Encontramos nela traços marcantes de um desenvolvimento seletivo,
segundo interesses corporativos, o que acabou gerando uma modernização
incompleta da cidade. Segundo o professo Milton Santos (2009, p. 15),
“São Paulo é o melhor exemplo, no terceiro mundo, de uma
situação de modernidade incompleta. Nela se justapõem e se
interpõem traços de opulência, devido à pujança da vida econômica
10
“Cada técnica propõe uma maneira particular de comportamento, envolve suas próprias
regulamentações e, por conseguinte, traz para os lugares novas formas de relacionamento. O mesmo
se dá com as empresas. É assim que também se alteram as relações sociais dentro de cada
comunidade. Muda a estrutura do emprego, assim como as outras relações econômicas, sociais,
culturais e morais dentro de cada lugar, afetando igualmente o orçamento público, tanto na rubrica da
receita, como no capítulo da despesa. Um pequeno número de grande empresas que se instala
acarreta para a sociedade como um todo um pesado processo de desequilíbrio. (...) A associação entre
a tirania do dinheiro e a tirania da informação conduz, desse modo, à aceleração dos processos
hegemônicos, legitimados pelo ‘pensamento único’, enquanto os demais processos acabam por ser
deglutidos ou se adaptam passiva ou ativamente, tornado-se hegemonizados.” (SANTOS, Milton. p.68.
2005).
29
e suas expressões materiais, e sinais de desfalecimento, graças ao
atraso das estruturas sociais e políticas. Tudo o que há de mais
moderno pode aí ser encontrado, ao lado das carências mais
gritantes.”
São Paulo teve no decorrer de sua história mudanças estruturais
profundas segundo os interesses hegemônicos das grandes empresas e do
capital internacional. Tendo, desse modo, que se adaptar a cada
necessidade imposta por esses agentes no período em questão. Isso faz
com que a história urbana da cidade seja constantemente esquecida e
substituída por novas construções, novas infra-estruturas que comportem o
atual estágio de desenvolvimento do mundo capitalista. Milton Santos
enfatiza que
“Nenhuma outra área, no Terceiro Mundo, foi, assim, aberta às
mudanças, nenhuma foi tão capaz de, rapidamente, adaptar-se, em
suas infra estruturas e no seu comportamento econômico, às
condições exigidas para o aumento da eficiência e da
rentabilidade.” (SANTOS, p.16, 2009)
Todo esse processo pelo qual passou a cidade de São Paulo trouxe
um ônus muito grande para a maior parte da população metropolitana. Essa
modernização realizada na cidade não foi completa, e isso fez com que uma
significativa parcela de suas áreas urbanizadas e de sua população ficasse
de fora das vantagens da modernização, cabendo o bônus para apenas uma
pequena parcela da população, e o ônus para a sua maioria; neste sentido,
podemos ainda dizer que
“(...) nela se exibem contrastes chocantes entre a riqueza de alguns
e a pobreza de muitos. As disparidades de renda, embora menos
gritantes que em outras aglomerações, são consideráveis na
Grande São Paulo.” (SANTOS, Milton. p.17. 2009)
Os dados da tabela abaixo mostram a distribuição de renda na cidade
entre as pessoas acima de dez anos de idade, no ano em foco do trabalho, o
ano de 1980:
Até 1 Salário Mínimo 15,2%
De 1 a 2 Salários Mínimos 29,6%
30
De 2 a 5 Salários Mínimos 35,4%
Mais de 5 Salários Mínimos 19,7%
(Fonte: SANTOS, Milton. “Metrópole Corporativa Fragmentada”.
p.17. Editora Edusp, 2ª Edição – 2009.)
Notamos que a cidade mais rica do país, apresenta, no período,
desigualdades de renda significativas, com cerca de 30% da população
abaixo da linha da pobreza no período, como indica Milton Santos em sua
obra “Metrópole Corporativa Fragmentada”.11
É nessa cidade desigual socialmente e estruturalmente falando, devido
essas lógicas perversas impostas para o seu desenvolvimento, segundo
interesse exógenos e corporativos, e não segundo os interesses locais, que
surge aqui no Brasil, no final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, o
principal objeto de estudo desse trabalho, o movimento punk.
11
Essa pobreza em que se encontra uma grande parcela da cidade não se trata de uma pobreza
meramente residual, e sim de uma pobreza estrutural, que ganha maiores dimensões a medida que a
cidade aumenta de tamanho. O Estado atua como um grande impulsionador desse processo, sem o
qual ele não teria condições de ser colocado em prática nos moldes em que se apresenta. Esse
impulso se realiza na medida em que o Estado dá “(...) preferência pelos terrenos distantes para o
estabelecimento de projetos habitacionais para as classes pobres; (em que se realizam) políticas
privadas de criação e manipulação de loteamentos; políticas públicas ligadas à modernização do
sistema viário com localização seletiva de infraestruturas, valorização diferencial dos terrenos, e
expansão da especulação, com todas as conseqüências derivadas da superposição de medidas
elaboradas para atender a preocupações particulares e interesses individualistas, agravando, desse
modo, a crise urbana e as dificuldades em que vive a maioria da população.” (SANTOS, Milton.
p.18/20. 2009).
31
2. O Movimento Punk Paulistano
Dentro desse cenário de exclusão, de seletividade pelo dinheiro, de
uma perversa ordenação espacial segundo interesses e lógicas distantes e
de uma imposição hegemônica de uma única forma de pensamento, surge na
grande São Paulo, no fim da década de 1970, em pleno regime militar, um
movimento sócio cultural que vai na contramão desse processo: o movimento
Punk.
2.1. Origens, influências e características próprias (uma aproximação a
partir de depoimentos e entrevistas)
É evidente que aqui no Brasil, o movimento punk teve uma influência
direta do que acontecia já na Inglaterra. Apesar de já existirem nas periferias
da cidade grupos de jovens insatisfeitos e buscando formas alternativas de
se expressarem, logo que começaram a aparecer as primeiras imagens dos
punks em jornais e televisão, jovens brasileiros se identificaram com as
atitudes dos jovens ingleses. Como operacionalizar esta discussão que
fizemos até o momento de forma mais empírica? Que atores foram centrais
neste novo movimento social e cultural? Como aproximar nossa análise dos
fatos concretos que se desenrolaram na cidade de São Paulo a partir da
década de 1970?
Existe uma grande escassez de trabalhos acadêmicos sobre o
movimento punk paulistano e mais especificamente sobre as formas
encontradas pelo movimento para a sua reprodução, formas essas que,
como já adiantado, iremos relacionar com as atividades realizadas no
“circuito inferior da economia urbana”, dentro dessa mesma temática merece
destaque o recém produzido trabalho de Pedro Luiz Damião, “A
fragmentação do espaço e a construção de identidades: territorialidade punk
na cidade de São Paulo” de 2009, trabalho que dá conta de identificar a
apropriação feita pelo movimento punk das diversas áreas da metrópole
paulistana em diferentes períodos históricos, contribuindo brilhantemente
para a elucidação da temática de movimentos juvenis no meio acadêmico.
32
As dificuldades de se obter informações sobre o objeto de estudo é
intensificada pelo fato de o mesmo não ser contemporâneo, o que
impossibilita uma observação ou experimentação do mesmo, para através
dessa metodologia fazermos as relações e suposições necessárias para o
desenvolvimento da pesquisa.
Tendo em vista tais dificuldades, a alternativa encontrada para a
obtenção das informações necessárias para o trabalho foi a realização de
entrevistas com pessoas que participaram e vivenciaram o movimento punk
no período em destaque, construindo através desses depoimento uma
história oral sobre o mesmo.
A construção de uma história oral é um método muito rico servindo de
“instrumento para possibilitar a construção do conhecimento histórico, e,
portanto, instrumento para produzir reflexão historiográfica, tanto no que se
refere aos fatos e aos eventos, como no que diz respeito à elaboração
interpretativa.” (SORDI; AXT; FONSECA. 2007. p.8). A utilização dessa
técnica, além de tudo, permite obter informações de personagens sociais que
não tinham voz no período no imaginário coletivo, possibilitando uma análise
além do senso comum sobre o tema.
Em entrevista Clemente, vocalista da banda de punk rock paulistana
“Inocentes”, fala do início dessa identificação dele com o movimento punk e a
influência das informações vindas do exterior nesse processo de criação da
identidade.
“Isso aconteceu depois, porque eu sou assim de uma turma que já
ouvia o pré punk, então a gente seguiu o caminho certo, porque a
gente já ouvia Stooges, já ouvia MC5, a gente já era maloqueiro.
Tanto é que quando começaram a vir às notícias de punk, três
acordes, os caras falavam de Stooges, ai eu falei, pô! é pra gente.
É engraçado, por exemplo tem uma banda americana punk,
chamada Dictators e tal, e os punks americanos tem aquele visual
roqueiro, tipo Ramones, que é o visual que tinha, não tinha
inventado ainda o visual inglês que era de punk, o punk era muito
mais uma atitude uma postura, então todo mundo andava com o
visual do Ramones, porque era o visual daquele pessoal que curtia
Stooges e tal, era jaqueta de couro, camiseta, calça jeans, tênis All
Star, e era isso.” (Clemente Nascimento, 47 anos, Banda
Inocentes, São Paulo – SP, entrevista dia 11.11.2010)
33
Já havia, portanto, no período que precede o punk na cidade de São
Paulo, uma atitude por parte dos jovens que com o passar do tempo levaria a
uma identificação natural com o punk. O conservadorismo que existia no país
e na cidade de São Paulo era opressor para parte da juventude que não se
enquadrava nos perfis comportamentais pré-estabelecidos. Para Redson,
outro participante central deste processo (e vocalista da banda Cólera), essa
opressão se manifestava em seu cotidiano
“É interessante porque a gente vivia num padrão juventude assim,
ou você era o dito ‘cidadão trabalhador’, você tinha emprego, vivia
direitinho com a família, se vestia direitinho, ou você era o marginal.
Seja reggaeiro, seja rockeiro, o que for. O rockeiro era o marginal. E
hoje existe uma postura de aceitação de uma visão ampla para a
diversidade da moda, da música, dos costumes, que na época não.
Se você não fosse, se você não agisse como aquele cidadão
padrão você era visto com olhos de pessoa perigosa. Então no
início, eu já me vendo rockeiro, eu já vendo que curtia rock já me
sentia parte desse jogo social pronto. Eu já via que aquilo não era
exatamente o que eu queria fazer, que eu tinha outros jogos mais
interessantes a jogar. Eu fui atrás de grupos sociais com quem jogar
essa vivência, ou seja, fazer música, protestar, e fazer uma coisa
que a gente fizesse em grupo, que fosse divertida.” (Redson, 49
Anos, banda Cólera, São Paulo – SP, entrevista dia 15.09.2011)
Muitas pessoas da época acreditam que se o punk não tivesse surgido
na Inglaterra ou Estados Unidos, algo muito parecido aconteceria aqui no
Brasil, tendo em vista essas características que já apareciam em certos
grupos de jovens da periferia e o contexto político e social pelo qual passava
o Brasil e os grandes centros urbanos do país, como no caso em questão, a
cidade de São Paulo e sua região metropolitana. Como lembra também
Clemente, “Se o punk não tivesse sido inventado em Nova York a gente ia inventar
aqui.” (Documentário “Botinada: A Origem do Punk no Brasil”. 2006).
Nesse período, a Cidade de São Paulo já havia se tornado a maior
cidade do Brasil. Tratava-se já de uma parcela do território onde a política, a
economia, a cultura e as mais variadas formas de interação da vida urbana
ocorrem intensamente. A quantidade de informação que circula na cidade de
São Paulo no período já é imensa “e só dela, no Brasil, poderia ter surgido
34
um movimento de rebeldia jovem urbana, como é o caso do Punk – o
primeiro movimento recente com estilo, dentro de uma cidade que a muito
perdeu seu estilo próprio.” (BIVAR, 1992. p.94).
O movimento era formado essencialmente por jovens, em idade
variando dos 10 aos 26 anos. Para Antonio Bivar (1992, p.95),
“Estes garotos sabem que o futuro não é nada promissor, tanto
para eles como para seus semelhantes, tão pobres e oprimidos
quanto eles. Então unidos na força da adolescência, resolvem botar
a boca no trombone, exigindo justiça para todos. Se for perguntado
aos Punks qual é a mensagem do movimento, eles responderão
com palavras de manifesto que: ‘o Punk surgiu numa época de
crise e desemprego, e com tal força, que logo espalhou-se pelo
mundo. E que cada um, à sua realidade, adotou o protesto punk,
externação de um sentimento descontentamento que já existia
atravessado na garganta de uma certa ala jovem, das classes
menos privilegiadas do mundo’.”
O contexto político brasileiro ainda não era um dos mais favoráveis
para os jovens expressarem suas idéias, angústias e revoltas, assim como a
situação socioeconômica do país. A ilusão criada em torno do dito “milagre
econômico” caia por terra no período e o futuro ainda era algo incerto. Apesar
de o país estar caminhando na época para uma abertura democrática, ainda
havia muita repressão, e muito medo por parte da população. Como lembra
outro participante direto deste período de efervescência – Tikão, da Banda M-
19 -, “A gente não podia falar, a gente não podia se expressar, e ali eu podia
me expressar, naquele movimento eu podia gritar, eu podia falar alguma
coisa que é o que tava dentro de mim.” (Documentário “Botinada: A Origem
do Punk no Brasil”. 2006.)
A visão de mundo de parte dos jovens da periferia no período estava
atrelada às difíceis condições da vida urbana metropolitana, assim como à
conjuntura social e política pela qual passava o Brasil; mas apesar de
desfavorável em amplos sentidos, essa conjuntura acabou permitindo para
parte desses jovens o questionamento da ordem pré-estabelecida e a busca
por novas atitudes, companhias e ideologias que mais os agradassem. A
própria vivência em uma cidade do tamanho de São Paulo, com as suas
35
características tão desiguais, é parte constituinte desse imaginário dos jovens
que se deparam cotidianamente com essa cidade muitas vezes estranha as
suas vontades, mas na qual eles com o passar do tempo aprendem a
interagir. Como mostra ainda Redson, em entrevista concedida,
“Então o (meu) processo de visão de mundo já era um pouquinho
mais aberto, eu tinha problema com a galera com quem eu
convivia. Porque as pessoas não tinham essa visão, tinham medo,
porque na época da ditadura você não podia falar as coisas que
você sabia. Você não podia falar pras pessoas, ‘vamos se juntar pra
lutar contra o Estado’, porque dava até medo de que alguém das
pessoas ali pudesse ser espião. Era um estado de vigília
permanente, você tinha que estar sempre esperto com o mundo ao
seu redor. E eu já entendendo melhor o processo do mundo com
quatorze, quinze anos, morando no Capão Redondo e indo pro
centro todo fim de semana, com quinze anos eu fui morar no centro
da cidade. Fui morar na Rua General Osório, bem do lado da ‘ruas
das putas’, que era na época a Santa Ifigênia, hoje é bem menos,
as putas tem lugares diferentes hoje, mas na época era o centro da
prostituição em São Paulo, era basicamente o antigo a ‘Boca do
Lixo’ que ainda é o centro de prostituição, e também a Santa
Ifigênia. E eu morava do lado, no quinto andar de um prédio, junto
com minha mãe, e comecei a trabalhar no centro de Office boy,
comecei a andar pela cidade de Office boy e a conhecer, porque
quando você vive o mundo atrás da tela do computador no seu
escritório, de casa para o trabalho ou do trabalho para casa, você
não tem noção do que é sua cidade do que é o mundo. Mas
quando você começa a cada dia ir pra um lugar diferente, conviver
com situações, eu comecei a ver como São Paulo era uma cidade
gigantesca.” (Redson, 49 Anos, banda Cólera, São Paulo – SP,
entrevista dia 15.09.2011)
Apesar de o movimento propiciar a esses jovens um escape para seus
problemas, tendo em vista as considerações feitas por Redson, vocalista e
fundador do grupo Cólera, o mesmo sujeito nos mostra – em depoimento
para o documentário “Botinada: A Origem do Punk no Brasil” - que
“todo ser humano tem dentro de si, uma quantidade x de violência
acumulada, de coisas não resolvidas, enfim, de coisas que você
não põe pra fora, e pra isso existe o que, a arte, pra isso existe o
36
punk, existe o rock, existe os outros estilos que você pode
exteriorizar isso de uma forma inteligente.”
O movimento punk, portanto, pode servir além de tudo para descarregar essa
violência acumulada como reflexo de um mundo que lhe é estranho, o medo
e as dificuldades de realizar isso através do movimento eram recorrentes,
dada a conjuntura, como confirma o relato de Redson da banda Cólera e
diversos outros relatos de pessoas do período, como por exemplo, Renato
Pereira de Andrade da loja Combat Rock. Para Renato,
“(...) era difícil você ser punk naquele tempo, porque era uma coisa
que era ainda... a gente pegou ainda meio que no meio. O que está
acontecendo? Era a ditadura militar, né cara, então o negócio era
meio esquisito naquele tempo. E eu fazia um fanzine, a gente tinha
problema com a polícia, à violência era maior cara, e a gente tava
ali no meio, e eu tava tentando me encontrar ali. ‘pô o que eu quero
da vida, o que é o punk pra mim e o que é a política pra mim’. Ah ta,
ah a anarquia é legal, vamos ver o que é anarquia. ‘pô então, o que
é fascismo?’, vamos descobrir, ‘nacionalismo... oh!’. Uma vez um
cara me mandou uma carta, eu tenho até hoje, Frente Nacionalista
Brasileira, eu falei, ‘porra mas esse cara é nazista?’, ai a gente
começou a ver qual é que era a das coisas, a gente foi dividindo,
teve muita gente que caiu para a direita e outros caras foram pra
esquerda. Eu graças a Deus, eu fui pro lado é, como é que se diz?,
o lado bom da força.” (Renato Pereira de Andrade, 45 anos, São
Paulo, entrevista dia 30.09.2010)
As informações acerca dos acontecimentos mundiais eram ainda muito
distorcidas, e os próprios punks tinham que criar meios próprios de buscar
informações e de se comunicar aos demais, para desse modo irem
construindo um identidade própria. É devida a essa necessidade que surgem,
por exemplo, como citado na fala de Renato Pereira, os fanzines. Através da
criação de mídias alternativas os punks tentavam burlar a falta de informação
e a desinformação criada na época pelo regime antidemocrático e pelo
preconceito difundido pelos meios de comunicação sobre o movimento.
Segundo outro sujeito diretamente envolvido neste movimento à época, “[...]
Eu acho que a gente no fundo, no fundo, era moleque e o nível de politização que
37
nós tínhamos era muito rudimentar.” (Mao, Banda Garotos Podres, Documentário
“Botinada: A Origem do Punk no Brasil”. 2006).
Desse modo, com todas as dificuldades impostas pelo período, o punk
se estabelece praticamente de forma simultânea as notícias vindas da
Inglaterra, porém, o movimento aqui no Brasil e principalmente na cidade de
São Paulo, adquiriu características próprias como, por exemplo, a formação
de “gangues”.12
A existência de gangues se tornou uma característica marcante dentro
do movimento punk paulista. As gangues representavam características
próprias dos bairros da capital paulista que acabaram sendo incorporadas
pelo movimento. O “bairrismo” era algo que já existia entre os grupos de
amigos de bairro, portanto não pode ser encarado como uma característica
que surge com o punk, o que levaria a uma distorção do movimento, o
resumindo aos atos de violência muitas vezes praticados por essas gangues.
Na entrevista concedida por Hércules Santos13
fica mais clara a existência
prévia dos “bairrismo”, em relação ao movimento punk:
“(...) era o seguinte, (...) posso dizer assim, muito antes do
movimento punk, existem os chamados bairrismos. Então é aquela
coisa territorial tal, de invadir o território. Você tinha, mas era como
uma coisa de jogar futebol de uma vilinha contra a outra, e você
não poder ganhar dentro da vilinha do outro, entendeu? Da mesma
forma que você não podia namorar a menina de outra vila. Agora,
isso ai não veio do punk, isso ai é histórico, é cultural. Então não
pode dizer que “ah, eram formados”, não é que eram formados, já
existia, muito antes. Era rixa de vila.” (Hércules Santos, 48 anos,
São Bernardo – SP, entrevista dia 17.10.2010)
É importante esse parênteses a respeito da existência das gangues,
para evitarmos a assimilação a-crítica do senso comum, da opinião que no
imaginário popular se formou a respeito do movimento. A análise que
estamos propondo procura ir além também da forma até irresponsável com
12
“Mas, em diversos pontos da periferia de São Paulo, outras pessoas foram atraídas por esta
música. Entre elas, um grupo de 50 rapazes da Zona Norte de São Paulo, já interessados num som
underground – principalmente o rock pesado das bandas de Detroit, EUA. Já tinham gangues, quase
uma tradição entre os garotos de bairro” (Dez anos. E já passou a ser nostalgia. Mas o punk ainda
desperta interesses... - O Estado de São Paulo – 14/03/1986).
13
Hércules Santos é cartunista e no período de surgimento do punk na cidade de São Paulo morava no ABC,
participando ativamente do movimento que acontecia na cidade de São Paulo e em sua região metropolitana.
38
que os meios de comunicação, - através de generalizações grosseiras -
deslegitimam qualquer tipo de manifestação vinda da periferia, das
populações de menor poder aquisitivo, tentando enquadrá-los como meros
marginais por atos cometidos por alguns, e que mesmo que cometidos por
uma maioria, ganham um destaque que busca esconder todo o outro lado do
movimento, como a questão da denúncia social e da busca de alternativas
para uma situação socioeconômica e cultural que em um dado momento se
torna insustentável. Fica também claro este aspecto na entrevista concedida
por Hércules Santos; para ele,
“A violência não é um fator do movimento, não faz parte, nunca fez.
A única violência que era, entre aspas, que visualmente chocava as
instituições pré-estabelecidas na sociedade. Que como meu filho,
como sabe de repente pode botar um cara desse pra trabalhar com
esse visual, nunca valorizando a pessoa, e sim o visual. Isso ai a
gente fazia por contestação mesmo, mas hoje eu sei que tem várias
pessoas, vários que tão ai, sabe em cargos muitos bons, que são
extremamente competentes que foram punks assim como os
hippies. Então eu acho que é por ai.” 14
Redson via de forma negativa a existência de gangues no período,
porém tem uma análise da situação que em nosso entender não cai em
julgamentos reacionários. Não é possível entender a existência de gangues
sem contextualizar o período e a realidade em que isso acontece. Além da
questão do chamado “bairrismo”, que já existia na cidade de São Paulo no
período, a mesma é uma cidade violenta na forma em que se apresenta para
as pessoas, ou nas palavras do próprio Redson:
“Eu vou te dar um bom exemplo. José da Silva é o reggaeiro. Ele não tem
emprego, ele não tem perspectiva de vida. A família dele não tem também
perspectiva de vida. Ele é um reggaeiro, entendeu?. Mas o caos chega a um
ponto que começam a agredir a família dele verbalmente por eles serem
muito pobres. É estarem pedindo pra ele se tornar violento. E porque?
Porque o exemplo da cidade dele começa por ai. Então não é o punk que é
violento. A cidade de São Paulo é uma cidade que tem um grau de violência
incrível, absurdo. E a juventude mais revoltada é mais fácil de ser violenta do
14
Hércules Santos, 48 anos, São Bernardo – SP, entrevista dia 17.10.2010
39
que a juventude mais comportada e passiva. Então a gente pode dizer que a
violência no punk ela tem dois motivadores. Um deles é o fato de o cidadão
ser paulistano e morar e viver nessa cidade em que as vezes a educação e
exemplo que ele vê no dia-a-dia é que a violência é a única saída pra ele
resolver os seus problemas. E a outra motivação é que existem algumas
necessidades de deuses que os punks também não escaparam 100%. A
necessidade de criar posturas anarquistas e focos exagerados, fazem as
pessoas terem suas próprias teorias e filosofias prontas aonde elas não
aceitam que sejam criticadas, muito menos que sejam contrariadas. Daí os
grupos filosóficos, os grupos politizados exagerados, os que são, digamos
assim, radicalizados, eles criam problema com qualquer outro grupo que
passe pelo caminho, porque também está nesse mesmo grau que está
soltando faísca. E isso no início do punk era freqüente. O punk no início era
formado pelo pessoal mais violento, que tinham suas gangues, e eles
brigavam entre si. Pronto. Pra eles ser punk era mostrar-se macho, mostrar-
se guerreiro.15
Além da existência de gangues outra característica marcante do
movimento punk paulista é a pluralidade das bandas e sua grande
diversidade de sons e letras. Um movimento que permite as pessoas
diversos tipos de posturas, diversos tipos de pensamentos e de
questionamentos sobre o mundo a nossa volta. Isso permite uma maior
interação de idéias, e uma maior amplitude de abrangência do movimento
para os mais diversos cantos do mundo. Como mostra ainda o depoimento
de Redson,
“Eu acho engraçado porque o punk pra cada pessoa soa uma
postura. O punk não é algo que soa como um grupo formado de
pessoas que agem todas do mesmo jeito e pensam do mesmo
jeito. Na minha forma de pensar ele é um campo fértil, aonde
qualquer idéia que seja criatividade, que seja inovação consistente,
já que é contra o rock que tava ficando murcho. O punk é o Viagra
do rock’n’roll, ele dá um up. Aí ele é inventivo, ele não é uma coisa
que vai copiar. O punk não trás de volta o Elvis Presley, ele tem a
sua própria característica. Então por ser uma explosão cultural,
social, uma explosão humana tão intensa e que se espalhou com
tanta objetividade e obviedade pelo mundo (...)”.16
15
Redson, 49 Anos, banda Cólera, São Paulo – SP, entrevista dia 15.09.2011
16
Redson, 49 Anos, banda Cólera, São Paulo – SP, entrevista dia 15.09.2011
40
Da mesma forma que o punk não se trata de uma cópia do que já
existia dentro do rock, o punk brasileiro, e mais especificamente o de São
Paulo, não se tratava de uma cópia do que já existia de punk na Europa e
Estados Unidos. Redson exalta essa originalidade do punk feito em nosso
país: “Vamos ser honestos. Realmente o punk brasileiro é fantástico e hoje
muito respeitado lá fora por essa autenticidade, por a gente ser um punk local
mesmo”. Há uma enorme autenticidade nas composições, tanto nos arranjos
quanto nas letras, na forma de retratar o cotidiano e os assuntos de seu
interesse. Isto tornou o punk feito aqui no Brasil uma referência para o Mundo
todo, e além de tudo permitiu que surgisse um público próprio e identificado
com os temas abordados nas canções, tendo em vista que eram canções
feitas em português e que na maioria das vezes retratavam sentimentos e
situações por eles vividas.
“O que o punk trouxe, ele trouxe um campo fértil em que qualquer
cultura brota. Então o que favorece que você faz um punk local,
não tem que ser uma cópia da referência inglesa. Nós seguimos o
básico, o arroz e feijão, mas a mistura é a gente quem faz. Nós
vamos por aqui um pouquinho de punk vatapá, então vamos dar a
nossa característica. Isto perpetuou-se até hoje, aonde as bandas
cantam em português, mesmo, passamos aí por uma fase em que
se cantava em inglês, mas existe essa expectativa do público de
ver música ao vivo, música própria (...)”.17
O movimento punk paulistano surge desse modo, em um contexto
político desfavorável para manifestações artísticas e movimentos sociais que
fossem contrários a ordem estabelecida e, sobretudo questionadores da
mesma, servindo, como evidenciado nas entrevistas destacadas, como uma
forma desses jovens participantes do movimento exteriorizarem suas
frustrações, anseios, revoltas e perspectivas a respeito do mundo e do seu
cotidiano. Nos últimos capítulos desse trabalho abordaremos mais
especificamente os meios criados pelo movimento para colocar em prática
seus ideais, partindo do pressuposto que o mesmo se trata de uma "contra-
racionalidade" surgida nos interstícios da metrópole e através da análise de
17
Redson, 49 Anos, banda Cólera, São Paulo – SP, entrevista dia 15.09.2011
41
suas formas precárias de organização e de suas manifestações além das
técnicas "não-hegemônicas" que os agentes do movimento punk utilizam.
42
3. O movimento punk como uma "contra-racionalidade"
surgida nos interstícios da metrópole
O movimento Punk paulista dos anos 1980 pode ser considerado
como um movimento típico dos espaços urbanos sobre a influência do
denominado circuito inferior da economia urbana. Diante das já
conhecidas características do circuito inferior da economia urbana, podemos
relacionar as mais variadas características do movimento Punk com as das
atividades ligadas ao circuito inferior.
Em sua maioria, os membros do movimento no período eram jovens
desempregados, ou quando trabalhavam, em sua maioria eram office-boys18
,
com um salário muito baixo, e insuficiente para a satisfação de suas
necessidades, como por exemplo, a aquisição de discos de vinil de bandas
de Punk Rock estrangeiras. Anselmo, baixista do grupo Inocentes, relata no
documentário “Botinada: A Origem do Punk no Brasil”, a dificuldade
enfrentada por eles na época: “você deixava de comprar uma calça pra
comprar um disco de punk rock. E era super difícil”. No mesmo documentário,
Mineirinho, do Grupo Punk-SP afirma: “nossa pra você conseguir um vinil era
o pagamento do mês.”
Essa é uma característica típica das cidades dos países não
desenvolvidos, como evidencia Milton Santos19
, onde encontramos em um
mesmo espaço um grande número de pessoas com salários baixos,
sobrevivendo de atividades econômicas não estáveis, o que impossibilita o
seu acesso aos bens e serviços disponíveis nesse meio urbano, convivendo
simultaneamente com parcelas privilegiadas em menor número. Este fato
gera nesse mesmo espaço uma diferença entre aqueles que têm acesso
permanente aos bens e serviços urbanos e os que o têm apenas
18
profissional que trabalha em escritórios exercendo variadas tarefas, como o transporte de
correspondências, documentos, objetos e valores, dentro e fora das instituições, para além de efetuar
serviços bancários e de correio, depositando ou apanhando o material e entregando-o aos
destinatários.
19
“A existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos ou vivendo de atividades
ocasionais, ao lado de uma minoria com rendas muito elevadas, cria na sociedade uma urbana uma
divisão entre aqueles que podem ter acesso de maneira permanente aos bens e serviços oferecidos e
aqueles que, tendo as mesmas necessidades, não tem condições de satisfazê-las. Isto cria ao mesmo
tempo diferenças quantitativas e qualitativas no consumo. Essas diferenças são a causa e o efeito da
existência, ou seja, da criação ou da manutenção, nessas cidades, de dois circuitos de produção,
distribuição e consumo dos bens e serviços.” (SANTOS, p.37, 2004).
43
eventualmente. Essa diferença das possibilidades de consumo nos centros
urbanos estaria na gênese dos, já mencionados, circuitos da economia
urbana.
Tendo em vista as dificuldades para a obtenção dos discos importados
a forma utilizada pelos punks para socializar as músicas dos discos, que
eram de interesse de todos os integrantes do movimento era a transformação
desses discos de vinil em fitas K7, para posteriormente serem distribuídas
entre os punks. “Esses discos viravam dezenas de fitinhas, porque era o lado
cooperativo que existia” (Vladi, grupo Uster). 20
Uma das principais características do circuito inferior é o seu potencial
criativo, as diversas formas alternativas encontradas pelos membros do
circuito para satisfazerem as suas necessidades, tendo em vista seu baixo
poder aquisitivo.
O movimento punk, como já abordado anteriormente, tem a música
como a sua principal manifestação, como o principal meio desses jovens
expressarem suas angústias e anseios, acerca de um Mundo que lhes é
estranho, distante e, portanto, opressor. As dificuldades encontradas por eles
para a formação das bandas, que se tornariam futuramente referências do
movimento, eram inúmeras. Iam desde a falta de locais para ensaio, às
dificuldades para se adquirirem instrumentos, até ao fato de eles não
saberem tocar os instrumentos, pois nunca tiveram a oportunidade de
tomarem aula dos mesmos.
Redson, vocalista do grupo “Cólera”, relata as dificuldades
encontradas para montar o grupo na época, e as alternativas encontradas por
eles para vencerem as dificuldades: “No início a gente não tinha nada. A
nossa bateria era um sofá, uma poltrona, a gente só tinha duas baquetas e
dois violões. “Não, vamos dar tudo o que a gente tem pra montar essa
banda.” 21
E aí surgiu o “Cólera”, dessa forma.”
Esses aspectos abordados são apenas alguns dos inúmeros que
serão levantados nessa última parte da pesquisa, que parecem permitir uma
20
Documentário Botinada: A Origem do Punk no Brasil. 2006. Dirigido e produzido por Gastão Moreira.
ST2 Videos, 2006.
21
Documentário Botinada: A Origem do Punk no Brasil. 2006. Dirigido e produzido por Gastão Moreira.
ST2 Videos, 2006.
44
explicação para o movimento a partir do resgate de parte da chamada “teoria
dos dois circuitos da economia urbana”, e em especial do “circuito inferior” da
economia urbana. Pretendemos agora justificar o porquê de esse movimento
poder ser enquadrado como um dos fatores que evidenciam essa mudança
em marcha a qual se referia o professor Milton Santos, destacada na
apresentação do trabalho. 22
Essa mudança em marcha no qual o movimento Punk está inserido
terá seu maior expoente nas grandes cidades, embora não podemos
descartar a grande importância de movimentos como o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, que é um movimento tipicamente
rural que luta pela reforma agrária brasileira e por uma reestruturação da
sociedade como um todo, e até mesmo a importância de outros movimentos
em outros países, como por exemplo as Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia, FARC, um grupo guerrilheiro afastado das cidades, que luta à
décadas pela revolução socialista na Colômbia, e o Exército Zapatista de
Libertação Nacional, EZLN, no México, que é outro movimento muito
importante e que tem muito a se somar nesse contexto de mudança, mas que
também é tipicamente rural.
Em entrevista publicada pela revista Caramelo nº7, no ano de 1994,
Milton Santos coloca a importância dos pobres nas grandes cidades como
“guardiões da cultura”, o que pode ser entendido como resistentes a esse
processo de homogeneização cultural imposta pelos agentes hegemônicos,
sobretudo, no pós Segunda Guerra.
“A cidade atrai e guarda pessoas com os mais diferentes níveis de
renda, e a modernidade não é extensível a todas. Os pobres são
guardiões da cultura exatamente porque não têm acesso à
modernidade, às modas; eles são muito ligados ao que há de
profundo, o que surge da relação íntima com o território. (...) (eles)
não têm acesso às coisas, e as coisas corrompem por si sós. Os
objetos têm a sua própria linguagem, que é transmissora de
22
“Estamos convencidos de que a mudança histórica em perspectiva provirá de um movimento de
baixo para cima, tendo como atores principais os países subdesenvolvidos e não os países ricos; os
deserdados e os pobres e não os opulentos e outras classes obesas; o indivíduo liberado que partícipe
das novas massas e não o homem acorrentado; o pensamento livre e não o discurso único.” (SANTOS,
p.14, 2005).
45
ideologia, e esses objetos faltam ao homem pobre. É por isso que a
cidade, no meu modo de ver, é o lugar da redenção possível,
porque ela reúne muitos pobres e porque é impossível modernizá-
la toda. São Paulo a muito tempo desistiu dessa modernização
total. A fluidez do território paulistano vai diminuindo; essa bendita
opacidade aumenta, e é isso que faz com que haja uma reação à
expansão sem limite do racional, dessa racionalidade perversa, e
isso permitiria um planejamento. As áreas ricas, as áreas fluidas,
não admitem planejamento, porque o mercado tem mais força que
o Estado.” (SANTOS, Milton. p.96. 1994).
Inúmeras são as músicas punks do período que retratam situações
cotidianas urbanas vividas pelos seus membros. Músicas de denúncia.
Algumas, meros retratos reveladores dessa realidade, outras questionadoras
dessa situação, e parte delas propositivas de mudanças mais profundas.
Como, por exemplo, a música, em destaque, “Rotina” do grupo Inocentes,
onde é retratada a rotina maçante de um trabalhador na grande cidade:
“Acorda cedo para ir trabalhar / O relógio de ponto a lhe observar /
No lar esposa e filhos a lhe esperar / Sua cabeça dói, um dia vai
estourar, com essa Rotina! / Sua cabeça dói, não consegue pensar
/ As quatro paredes a lhe massacrar / Daria tudo pra ver o que
acontece lá fora / Mesmo sabendo que não iria suportar essa
Rotina / Até quando ele vai aguentar? / No lar sua esposa lhe serve
o jantar / Seus filhos brincam na sala de estar / Levanta da poltrona
e liga a TV / Chegou a hora do programa começar / O homem da
TV lhe diz o que fazer / lhe diz do que gostar, lhe diz como viver /
Está chegando a hora de se desligar / A sua esposa lhe convida
para o prazer / Rotina! / Até quando ele vai aguentar?”23
As pessoas se vêm presas a uma vida, a uma rotina que lhes é
estranha, sem muitas vezes saberem o porquê o fazem, ou o porquê é feito
dessa forma, diversos são os motivos que explicam o porquê desse
estranhamento perante o mundo da grande maioria das pessoas, “neste
mundo globalizado, a competitividade, o consumo, a confusão dos espíritos
constituem baluartes do presente estado das coisas. A competitividade
comanda nossas formas de ação. O consumo comanda nossas formas de
23
Clemente Nascimento e Marcelino. Música “Rotina”. Disco Pânico em SP. Warner. 1986.
46
inação. E a confusão dos espíritos impede o nosso entendimento do mundo,
do país, do lugar, da sociedade e de cada um de nós mesmos.” (SANTOS,
Milton. p.46. 2005).
Existem momentos que grupos tomam a consciência dessa situação, e
começam a agir de forma a reverter essa situação, passam a denunciar, a
questionar e a se negar a reproduzir a sociedade da forma que lhes é
apresentada, as músicas do movimento punk em diversos momentos revelam
essa tomada de consciência, como a música Amnésia, do grupo Cólera
“Como bala de canhão / Isso pesa na consciência / Tenho bronca
da rotina / Com vontade de agredir / Eu já repeti demais / E a minha
decisão / É voltar a dizer não / É voltar a dizer não / Demais, já
repeti, já esperei / Já me cansei demais... / Isso é vida de animal / E
assim não é legal / Tenho bronca da rotina / A vontade é destruir /
Eu já repeti demais / E a minha decisão / É voltar a dizer não / É
voltar a dizer não / Demais, já repeti, já esperei / Já me cansei
demais...”24
O professor Milton Santos sintetiza de forma muito clara em seu livro
“Por Uma Outra Globalização” essa tomada de consciência das populações
marginalizadas nos grandes centros urbanos, apesar de nunca ter se
aprofundado no estudo de um movimento como o movimento punk, a sua
análise expressa de forma acadêmica o que os punks expressavam em suas
canções de insatisfação com o cotidiano estranho aos seus anseios.
Expondo de que modo uma configuração sócio-espacial segundo os
interesses hegemônicos no atual período da globalização gera ao mesmo
tempo um movimento contrário a todo esse processo, graças às relações
geradas entre esses indivíduos a margem da sociedade, algo que somente
se torna possível nas cidades.
“O território tanto quanto o lugar são esquizofrênicos, porque de um
lado acolhem os vetores da globalização, que neles se instalam
para impor sua nova ordem, e, de outro lado, neles se produz uma
contra-ordem, porque a uma produção acelerada de pobres,
excluídos, marginalizados. Crescentemente reunidas em cidades
24
Redson. Música “Amnésia”. Disco “Tente Mudar O Amanhã”. 1985
47
cada vez mais numerosas e maiores, e experimentando a situação
de vizinhança (que, segundo Sartre, é reveladora), essas pessoas
não se subordinam de forma permanente à racionalidade
hegemônica e, por isso, com freqüência podem se entregar a
manifestações que são a contraface do pragmatismo. Assim, junto
à busca da sobrevivência, vemos produzir-se, na base da
sociedade, um pragmatismo mesclado com a emoção, a partir dos
lugares e das pessoas juntos. Esse é, também, um modo de
insurreição em relação a globalização, com a descoberta de que, a
despeito de sermos o que somos, podemos também desejar ser
outra coisa. Nisso o papel do lugar é determinante.” (SANTOS,
Milton. p.114. 2005).
As músicas do movimento, que são a representação direta do meio
que esses jovens vivem e do sentimento que esse meio lhes causa, só
comprovam o fato de que o lugar é determinante em todo esse processo de
mudança, e de criação de consciências. Consciências anti-hegemônicas, que
vão à contramão das chamadas “racionalidades”, e que questionam essa
racionalidade perversa.25
O contato com as mesmas é uma forma muito rica
de entendermos parte dessa realidade vivida por esses jovens e como essa
interação com o espaço, nas palavras do professor Milton Santos,
“esquizofrênico”, cria a consciência de parte da população excluída no
processo. Músicas como a em destaque, “Em Você”, do grupo Cólera e a
“Proletários”26
do grupo Garotos Podres, são apenas um dos exemplos do
sentimento causado por um espaço onde convivem exploradores e
explorados e da tomada de consciência de classe por parte dessa população:
“Eles comem, vocês têm fome. / Eles bebem, vocês tem sede. /
Eles dormem, vocês tem sono. / Eles compram, vocês carregam / -
Você que é honesto tem um ar sombrio / Um ar de revolta / O preço
dolorosa pra sobreviver / Que causa esta raiva. / Quem pode mais,
25
“(...) Na cidade, as irracionalidades se criam mais numerosa e incessantemente que as
racionalidades, sobretudo quando há, paralelamente, produção da pobreza. Este é o fundamento da
esquizofrenia do lugar.” (SANTOS, Milton. p.115. 2005).
26
“Já não acreditamos / Em nenhuma teoria / Falsas verdades / Da elite minoria / Arreiem todas
bandeiras / Destruam todas as fronteiras / Todo proletário / Se libertar / Do Estado / Deixamos os
generais / Sem exércitos / Os patrões sem empregados / Os demagogos sem nossos votos / Os
exploradores / Sem explorados / Proletários / De todo mundo / Sobre as ruínas / Da hipocrisia /
Marchem ombro a ombro / De cabeças erguidas”. (Mau e Ciro. Música “Proletários”. Disco “Pior Que
Antes”. 1988)
48
vai sobreviver. / Quem pode mais, vai pisar em você! / Eles olham o
mundo como o arco-íris / Todo colorido... / Beleza, flor e amor,
dinheiro e poder / E status social / Quem pode mais, vai
sobreviver. / Quem pode mais, vai pisar em você”. 27
Desse modo, através de suas músicas, botando em prática o “Faça
você Mesmo”, que será abordado de forma mais detalhada no decorrer da
pesquisa, o Movimento punk contribui, somando forças as demais idéias anti-
globalização, anti-pensamento único, idéias revolucionárias, por um mundo
que gire em torno de lógicas não perversas e criadoras de desigualdades
como as atuais.
Nos subitens adiante daremos maior destaque a localização e aos
locais de freqüentação dos punks na cidade, assim como a estética criada
por eles e suas músicas, dando, desse modo, os subsídios necessários para
afirmarmos que o mesmo é um movimento que surge nos
interstícios da metrópole paulistana, para no capítulo seguinte nos atermos
com maior profundidade nas formas utilizadas pelo movimento para a sua
organização, mesmo que de forma precária, e reprodução enquanto tal
através de suas manifestações artísticas e das técnicas utilizadas, com
destaque para a idéia mencionada do “Faça Você Mesmo”.
3.1. A localização periférica da população que faz parte do movimento
punk
As já citadas gangues existentes no período eram encontradas no
ABC e nas mais variadas regiões da periferia da Cidade de São Paulo. Um
bairro que concentrava um grande número de punks no período e que muitos
consideram o local de origem do punk no Brasil é o bairro da Vila Carolina, na
Zona Norte de São Paulo, entre o bairro do Limão e da Freguesia do Ó, em
destaque na imagem 1:
27
Redson. Música “Em Você”. Disco “Tente Mudar O Amanhã”. 1985
A Apropriação pelo Movimento Punk Paulistano dos anos 70/ 80 do “Circuito Inferior da Economia Urbana”, Caio Uehbe, 2011, Trabalho de Geografia Individual, FFLCH-USP - Geografia
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A Apropriação pelo Movimento Punk Paulistano dos anos 70/ 80 do “Circuito Inferior da Economia Urbana”, Caio Uehbe, 2011, Trabalho de Geografia Individual, FFLCH-USP - Geografia

  • 1. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA Trabalho de Geografia Individual A Apropriação pelo Movimento Punk Paulistano dos anos 70/ 80 do “Circuito Inferior da Economia Urbana” Caio Nascimento Uehbe n° Usp: 5683652 Orientador: Prof.Dr. Fábio Betioli Contel São Paulo 2011
  • 2. 2 Agradecimentos Nesse período de graduação no curso de geografia, na Universidade de São Paulo, onde tive o prazer de conviver com colegas e professores que não poderiam ficar de fora de forma alguma na conclusão dessa etapa de vida. Pessoas essas que contribuíram de forma indireta e direta na minha formação que teve como resultado, entre tantas outras coisas, nesse trabalho de conclusão de curso que lhes apresento. Agradeço aos sempre amigos nesse percurso de graduação Caio Jorge Zarino (Kio), Júlio Silva Fonseca, Danilo Cardoso, Charles Thompsom, Rodrigo (Digão), Antonio Afonso (Pafa), Janaína Moraes, Vitor Siqueira (Vitão), Lígia Petrini, Caio (Mococa) e tantos outros. Aos grandes mestres e professores com quem tive o prazer de conviver na graduação André Roberto Martin, Armen Mamigonian, Élvio Rodrigues Martins, Francisco Capuano Scarlato, Glória da Anunciação Alves, Heinz Dieter Heidemann, Léa Francesconi, Maria Mónica Arroyo, Ricardo Mendes Antas Junior, Ricardo Musse, Sonia Maria Vanzella Castellar e Valéria de Marcos. Aos grandes companheiros de Partido dos Trabalhadores Juliana Borges, Maria Alice, Cid Barbosa, Lelo Purini, Maira Pinheiro, Gabriel Landi, Matheus Ribas, André Mendes, Vitor Quarenta e tantos outros com quem tive o prazer de aumentar meus laços de amizade e militância nesse período de graduação. Aos familiares, tios, primos e avós que sempre deram apoio nas minhas escolhas e decisões. Ao sempre amigo Pedro Henrique Nieto de Almeida. Aos companheiros de banda atuais e passados Cesar Hiro, Felipe (Boi), Ricardo Faga Martines, Raphael Borghi, Paulo Vinicius, William Lopes, Gianpaulo, Felipe Simões (Limão) e em especial ao grande amigo, que nos deixou no início desse ano de 2011, Kenzo Simambukulo, descanse em paz grande companheiro.
  • 3. 3 Aos amigos geógrafos e companheiros de profissão Alex, Antonio (Gordo), Nando, Raphael (Tim), Sussa. Agradecimentos Especiais Meus pais Issa e Idalina, pelo apoio em minhas escolas e por toda a educação que contribuiu de forma decisiva nas minhas escolhas e opiniões. A minha querida Irmã Lais. Pelo companheirismo, apesar das inevitáveis brigas de irmãos, mas que no fim de tudo sempre esteve ao meu lado. A minha tia, madrinha e geógrafa, Elisabet Gomes que sempre me ajudou e apoiou seja na graduação e em tudo na vida. Ao meu orientador Fabio Betioli Contel, pela paciência com a minha falta de tempo para a conclusão do meu trabalho, por sua enorme dedicação e pelos ensinamentos que levarei por toda a vida. Aos grandes amigos que contribuíram com esse trabalho através de seus relatos sobre o que viveram no período, Clemente Nascimento, Hércules Santos e Renato Pereira. E dedico esse trabalho em especial à memória de meu grande amigo Redson Pozzi. Com quem tive o enorme prazer de conviver por quase 10 anos da minha vida, quando montei minha primeira banda em 2002 com grande influência de sua genialidade musical, tendo a oportunidade de tocarmos juntos anos depois. Redson contribuiu de forma determinante para a conclusão desse trabalho e para que acontecesse no período grande parte do que apresento nesse trabalho. Infelizmente Redson nos deixou de uma forma inesperada, no dia 27 de setembro de 2011, exatamente 13 dias após me conceder uma entrevista para a conclusão do trabalho. Descanse em paz companheiro.
  • 4. 4 “Punk Rock é vida - É autonomia O expressar sincero - É autonomia Quero entender, Você e Eu Eu não quero as regras - Quero autonomia Não cultivo as guerras Quero a liberdade pra tentar Faça você mesmo, faça pra entender Crie um mundo novo Era, Era, Era de criar o novo Era, Era, Era de estar e ser autônomo Assumir os erros - É autonomia Repensar os meios Quero ser e me expressar também Eu agora penso, abro a minha mente Quero a liberdade pra tentar.” (Música “ERA”, Redson Pozzi, Grupo Cólera, Disco “Caos Mental Geral” de 1998)
  • 5. 5 Sumário 1. O Circuito Inferior da Economia Urbana e o Movimento Punk: Definições e conceitos................................................................................. 9 1.1. Introdução – justificativa da pesquisa e metodologia ............................... 9 1.2. A Teoria dos Circuitos da Economia Urbana – alguns apontamentos iniciais........................................................................................................... 13 1.3. O movimento Punk: origens – o surgimento do punk, suas características, identidade, idéias e formas de manifestação ....................... 16 1.4. A cidade de São Paulo e o Modo de Acumulação Flexível .................... 24 2. O Movimento Punk Paulistano .............................................................. 31 2.1. Origens, influências e características próprias (uma aproximação a partir de depoimentos e entrevistas)...................................................................... 31 3. O movimento punk como uma "contra-racionalidade" surgida nos interstícios da metrópole ........................................................................... 42 3.1. A localização periférica da população que faz parte do movimento punk ..................................................................................................................... 48 3.2. A baixa renda e as ocupações "sem status" dos membros do movimento e a freqüência a lugares "não-hegemônicos" (galeria do rock, centro histórico da cidade,"inferninhos" etc.) ......................................................................... 51 3.3. A estética "combativa" das músicas e da vestimenta............................. 54 4. As formas precárias de organização do movimento e de suas manifestações artísticas e as técnicas "não-hegemônicas" que os agentes do movimento punk utilizam ....................................................... 59 4.1. A idéia do "faça você mesmo" (isso é: uma ausência total de "organização") .............................................................................................. 60 4.2. As primeiras bandas - obtenção de instrumentos e aparelhagem e os estúdios improvisados .................................................................................. 64 4.3. As dificuldades para organização dos shows......................................... 70 4.4. Ausência de empresários e de gravadoras. A Gravação de discos e criação de Selos Independentes................................................................... 75 4.5. Formas de divulgação alternativas (fanzines, fitas K7 e correspondências - reutilização de selos).................................................................................. 79 4.5.1. Fanzines ..........................................................................................................80 4.5.2. Fitas K7............................................................................................................88 4.5.3. Correspondências (Reutilização de Selos)................................................91 5. Conclusão ............................................................................................... 93 6. Bibliografia.............................................................................................. 96
  • 6. 6 7. Anexos .................................................................................................... 98 7.1. Entrevista Renato Pereira de Andrade, 45 anos – Combate Rock 30.09.2010 – São Paulo - SP ....................................................................... 98 7.2 Entrevista Hércules Santos, 48 Anos, 17.10.2010, ABC – São Bernardo ................................................................................................................... 104 7.3. Entrevistas Clemente Nascimento (banda Inocentes), 47 Anos, 11.11.2010, São Paulo - SP ....................................................................... 107 7.4. Entrevista Redson Pozzi (banda Cólera), 49 Anos, 15.09.2011, São Paulo – SP ................................................................................................. 111
  • 7. 7 “Estamos convencidos de que a mudança histórica em perspectiva provirá de um movimento de baixo para cima, tendo como atores principais os países subdesenvolvidos e não os países ricos; os deserdados e os pobres e não os opulentos e outras classes obesas; o indivíduo liberado que partícipe das novas massas e não o homem acorrentado; o pensamento livre e não o discurso único.” (SANTOS, p.14, 2005). Este trecho do livro “Por Uma Outra Globalização”, expressa o motivo pelo qual escolhi como objeto de estudo o movimento Punk paulista dos anos 1980, tendo vista que o mesmo é um movimento sócio-político-cultural típico das camadas oprimidas e excluídas das cidades. Levando como válida tal afirmativa do professor Milton Santos, acho de extrema importância uma análise mais aprofundada dos possíveis atores dessa mudança histórica em marcha, atores que tenho a convicção de que não serão únicos nem isolados, mas que serão sim, a somatória de momentos históricos e experiências transformadoras, que num futuro próximo terão sim as reais condições de se tornarem sujeitos históricos transformadores. “O processo de tomada de consciência não é homogêneo, nem segundo os lugares, nem segundo as classes sociais ou situações profissionais, nem quanto aos indivíduos. A velocidade com que cada pessoa se apropria da verdade contida na história é diferente, tanto quanto a profundidade e coerência dessa apropriação.” (SANTOS, p.168. 2005). Tendo em vista tais considerações, essa pesquisa analisará o movimento destacado, sob a perspectiva de que o mesmo é resultado direto de uma segregação econômica, social e espacial, no qual, dentro desse processo de segregação, o movimento teria se desenvolvido naquelas parcelas do espaço urbano pertencentes ao “circuito inferior da economia”, como definiu o Prof. Milton Santos ([1979] 2004). Nossa pesquisa procura retomar a idéia de que este circuito não se explica por si só, assim como não explica toda a complexidade de um movimento sócio-cultural tão significante quanto o Movimento Punk Paulista, porém várias das características do
  • 8. 8 movimento nos autorizaram a pensar na sua formação em relação ao crescimento do circuito inferior. É a partir deste pano de fundo inicial que procuraremos construir nosso argumento.
  • 9. 9 1. O Circuito Inferior da Economia Urbana e o Movimento Punk: Definições e conceitos 1.1. Introdução – justificativa da pesquisa e metodologia O entendimento do espaço geográfico, de sua organização e das manifestações culturais resultantes desse espaço humanamente organizado, é a preocupação principal desse trabalho, e requer uma profunda análise histórica dos processos pelo qual esse espaço em questão passou. Pela própria característica de uma monografia de final de curso, esta investigação não visa a criação de teorias gerais para as mais diversas manifestações culturais encontradas pelas diversas partes do Mundo, mas pretende sim realizar um aprofundamento na discussão da importância desses movimentos de resistência, assim como procura aumentar a compreensão dos fatores causais que colaboram para a existência dos mesmos. Neste sentido, um recorte desse “todo” será necessário. Tendo em vista tal consideração, o trabalho abordará, num primeiro momento, manifestações sócio-culturais presentes no espaço urbano dos países subdesenvolvidos, dando destaque para o caso Brasileiro. Não é a intenção do mesmo aprofundar-se no estudo das cidades e de sua organização, porém será de extrema importância para o desenvolvimento desse trabalho a abordagem do tema. O objetivo do estudo será compreender as manifestações culturais resultantes do processo de desenvolvimento desigual e contraditório nos países subdesenvolvidos e da configuração sócio-espacial estabelecida por esse processo. Dentre as diversas manifestações culturais significativas encontradas na Cidade de São Paulo ao longo das últimas décadas, abordarei especificamente o chamado “Movimento Punk”, que teve seu surgimento entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 1980. Um “parênteses” metodológico se faz necessário nesse momento. O estudo geográfico de manifestações culturais pressupõe a análise das interações entre o espaço e as pessoas que se organizam nesse espaço. Como salientou o Prof. Milton Santos
  • 10. 10 “(...) Se a geografia deseja interpretar o espaço humano como o fato histórico que ele é, somente a história da sociedade mundial aliada à sociedade local pode servir como fundamento da compreensão da realidade espacial e permitir sua transformação a serviço do homem. Pois a história não se escreve fora do espaço e não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social” (SANTOS, 2005, p. 22), Para pensarmos com maior recuo histórico sobre este caráter humano do espaço geográfico, vale lembrar ainda a problematização fundamental feita por Karl Marx e Friedrich Engels em seu livro “A Ideologia Alemã”, a respeito do processo de formação da consciência humana. Segundo os fundadores da moderna economia política, “O modo como os homens produzem os seus meios de vida depende, inicialmente, da natureza dos próprios meios de vida encontrados e a produzir. Este modo de produção não deve ser considerado no seu mero aspecto de ser a reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se já, isto sim, de uma forma determinada de atividade desses indivíduos, de uma forma determinada de exteriorizarem a sua vida, de um modo de vida determinado. O que eles são coincide, portanto com a sua produção, tanto com o que produzem quanto também com o como produzem. Portanto, o que os indivíduos são depende das condições materiais da sua produção” (MARX e ENGELS, . 1845/1846, p.24). O entendimento das diversas formas de organização do ser humano, dos diversos modos de produção e técnicas utilizados pelo homem, assim como das mais variadas formas de cultura e suas manifestações, passa pelo estudo do espaço geográfico, sobre o qual essa população está presente. Espaço esse que nos dias atuais ganha status de território, tendo em vista que esse espaço já é um espaço humanamente ocupado, organizado e racionalizado. “A produção das idéias, representações, da consciência está de início imediatamente entrelaçada com a atividade material e o
  • 11. 11 intercâmbio material dos homens, linguagem da vida efetiva” (MARX e ENGELS, 1845/1846, p.31). O geógrafo Milton Santos, assim como Karl Marx e Friedrich Engels, exalta a importância das “condições materiais” como fatores determinantes da vida social. Para o primeiro pensador, o espaço geográfico é a categoria que permite entender a influência destas “condições materiais” na formação das consciências humanas, tema esse muitas vezes esquecido ou abandonado pela geografia mais tradicional. Porém, mais do que nunca, se faz necessário esse resgate do papel do território, e dos usos que são feitos dele, para a compreensão das mais diversas manifestações sociais e culturais, em um tempo de extrema racionalização hegemônica dos territórios, segundo lógicas perversas e interesses individuais prevalecentes aos coletivos. Segundo proposta do referido geógrafo, “(... )o território não é um dado neutro, nem um ator passivo. Produz-se uma verdadeira esquizofrenia, já que os lugares escolhidos acolhem e beneficiam os vetores da racionalidade dominante mas também permitem a emergência de outras formas de vida. Essa esquizofrenia do território e do lugar tem um papel ativo na formação da consciência. O espaço geográfico não apenas revela o transcurso da história como indica a seus atores o modo de nela intervir de maneira consciente.” (SANTOS, 2005, p.80 ) O estudo da manifestação cultural em questão, portanto, será realizado como mostraram há tempos Karl Marx e Friedrich Engels, “Não se parte do que os homens dizem, imaginam, se representam, também não de homens ditos, pensados, imaginados, representados, para aí se chegar aos homens de carne e osso; parte-se de homens efetivamente ativos, e a partir do processo efetivo de vida deles é também apresentado o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida” (MARX e ENGELS. 1845/1846, p.31). A partir, portanto, do estudo da “formação sócio-espacial” brasileira, e das manifestações desta formação nos meios urbanos, poderemos identificar os agentes e processos que estão na gênese do Movimento Punk paulista
  • 12. 12 dos anos 1980. Não partiremos, portanto, da análise “ideológica” desse movimento para entendê-lo, o que resultaria numa análise ligada apenas à “superestrutura” da formação socioespacial brasileira; buscaremos identificar a complexidade do processo de formação dos movimentos sócio-culturais, incluindo os aspectos “materiais” deste processo. “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência” (MARX e ENGELS, 1845/1846, p.193), desse modo pensarmos estar partindo da causa, do determinante, e não do efeito, do resultado. Como já foi explicitado anteriormente, nos apoiaremos também na materialidade expressada pela feição espacial das sociedades, e dos diversos modos de produção que se reproduzem de forma combinada e contraditória no território, sendo a categoria de “formação socioespacial” – derivada principalmente do conceito de “formação econômica e social” – a mais adequada para a elaboração teórica em questão; nos parece mais adequada exatamente por dizer “(...) respeito a evolução diferencial das sociedades, no seu quadro próprio e em relação com as forças externas de onde mais frequentemente lhe provém o impulso”. “(...) sendo que a própria base da explicação é a produção, isto é, o trabalho do homem para transformar, segundo leis historicamente determinadas, o espaço com o qual o grupo se confronta”. (SANTOS, 2005, p.22). Essa abordagem da Formação Econômica e Social tem uma intima relação com o espaço geográfico, pois “Aceitá-la sem levar em conta o espaço levaria a aceitar o erro da interpretação dualista das relações Homem-Natureza. Natureza e Espaço são sinônimos, desde que se considere a Natureza como uma natureza transformada, uma segunda natureza, como Marx a chamou” (SANTOS, 2005, p.22). Será esse estudo de nossa “formação socioespacial”, e em especifico de suas repercussões na cidade de São Paulo, que nos permitirá, tendo em vista uma abordagem materialista da história, compreender o meio no qual se originou o movimento Punk Paulista, com as suas diversas peculiaridades em
  • 13. 13 relação a esta manifestação ocorrida em outras partes do Mundo e até mesmo do território nacional. 1 A “formação socioespacial” (diretamente inspirada no conceito leninista de Formação Econômico-social) está ligada as formas concretas em que os modos de produção se dão no espaço geográfico. Porém não podemos cair no engano de julgar que ambos são sinônimos. Para Milton Santos (2005, p. 27): “O conceito de modo de produção está ligado a um modelo explicativo, isto é, um conjunto coerente de hipóteses nascidas da consideração de elementos comuns a uma série de sociedades que se consideram pertencentes a um mesmo tipo. Pelo contrário, o conceito de Formação Econômica e Social está sempre ligado a uma realidade concreta, suscetível de localização histórico- temporal” (J.G. Caravaglia, 1974. p.7 apud. Santos, Milton. 2005. p.27.). Podemos, desse modo, encontrar num mesmo recorte espaço- temporal a materialização de modos de produção distintos que se intercalam e interagem dialeticamente. O surgimento de um novo modo de produção não é pressuposto para a eliminação imediata de todos os modos de produção anteriores; portanto, podemos dizer que é dessa forma que o espaço pode ser considerado como uma “acumulação desigual de tempos”.2 1.2. A Teoria dos Circuitos da Economia Urbana – alguns apontamentos iniciais. Dentre as diversas teorias existentes para explicar a dinâmica desse espaço urbano desigual dos países subdesenvolvidos, destaca-se a teoria dos dois circuitos da economia urbana, do Prof.Dr. Milton Santos, exposta em sua obra “O Espaço Dividido” de 1979. 1 O conceito de “formação socioespacial” nos ajuda a pensar nesta relação entre a totalidade e as particularidades dos lugares – ou processos locais. Para Milton Santos, “É preciso definir a especificidade de cada formação, o que a distingue das outras, e, no interior da Formação Econômica e Social, a apreensão do particular como uma fração do todo, um momento do todo, assim como o todo reproduzido numa de suas frações” (SANTOS, 2005, p. 25). 2 SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem. Hucitec. 1982.
  • 14. 14 Acreditamos que uma das melhores formas de análise do processo formador das consciências humanas – que resultariam em movimentos sócio-culturais nos países subdesenvolvidos –, sob uma perspectiva materialista, passa pela compreensão teórica dos circuitos da economia urbana. Observando este processo de formação das consciências como um resultado do processo histórico e econômico segregador verificado nesses países, é possível identificar como ocorrem também as mais variadas diferenciações de renda, o que leva a uma seleção pelo dinheiro. Segundo Milton Santos o espaço urbano nos países subdesenvolvidos seria dividido em dois circuitos econômicos, o circuito superior e o circuito inferior, sendo que “O circuito superior originou-se diretamente da modernização tecnológica e seus elementos mais representativos hoje são os monopólios. O essencial de suas relações ocorre fora da cidade e da região que os abrigam e tem por cenário o país ou o exterior. O circuito inferior, formado de atividades de pequena dimensão e interessado principalmente às populações pobres, é, ao contrário, bem enraizado e mantém relações privilegiadas com sua região” (SANTOS 2004, p.22). O conjunto das atividades realizadas e o setor da população que se liga aos circuitos essencialmente pela atividade e pelo consumo são as formas que nos permitem defini-los. Isto é, o circuito superior seria fruto direto de um processo global. De uma racionalidade técnico-científica instalada no território por agentes hegemônicos e segundo interesses distantes aos locais de implantação. Já o circuito inferior comporia aquele conjunto de atividades e parcelas do território no qual essa racionalidade ainda não chegou, e que talvez nunca chegue; seriam as parcelas do território sujeitas as técnicas produtivas anteriores ao período atual, reflexo de modos de produção anteriores, e que, portanto, por serem menos “contemporâneas” – ou por exigirem menores quantidades de capital – acabam se destinando a satisfação dos interesses locais, das populações locais economicamente desfavorecidas, o que só vem por corroborar que o espaço é uma “acumulação desigual dos tempos”.
  • 15. 15 A existência do circuito inferior está diretamente relacionada com a existência do circuito superior, existindo uma oposição dialética entre os mesmos, tendo em vista que são opostos e ao mesmo tempo complementares. Este fato se explica pelo circuito inferior ascender à medida que as técnicas hegemônicas que estão por trás do circuito superior se instalam no território, reproduzindo desigualdades pela forma que se estruturam. A diferença fundamental, apontada por Milton Santos, que nos permite caracterizar tanto o circuito inferior, quanto o circuito superior está na forma em que se organizam os circuitos, ou seja, o modo que são organizadas as atividades dos circuitos, e no nível tecnológico das técnicas utilizadas por eles. A tecnologia utilizada pelo circuito superior é de alto nível e na maioria das vezes importada, uma tecnologia, segundo termo utilizado por Milton Santos “capital intensivo”. O circuito inferior já se utiliza de uma tecnologia local, localmente adaptada ou recriada, onde o “trabalho intensivo” é predominante, com uma pequena quantidade de capital sendo necessária para a reprodução do circuito, que se utiliza de relações técnicas e de organização pouco sofisticadas. A importância do estudo dos dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, relacionados ao estudo de um movimento sócio- cultural, como no caso do movimento Punk, está diretamente ligado ao fato de que este movimento seja formado por jovens dos subúrbios e periferias das grandes cidades; ou seja, por essas populações economicamente desfavorecidas, e que a própria configuração sócio-espacial de centros e periferias, já nos remete a um desenvolvimento desigual, combinado e contraditório, no qual esses jovens estão inseridos. Para pensarmos ainda nesta amarração entre o surgimento do movimento Punk e a teoria dos dois circuitos da economia urbana, podemos lembrar um raciocínio da geógrafa María Laura Silveira (2007, p.162): “La pobreza, el desempleo, la falta de oportunidades, la violencia y tantos otros males que suelen ser expuestos como sinónimo de la vida urbana son, en realidad, resultado de un modelo modernizador
  • 16. 16 excluyente, en el cual el circuito inferior, crecientemente distanciado del circuito superior, es una forma dependiente de supervivencia social.”. Outras formas de análise da economia e da cultura urbana vem sendo desenvolvidas antes mesmo da obra do professor Milton Santos, sendo que vários autores marxistas e “terceiromundistas” serviram como base para sua proposta dos “dois circuitos”. Porém, a proposta teórica dos “dois circuitos”parece constituir um salto qualitativo nesses estudos ao enxergar os circuitos, e em destaque o circuito inferior, além do simples estudo dos mercados. Para o autor, o circuito inferior abarcaria atividades de fabricação “não- contemporâneas”, ou “não-hegemônicas”, como por exemplo todas as formas de artesanato, assim como os transportes “tradicionais” e a prestação de serviços voltados para a população de baixa renda. Levando em conta essas características do circuito inferior, o trabalho buscará relacionar as formas utilizadas pelo movimento punk paulistano dos anos 80 para se reproduzir, enquanto movimento, como formas culturais – materiais e imateriais – que teriam sido forjadas nestes mesmos lugares que compõem o circuito inferior da economia urbana na cidade, através da análise de suas técnicas utilizadas, da forma em que se organizavam as atividades, principalmente as musicais, e o seu caráter “contra-racional. 1.3. O movimento Punk: origens – o surgimento do punk, suas características, identidade, idéias e formas de manifestação Passados mais de 30 anos do surgimento do movimento punk ainda existem muitas controvérsias a respeito de sua origem. A razão de maior discórdia entre as pessoas que debatem o assunto é se o movimento originou-se em Londres (na Inglaterra), ou em Nova Iorque (nos Estados Unidos). Para os fins desse trabalho, essa discussão não ganha muita relevância, já que não é a intenção do mesmo estudar as origens do movimento punk. Porém, tendo em vista que o objeto de estudo desse trabalho é a apropriação, para a sua reprodução, do denominado circuito
  • 17. 17 inferior da economia urbana pelo movimento punk paulistano dos anos 80, é necessário ao menos fazer um adendo a respeito do que foi esse movimento em seus primórdios para entendermos as formas de manifestação do mesmo aqui no Brasil. O termo “punk” é anterior ao movimento e é utilizado na língua inglesa há séculos como um xingamento, um termo pejorativo que remete a pessoas marginalizadas, delinqüentes juvenis, drogados, prostitutos adolescentes etc. como explica Antonio Bivar (1992) em seu livro “O Que é Punk”. O punk como movimento surge em meados dos anos 70, sendo também muito difícil delimitar um ano específico. Correntemente utiliza-se a data de 1977, que foi quando ocorreu uma explosão de bandas do gênero, mas é evidente que, se houve essa explosão em 1977, já vinha ocorrendo algo nos anos anteriores. O movimento foi um movimento de revolta adolescente, tendo seus membros idade em torno dos 18 anos. O já citado autor em seu livro “O Que é Punk” faz um breve histórico dos movimentos culturais que precederam o surgimento do Punk. A retomada desses movimentos que precederam o punk é de muita importância contemplando um dos aspectos formadores da totalidade, porém a compreensão do punk somente pelo aspecto da cultura corre o risco de se tornar uma mera explanação idealista do assunto. É, portanto, necessário entender o contexto econômico e político que está por trás desses movimentos sociais, e que de fato foram os impulsionadores dos mesmos. Uma das formas de entender a gênese do movimento punk é retomar o surgimento de outro “estilo musical, o chamado “rock’n’roll”. O “rock’n‘roll” surge em meados da década de 50 nos Estados Unidos da América, mais especificamente no sul desse país. É nessa região do sul estadunidense onde há a maior parte da população negra desse país, devido aspectos históricos coloniais, e o rock foi inventado, justamente, por essa população negra marginalizada do sul dos Estados Unidos. Desde o começo, o rock foi visto como sinônimo de rebeldia à ordem estabelecida, seja pela sua origem social, seja pelas atitudes comportamentais que despertava nas pessoas que o ouviam. Tanto que, desde seu início até a sua apropriação pela indústria cultural de massas,
  • 18. 18 foram inúmeras as perseguições a esse estilo musical, como aponta BIVAR (1992) e filmes biográficos sobre a época.3 O rock, portanto, sempre representou o espírito de rebeldia da juventude, e por se tratar de um estilo musical jovem, feito por jovens e para os jovens, é um estilo musical de fácil execução, sem a complexidade dos estilos musicais até então existentes. Porém, no ano de 1970, essa “essência” do rock começa a mudar. Novas linguagens passam a ser incorporadas a ele, para algumas pessoas que tocavam o estilo a simplicidade do mesmo já não bastava, e o rock foi se tornando algo complexo, de difícil assimilação, e desse modo o rock foi durante a década de 1970 se afastando de sua origem, e com isso perdendo também aquele “espírito” jovem e de rebeldia que sempre teve; para um dos estudiosos do assunto, “de alguma forma o que ocorreu no rock, foi uma transferência das diferenças da estrutura e formas musicais dos estilos da música, para os estilos de vida das pessoas que se identificam com esta ou aquela sonoridade, e vice-versa. A partir do momento em que esse processo teve início, a especialização de estilos foi se tornando cada vez mais rapidamente proliferada.” (KEMP,1993, p.9). Para Craig O’Hara, que possui uma visão ainda mais crítica sobre a evolução e a banalização do estilo “rock’n’roll”, “Infelizmente, seja qual for o bem que essa música tenha causado ao glorificar a liberdade e desdenhar a hipocrisia social, ela teve o mesmo destino das primeiras e ultimas formas de rock: ‘diluição comercial/exaustão criativa, cooptação e domínio pelas forças do mainstream’”. (O’Hara. 2005, p.30) É nesse contexto musical que o movimento punk surge em Londres e em Nova Iorque. O movimento punk, fazendo um recorte do todo e considerando apenas o aspecto “musical” do movimento, foi uma ruptura a esse processo de tecnização do rock, e em seu som de poucos acordes, 3 JUDY, Cairo; SADWITH, James Steven. Elvis: o início de uma lenda. Universal Pictures, 2005. DVD, 172 min. Color. Som.
  • 19. 19 menos melodia e mais atitude, retomou o “espírito” e a essência do rock, fazendo com que o mesmo voltasse a ser ouvido pelo público jovem, que poderia além de tudo voltar a tocar rock sem se tornar um doutor em música. Para Janice Caiafa (1985, p. 9), “O punk surgiu então num momento em que a extrema complexidade de elaboração e execução fazia do rock uma obra de muitos anos de trabalho (as etapas de progresso e maturação) e muito dinheiro para comprar os mais sofisticados equipamentos”. Desse modo, o punk deu uma nova conotação ao rock, pois somente um estilo musical com as origens que teve o rock poderia ser utilizado com essa nova roupagem que o punk o deu. O rock, através do movimento punk, se torna novamente jovem, contestador, chocante e rebelde.4 Evidentemente que não foi somente uma insatisfação com os rumos do rock que deram origem ao movimento punk. Resumir o movimento punk a apenas um movimento musical, como já explicitado anteriormente, seria uma postura um tanto quanto reducionista, e deixaria de lado todo o contexto econômico, político, social e espacial no qual o movimento está inserido. Foi na Inglaterra onde o gênero musical, chamado punk rock e o próprio movimento punk foi mais difundido e abrangente. A crise pela qual passava a Inglaterra na década de 1970 tirava qualquer perspectiva de inserção profissional dos jovens no mercado de trabalho, assim como as desigualdades e injustiças sociais se acentuavam. Neste contexto, havia grande número de desempregados jovens sem ter o que fazer, perambulando pelas ruas de Londres. Como mostra O’Hara (2005, p. 32): “O punk na Grã-Bretanha era essencialmente um movimento composto de jovens brancos da classe operária desprivilegiada. Muitos deles sentiram fundo a sua situação social e usaram meio punk para manifestar sua insatisfação” (O’Hara. 2005, p.32) 4 Segundo ainda uma matéria jornalística sobre o assunto, “depois de Elvis Presley e Beatles não existiu nada mais contestador, subversivo e anárquico dentro do rock do que o movimento punk. O gênero mudou a música e, principalmente, o comportamento das pessoas nos anos 70” (A Maior Rebeldia da Historia do Rock – Jornal da Tarde - 29/11/1996).
  • 20. 20 Para entender os motivos dessa situação que passava a Inglaterra podemos nos deter um pouco na análise do processo pelo qual passava o modo de produção capitalista no período. David Harvey ([1992] 2003) em seu livro “A Condição Pós-Moderna” estuda esse período e o processo de passagem do modo de acumulação fordista para o modo de acumulação flexível, nos dando os subsídios necessários para a compreensão do processo em questão e suas conseqüências sociais. O período de 1965 a 1973, segundo Harvey, evidenciou-se a incapacidade do fordismo, aliado ao Estado de bem-estar “keynesiano”, de conter as contradições inerentes do modo de produção capitalista. Uma somatória de acontecimentos evidencia esse fato. A recuperação no período do “pós-guerra” da Europa e do Japão – e a necessidade desses países de exportarem seus excedentes – causaram sérios problemas à economia estadunidense, levando a uma queda na produtividade e lucratividade das corporações daquele país, sendo um marco para o início dos problemas fiscais norte-americanos. Como solução a esses problemas houve um processo de aceleração da inflação, com a impressão de moedas a um montante considerado necessário, abalando o papel do dólar como moeda internacional, culminando no rompimento do acordo de Bretton Woods e da chamada “paridade ouro/dólar”. No mesmo período, agravando o processo e contribuindo para a crise, ocorria uma onda de industrialização fordista em “novos territórios”, onde os direitos trabalhistas eram pouco respeitados e até mesmo inexistentes, como na América Latina e no Sudeste Asiático. As dificuldades do período em superar a crise estavam resumidas, ainda segundo Harvey, a uma única palavra: a rigidez. “(...) Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de longa escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho (especialmente no chamado setor “monopolista”).” (HARVEY, 2003, p. 135)
  • 21. 21 A superação dessas dificuldades de rigidez fordista sempre esbarrava na força da classe trabalhadora organizada em sindicatos, um dos pilares de sustentação do modo de acumulação fordista, que nesse período já se torna um obstáculo para a reprodução do mesmo e nos compromisso estatais com a seguridade social, que se tornavam insustentáveis devido à rigidez na produção, uma restrição a expansão da base fiscal para gastos públicos. A crise do petróleo, de 1973, se soma a todo esse processo, obrigando os países a realizar expressivas mudanças tecnológicas e organizacionais, tornando as décadas de 1970 e 1980 um “conturbado período de reestruturação econômica e de reajustamento social e político” (HARVEY, 2003. p. 140). Essa reestruturação e reajustamento, conseqüência de todo o processo explanado, deram origem ao que David Harvey classificou como acumulação flexível. A acumulação flexível “se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, de mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo” (HARVEY, 2003, p. 140). Surgem setores inteiramente novos de produção, novos serviços financeiros, novos mercados, e uma inovação comercial, tecnológica e organizacional intensificada. Uma das principais implicações da acumulação flexível são os níveis relativamente altos de desemprego “estrutural”, rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos de salários reais e retrocesso do poder sindical, imposição aos trabalhadores de regimes e contratos de trabalho mais flexíveis, redução do emprego regular e um crescimento do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado. Essa reestruturação econômica internacional tem implicações culturais e comportamentais diretas. Ainda para Harvey (2003, p. 148), a reestruturação vem acompanhada “(...) na ponta do consumo por uma atenção muito maior às modas fugazes e pela mobilização de todos os artifícios de indução de necessidades e de transformação cultural que isso implica. A estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar a todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercadificação de formas culturais”
  • 22. 22 As reações a todo esse processo foram inúmeras ao redor do mundo, e em particular no caso inglês o punk veio ocupar o mesmo lócus histórico do início da reação da nova direita, que culminou na ascensão ao poder da Margareth Thatcher. Porém, o punk vem como uma reação "subversiva”, enquanto a ascensão de Margareth Thatcher como primeira ministra britânica em 1979 foi uma reação conservadora. Os jovens que se identificam com o movimento, e que dele participam ativamente, despontam para a vida adulta no período de crise, não vivendo e colhendo os frutos do auge do modo de acumulação fordista, do “Welfare State”, e sim a sua ruína. O mundo para esses jovens já não lhes era suficiente da forma que estava, e era necessário repensá-lo, reconstruí-lo, e para eles até mesmo destruí-lo. Essa foi uma geração da insatisfação e o punk era visto por eles como uma possibilidade de mudança e, através do afrontamento aos ditos corretos padrões comportamentais e culturais do período, eles mostravam a sua insatisfação. Segundo Antonio Bivar (1992, p. 49) “Eles são o exemplo mais perfeito da obra de arte popular viva. Mesmo quando subnutridos. Mas o punk não é só visual, só musica crassa. É também uma crítica e um ataque frontal a uma sociedade exploradora, estagnada e estagnante nos seus próprios vícios. Os punks não querem mais esperar o tão prometido fim do mundo. Eles querem apocalipse agora, em 1976” Em matéria de 1994 do Jornal Folha de São Paulo, é possível identificarmos de forma sucinta uma explicação para as idéias do movimento punk em sua origem. Segundo a reportagem, é possível entender o movimento punk “Como um contraponto ao ‘paz e amor’ dos hippies, o slogan era ‘burn and destroy’ (queime e destrua). Os punks eram pessimistas. (...) Eles achavam que não havia um bom futuro possível, odiavam o ‘sistema’ e pregavam a anarquia, seja na política, nas relações familiares e até nas roupas” (Punks de SP mantêm o ‘movimento’ vivo – Folha de São Paulo 04/04/1994).
  • 23. 23 Um dos conjuntos pioneiros do punk, o Sex Pistols, uniu os punks ao anarquismo, um anarquismo ligado a uma atitude individual e a uma revolta espontânea, posto por muitos como algo “niilista”. Para Craig O’Hara (2005, p.32) “Seria uma mentira dizer que esses punks originais tinham teorias sociais e políticas bem desenvolvidas. (...) O objetivo desses punks era expressar sua fúria de uma maneira áspera e original.” Não havia um posicionamento político explícito do punk, embora houvesse aqueles que assumiam uma postura considerada “mais à esquerda”.5 Porém, mesmo que de forma não-articulada, os punks estavam fazendo política, novas formas não-convencionais ao período de se fazer política. Formas essas que para muitos deles eram chamadas de anarquismo. Evidentemente que esse anarquismo idealizado por eles não tem relação explícita com o conceito clássico de anarquismo dos chamados “socialistas utópicos”. Tratava-se muito mais uma idéia de “mude você mesmo que dessa forma você poderá mudar o mundo”, ou até mesmo algo destrutivo e afrontador como na música “Anarchy in the U.K.” (Anarquia para o Reino Unido), da banda Sex Pistols 6 . Há no movimento punk, desde seu início, uma busca pela agressão a moral burguesa e a sociedade de consumo, através de um discurso de revolta, e de justiça. Havia a exposição explícita da revolta deles contra o sistema que significava pra eles opressão, falta de liberdade, hierarquia familiar, desemprego, falta de perspectiva de mudanças pela via política. Kemp ressalta que, apesar dessa percepção, “ao lado desse discurso ideológico, porém não se prendem a uma militância ortodoxa, porque acima de tudo eles não se pretendem 5 A exemplo da banda The Clash, que desde seu primeiro álbum de 1977 levanta bandeiras históricas da esquerda como a luta contra o racismo e a denúncia da ação imperialista estadunidense no período da Guerra Fria, como fica explícito em sua música I’m So Bored With The USA e até mesmo no lançamento no ano de 1980, em plena revolução Sandinista de um álbum cujo o título era Sandinista!. 6 “I'm antichrist, I'm anarchist / Don't know what I want/ But I know how to get it / I wanna destroy the passerby // 'Cause I want to be anarchy / No dog's body // Anarchy for the U.K. / It's coming sometime and maybe / I give a wrong time, stop a traffic line / Your future dream is a shopping scheme // 'Cause I wanna be anarchy / In the city // How many ways / To get what you want / I use the best, I use the rest / I use the enemy, I use anarchy // 'Cause I want to be anarchy / It's the only way to be // Is this the M.P.L.A. or / Is this the U.D.A. or / Is this the I.R.A.? / I thought it was the U.K. / Or just another country / Another council tenacy // I wanna be anarchy / And I wanna be anarchy / Oh, what a name / And I wanna be an anarchist / I get pissed, destroy”.
  • 24. 24 como uma instituição de alternativa ao poder; eles preferem mostrar desejos em relação a formas e modos de convivência social, recusando os valores que estão estabelecidos.” (KEMP, 1993, p.53). Não cabe ao trabalho fazer o juízo de valor da “eficiência” – se é que assim se pode dizer – , e da legitimidade de tais atitudes e pensamentos como de fato transformadores da realidade. Porém, é um fato concreto que um determinado processo histórico levou a um tipo de reação, que no caso do recorte da pesquisa, foi o movimento punk. Pareceu-nos possível sim fazer o reconhecimento do mesmo como um movimento que conduziu grande parte de jovens desacreditados a um motivo na vida, concretizando suas idéias, anseios e angústias através da música, da arte, de fanzines (jornais independentes) e diversas formas de expressão da criatividade pessoal, através do lema “Pense por si mesmo, seja você mesmo, não aceite o que a sociedade lhe oferece, crie suas próprias regras, viva sua própria vida.” (O’HARA, 2005, p.41), ou seja, “Faça você mesmo”. 1.4. A cidade de São Paulo e o Modo de Acumulação Flexível A cidade de São Paulo, embora mantenha de longa data o seu status de metrópole nacional, enquadra-se no processo de urbanização dos países não-desenvolvidos, desse modo, contendo em si todos os elementos da complexidade desse grupo de países. O entendimento justo e coerente do processo pelo qual passou a cidade de São Paulo, e nesse momento ainda podendo se ampliar as demais cidades localizadas em países subdesenvolvidos requer uma análise do que é o subdesenvolvimento e dos seus agentes urbanizadores, abdicando da utilização pragmática de conceitos e teorias a cerca da urbanização de países desenvolvidos, como se as mesmas, pudessem se adaptar ao processo de urbanização dos países subdesenvolvidos. Esses países que hoje se enquadram no grupo de nações capitalistas não-desenvolvidas, tiveram em algum momento de seu desenvolvimento histórico a imposição de um processo de desenvolvimento econômico
  • 25. 25 segundo interesses estranhos a sua própria realidade, interesses esses também distantes, o que resultou em um processo de apropriação do espaço desigual, combinado e contraditório. “Os espaços dos países subdesenvolvidos caracterizam-se primeiramente pelo fato de se organizarem e se reorganizarem em função de interesses distantes e mais frequentemente em escala mundial (...) por outro lado, as forças de modernização impostas no interior ou do exterior são extremamente seletivas, em suas formas e em seus efeitos” (SANTOS, p.20, 2004). Considerando o processo histórico da modernização do território brasileiro, notamos esta interferência estrangeira desde os primórdios de sua colonização, onde a organização do espaço era voltada a um modo de produção pautado nos interesses da metrópole (em nosso caso, Portugal). Fato esse que impediu, durante o maior período da história brasileira, o desenvolvimento das forças produtivas e uma apropriação econômica condizente com as necessidades locais. Esta estrutura colonial colocava o Brasil – assim como um conjunto de países que foram colônias de exploração – numa situação de atraso e conseqüentemente de dependência em relação as nações exploradoras e até mesmo as colonizadas segundo lógicas distintas (as chamadas “colônias de povoamento”). Um marco para compreensão do processo pelo qual passou o Brasil e o Mundo nas últimas décadas é o fim da Segunda Guerra Mundial, como mostram Milton Santos e María Laura Silveira (2005, p. 47): “O fim da Guerra marca também o início de uma nova era dentro do percurso capitalista, com as perspectivas abertas pela revolução científico-técnica. Era o momento de lançar a semente da dominação do mundo pelas firmas multinacionais, preparando assim todos os espaços mundiais para uma nova aventura que, na escala mundial, só iria frutificar plenamente trinta anos depois.”
  • 26. 26 No período pós-Segunda Guerra Mundial a ciência e a informação são incorporadas como técnicas produtivas, o que possibilitou avanços materiais e imateriais, jamais vistos na história da humanidade 7 . Esses avanços possibilitados pela “tecnociência” deram a base material necessária para a instalação do atual período da globalização. Termo esse, hoje em dia, mencionado e utilizado por praticamente todas as pessoas e meios de informação, mesmo sem esses terem a clareza no que de fato é esse processo e nas suas causas e conseqüências. Em linhas gerais esse período histórico denominado globalização pode ser considerado como “ o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista”, onde “As técnicas são oferecidas como um sistema e realizadas combinadamente através do trabalho e das formas de escolha dos momentos e dos lugares de seu uso” sendo, “[...] também o resultado das ações que asseguram a emergência de um mercado dito global.” (SANTOS, p.23, 2005). Essa racionalidade hegemônica nas suas mais variadas formas técnicas irá se espalhar por todos os países do Mundo, como se fosse a única forma de se chegar ao desenvolvimento, gerando reorganizações econômicas, sociais, políticas e espaciais, sobretudo nos países subdesenvolvidos, onde esse processo se demonstrará, sobretudo, perverso. Ainda segundo o geógrafo Milton Santos (2005, p. 53), “Como as técnicas hegemônicas atuais são, todas elas, filhas da ciência, e como sua utilização se dá ao serviço do mercado, esse amálgama produz um ideário da técnica e do mercado que é santificado pela ciência, considerada, ela própria, infalível. Essa, aliás, é uma das fontes do poder do pensamento único. Tudo que é feito pela mão dos vetores fundamentais da globalização parte de idéias científicas, indispensáveis à produção, aliás acelerada, de novas realidades, de tal modo que as ações assim criadas se impõem como soluções únicas.” 7 “No fim do século XX e graças aos avanços das ciências, produziu-se um sistema de técnicas presidido pela técnica da informação, que passaram a exercer um papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando ao novo sistema técnico uma presença planetária.” (SANTOS, p.23, 2005)
  • 27. 27 Esse processo é perverso, dentre outros motivos, por usar da ciência e da informação para criar consensos universais, mais que na verdade nada mais são do que “fábulas” do progresso e do desenvolvimento, vendidas e impostas a esses países não-desenvolvidos, mas que nunca se concretizaram e se concretizarão. O mercado aparece como a forma capaz de tornar o mundo homogêneo, porém, é na gênese desse processo que são aprofundadas as desigualdades entre os lugares.8 Esses agentes globais são seletivos, sendo essa tecnociência e seus usos em grande parte determinados pelo mercado em busca de uma mais- valia globalizada. A busca dessa mais-valia globalizada resulta na seletividade dos lugares segundo os interesses das técnicas hegemônicas, onde as mesmas se realizam graças a ação política conjunta ou separada das grandes empresas e dos Estados.9 Podemos dizer, portanto que é apenas um pequeno número de agentes de fato que se beneficiam desse processo de internacionalização do capitalismo e do desenvolvimento de suas técnicas científico-informatizadas. Porque essas “técnicas da informação são principalmente utilizadas por um punhado de atores em função de seus objetivos particulares. Estas técnicas da informação (por enquanto) são apropriadas por alguns Estados e por algumas empresas, aprofundando assim os processos de criação de desigualdades. É desse modo que a periferia do sistema capitalista acaba se tornando ainda mais periférica, seja porque não dispõe totalmente dos novos meios de produção, seja porque lhe escapa a possibilidade de controle.” (SANTOS, p.39, 2005). O papel tirano e perverso da técnica implantada racionalmente pela ciência no espaço geográfico, segundo interesses hegemônicos e 8 “Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado.” (SANTOS, Milton. p.19. 2005). 9 “O princípio de seletividade se dá também como princípio de hierarquia, porque todos os outros lugares são avaliados e devem se referir àqueles dotados das técnicas hegemônicas. (...) hoje, as técnicas não hegemônicas são hegemonizadas. (...) As técnicas apenas se realizam, tornado-se história, com a intermediação da política, isto é, da política das empresas e da política dos Estados, conjunta ou separadamente.” (SANTOS, Milton. p.26. 2005).
  • 28. 28 “individuais”, é condicionante para a criação de situações de desfavorecimentos, segregações, exclusões, nas quais se encontram a grande maioria das populações dos países não-desenvolvidos. E as possibilidades de alteração, de mudanças nesses espaços, são mínimas nas atuais condições históricas,(para não dizermos “impossíveis”), por se tratarem de espaços fixos, pré-fabricados, e legitimados pelo pensamento único, fruto dessa mesma lógica perversa e propagado aos quatro ventos pelos meios de comunicação.10 É daí, dessa organização e reorganização espacial segundo interesses distantes e exteriores aos países subdesenvolvidos, que está a gênese da atual situação de “desigualdades sócio-espaciais”, presentes nas mais diversas dimensões do território desses países. O resultado de todo esse processo, é a atual situação sócio- econômica a qual estão sujeitas as populações desses países não desenvolvidos. Fruto de uma organização espacial de cunho econômico e segundo interesses exteriores. A partir deste contexto teórico – e histórico – mais geral, como pensar a evolução recente da cidade de São Paulo? Que aspectos desta evolução podem ser lembrados, para entendermos melhor o surgimento e o desenvolvimento do movimento punk na cidade? A cidade de São Paulo é um grande exemplo de todo esse processo pelo qual passaram as principais cidades do mundo não-desenvolvido. Encontramos nela traços marcantes de um desenvolvimento seletivo, segundo interesses corporativos, o que acabou gerando uma modernização incompleta da cidade. Segundo o professo Milton Santos (2009, p. 15), “São Paulo é o melhor exemplo, no terceiro mundo, de uma situação de modernidade incompleta. Nela se justapõem e se interpõem traços de opulência, devido à pujança da vida econômica 10 “Cada técnica propõe uma maneira particular de comportamento, envolve suas próprias regulamentações e, por conseguinte, traz para os lugares novas formas de relacionamento. O mesmo se dá com as empresas. É assim que também se alteram as relações sociais dentro de cada comunidade. Muda a estrutura do emprego, assim como as outras relações econômicas, sociais, culturais e morais dentro de cada lugar, afetando igualmente o orçamento público, tanto na rubrica da receita, como no capítulo da despesa. Um pequeno número de grande empresas que se instala acarreta para a sociedade como um todo um pesado processo de desequilíbrio. (...) A associação entre a tirania do dinheiro e a tirania da informação conduz, desse modo, à aceleração dos processos hegemônicos, legitimados pelo ‘pensamento único’, enquanto os demais processos acabam por ser deglutidos ou se adaptam passiva ou ativamente, tornado-se hegemonizados.” (SANTOS, Milton. p.68. 2005).
  • 29. 29 e suas expressões materiais, e sinais de desfalecimento, graças ao atraso das estruturas sociais e políticas. Tudo o que há de mais moderno pode aí ser encontrado, ao lado das carências mais gritantes.” São Paulo teve no decorrer de sua história mudanças estruturais profundas segundo os interesses hegemônicos das grandes empresas e do capital internacional. Tendo, desse modo, que se adaptar a cada necessidade imposta por esses agentes no período em questão. Isso faz com que a história urbana da cidade seja constantemente esquecida e substituída por novas construções, novas infra-estruturas que comportem o atual estágio de desenvolvimento do mundo capitalista. Milton Santos enfatiza que “Nenhuma outra área, no Terceiro Mundo, foi, assim, aberta às mudanças, nenhuma foi tão capaz de, rapidamente, adaptar-se, em suas infra estruturas e no seu comportamento econômico, às condições exigidas para o aumento da eficiência e da rentabilidade.” (SANTOS, p.16, 2009) Todo esse processo pelo qual passou a cidade de São Paulo trouxe um ônus muito grande para a maior parte da população metropolitana. Essa modernização realizada na cidade não foi completa, e isso fez com que uma significativa parcela de suas áreas urbanizadas e de sua população ficasse de fora das vantagens da modernização, cabendo o bônus para apenas uma pequena parcela da população, e o ônus para a sua maioria; neste sentido, podemos ainda dizer que “(...) nela se exibem contrastes chocantes entre a riqueza de alguns e a pobreza de muitos. As disparidades de renda, embora menos gritantes que em outras aglomerações, são consideráveis na Grande São Paulo.” (SANTOS, Milton. p.17. 2009) Os dados da tabela abaixo mostram a distribuição de renda na cidade entre as pessoas acima de dez anos de idade, no ano em foco do trabalho, o ano de 1980: Até 1 Salário Mínimo 15,2% De 1 a 2 Salários Mínimos 29,6%
  • 30. 30 De 2 a 5 Salários Mínimos 35,4% Mais de 5 Salários Mínimos 19,7% (Fonte: SANTOS, Milton. “Metrópole Corporativa Fragmentada”. p.17. Editora Edusp, 2ª Edição – 2009.) Notamos que a cidade mais rica do país, apresenta, no período, desigualdades de renda significativas, com cerca de 30% da população abaixo da linha da pobreza no período, como indica Milton Santos em sua obra “Metrópole Corporativa Fragmentada”.11 É nessa cidade desigual socialmente e estruturalmente falando, devido essas lógicas perversas impostas para o seu desenvolvimento, segundo interesse exógenos e corporativos, e não segundo os interesses locais, que surge aqui no Brasil, no final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, o principal objeto de estudo desse trabalho, o movimento punk. 11 Essa pobreza em que se encontra uma grande parcela da cidade não se trata de uma pobreza meramente residual, e sim de uma pobreza estrutural, que ganha maiores dimensões a medida que a cidade aumenta de tamanho. O Estado atua como um grande impulsionador desse processo, sem o qual ele não teria condições de ser colocado em prática nos moldes em que se apresenta. Esse impulso se realiza na medida em que o Estado dá “(...) preferência pelos terrenos distantes para o estabelecimento de projetos habitacionais para as classes pobres; (em que se realizam) políticas privadas de criação e manipulação de loteamentos; políticas públicas ligadas à modernização do sistema viário com localização seletiva de infraestruturas, valorização diferencial dos terrenos, e expansão da especulação, com todas as conseqüências derivadas da superposição de medidas elaboradas para atender a preocupações particulares e interesses individualistas, agravando, desse modo, a crise urbana e as dificuldades em que vive a maioria da população.” (SANTOS, Milton. p.18/20. 2009).
  • 31. 31 2. O Movimento Punk Paulistano Dentro desse cenário de exclusão, de seletividade pelo dinheiro, de uma perversa ordenação espacial segundo interesses e lógicas distantes e de uma imposição hegemônica de uma única forma de pensamento, surge na grande São Paulo, no fim da década de 1970, em pleno regime militar, um movimento sócio cultural que vai na contramão desse processo: o movimento Punk. 2.1. Origens, influências e características próprias (uma aproximação a partir de depoimentos e entrevistas) É evidente que aqui no Brasil, o movimento punk teve uma influência direta do que acontecia já na Inglaterra. Apesar de já existirem nas periferias da cidade grupos de jovens insatisfeitos e buscando formas alternativas de se expressarem, logo que começaram a aparecer as primeiras imagens dos punks em jornais e televisão, jovens brasileiros se identificaram com as atitudes dos jovens ingleses. Como operacionalizar esta discussão que fizemos até o momento de forma mais empírica? Que atores foram centrais neste novo movimento social e cultural? Como aproximar nossa análise dos fatos concretos que se desenrolaram na cidade de São Paulo a partir da década de 1970? Existe uma grande escassez de trabalhos acadêmicos sobre o movimento punk paulistano e mais especificamente sobre as formas encontradas pelo movimento para a sua reprodução, formas essas que, como já adiantado, iremos relacionar com as atividades realizadas no “circuito inferior da economia urbana”, dentro dessa mesma temática merece destaque o recém produzido trabalho de Pedro Luiz Damião, “A fragmentação do espaço e a construção de identidades: territorialidade punk na cidade de São Paulo” de 2009, trabalho que dá conta de identificar a apropriação feita pelo movimento punk das diversas áreas da metrópole paulistana em diferentes períodos históricos, contribuindo brilhantemente para a elucidação da temática de movimentos juvenis no meio acadêmico.
  • 32. 32 As dificuldades de se obter informações sobre o objeto de estudo é intensificada pelo fato de o mesmo não ser contemporâneo, o que impossibilita uma observação ou experimentação do mesmo, para através dessa metodologia fazermos as relações e suposições necessárias para o desenvolvimento da pesquisa. Tendo em vista tais dificuldades, a alternativa encontrada para a obtenção das informações necessárias para o trabalho foi a realização de entrevistas com pessoas que participaram e vivenciaram o movimento punk no período em destaque, construindo através desses depoimento uma história oral sobre o mesmo. A construção de uma história oral é um método muito rico servindo de “instrumento para possibilitar a construção do conhecimento histórico, e, portanto, instrumento para produzir reflexão historiográfica, tanto no que se refere aos fatos e aos eventos, como no que diz respeito à elaboração interpretativa.” (SORDI; AXT; FONSECA. 2007. p.8). A utilização dessa técnica, além de tudo, permite obter informações de personagens sociais que não tinham voz no período no imaginário coletivo, possibilitando uma análise além do senso comum sobre o tema. Em entrevista Clemente, vocalista da banda de punk rock paulistana “Inocentes”, fala do início dessa identificação dele com o movimento punk e a influência das informações vindas do exterior nesse processo de criação da identidade. “Isso aconteceu depois, porque eu sou assim de uma turma que já ouvia o pré punk, então a gente seguiu o caminho certo, porque a gente já ouvia Stooges, já ouvia MC5, a gente já era maloqueiro. Tanto é que quando começaram a vir às notícias de punk, três acordes, os caras falavam de Stooges, ai eu falei, pô! é pra gente. É engraçado, por exemplo tem uma banda americana punk, chamada Dictators e tal, e os punks americanos tem aquele visual roqueiro, tipo Ramones, que é o visual que tinha, não tinha inventado ainda o visual inglês que era de punk, o punk era muito mais uma atitude uma postura, então todo mundo andava com o visual do Ramones, porque era o visual daquele pessoal que curtia Stooges e tal, era jaqueta de couro, camiseta, calça jeans, tênis All Star, e era isso.” (Clemente Nascimento, 47 anos, Banda Inocentes, São Paulo – SP, entrevista dia 11.11.2010)
  • 33. 33 Já havia, portanto, no período que precede o punk na cidade de São Paulo, uma atitude por parte dos jovens que com o passar do tempo levaria a uma identificação natural com o punk. O conservadorismo que existia no país e na cidade de São Paulo era opressor para parte da juventude que não se enquadrava nos perfis comportamentais pré-estabelecidos. Para Redson, outro participante central deste processo (e vocalista da banda Cólera), essa opressão se manifestava em seu cotidiano “É interessante porque a gente vivia num padrão juventude assim, ou você era o dito ‘cidadão trabalhador’, você tinha emprego, vivia direitinho com a família, se vestia direitinho, ou você era o marginal. Seja reggaeiro, seja rockeiro, o que for. O rockeiro era o marginal. E hoje existe uma postura de aceitação de uma visão ampla para a diversidade da moda, da música, dos costumes, que na época não. Se você não fosse, se você não agisse como aquele cidadão padrão você era visto com olhos de pessoa perigosa. Então no início, eu já me vendo rockeiro, eu já vendo que curtia rock já me sentia parte desse jogo social pronto. Eu já via que aquilo não era exatamente o que eu queria fazer, que eu tinha outros jogos mais interessantes a jogar. Eu fui atrás de grupos sociais com quem jogar essa vivência, ou seja, fazer música, protestar, e fazer uma coisa que a gente fizesse em grupo, que fosse divertida.” (Redson, 49 Anos, banda Cólera, São Paulo – SP, entrevista dia 15.09.2011) Muitas pessoas da época acreditam que se o punk não tivesse surgido na Inglaterra ou Estados Unidos, algo muito parecido aconteceria aqui no Brasil, tendo em vista essas características que já apareciam em certos grupos de jovens da periferia e o contexto político e social pelo qual passava o Brasil e os grandes centros urbanos do país, como no caso em questão, a cidade de São Paulo e sua região metropolitana. Como lembra também Clemente, “Se o punk não tivesse sido inventado em Nova York a gente ia inventar aqui.” (Documentário “Botinada: A Origem do Punk no Brasil”. 2006). Nesse período, a Cidade de São Paulo já havia se tornado a maior cidade do Brasil. Tratava-se já de uma parcela do território onde a política, a economia, a cultura e as mais variadas formas de interação da vida urbana ocorrem intensamente. A quantidade de informação que circula na cidade de São Paulo no período já é imensa “e só dela, no Brasil, poderia ter surgido
  • 34. 34 um movimento de rebeldia jovem urbana, como é o caso do Punk – o primeiro movimento recente com estilo, dentro de uma cidade que a muito perdeu seu estilo próprio.” (BIVAR, 1992. p.94). O movimento era formado essencialmente por jovens, em idade variando dos 10 aos 26 anos. Para Antonio Bivar (1992, p.95), “Estes garotos sabem que o futuro não é nada promissor, tanto para eles como para seus semelhantes, tão pobres e oprimidos quanto eles. Então unidos na força da adolescência, resolvem botar a boca no trombone, exigindo justiça para todos. Se for perguntado aos Punks qual é a mensagem do movimento, eles responderão com palavras de manifesto que: ‘o Punk surgiu numa época de crise e desemprego, e com tal força, que logo espalhou-se pelo mundo. E que cada um, à sua realidade, adotou o protesto punk, externação de um sentimento descontentamento que já existia atravessado na garganta de uma certa ala jovem, das classes menos privilegiadas do mundo’.” O contexto político brasileiro ainda não era um dos mais favoráveis para os jovens expressarem suas idéias, angústias e revoltas, assim como a situação socioeconômica do país. A ilusão criada em torno do dito “milagre econômico” caia por terra no período e o futuro ainda era algo incerto. Apesar de o país estar caminhando na época para uma abertura democrática, ainda havia muita repressão, e muito medo por parte da população. Como lembra outro participante direto deste período de efervescência – Tikão, da Banda M- 19 -, “A gente não podia falar, a gente não podia se expressar, e ali eu podia me expressar, naquele movimento eu podia gritar, eu podia falar alguma coisa que é o que tava dentro de mim.” (Documentário “Botinada: A Origem do Punk no Brasil”. 2006.) A visão de mundo de parte dos jovens da periferia no período estava atrelada às difíceis condições da vida urbana metropolitana, assim como à conjuntura social e política pela qual passava o Brasil; mas apesar de desfavorável em amplos sentidos, essa conjuntura acabou permitindo para parte desses jovens o questionamento da ordem pré-estabelecida e a busca por novas atitudes, companhias e ideologias que mais os agradassem. A própria vivência em uma cidade do tamanho de São Paulo, com as suas
  • 35. 35 características tão desiguais, é parte constituinte desse imaginário dos jovens que se deparam cotidianamente com essa cidade muitas vezes estranha as suas vontades, mas na qual eles com o passar do tempo aprendem a interagir. Como mostra ainda Redson, em entrevista concedida, “Então o (meu) processo de visão de mundo já era um pouquinho mais aberto, eu tinha problema com a galera com quem eu convivia. Porque as pessoas não tinham essa visão, tinham medo, porque na época da ditadura você não podia falar as coisas que você sabia. Você não podia falar pras pessoas, ‘vamos se juntar pra lutar contra o Estado’, porque dava até medo de que alguém das pessoas ali pudesse ser espião. Era um estado de vigília permanente, você tinha que estar sempre esperto com o mundo ao seu redor. E eu já entendendo melhor o processo do mundo com quatorze, quinze anos, morando no Capão Redondo e indo pro centro todo fim de semana, com quinze anos eu fui morar no centro da cidade. Fui morar na Rua General Osório, bem do lado da ‘ruas das putas’, que era na época a Santa Ifigênia, hoje é bem menos, as putas tem lugares diferentes hoje, mas na época era o centro da prostituição em São Paulo, era basicamente o antigo a ‘Boca do Lixo’ que ainda é o centro de prostituição, e também a Santa Ifigênia. E eu morava do lado, no quinto andar de um prédio, junto com minha mãe, e comecei a trabalhar no centro de Office boy, comecei a andar pela cidade de Office boy e a conhecer, porque quando você vive o mundo atrás da tela do computador no seu escritório, de casa para o trabalho ou do trabalho para casa, você não tem noção do que é sua cidade do que é o mundo. Mas quando você começa a cada dia ir pra um lugar diferente, conviver com situações, eu comecei a ver como São Paulo era uma cidade gigantesca.” (Redson, 49 Anos, banda Cólera, São Paulo – SP, entrevista dia 15.09.2011) Apesar de o movimento propiciar a esses jovens um escape para seus problemas, tendo em vista as considerações feitas por Redson, vocalista e fundador do grupo Cólera, o mesmo sujeito nos mostra – em depoimento para o documentário “Botinada: A Origem do Punk no Brasil” - que “todo ser humano tem dentro de si, uma quantidade x de violência acumulada, de coisas não resolvidas, enfim, de coisas que você não põe pra fora, e pra isso existe o que, a arte, pra isso existe o
  • 36. 36 punk, existe o rock, existe os outros estilos que você pode exteriorizar isso de uma forma inteligente.” O movimento punk, portanto, pode servir além de tudo para descarregar essa violência acumulada como reflexo de um mundo que lhe é estranho, o medo e as dificuldades de realizar isso através do movimento eram recorrentes, dada a conjuntura, como confirma o relato de Redson da banda Cólera e diversos outros relatos de pessoas do período, como por exemplo, Renato Pereira de Andrade da loja Combat Rock. Para Renato, “(...) era difícil você ser punk naquele tempo, porque era uma coisa que era ainda... a gente pegou ainda meio que no meio. O que está acontecendo? Era a ditadura militar, né cara, então o negócio era meio esquisito naquele tempo. E eu fazia um fanzine, a gente tinha problema com a polícia, à violência era maior cara, e a gente tava ali no meio, e eu tava tentando me encontrar ali. ‘pô o que eu quero da vida, o que é o punk pra mim e o que é a política pra mim’. Ah ta, ah a anarquia é legal, vamos ver o que é anarquia. ‘pô então, o que é fascismo?’, vamos descobrir, ‘nacionalismo... oh!’. Uma vez um cara me mandou uma carta, eu tenho até hoje, Frente Nacionalista Brasileira, eu falei, ‘porra mas esse cara é nazista?’, ai a gente começou a ver qual é que era a das coisas, a gente foi dividindo, teve muita gente que caiu para a direita e outros caras foram pra esquerda. Eu graças a Deus, eu fui pro lado é, como é que se diz?, o lado bom da força.” (Renato Pereira de Andrade, 45 anos, São Paulo, entrevista dia 30.09.2010) As informações acerca dos acontecimentos mundiais eram ainda muito distorcidas, e os próprios punks tinham que criar meios próprios de buscar informações e de se comunicar aos demais, para desse modo irem construindo um identidade própria. É devida a essa necessidade que surgem, por exemplo, como citado na fala de Renato Pereira, os fanzines. Através da criação de mídias alternativas os punks tentavam burlar a falta de informação e a desinformação criada na época pelo regime antidemocrático e pelo preconceito difundido pelos meios de comunicação sobre o movimento. Segundo outro sujeito diretamente envolvido neste movimento à época, “[...] Eu acho que a gente no fundo, no fundo, era moleque e o nível de politização que
  • 37. 37 nós tínhamos era muito rudimentar.” (Mao, Banda Garotos Podres, Documentário “Botinada: A Origem do Punk no Brasil”. 2006). Desse modo, com todas as dificuldades impostas pelo período, o punk se estabelece praticamente de forma simultânea as notícias vindas da Inglaterra, porém, o movimento aqui no Brasil e principalmente na cidade de São Paulo, adquiriu características próprias como, por exemplo, a formação de “gangues”.12 A existência de gangues se tornou uma característica marcante dentro do movimento punk paulista. As gangues representavam características próprias dos bairros da capital paulista que acabaram sendo incorporadas pelo movimento. O “bairrismo” era algo que já existia entre os grupos de amigos de bairro, portanto não pode ser encarado como uma característica que surge com o punk, o que levaria a uma distorção do movimento, o resumindo aos atos de violência muitas vezes praticados por essas gangues. Na entrevista concedida por Hércules Santos13 fica mais clara a existência prévia dos “bairrismo”, em relação ao movimento punk: “(...) era o seguinte, (...) posso dizer assim, muito antes do movimento punk, existem os chamados bairrismos. Então é aquela coisa territorial tal, de invadir o território. Você tinha, mas era como uma coisa de jogar futebol de uma vilinha contra a outra, e você não poder ganhar dentro da vilinha do outro, entendeu? Da mesma forma que você não podia namorar a menina de outra vila. Agora, isso ai não veio do punk, isso ai é histórico, é cultural. Então não pode dizer que “ah, eram formados”, não é que eram formados, já existia, muito antes. Era rixa de vila.” (Hércules Santos, 48 anos, São Bernardo – SP, entrevista dia 17.10.2010) É importante esse parênteses a respeito da existência das gangues, para evitarmos a assimilação a-crítica do senso comum, da opinião que no imaginário popular se formou a respeito do movimento. A análise que estamos propondo procura ir além também da forma até irresponsável com 12 “Mas, em diversos pontos da periferia de São Paulo, outras pessoas foram atraídas por esta música. Entre elas, um grupo de 50 rapazes da Zona Norte de São Paulo, já interessados num som underground – principalmente o rock pesado das bandas de Detroit, EUA. Já tinham gangues, quase uma tradição entre os garotos de bairro” (Dez anos. E já passou a ser nostalgia. Mas o punk ainda desperta interesses... - O Estado de São Paulo – 14/03/1986). 13 Hércules Santos é cartunista e no período de surgimento do punk na cidade de São Paulo morava no ABC, participando ativamente do movimento que acontecia na cidade de São Paulo e em sua região metropolitana.
  • 38. 38 que os meios de comunicação, - através de generalizações grosseiras - deslegitimam qualquer tipo de manifestação vinda da periferia, das populações de menor poder aquisitivo, tentando enquadrá-los como meros marginais por atos cometidos por alguns, e que mesmo que cometidos por uma maioria, ganham um destaque que busca esconder todo o outro lado do movimento, como a questão da denúncia social e da busca de alternativas para uma situação socioeconômica e cultural que em um dado momento se torna insustentável. Fica também claro este aspecto na entrevista concedida por Hércules Santos; para ele, “A violência não é um fator do movimento, não faz parte, nunca fez. A única violência que era, entre aspas, que visualmente chocava as instituições pré-estabelecidas na sociedade. Que como meu filho, como sabe de repente pode botar um cara desse pra trabalhar com esse visual, nunca valorizando a pessoa, e sim o visual. Isso ai a gente fazia por contestação mesmo, mas hoje eu sei que tem várias pessoas, vários que tão ai, sabe em cargos muitos bons, que são extremamente competentes que foram punks assim como os hippies. Então eu acho que é por ai.” 14 Redson via de forma negativa a existência de gangues no período, porém tem uma análise da situação que em nosso entender não cai em julgamentos reacionários. Não é possível entender a existência de gangues sem contextualizar o período e a realidade em que isso acontece. Além da questão do chamado “bairrismo”, que já existia na cidade de São Paulo no período, a mesma é uma cidade violenta na forma em que se apresenta para as pessoas, ou nas palavras do próprio Redson: “Eu vou te dar um bom exemplo. José da Silva é o reggaeiro. Ele não tem emprego, ele não tem perspectiva de vida. A família dele não tem também perspectiva de vida. Ele é um reggaeiro, entendeu?. Mas o caos chega a um ponto que começam a agredir a família dele verbalmente por eles serem muito pobres. É estarem pedindo pra ele se tornar violento. E porque? Porque o exemplo da cidade dele começa por ai. Então não é o punk que é violento. A cidade de São Paulo é uma cidade que tem um grau de violência incrível, absurdo. E a juventude mais revoltada é mais fácil de ser violenta do 14 Hércules Santos, 48 anos, São Bernardo – SP, entrevista dia 17.10.2010
  • 39. 39 que a juventude mais comportada e passiva. Então a gente pode dizer que a violência no punk ela tem dois motivadores. Um deles é o fato de o cidadão ser paulistano e morar e viver nessa cidade em que as vezes a educação e exemplo que ele vê no dia-a-dia é que a violência é a única saída pra ele resolver os seus problemas. E a outra motivação é que existem algumas necessidades de deuses que os punks também não escaparam 100%. A necessidade de criar posturas anarquistas e focos exagerados, fazem as pessoas terem suas próprias teorias e filosofias prontas aonde elas não aceitam que sejam criticadas, muito menos que sejam contrariadas. Daí os grupos filosóficos, os grupos politizados exagerados, os que são, digamos assim, radicalizados, eles criam problema com qualquer outro grupo que passe pelo caminho, porque também está nesse mesmo grau que está soltando faísca. E isso no início do punk era freqüente. O punk no início era formado pelo pessoal mais violento, que tinham suas gangues, e eles brigavam entre si. Pronto. Pra eles ser punk era mostrar-se macho, mostrar- se guerreiro.15 Além da existência de gangues outra característica marcante do movimento punk paulista é a pluralidade das bandas e sua grande diversidade de sons e letras. Um movimento que permite as pessoas diversos tipos de posturas, diversos tipos de pensamentos e de questionamentos sobre o mundo a nossa volta. Isso permite uma maior interação de idéias, e uma maior amplitude de abrangência do movimento para os mais diversos cantos do mundo. Como mostra ainda o depoimento de Redson, “Eu acho engraçado porque o punk pra cada pessoa soa uma postura. O punk não é algo que soa como um grupo formado de pessoas que agem todas do mesmo jeito e pensam do mesmo jeito. Na minha forma de pensar ele é um campo fértil, aonde qualquer idéia que seja criatividade, que seja inovação consistente, já que é contra o rock que tava ficando murcho. O punk é o Viagra do rock’n’roll, ele dá um up. Aí ele é inventivo, ele não é uma coisa que vai copiar. O punk não trás de volta o Elvis Presley, ele tem a sua própria característica. Então por ser uma explosão cultural, social, uma explosão humana tão intensa e que se espalhou com tanta objetividade e obviedade pelo mundo (...)”.16 15 Redson, 49 Anos, banda Cólera, São Paulo – SP, entrevista dia 15.09.2011 16 Redson, 49 Anos, banda Cólera, São Paulo – SP, entrevista dia 15.09.2011
  • 40. 40 Da mesma forma que o punk não se trata de uma cópia do que já existia dentro do rock, o punk brasileiro, e mais especificamente o de São Paulo, não se tratava de uma cópia do que já existia de punk na Europa e Estados Unidos. Redson exalta essa originalidade do punk feito em nosso país: “Vamos ser honestos. Realmente o punk brasileiro é fantástico e hoje muito respeitado lá fora por essa autenticidade, por a gente ser um punk local mesmo”. Há uma enorme autenticidade nas composições, tanto nos arranjos quanto nas letras, na forma de retratar o cotidiano e os assuntos de seu interesse. Isto tornou o punk feito aqui no Brasil uma referência para o Mundo todo, e além de tudo permitiu que surgisse um público próprio e identificado com os temas abordados nas canções, tendo em vista que eram canções feitas em português e que na maioria das vezes retratavam sentimentos e situações por eles vividas. “O que o punk trouxe, ele trouxe um campo fértil em que qualquer cultura brota. Então o que favorece que você faz um punk local, não tem que ser uma cópia da referência inglesa. Nós seguimos o básico, o arroz e feijão, mas a mistura é a gente quem faz. Nós vamos por aqui um pouquinho de punk vatapá, então vamos dar a nossa característica. Isto perpetuou-se até hoje, aonde as bandas cantam em português, mesmo, passamos aí por uma fase em que se cantava em inglês, mas existe essa expectativa do público de ver música ao vivo, música própria (...)”.17 O movimento punk paulistano surge desse modo, em um contexto político desfavorável para manifestações artísticas e movimentos sociais que fossem contrários a ordem estabelecida e, sobretudo questionadores da mesma, servindo, como evidenciado nas entrevistas destacadas, como uma forma desses jovens participantes do movimento exteriorizarem suas frustrações, anseios, revoltas e perspectivas a respeito do mundo e do seu cotidiano. Nos últimos capítulos desse trabalho abordaremos mais especificamente os meios criados pelo movimento para colocar em prática seus ideais, partindo do pressuposto que o mesmo se trata de uma "contra- racionalidade" surgida nos interstícios da metrópole e através da análise de 17 Redson, 49 Anos, banda Cólera, São Paulo – SP, entrevista dia 15.09.2011
  • 41. 41 suas formas precárias de organização e de suas manifestações além das técnicas "não-hegemônicas" que os agentes do movimento punk utilizam.
  • 42. 42 3. O movimento punk como uma "contra-racionalidade" surgida nos interstícios da metrópole O movimento Punk paulista dos anos 1980 pode ser considerado como um movimento típico dos espaços urbanos sobre a influência do denominado circuito inferior da economia urbana. Diante das já conhecidas características do circuito inferior da economia urbana, podemos relacionar as mais variadas características do movimento Punk com as das atividades ligadas ao circuito inferior. Em sua maioria, os membros do movimento no período eram jovens desempregados, ou quando trabalhavam, em sua maioria eram office-boys18 , com um salário muito baixo, e insuficiente para a satisfação de suas necessidades, como por exemplo, a aquisição de discos de vinil de bandas de Punk Rock estrangeiras. Anselmo, baixista do grupo Inocentes, relata no documentário “Botinada: A Origem do Punk no Brasil”, a dificuldade enfrentada por eles na época: “você deixava de comprar uma calça pra comprar um disco de punk rock. E era super difícil”. No mesmo documentário, Mineirinho, do Grupo Punk-SP afirma: “nossa pra você conseguir um vinil era o pagamento do mês.” Essa é uma característica típica das cidades dos países não desenvolvidos, como evidencia Milton Santos19 , onde encontramos em um mesmo espaço um grande número de pessoas com salários baixos, sobrevivendo de atividades econômicas não estáveis, o que impossibilita o seu acesso aos bens e serviços disponíveis nesse meio urbano, convivendo simultaneamente com parcelas privilegiadas em menor número. Este fato gera nesse mesmo espaço uma diferença entre aqueles que têm acesso permanente aos bens e serviços urbanos e os que o têm apenas 18 profissional que trabalha em escritórios exercendo variadas tarefas, como o transporte de correspondências, documentos, objetos e valores, dentro e fora das instituições, para além de efetuar serviços bancários e de correio, depositando ou apanhando o material e entregando-o aos destinatários. 19 “A existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos ou vivendo de atividades ocasionais, ao lado de uma minoria com rendas muito elevadas, cria na sociedade uma urbana uma divisão entre aqueles que podem ter acesso de maneira permanente aos bens e serviços oferecidos e aqueles que, tendo as mesmas necessidades, não tem condições de satisfazê-las. Isto cria ao mesmo tempo diferenças quantitativas e qualitativas no consumo. Essas diferenças são a causa e o efeito da existência, ou seja, da criação ou da manutenção, nessas cidades, de dois circuitos de produção, distribuição e consumo dos bens e serviços.” (SANTOS, p.37, 2004).
  • 43. 43 eventualmente. Essa diferença das possibilidades de consumo nos centros urbanos estaria na gênese dos, já mencionados, circuitos da economia urbana. Tendo em vista as dificuldades para a obtenção dos discos importados a forma utilizada pelos punks para socializar as músicas dos discos, que eram de interesse de todos os integrantes do movimento era a transformação desses discos de vinil em fitas K7, para posteriormente serem distribuídas entre os punks. “Esses discos viravam dezenas de fitinhas, porque era o lado cooperativo que existia” (Vladi, grupo Uster). 20 Uma das principais características do circuito inferior é o seu potencial criativo, as diversas formas alternativas encontradas pelos membros do circuito para satisfazerem as suas necessidades, tendo em vista seu baixo poder aquisitivo. O movimento punk, como já abordado anteriormente, tem a música como a sua principal manifestação, como o principal meio desses jovens expressarem suas angústias e anseios, acerca de um Mundo que lhes é estranho, distante e, portanto, opressor. As dificuldades encontradas por eles para a formação das bandas, que se tornariam futuramente referências do movimento, eram inúmeras. Iam desde a falta de locais para ensaio, às dificuldades para se adquirirem instrumentos, até ao fato de eles não saberem tocar os instrumentos, pois nunca tiveram a oportunidade de tomarem aula dos mesmos. Redson, vocalista do grupo “Cólera”, relata as dificuldades encontradas para montar o grupo na época, e as alternativas encontradas por eles para vencerem as dificuldades: “No início a gente não tinha nada. A nossa bateria era um sofá, uma poltrona, a gente só tinha duas baquetas e dois violões. “Não, vamos dar tudo o que a gente tem pra montar essa banda.” 21 E aí surgiu o “Cólera”, dessa forma.” Esses aspectos abordados são apenas alguns dos inúmeros que serão levantados nessa última parte da pesquisa, que parecem permitir uma 20 Documentário Botinada: A Origem do Punk no Brasil. 2006. Dirigido e produzido por Gastão Moreira. ST2 Videos, 2006. 21 Documentário Botinada: A Origem do Punk no Brasil. 2006. Dirigido e produzido por Gastão Moreira. ST2 Videos, 2006.
  • 44. 44 explicação para o movimento a partir do resgate de parte da chamada “teoria dos dois circuitos da economia urbana”, e em especial do “circuito inferior” da economia urbana. Pretendemos agora justificar o porquê de esse movimento poder ser enquadrado como um dos fatores que evidenciam essa mudança em marcha a qual se referia o professor Milton Santos, destacada na apresentação do trabalho. 22 Essa mudança em marcha no qual o movimento Punk está inserido terá seu maior expoente nas grandes cidades, embora não podemos descartar a grande importância de movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, que é um movimento tipicamente rural que luta pela reforma agrária brasileira e por uma reestruturação da sociedade como um todo, e até mesmo a importância de outros movimentos em outros países, como por exemplo as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, FARC, um grupo guerrilheiro afastado das cidades, que luta à décadas pela revolução socialista na Colômbia, e o Exército Zapatista de Libertação Nacional, EZLN, no México, que é outro movimento muito importante e que tem muito a se somar nesse contexto de mudança, mas que também é tipicamente rural. Em entrevista publicada pela revista Caramelo nº7, no ano de 1994, Milton Santos coloca a importância dos pobres nas grandes cidades como “guardiões da cultura”, o que pode ser entendido como resistentes a esse processo de homogeneização cultural imposta pelos agentes hegemônicos, sobretudo, no pós Segunda Guerra. “A cidade atrai e guarda pessoas com os mais diferentes níveis de renda, e a modernidade não é extensível a todas. Os pobres são guardiões da cultura exatamente porque não têm acesso à modernidade, às modas; eles são muito ligados ao que há de profundo, o que surge da relação íntima com o território. (...) (eles) não têm acesso às coisas, e as coisas corrompem por si sós. Os objetos têm a sua própria linguagem, que é transmissora de 22 “Estamos convencidos de que a mudança histórica em perspectiva provirá de um movimento de baixo para cima, tendo como atores principais os países subdesenvolvidos e não os países ricos; os deserdados e os pobres e não os opulentos e outras classes obesas; o indivíduo liberado que partícipe das novas massas e não o homem acorrentado; o pensamento livre e não o discurso único.” (SANTOS, p.14, 2005).
  • 45. 45 ideologia, e esses objetos faltam ao homem pobre. É por isso que a cidade, no meu modo de ver, é o lugar da redenção possível, porque ela reúne muitos pobres e porque é impossível modernizá- la toda. São Paulo a muito tempo desistiu dessa modernização total. A fluidez do território paulistano vai diminuindo; essa bendita opacidade aumenta, e é isso que faz com que haja uma reação à expansão sem limite do racional, dessa racionalidade perversa, e isso permitiria um planejamento. As áreas ricas, as áreas fluidas, não admitem planejamento, porque o mercado tem mais força que o Estado.” (SANTOS, Milton. p.96. 1994). Inúmeras são as músicas punks do período que retratam situações cotidianas urbanas vividas pelos seus membros. Músicas de denúncia. Algumas, meros retratos reveladores dessa realidade, outras questionadoras dessa situação, e parte delas propositivas de mudanças mais profundas. Como, por exemplo, a música, em destaque, “Rotina” do grupo Inocentes, onde é retratada a rotina maçante de um trabalhador na grande cidade: “Acorda cedo para ir trabalhar / O relógio de ponto a lhe observar / No lar esposa e filhos a lhe esperar / Sua cabeça dói, um dia vai estourar, com essa Rotina! / Sua cabeça dói, não consegue pensar / As quatro paredes a lhe massacrar / Daria tudo pra ver o que acontece lá fora / Mesmo sabendo que não iria suportar essa Rotina / Até quando ele vai aguentar? / No lar sua esposa lhe serve o jantar / Seus filhos brincam na sala de estar / Levanta da poltrona e liga a TV / Chegou a hora do programa começar / O homem da TV lhe diz o que fazer / lhe diz do que gostar, lhe diz como viver / Está chegando a hora de se desligar / A sua esposa lhe convida para o prazer / Rotina! / Até quando ele vai aguentar?”23 As pessoas se vêm presas a uma vida, a uma rotina que lhes é estranha, sem muitas vezes saberem o porquê o fazem, ou o porquê é feito dessa forma, diversos são os motivos que explicam o porquê desse estranhamento perante o mundo da grande maioria das pessoas, “neste mundo globalizado, a competitividade, o consumo, a confusão dos espíritos constituem baluartes do presente estado das coisas. A competitividade comanda nossas formas de ação. O consumo comanda nossas formas de 23 Clemente Nascimento e Marcelino. Música “Rotina”. Disco Pânico em SP. Warner. 1986.
  • 46. 46 inação. E a confusão dos espíritos impede o nosso entendimento do mundo, do país, do lugar, da sociedade e de cada um de nós mesmos.” (SANTOS, Milton. p.46. 2005). Existem momentos que grupos tomam a consciência dessa situação, e começam a agir de forma a reverter essa situação, passam a denunciar, a questionar e a se negar a reproduzir a sociedade da forma que lhes é apresentada, as músicas do movimento punk em diversos momentos revelam essa tomada de consciência, como a música Amnésia, do grupo Cólera “Como bala de canhão / Isso pesa na consciência / Tenho bronca da rotina / Com vontade de agredir / Eu já repeti demais / E a minha decisão / É voltar a dizer não / É voltar a dizer não / Demais, já repeti, já esperei / Já me cansei demais... / Isso é vida de animal / E assim não é legal / Tenho bronca da rotina / A vontade é destruir / Eu já repeti demais / E a minha decisão / É voltar a dizer não / É voltar a dizer não / Demais, já repeti, já esperei / Já me cansei demais...”24 O professor Milton Santos sintetiza de forma muito clara em seu livro “Por Uma Outra Globalização” essa tomada de consciência das populações marginalizadas nos grandes centros urbanos, apesar de nunca ter se aprofundado no estudo de um movimento como o movimento punk, a sua análise expressa de forma acadêmica o que os punks expressavam em suas canções de insatisfação com o cotidiano estranho aos seus anseios. Expondo de que modo uma configuração sócio-espacial segundo os interesses hegemônicos no atual período da globalização gera ao mesmo tempo um movimento contrário a todo esse processo, graças às relações geradas entre esses indivíduos a margem da sociedade, algo que somente se torna possível nas cidades. “O território tanto quanto o lugar são esquizofrênicos, porque de um lado acolhem os vetores da globalização, que neles se instalam para impor sua nova ordem, e, de outro lado, neles se produz uma contra-ordem, porque a uma produção acelerada de pobres, excluídos, marginalizados. Crescentemente reunidas em cidades 24 Redson. Música “Amnésia”. Disco “Tente Mudar O Amanhã”. 1985
  • 47. 47 cada vez mais numerosas e maiores, e experimentando a situação de vizinhança (que, segundo Sartre, é reveladora), essas pessoas não se subordinam de forma permanente à racionalidade hegemônica e, por isso, com freqüência podem se entregar a manifestações que são a contraface do pragmatismo. Assim, junto à busca da sobrevivência, vemos produzir-se, na base da sociedade, um pragmatismo mesclado com a emoção, a partir dos lugares e das pessoas juntos. Esse é, também, um modo de insurreição em relação a globalização, com a descoberta de que, a despeito de sermos o que somos, podemos também desejar ser outra coisa. Nisso o papel do lugar é determinante.” (SANTOS, Milton. p.114. 2005). As músicas do movimento, que são a representação direta do meio que esses jovens vivem e do sentimento que esse meio lhes causa, só comprovam o fato de que o lugar é determinante em todo esse processo de mudança, e de criação de consciências. Consciências anti-hegemônicas, que vão à contramão das chamadas “racionalidades”, e que questionam essa racionalidade perversa.25 O contato com as mesmas é uma forma muito rica de entendermos parte dessa realidade vivida por esses jovens e como essa interação com o espaço, nas palavras do professor Milton Santos, “esquizofrênico”, cria a consciência de parte da população excluída no processo. Músicas como a em destaque, “Em Você”, do grupo Cólera e a “Proletários”26 do grupo Garotos Podres, são apenas um dos exemplos do sentimento causado por um espaço onde convivem exploradores e explorados e da tomada de consciência de classe por parte dessa população: “Eles comem, vocês têm fome. / Eles bebem, vocês tem sede. / Eles dormem, vocês tem sono. / Eles compram, vocês carregam / - Você que é honesto tem um ar sombrio / Um ar de revolta / O preço dolorosa pra sobreviver / Que causa esta raiva. / Quem pode mais, 25 “(...) Na cidade, as irracionalidades se criam mais numerosa e incessantemente que as racionalidades, sobretudo quando há, paralelamente, produção da pobreza. Este é o fundamento da esquizofrenia do lugar.” (SANTOS, Milton. p.115. 2005). 26 “Já não acreditamos / Em nenhuma teoria / Falsas verdades / Da elite minoria / Arreiem todas bandeiras / Destruam todas as fronteiras / Todo proletário / Se libertar / Do Estado / Deixamos os generais / Sem exércitos / Os patrões sem empregados / Os demagogos sem nossos votos / Os exploradores / Sem explorados / Proletários / De todo mundo / Sobre as ruínas / Da hipocrisia / Marchem ombro a ombro / De cabeças erguidas”. (Mau e Ciro. Música “Proletários”. Disco “Pior Que Antes”. 1988)
  • 48. 48 vai sobreviver. / Quem pode mais, vai pisar em você! / Eles olham o mundo como o arco-íris / Todo colorido... / Beleza, flor e amor, dinheiro e poder / E status social / Quem pode mais, vai sobreviver. / Quem pode mais, vai pisar em você”. 27 Desse modo, através de suas músicas, botando em prática o “Faça você Mesmo”, que será abordado de forma mais detalhada no decorrer da pesquisa, o Movimento punk contribui, somando forças as demais idéias anti- globalização, anti-pensamento único, idéias revolucionárias, por um mundo que gire em torno de lógicas não perversas e criadoras de desigualdades como as atuais. Nos subitens adiante daremos maior destaque a localização e aos locais de freqüentação dos punks na cidade, assim como a estética criada por eles e suas músicas, dando, desse modo, os subsídios necessários para afirmarmos que o mesmo é um movimento que surge nos interstícios da metrópole paulistana, para no capítulo seguinte nos atermos com maior profundidade nas formas utilizadas pelo movimento para a sua organização, mesmo que de forma precária, e reprodução enquanto tal através de suas manifestações artísticas e das técnicas utilizadas, com destaque para a idéia mencionada do “Faça Você Mesmo”. 3.1. A localização periférica da população que faz parte do movimento punk As já citadas gangues existentes no período eram encontradas no ABC e nas mais variadas regiões da periferia da Cidade de São Paulo. Um bairro que concentrava um grande número de punks no período e que muitos consideram o local de origem do punk no Brasil é o bairro da Vila Carolina, na Zona Norte de São Paulo, entre o bairro do Limão e da Freguesia do Ó, em destaque na imagem 1: 27 Redson. Música “Em Você”. Disco “Tente Mudar O Amanhã”. 1985