4. ........................
- 3 -
AGRADECIMENTOS
Ao longo do tempo em que este texto foi escrito
acumulei um bom número de dívidas de gratidão. Assim, o
espírito coletivo deste trabalho me deixa na obrigação de
agradecer algumas pessoas que me auxiliaram no processo de
sua constituição. Sendo assim, remeto meus sinceros
agradecimentos:
À Sônia Lobo, minha orientadora da monografia, que
com toda paciência acolheu meu pedido de orientação, as
justificativa de meus atrasos, me deu total independência
teórica e de estudos e foi comigo até o fim com leituras atentas
e comprometidas; meu grande amigo e companheiro de luta
Deivid Carneiro pelas conversas sobre essa “sociedade
cancerígena”; Rafael Saddi pela atitude libertária que carrega
em si de forma singular e por toda ajuda na orientação deste
texto; Luiz Aurélio Bueno Neves, companheiro que durante
nossos dias de pesquisa no Arquivo Edgard Leuenroth
propiciou várias conversas proveitosas sobre as nossas
pesquisas; ao Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), em especial
Marina Rabelo, Maria Dutra de Lima, Humberto Innarelli, Ana
Paula e Ricardo Biscalchin, trabalhadores desse arquivo que
foram prestativos e pelo auxílio nos dias de coleta das fontes;
ao casal Reginaldo e Sirlene Noleto pela estadia e pelos dias
agradáveis na cidade Campinas/SP; Felipe Corrêa da
Federação Anarquista do Rio de Janeiro e Thiago Lemos do
Grupo de Estudos Sobre Anarquismo de Patos de Minas pelas
indicações bibliográficas disponibilizados por eles e que aqui
foram utilizados; ao “anarco-peruano” Juan Chacón,
companheiro libertário que com nossas conversas ébrias
contribuiu e muito ao longo da escrita do texto e fez
gentilmente as correções gramaticais a pedido da banca; a Luiz
Eduardo Bacural; A Diney Vasco por produzir a capa; a todos
meus companheiros autogestionários, em especial, Marcos
Ataídes, Reinaldo Souza, Edmilson Marques, Nildo Viana,
Cleito Pereira; Lisandro Braga e Lucas Maia que tem a
5. ........................
- 4 -
essência de verdadeiros militantes: a amizade e a solidariedade
libertária.
Impossível seria esquecer-se da minha família: meu
pai João Batista, um sincero e humilde homem que me inspira
cotidianamente no meu modo de agir diante dessa humanidade
desumana; minha mãe Mary Lane, pela paciência às minhas
ausências familiares, pelo carinho e pelo amor enorme que tem
pelo “filho anarquista”; minha irmã Gisele que, quem sabe,
trilhará pelos complicados e tortuosos caminhos da docência;
aos meus “prirmãos” Marcílio Júnior e Vinícius Mateus; ao
meu primo “anarcólogo” Munís Alves pelos debates sobre
anarquismo e com as leituras de seu blog fez com que eu
direcionasse meu olhar para outras questões que até então
estavam despercebidas; ao tio Mariozan (in memoriam) pelas
agradáveis conversas que tive quando saía de Goiânia para ter
paz de estudo na sua casa; aos demais familiares.
Muitos ficaram e estes se sintam agradecidos. Eis aqui
meus singelos agradecimentos aos que a falha memória me
propiciou. No mais, todos vocês foram imprescindíveis nesse
trajeto tortuoso, sofrível e, enfim, realizado.
7. ........................
- 6 -
LISTA DE ABREVIATURAS
ADS – Aliança Democrática Socialista
AEL – Arquivo Edgard Leuenroth
AIT – Associação Internacional dos Trabalhadores
CGT – Confédéracion Géneral du Travail (Confederação Geral
do Trabalho)
COB – Confederação Operária Brasileira
FORA – Federação Operária Regional Argentina
FOSP – Federação Operária de São Paulo
FRE - Federación Regional Española
FTRE - Federación de Trabajadores de la Región Española
IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
PCB – Partido Comunista Brasileiro
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UTG - União dos Trabalhadores Gráficos
8. ........................
- 7 -
SUMÁRIO
Resumo / 11
Prefácio: “Ação direta ensina a viver sem tutela”:
o aspecto pedagógico da luta política na imprensa
anarquista e operária brasileira – Thiago Lemos Silva. / 13
Introdução / 17
CAPÍTULO I /
1.1. Estado atual dos conhecimentos / 26
1.2. Delimitação teórico-metodológica e conceitual / 39
CAPÍTULO II
Contexto do proletariado brasileiro na Primeira República
/ 53
2.1. Imigração, formação do operariado e condições de
trabalho / 53
2.2. Sociedades de resistência, sindicatos e imprensa
operária / 58
2.3. De A Lanterna à A Plebe / 63
2.4. Edgard Leuenroth: breve biografia de militante
anarquista / 69
2.5. A constituição da Semana Trágica / 74
2.6. Do dia 9 a 16 de julho: a Semana Trágica / 78
CAPÍTULO III
A Plebe e a ação política pedagógica da ação direta / 85
3.1. “Trabalhador forte e fecundo” / 85
3.2. Pela ação direta: “Rumo à Revolução Social” e “Em
nome do Povo, não!” / 87
9. ........................
- 8 -
3.3. Contra a Igreja e o clericalismo / 91
3.4. A Plebe durante a Greve Geral / 92
3.5. A Plebe após a Greve Geral / 97
3.6. Pictografia como recurso educacional / 104
3.7. Poesias libertárias / 112
3.8. A influência das Escolas Modernas e indicações
bibliográficas / 116
3.9. A “Gazetilha de Satan” critica com sarcasmo / 119
Considerações Finais / 121
Fontes para Pesquisa / 122
Jornais / 122
Referências Bibliográficas / 123
Apêndices / 133
O comunismo anarquista do jornal Spártacus (1919 –1920)
/ 134
Referências / 152
Jornais / 152
Bibliografias / 153
La prensa operaria en Brasil: la importancia de los
periódicos libertários / 156
O sindicalismo revolucionário como estratégia dos
Congressos Operários (1906, 1913, 1920) / 160
Nas páginas da Imprensa da Primeira República: os
poemas anticlericais em A Lanterna / 176
Referências Bibliográficas / 190
10. ........................
- 9 -
RESUMO
Este livro é fruto de uma pesquisa realizada junto ao
Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade Estadual de
Campinas (AEL – UNICAMP) que trabalha as aspirações e
práticas pedagógicas do periódico A Plebe de 1917. Assim,
tencionamos acompanhar nesse ano (do número de sua
fundação à sua paralisação na décima nona edição) os
pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta, ou seja,
as formas utilizadas pelo periódico para compreender um
processo de formação de uma auto-educação libertária,
fundamentada nos pressupostos do anarquismo. Com isso,
entendemos que a estratégia anarquista adotada por A Plebe
articulava a luta libertária em prol de uma sociedade igualitária
com a instrução da classe trabalhadora para que atingisse um
objetivo final, ou seja, a revolução social e a construção de
uma sociedade libertária. Sendo assim, analisaremos nas
páginas que seguem, alguns desses elementos da ação direta
como pressupostos políticos e pedagógicos na constituição de
formas de sociabilidade coletiva com um fim social efetivo.
12. ........................
- 11 -
PREFÁCIO
“Ação direta ensina a viver sem tutela”: o
aspecto pedagógico da luta política na imprensa
anarquista e operária brasileira
Thiago Lemos Silva
Repudiamos [...] a ação eleitoral e parlamentar,
que só serve para reforçar o Estado [...] e
adormecer as energias populares. O nosso
método é ação direta que [...] tende a despertar
a iniciativa e a coragem, leva a agir por conta
própria, a unir-se, a viver sem tutela [...]
preconizamos (como meios de ação direta) a
greve, a boicotagem, a sabotagem, a agitação
de praça, o comício, a greve geral, e por fim a
insurreição e a expropriação a que os
oprimidos e explorados devem recorrer, se a
isso levados pela necessidade e pela
consciência da sua própria força.1
Ao enunciar sua definição dos militantes engajados
com o jornal A Plebe, Neno Vasco introduziu uma imagem
capaz de traduzir o aspecto essencialmente pedagógico do qual
estava profundamente impregnada a luta política levada a cabo
pela imprensa anarquista e operária, durante o contexto que
abarca o período da Primeira República no Brasil.Inscrevendo
a ação direta no cerne da política, Neno Vasco e seus
companheiros de viagem apostavam na possibilidade de o
proletariado aprender, por si mesmo, a lutar em prol dos
interesses da sua classe social, construir a consciência dos
antagonismos entre capital-trabalho, superar a função do
Estado e, por conseguinte, revolucionar a sociedade capitalista,
fato que tornaria exequível sua reconstrução ulterior em
Mestre em História pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia);
professor na rede pública e particular de educação básica de Patos de Minas
(Minas Gerais) e membro do Coletivo Mundo Ácrata.
1
VASCO, Neno. O que somos. A Plebe. São Paulo,n º54, 28/07/1920.
13. ........................
- 12 -
direção ao socialismo. Perscrutar esse aspecto sublinhado por
Neno Vasco constitui o objetivo maior do trabalho de João
Gabriel da Fonseca. Resultado de pesquisa e redação de
monografia defendida junto ao Curso de História do Instituto
Federal de Goiás, o livro deste jovem pesquisador lança um
novo olhar sobre os aspectos “formais” e “informais” do
projeto político-pedagógico do jornal A Plebe, durante A
Semana Trágica de 1917 na cidade de São Paulo, momento
particularmente rico do “sonhar libertário”2
, para evocar aqui a
feliz expressão de Cristina Hebling Campos.
Breve, porém, intensa em termos de agitação social, A
Semana Trágica assume na narrativa tramada pelo autor mais
que meros sete dias de existência. Privilegiando os múltiplos
fatores que a tornaram possível, João Gabriel da Fonseca
coloca em evidência a luta contra a carestia de vida, a
diminuição da jornada diária para 08 horas, a regulamentação
do trabalho infantil e feminino, as ressonâncias da Revolução
Russa, o assassinato do operário José Martinez, os saques ao
Moinho Santista, o emergir das Ligas Operárias de Bairro e o
papel do Comitê de Defesa Proletária.
No entanto, ela não se reduz a isso. Distanciando-se das
interpretações esquemáticas e simplistas, o historiador recusa-
se a ver n’A Semana Trágica um ato puramente espontaneista
dos trabalhadores por um lado, ou como a ação diretiva de uma
vanguarda política por outro. Pelo contrário, ela revelaria o
processo de enraizamento e duração da estratégia de ação
direta, forma pela qual o anarquismo exerceu sua hegemonia
no interior do movimento operário brasileiro, que se
encontrava presente nas lutas contra o patronato desde a aurora
do século XX.
Das atividades nos sindicatos até as intervenções nas
escolas racionalistas, passando pela crítica ao militarismo e a
luta anticlerical, João Gabriel da Fonseca nos mostra o papel
2
CAMPOS, Cristina Hebling. O sonhar libertário: movimento operário
nos anos de 1917 a 1921. Campinas: Pontes/ Campinas, 1988.
14. ........................
- 13 -
não desprezível que A Plebe, surgida no entremeio d’ A
Semana Trágica, desempenhou enquanto centro de aglutinação
e irradiação de um projeto político-pedagógico que conferiu à
ação direta a difícil tarefa de ensinar os trabalhadores a
viverem sem tutela. Na sua luta pela autonomia, esse projeto
não se restringiu as formas tradicionais de educação política,
que visavam persuadir os trabalhadores racionalmente por
meio da propaganda doutrinária. Ao lado dessa forma de
educação política, vemos surgir nas páginas d’ A Plebe , uma
outra, que integra, mas, ao mesmo tempo ,transcende a sua
dimensão puramente racional; fato que não se furta à análise
extremamente cuidadosa de João Gabriel da Fonseca.
Em conjunto com os panfletos, ensaios, informes e
demais gêneros literários cuja fisionomia se aparenta, o autor
também se detêm nos gêneros literários que não podem ser
tomados apenas como formas de propaganda dirigida, tais
como as caricaturas, poesias e crônicas. Com objetivos
semelhantes, porém com funções diferentes, esses gêneros
literários tinham como finalidade mais sensibilizar do que
persuadir os trabalhadores na sua luta contra o capital,
mostrando que a autonomia é uma conquista que passa tanto
pelo intelecto quanto pelo coração.
Se analisada a partir dessa perspectiva, o aspecto
pedagógico da luta política enfatizado por Edgard Leuenroth,
Florentino de Carvalho, Adelino Pinho e os demais articulistas
d’ A Plebe ganha outro sentido, muito mais profundo e
abrangente. Tal como é entendido pelo autor, a luta política é,
em si mesma, tomada como um processo pedagógico. Não se
tratou, obviamente, de um projeto que visava criar uma escola
aonde o militante “iluminado” viria, em um passe de mágica,
fazer com que os trabalhadores aprendessem o socialismo,
mas, antes fazer com que as organizações que lutavam pelo
socialismo tivessem um caráter pedagógico.
O constante esforço dos anarquistas para retirar os
trabalhadores da apatia e incitá-los à ação, o qual eles
responderam de modo positivo e efetivo, talvez nos ajude a
15. ........................
- 14 -
entender a reação violenta dos poderes instituídos na semana
de 09 a 16 de julho do ano de 1917. Afinal de contas, nada
mais perigoso a uma República cujo cimento da dominação
estava assentado na dependência clientelista do que um
movimento operário que agia de modo totalmente autônomo.
Em virtude disso, o governo de São Paulo agiu de forma tão
repressiva em relação aos movimentos grevistas que eclodiram
na cidade no referido ano, procurando a todo custo erradicar os
indesejáveis anarquistas, como se estes fossem plantas exóticas
de impossível aclimatação em um solo tido como ordeiro e
pacífico, imagem esta que foi constantemente reatualizada e
ritualizada pelas elites nacionais da época, quando tratou-se de
deslegitimar toda a resistência por parte do jovem
proletariado brasileiro contra o nascente capitalismo industrial.
Quase um século nos separa dos personagens dessa
história que nos é contada pelo autor, o que pode gerar certo
estranhamento no leitor que se dispuser a enfrentar o presente
livro. Em uma época em que se anuncia “ o fim das utopias”, “
o desencantamento do mundo”, “ a ascensão da
insignificância”, “ a amargura da história”, entre outros lugares
para designar o mundo dito “pós-moderno”, em que toda e
qualquer forma de tentativa de mudar a sociedade constitui
uma quimera irrealizável, o projeto político-pedagógico levado
a cabo pelos anarquistas antes, durante e depois d’ A Semana
Trágica parece algo arcaico e obsoleto.
Entretanto fica aqui o convite, em forma de desafio,
para o leitor refletir se o livro é ou não contemporâneo ao
século XXI, século que parece desconhecer a sábia lição
extraída de Rosa Luxemburgo, também libertária, em face das
reiteradas e frequentes derrotas do movimento socialista no
século XX, bem como sua dimensão eminentemente
pedagógica: “Não estamos derrotados. Ao contrário,
venceremos, se não tivermos desaprendido a aprender”3
.
3
LUXEMBURGO, Rosa. A crise da social democracia. Disponível em:
http://www.marxists.org/portugues/luxemburgo/1915/junius/cap01.htm.
Acesso em: 09 de maio de 2013.
16. ........................
- 15 -
INTRODUÇÃO
Este texto é a monografia defendida para obtenção do
título de graduação em Licenciatura em História pelo IFG
(2009 – 2013) que foi defendido e aprovado em 15 de
fevereiro de 2013. Além desse texto, a obra é composta por 4
artigos publicados em revistas/jornais especializados na área
de ciências humanas.
A ideia de fazer esse trabalho está intrinsecamente
ligada com a forma que me deparei durante a minha trajetória
acadêmica com a educação e o anarquismo (de maneira difusa
e marginal) e também, na forma como hegemonicamente esses
dois conceitos (e são além de meros conceitos) são entendidos
no interior das faculdades, universidades, escolas, etc. As (in)
compreensões na maioria das vezes foram fruto, ora de mal
entendidos, de falta de leituras e quando houveram, leituras
apressadas que formaram uma imagem caricatural do
anarquismo; outrora de ranços e intenções a priori com um
objetivo já delimitado e (pré) conceituoso sobre essas
temáticas. Quando assim pensado, fica quase impossível
compreender algo de proveitoso do anarquismo.
Dessa maneira, as páginas que se seguirão não
buscam um fim em si mesmo, e também, não são a solução
para essas incompreensões das quais eu cito. São meros
esforços para compreender algumas singularidades recônditas
das práticas políticas anarquistas (uma entre tantas) que
emanaram da classe trabalhadora para a classe trabalhadora.
Um grão de areia frente ao que já foi produzido e está
arquivado. Assim, ressalto as palavras de Errico Malatesta4
quando afirmava que “Na ciência, as teorias, sempre
hipotéticas e provisórias, constituem um meio cômodo para
reagrupar e vincular fatos conhecidos, e um instrumento útil
4
MALATESTA, E. Anarquismo y Anarquia. In: RICHARDS, V.
Malatesta: Pensamiento e Acción. Buenos Aires: Tupac Ediciones
Revolucionarios, 2007, p. 39.
17. ........................
- 16 -
para a investigação”, mas essa ciência apenas interpreta os
fatos novos e não é a verdade única e acabada.
Outros autores e autoras importantes deveriam ser
tratados aqui na temática geral, mas por falta de espaço e
tempo, não puderam ser contemplados. Mesmo assim,
Proudhon, Bakunin, Élisée Reclus, Louise Michel, Errico
Malatesta, Piotr Kropotkin, Gori, Luigi Fabbri, Luce Fabbri,
Max Nettlau, Ferrer y Guardia, Emma Goldman, Nestor
Makhno, Volin, Sébastien Faure, Arshinov, Rudolf Rocker,
Tolstói, José Oiticica, Neno Vasco, Fábio Luz, Domingos
Passos, Maria Lacerda de Moura, Everardo Dias, João
Penteado, Adelino Pinho, Florentino de Carvalho, Oresti
Ristori, Gigi Damiani, Giovanni Rossi, Malvina Tavares,
Hermínio Marcos, Avelino Fóscolo, Fábio Luz, Domingos
Passos, Edgar Rodrigues, Milton Lopes, Carlo Aldegheri, Ideal
Peres, Jaime Cubero, Noam Chomsky, Daniel Guérin, estão às
vezes diretamente e indiretamente citados no texto. Basta uma
reflexão mais atenta que será possível visualizar isso.
Assim, A Semana Trágica dos dias 9 a 16 de julho de
1917 estampada nas páginas d’ A Plebe será analisada aqui
mais do que meros 7 dias. Tem seus acontecimentos e seus
determinantes frutos de vários motivos que lhe são anteriores e
ressonâncias posteriores, já que reacendeu e reacende a
esperança, como um legítimo sentimento do ser humano de
sonhar-para-a-frente (BLOCH, 2005, p. 21).
* * *
No século XIX, bastante estimulados pela propaganda
do governo brasileiro sobre a chamada “terra da
oportunidade”, muitos europeus emigraram para o Brasil entre
1870 e o começo da Primeira Guerra Mundial. Tamanha foi a
imigração que, “entre 1884 e 1903, o Brasil recebeu mais de
um milhão de italianos” (DULLES, 1973). Com eles também
vieram as ideais do movimento operário europeu. Os
imigrantes que chegavam ao Brasil vinham carregados de
18. ........................
- 17 -
valores, concepções e pensamentos de organização proletária,
características da Europa daquele contexto. Na perspectiva
organizacional do movimento operário a imprensa foi um
órgão de grande importância pela propagação dos interesses
dos trabalhadores, na divulgação dos ideais do movimento e
suas ações políticas, carregando ainda um caráter didático e
doutrinário. No caso brasileiro, as transformações ocorridas no
processo de modernização potencializaram o crescimento e a
necessidade da imprensa, trazendo a “difusão de novos hábitos,
aspirações e valores” (LUCA, 2011:120), que abrigava uma
infinidade de publicações periódicas.
Assim, no incipiente movimento operário, os
anarquistas foram os principais participantes e levaram os
periódicos em formas de jornal como o principal mecanismo
de propagação de seu ideal de emancipação social.
Apresentavam alternativas ao operariado, com ideais que
contrariavam a ordem capitalista vigente, tais como: greve
geral, boicotes, sabotagens, revolução social, etc.
A greve geral de 1917, que assumiu na memória
social o sentido de um ato simbólico e único5
, entra nesse
cenário como uma expressão das precárias vidas dos
trabalhadores paulistanos e como um momento de “convulsão
social sem precedentes na história do Brasil” (LOPREATO,
2000, p. 46).
Para reconstruirmos a história desses movimentos de
reprodução de ideais libertários se torna fundamental
buscarmos, um elemento dentre as mais diversificadas formas
de compreender o movimento operário: a imprensa operária
caracterizada pelos periódicos criados por trabalhadores. Com
isso, o periódico A Plebe, escolhido como fonte primária para
esta pesquisa, foi um dos jornais do proletariado que pretendia
conscientizar a classe trabalhadora de sua situação de
explorados e unir os trabalhadores em suas lutas por melhores
condições de vida e trabalho.
5
FAUSTO, 1977, p. 192.
19. ........................
- 18 -
O assunto de que trata o presente estudo é a relação
entre imprensa operária e educação. De maneira mais
específica, o trabalho que se segue visa analisar os
pressupostos políticos e pedagógicos no âmbito da
“resistência” ao capitalismo encontrado no periódico A Plebe,
inserido no contexto do movimento operário na Primeira
República do Brasil no ano de 1917. Mais especificamente,
nossa pesquisa procurará entender o que ficou chamado de “A
Semana Trágica” (LOPREATO, 2000) e assim, compreender
os pressupostos pedagógicos d' A Plebe durante esse recorte
temporal. Para isso, foi necessário compreender as condições
de vida e trabalho do proletariado na Primeira República do
Brasil que levaram à construção de formas de organização no
movimento operário, entendendo a importância das
organizações operárias (ligas operárias, greves, sindicatos,
sociedades de resistência, regiões de lazer e cultura operária)
para a luta cotidiana dos trabalhadores.
Além disso, centramos nosso recorte temporal na
Greve Geral de 19176
na cidade de São Paulo, compreendendo
o processo histórico do nascimento do jornal operário A Plebe
advindo do periódico A Lanterna7
. É nesse contexto que
podemos analisar a linha de entendimento do mundo
propagada pelo jornal caracterizado pelos seus propósitos
6
José Carlos Orsi Morel ao analisar a situação da classe trabalhadora irá
dizer que “la huelga general del 17 surge como uma respuesta radical del
movimiento contra la situación de extrema miséria y opresión” (MOREL,
1988, p. 28).
7
No segundo capítulo deste trabalho iremos apresentar a história desse
periódico. Mas de antemão, A Lanterna, foi um periódico anticlerical de
orientação anarquista e órgão da Liga Anticlerical. Foi considerado por
Boris Fausto, como “o veículo mais consistente do anticlericalismo
anarquista, embora seja razoável supor que ele tenha sido temperado pelo
propósito de aglutinar outros círculos além dos libertários”. Foi inaugurado
sob a égide de Benjamin Motta no qual permaneceria até 1904 ocorrendo
uma paralisação das publicações e será retomado no ano de 1909 por
Edgard Leuenroth (FAUSTO, 1977, p. 83).
20. ........................
- 19 -
educativos já que em qualquer das tendências dentro do
movimento operário o jornal é tido como um “portador de suas
propostas, como veículo de suas resistências e como proposta
de educação dos trabalhadores” (KHOURY, 1987, p. 15).
No campo educacional, as ações do movimento
operário foram diversas, sendo que, na realidade, “as
atividades abraçadas pelos trabalhadores dentro do movimento
operário e, principalmente, entre os anarquistas, possuíam um
caráter pedagógico e educacional inegável” (NASCIMENTO,
2006, p. 77).
Nossa hipótese é que o periódico A Plebe se
constituiu como um mecanismo e estratégia dos anarquistas
para propagar os pressupostos políticos e pedagógicos da ação
direta com o objetivo da revolução social feita pela classe
trabalhadora rumo à sociedade anárquica. Assim pensado,
elucidaremos no terceiro capítulo que a estratégia dos
libertários não era determinista, e sim, complexa e
multideterminante, que almejava a emancipação total das
classes oprimidas e opressoras da sociedade capitalista em prol
de uma sociedade livre em todas as esferas da sociedade com a
abolição do sistema capitalista e das classes sociais.
Utilizamos como fonte primária os periódicos
publicados por A Plebe, do número 01 de 09 de junho de 1917
ao número 19 de 30 de outubro deste mesmo ano, data em que
o periódico foi interrompido pela prisão de seu editor. A coleta
destas fontes foi realizada no mês de junho de 2012 no
Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) nas dependências do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP) na cidade de Campinas,
São Paulo. O periódico A Plebe foi fundado em 1917 por
Edgard Leuenroth8
e findou em 1950. Contudo, durante esse
8
“Edgard Leuenroth, filho de um farmacêutico alemão, emigrado para o
Brasil, nasceu em Mogi-Mirim, no estado de São Paulo em 1881 e morreu
em 1968. (...) Em 1903, participa de um Círculo Socialista, em São Paulo,
mas em 1904 já se converte ao anarquismo. Ingressa na recém fundada
União dos Trabalhadores Gráficos (UTG), ali trabalha como bibliotecário e
21. ........................
- 20 -
longo período (comparado com a trajetória de outros
periódicos) houve diversas paralisações das publicações,
prisões de seus diretores e empastelamentos.
Além dos números de A Plebe, realizamos uma
pesquisa fundamentada majoritariamente em referências
bibliográficas (artigos, ensaios, livros, monografias,
dissertações, teses, etc.) que fundamentarão o trabalho em
todos os seus capítulos.
Do ponto de vista metodológico, ressalvamos que esta
pesquisa optou pelo estudo de um recorte temporal bastante
delimitado. No entanto, esse curto período é rico em fontes que
tratam da relação entre a educação libertária e a imprensa
operária, especialmente no que diz respeito ao periódico A
Plebe de 1917. Concordando com Marc Bloch, “o vocabulário
dos documentos não é, a seu modo, nada mais que um
testemunho: precioso, sem dúvida, entre todos; mas, como
todos os testemunhos, imperfeito; portanto, sujeito à crítica”
(BLOCH, 2011, p. 142). Assim, face à imensa e confusa
realidade que nos cerca, o historiador é levado a compreender
essa realidade e obrigado a recortá-la temporalmente. “Este é
um autêntico problema de ação. Ele nos acompanhará ao longo
colabora na publicação do jornal O Trabalhador Gráfico. Foi um dos
fundadores da Federação Operária de São Paulo, em 1905, e um dos
principais responsáveis pela realização dos três principais congressos
operários realizados em 1906, 1913 e 1920, no Rio de Janeiro. Participou
intensamente da imprensa operária: redator, com Neno Vasco, da Terra
Livre (1905), diretor da Folha do Povo (1908 – 1909), reinicia a publicação
de A Lanterna (1906 – 1910), fundador de A Plebe (1917). (...)”
(PINHEIRO e HALL, 1979, p. 226). Ainda sobre Edgard Leuenroth,
Edgard Rodrigues diz que a partir de 1909 até o ano de 1935, Leuenroth
dirigiu A Lanterna, “(...) jornal anti-clerical e libertário fundado pelo dr.
Benjamin Mota em 1901, em duas fases que lhe granjeou muitos amigos e
alguns inimigos terríveis sindo preso quando desmascarou a Igreja no Caso
Idalina. Nesse mesmo ano de 1912 fundou A Guerra Social, periódico de
São Paulo, foi redator principal e no ano de 1915, colaborou ativamente no
diário O Combate. Nos anos de 1916-1917, foi redator-secretário da revista
Eclética, de São Paulo. Em 1917 fundou o jornal anarquista A Plebe,
semanário, passando em 1919 a diário.
22. ........................
- 21 -
de todo o nosso estudo” (idem, ibidem, p. 52). Essa delimitação
nos permitiu identificar as críticas à sociedade de classes e as
propostas de educação libertária que visavam romper com as
relações sociais capitalistas e instaurar novas formas de relação
humana, contida no periódico citado. Além destes periódicos,
utilizaremos uma vasta produção bibliográfica produzida por
diversas áreas das ciências humanas que nos apontou alguns
caminhos a percorrer, como será visto no capítulo I.
O problema que nos orientou na pesquisa foi: qual o
projeto educativo (formal ou informal) expresso pelo Jornal A
Plebe no contexto das greves gerais do ano de 1917? Com
essa problemática central nos vem outras questões secundárias
e não menos importantes: que tipo de educação era veiculado
nas páginas de A Plebe? Quais as estratégias utilizadas pelos
autores para atingir seu público-alvo? Quem produzia A Plebe
e com qual interpretação da realidade estava ligada? A Plebe
produzia uma interpretação do passado e uma projeção de um
futuro radicalmente diferente além da retórica, por exemplo,
com o uso de imagens?
Na historiografia, houve um apreciável acréscimo de
estudos em relação ao movimento operário a partir da análise
de documentos relativos a Imprensa Operária9
. Tema
anteriormente de estudo dos militantes políticos (não-
acadêmicos) de gerações posteriores à Primeira República do
Brasil, pois estavam ligados cotidianamente a produção de
periódicos, revistas, etc. para a militância do dia-a-dia, a
história do movimento operário passou a fazer parte de
inquietações dos sociólogos e cientistas políticos acadêmicos
nos anos 1960. Chamada por Batalha (2007, p. 148) de
Sínteses Sociológicas, essas produções “abarcava sociólogos
preocupados em elaborar grandes sínteses, que estabeleciam
teorias explicativas do movimento operário e de suas opções
ideológicas”.
9
FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil. São Paulo:
Ática, 1978.
23. ........................
- 22 -
Nos anos 1970, a historiografia acadêmica ganhou um
salto quantitativo e qualitativo com a produção dos
brasilianistas e de historiadores brasileiros, sobretudo, com a
criação de arquivos do movimento operário, como por
exemplo, o AEL. Na década de 1980, irá ocorrer o processo de
“ampliação, fragmentação e crise” caracterizado por uma
crescente produção acadêmica (fruto do crescimento dos
programas de pós-graduação), da diversificação das fontes de
pesquisa e consecutivamente, a “fragmentação do campo de
estudo” onde a teoria “cedeu espaço para os estudos de caráter
mais empírico” (idem, p. 153).
Essa breve análise geral e a que vem abaixo não tem a
pretensão de esgotar os temas nem de fechar o leque de
possibilidades interpretativas de nossas fontes, mas sim,
preencher algumas brechas deixadas por estas pesquisas e
incentivar a realização de novas pesquisas de futuros
pesquisadores sobre a história do movimento operário trazendo
a tona o que Eric Hobsbawn afirma: “É uma função digna dos
historiadores a de reconstruir um passado esquecido,
estimulante, imperecível” (HOBSBAWN apud HAUPT, 2010,
p. 50).
Dentre toda essa bibliografia, até onde apreciamos,
são poucos10
os estudos e pesquisas com profundidade ligada
ao contexto de “educação” no ano de 1917, seja anterior e
posterior à Greve Geral de Julho. No que tange à abordagem
dada por essas pesquisas, a produção por mais vasta que seja se
limita aos estudos, quase que exclusivamente, do papel da
Imprensa (especificamente o jornal) como “instrumento de
politização” (FERREIRA, 1988).
10
Nesse sentido, encontramos dois trabalhos que estudam especificamente
a educação no Jornal A Plebe no recorte temporal de 1917. Cf.
GONÇALVES, A. M.; NASCIMENTO, M. I. M. Educação nas folhas do
jornal “A Plebe”: 1917 – 1919. In: Publicatio UEPG: Ciências Sociais
Aplicadas, Vol. 16, No 2, 2008; e GONÇALVES, Ody Furtado. Trajetória e
ação educativa do jornal A Plebe (1917-1927). In: Quaestio: Revista de
estudos em Educação, v. 6, n. 2, 2004.
24. ........................
- 23 -
Portanto, a história do movimento operário nos remete
também a pensar também a amplitude da conceituação de
educação. Esta necessidade mostra a importância da presente
pesquisa para produção historiográfica brasileira e nos motivou
a propor o estudo desse tema. Dessa forma, evidenciar a ação
da educação enquanto “pressuposto educativo da ação direta”11
é ao mesmo tempo elucidar o contexto do conceito de “ação
direta” no âmbito da educação libertária e mostrar que o seu
estudo, desdobra-se em outras possíveis e inesgotáveis
pesquisas.
Para a realização deste objetivo será necessário
analisar a bibliografia escolhida de forma crítica (comumente
chamada de “revisão bibliográfica” ou “estado atual da arte”) -
já que as diferentes tradições intelectuais de cada período de
produção acabam por gerar representações díspares ou
semelhantes do movimento operário na Primeira República -
juntamente com alguns conceitos importantes, que serão
tratados no capítulo I. Dentre eles: anarquismo, sindicalismo
revolucionário, imprensa operária, ação direta e educação
libertária.
Como contextualizar é uma questão fundamental
para o ofício do historiador, no capítulo II, será realizada uma
contextualização histórica do movimento operário na Primeira
República, traçando as determinações da imigração, as
condições de vida e trabalho do proletariado na Primeira
República do Brasil, os motivos e determinantes que
condicionaram a organização dos periódicos e as organizações
operárias existentes na Primeira República (ligas operárias,
greves gerais, sindicatos, imprensa operária, etc.) na cidade de
São Paulo nesse ínterim. Ainda, analisaremos a Greve Geral de
julho de 1917 dando um enfoque especial à Semana Trágica.
Logo após, no capítulo III, faremos uma análise dos
pressupostos políticos e pedagógicos da ação direta em A
Plebe. Nesse capítulo, buscaremos explicitar as críticas ao
11
A educação do operariado pela ação grevista, preparando-o para a
“grande revolução”, que poria fim à sociedade burguesa.
25. ........................
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Estado, à Igreja e à exploração capitalista em suas mais
diversificadas esferas da realidade, destacando alguns
elementos específicos do jornal que propagaram aquilo que
chamamos de educação libertária.
26. ........................
- 25 -
CAPÍTULO I
1.1. Estado atual dos conhecimentos
Nosso trabalho utiliza-se de diversas categorias e
conceitos que foram bastante explorados dentro de um
contexto mais abrangente: a Primeira República do Brasil
(1895 – 1930). Nessa perspectiva devemos, de antemão, fazer
uma análise geral de como o tema (conceitual e
temporalmente) foi construído por diversos autores.
Apresentaremos abaixo uma revisão bibliográfica com
algumas obras e análises das décadas de 1960, 1970, 1980,
1990, do princípio dos anos 2000.
O centro de nossa preocupação nesta análise é buscar
uma interpretação de obras escritas sob o tema acima que
possibilitaram analisar os pressupostos políticos e pedagógicos
do ano de 1917. Entendemos que a bibliografia que
encontramos é relativamente extensa, mas aborda a questão da
educação em segundo plano. São também na maioria das vezes
obras não-acadêmicas, ou seja, ligados à militância. Faremos
abaixo uma leitura de suas problemáticas centrais juntamente
com suas conclusões e possíveis lacunas que poderão ser
preenchidas neste trabalho.
O sociólogo Azis Simão no ano de 1966 publica
Sindicato e Estado: suas relações na formação do proletariado
de São Paulo12
onde aponta a essência das primeiras
organizações dos trabalhadores paulistanos da Primeira
República do Brasil definindo-os como “não corporativos”. Tal
obra é pioneira no estudo dos sindicatos, pois faz análise desde
a gênese dos sindicatos no Brasil (em meados do século XIX
nos setores têxteis e metalúrgicos até os anos 30) sob uma
“pesquisa empírica de fôlego” (BATALHA, 2007, p. 149).
Para o referido autor, a classe constrói suas possibilidades de
12
SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado: suas relações na formação do
proletariado de São Paulo. São Paulo: Dominus Editora, 1966.
27. ........................
- 26 -
organização e luta de acordo com as condições materiais pré-
existentes, portanto, no caso das greves, estas acontecem em
momentos de maior depressão econômica (carestia de vida).
Nesse sentido, sua tese central é de que durante o
período do fim da Primeira República com o desenvolvimento
da indústria, novos tipos de relações sociais (por exemplo, o
corporativismo e burocratização) acabaram por atrelar o
sindicato ao Estado constituindo novas formas organizativas
perdendo seu caráter combativo e autônomo. Sendo assim, no
período pré-1930, os sindicatos não foram associações
controladas por “mestres com o fim de preservar os privilégios
corporativos”, nem dentro deles estabeleceram distinções entre
operários, segundo o grau de qualificação profissional. A tese
difundida e fundamentada durante toda a obra de Azis é a de
que o “sindicato” que historicamente foi considerado como
sinônimo de resistência e autonomia perde seu sentido
libertário e se liga à perspectiva de luta controlada pelas leis do
Estado na década de 1930 quando o sindicato, o Estado e o
patronato “(...) iniciavam a elaboração de novas vias
institucionais de suas recíprocas relações” (SIMÃO, 1966, p.
87). Os sindicatos, desde seu surgimento, foram associações de
assalariados que se organizavam no processo de produção e
que se desenvolveu no Brasil com o Primeiro Congresso
Operário Brasileiro de 1906 (no qual constituiu a COB –
Confederação Operária Brasileira), onde fora instituído como a
estratégia (CORRÊA, 2011) de organização autônoma dos
trabalhadores de uma dada empresa ou de toda categoria.
Boris Fausto autor da obra Trabalho Urbano e
Conflito Social (FAUSTO, 1976) para obtenção do título de
livre-docente na USP, em 1977, analisa as condições materiais
de existência e a mentalidade coletiva dos trabalhadores
urbanos de 1890 a 1920. Fausto nos traz a tese de que os
anarquistas não haviam compreendido o papel do Estado e não
valorizavam uma luta por ele e que nos anos 20 ocorre uma
crescente “alternativa comunista” de base bolchevique
ocasionando uma mudança das lutas da classe operária.
28. ........................
- 27 -
Considera ainda que o ano de 1917 foi o “símbolo de uma
mobilização de massas impetuosa, das virtualidades
revolucionárias” (FAUSTO, 1976: 192).
Fausto busca uma análise do desenvolvimento das
lutas operárias de 1890 até a década de 20 do século XX
apresentando as razões do declínio do Movimento Operário
Revolucionário, dentre as quais, destaca-se a falta de
compreensão dos anarquistas sobre o papel do Estado já que “o
anarquismo brasileiro está associado a um sistema de
pensamento cientificista, corporificado no evolucionismo e no
livre pensamento (...)” (idem, p. 71). Por fim, Fausto retoma o
pensamento de que a formação da consciência revolucionária
do operariado paulistano da Primeira República esteve ligada
meramente ao seu próprio contexto: o anarquismo
corresponderia aos primeiros estágios da industrialização, que
no Brasil é tardia e débil e nesse caso, os anarquistas foram
derrotados por não compreender o papel do Estado. Nesse
sentido, o autor aponta que nos anos entre 1890 e 1920 ocorre
uma “sucessão de derrotas” pelo simples motivo de que as
concessões sociais conquistadas não se encontram
institucionalizadas (FAUSTO, 1976: 245).
A propaganda operária no Brasil nos primeiros anos
da Primeira República buscou a necessidade de ampliar o
internacionalismo proletário para um discurso audível e
assimilável. Em 1917 a greve geral de julho em São Paulo
simbolizou um movimento fulcral da insatisfação proletária
que objetiva com tal greve, incentivar os trabalhadores a lutar
através da ação direta. Totalmente reprimida ela se expandiu
para outros estados como Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio
Grande do Sul, Paraná, etc. Essa é, de maneira bem genérica, a
contribuição de Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M. Hall.
Publicada no ano de 1979 e intitulada A Classe Operária no
Brasil – 1889 – 1930 – documentos. Volume 1 – O Movimento
Operário (PINHEIRO; HALL, 1979) pela Editora Alfa-
Ômega, tal obra traz uma coletânea de documentos históricos
do Movimento Operário com algumas análises desses dois
29. ........................
- 28 -
autores. Especificamente, podemos nos atentar para as suas
concepções do que foi a greve geral de julho de 1917. Porém, a
confusão entre sindicalismo revolucionário e
anarcossindicalismo ainda se manifesta nesses autores.
Mas além disso, para os autores a referida greve foi a
manifestação política urbana mais impressionante da Primeira
República. A greve assumiu dimensões vastas, o governo (pelo
menos momentaneamente) se sentiu ameaçado e o movimento
operário pode ajudar a explicar a ferocidade da repressão que
irrompeu em larga escala dois meses mais tarde.
O brasilianista Sheldon Leslie Maram, produz em
1979 a obra Anarquistas, imigrantes e o movimento operário
brasileiro (1890-1920) defendendo a tese de que o
anarcossindicalismo foi a doutrina política dominante no
movimento operário brasileiro da Primeira República.
Sustentando com argumentos, ele aponta que de 1890 até
1920, espanhóis, portugueses e italianos são os imigrantes mais
presentes no movimento operário brasileiro advindo da política
imigratória desse período.
A tese de anarcossindicalismo enquanto corrente
hegemônica é refutada por Samis (2004) e por Corrêa (2011),
já que para esses últimos, o que ocorreu no Brasil
hegemonicamente foi o sindicalismo revolucionário e não
anarcossindicalismo, já que ambos não estão desvinculados do
anarquismo, mas são estratégias distintas. Para Corrêa (2011,
p. 83) “o sindicalismo revolucionário nunca se colocou,
explícita e conscientemente, em vínculo com o anarquismo,
diferentemente do segundo”. Em outras palavras, o
anarcossindicalismo tem necessariamente em suas orientações
ideológicas o anarquismo; já o sindicalismo revolucionário não
tem necessariamente, uma linha ideológica clara e única.
Maram (1979) afirma em coro que a história do movimento
operário no Brasil conta com uma diversificada e plural forma
organizativa e de influência teórico-política dos trabalhadores.
Silvia Lang Magnani em O Movimento Anarquista em
São Paulo (1906 – 1917) (MAGNANI, 1982) publicado no
30. ........................
- 29 -
ano de 1982 não poderia ficar de fora dessa análise. A autora
toma com pressuposto básico de sua análise que a presença do
anarquismo brasileiro não pode ser determinada apenas pela
chegada de milhares de imigrantes europeus. Rebatendo a tese
da “planta exótica”, a autora considera que tais análises
fundamentadas em discrepâncias com as fontes históricas e
documentais deixadas pelos libertários não correspondem com
as colocações de que houve uma importação mecânica de um
ideário político europeu para o Brasil (MAGNANI, 1982, p.
50). No que concerne à luta dos anarquistas no movimento
operário, de acordo com ela, existia a instauração de “(...) uma
moral operária fundamentada na solidariedade humana e de
classe” (MAGNANI, 1982, p. 13). Esta interpretação colabora
com nossa hipótese de uma educação para a ação direta, já que
a solidariedade compõe um dos pilares dessa educação.
Cristina Hebling Campos publica em 1983 a
dissertação de mestrado intitulada O Sonhar Libertário
(Movimento Operário nos anos 1917 a 1920) (CAMPOS,
1983) onde defende que no Brasil tinha anarquistas e
sindicalistas revolucionários, onde os primeiros se
organizavam por ligas, comitês, alianças, grupos teatrais,
jornais, etc. e os sindicalistas revolucionários que entendiam
que o sindicato seria a base da transformação social. Por essa
diferenciação, a autora ressalta que essas duas correntes no
Brasil “não são sempre fáceis de distinguir. Na prática há
grupos que adotam elementos das duas tradições segundo suas
necessidades e com uma certa indiferença às distinções que
prevaleciam em vários outros países na época” (CAMPOS,
1983, p. 9). Para a autora, o sonhar libertário só estava no
cotidiano desses trabalhadores devido uma intensa elaboração
conceitual e militante (principalmente em São Paulo no ano de
1917 com o fortalecimento das ligas de bairro, um tipo de
organização de inspiração basicamente anarquista)
indissociável de uma conjuntura favorável para tal. Ela
defende que “o movimento operário no Brasil, após um
período de depressão (...) vai aos poucos se recolocando e se
31. ........................
- 30 -
reorganizando (...)” nos fins de 1916 e início do outro ano “o
clima nos dois grandes centros urbanos – Rio de Janeiro e São
Paulo – é de agitação” (CAMPOS, 1983, p. 34). Assim,
quando a greve estoura, o CDP com a atuação dos anarquistas
foi fundamental, pois “tanto a organização da greve quanto
suas reivindicações refletem o esforço característico do
anarquismo que vê o confronto na contradição entre os
proprietários e a população despossuída (pessoas que ao
mesmo tempo são produtores, consumidores e moradores)”
(CAMPOS, 1983, p. 42).
Francisco Foot Hardman publica no ano de 1983 Nem
Pátria, nem Patrão!: vida operária e cultura anarquista no
Brasil (HARDMAN, 1984) apresenta uma nova leitura do
movimento operário da Primeira República do Brasil e oferece
uma perspectiva que renova os trabalhos acadêmicos
abordando temáticas que eram ainda pouco trabalhadas.
Utilizando, sobretudo, como referencial teórico obras de Karl
Marx, Friedrich Engels, Antônio Gramsci e Eric J. Hosbsbawn,
Foot Hardman apresenta alguns elementos que levaram, no
ínterim de 1906 e 1917, à radicalização do movimento operário
que consecutivamente aumentou sua capacidade organizativa e
revolucionária. Desde a criação da Confederação Operária
Brasileira (COB) em 1908 com objetivo de criar uma unidade
de trabalhadores de vários ofícios, o movimento se radicaliza.
Foram nesses mosaicos de organizações criadas e mantidas
pelo próprio movimento de classe que se desenvolveram
práticas culturais variadas marcadas fortemente pela imigração
estrangeira e pela diversidade étnica.
Nos sindicatos – primeiramente não
institucionalizados pelo governo –, os anarquistas, visavam a
luta contra a opressão capitalista e, assim, também
contribuíram na vitalidade e consciência da organização
operária. Estes eram chamados de anarcossindicalistas.
Para o autor, a classe operária brasileira apresenta
uma estreita ligação no sentido histórico do conceito de classe
(natureza específica, formações, tempo e espaço) e ao geral
32. ........................
- 31 -
(seu quadro internacional). Sendo assim, a greve geral surge
como ato educativo para o operariado. Além de uma educação
formalizada (em escolas operárias, racionalistas, etc.) a classe
operária buscou em elementos do cotidiano a sua afirmação
formativa. Contudo, a greve geral e a ação direta13
eram
celebradas como momentos e formas adequadas de “ginástica
revolucionária” (HARDMAN, 1980, p. 47).
Hardman, apoiado em E. J. Hobsbawn14
, apresenta a
diferenciação das instâncias de luta da classe operária mundial
mostrando seu corporativismo e burocratização e que, no caso
específico do Brasil, isso ocorre com as medidas do Governo
Vargas, após 1930. O que de fato nos é relevante e
fundamental é como, F. F. Hardman apresenta as instâncias de
luta cultural da classe estabelecendo uma nova área de atuação
e militância, ou seja, estabelecendo festividades (Festas
Operárias), reuniões, atividades pró-Escolas Modernas (de
caráter anticlerical e de influência do espanhol Francisco
Ferrer y Guardia) como novas formas da ação direta. Evidente,
pelo próprio caráter de condição da classe, as festividades eram
realizadas com grande precariedade material. Todos esses
métodos da classe são caracterizados pelo autor como
“Estratégia do Desterro” que, levado às suas últimas
consequências pela defesa da “cultura operária” intransigente,
nas concepções anarquistas, encontrava bases sólidas nas
condições reais de existência do proletariado do Brasil.
É entendendo a greve como o próprio acontecer
ritualizado da cultura operária que Hardman concluiu sua obra.
Essa é uma demonstração de força autônoma e a sua
importância já reside no ato mesmo de sua expressão quando a
13
Podemos definir ação direta como expressão da crença de que o
proletariado só se libertará quando confiar na influência de sua própria
ação, direta e autônoma, prescindindo de intermediários no conflito entre
capital trabalho.
14
HOBSBAWM, E. J. As classes operárias inglesas e a cultura desde os
princípios da Revolução Industrial. In: Níveis de Cultura e Grupos Sociais.
Santos: Martins Fontes, 1974.
33. ........................
- 32 -
política e a cultura voltam a se reencontrar: a relação entre o
poético e o histórico.
Em 1987 José Antônio Segatto apresenta a obra A
Formação da Classe Operária no Brasil (SEGATTO, 1987)
com alguns dados e análises peculiares. Ao narrar passo a
passo a constituição da classe operária (a imigração e as suas
condições de existência), suas formas organizativas, seus
movimento reivindicatórios, ele faz algumas análises dos quais
discordamos, principalmente, no último capítulo. Em A
ideologia e a organização política ele demonstra que o
anarquismo é uma ideologia da vanguarda (SEGATTO, 1987,
p. 81-84) e que formavam um grupo bastante minoritário e vê a
criação do PCB como uma vitória real da classe trabalhadora,
pois o anarquismo tem debilidades e uma incapacidade política
com uma realidade complexa. Sua análise ainda reitera que no
campo organizativo os anarquistas se ancoravam no
“espontaneísmo”, no “economicismo” e na “dispersão do
doutrinarismo abstrato” (idem, p. 87). Essa análise pode ser
contestada pela próxima obra que iremos analisar.
Christina da Silva Roquete Lopreato traz uma
reflexão mais aprofundanda e com novas interpretações em sua
obra O Espírito da Revolta: a greve geral anarquista de 1917
(LOPREATO, 2000) De maneira singular, utilizando de
referenciais da imprensa operária da Primeira República e
propondo uma reconstrução a partir dessas fontes, a autora
apresenta-nos os significados da greve geral de 1917
caracterizada como “anarquista” em São Paulo. Nesse sentido,
ela vem aludindo, sobretudo, sobre as condições de vida e de
trabalho que se empunham até então os trabalhadores
(sobretudo imigrantes) proveniente de horizontes culturais
diversos, que (re) organizaram a cidade de São Paulo dando a
ela um ambiente próprio com seus laços culturais,
estabelecendo lugares políticos tais como greves, ligas de
resistência, jornais impressos, grupos anarquistas, espaços de
lazer e cultura, etc.
34. ........................
- 33 -
A imprensa teve importante papel antes, durante e
após a deflagração da Greve Geral de Julho de 1917. Foi
veículo de informação, formadora de opinião e força de
pressão junto ao patronato e ao poder público. Em São Paulo,
sobretudo com o Jornal A Plebe (caracterizado pelo jornal
Correio Paulistano como “cúmplices e promotores da
anarquia”) matérias sobre as condições de vida e de trabalho
do operariado eram constantemente veiculados e ocupavam
periodicamente as páginas dos principais jornais dos centros
operários da cidade. Em especial, no decorrer dos primeiros
seis meses do ano (ou seja, anterior à Greve de Julho) os
jornais foram essenciais, pois demonstravam aos trabalhadores
as condições nos quais estes estavam submetidos, sobretudo,
no quesito “carestia de vida”.
Com a eclosão da greve geral, a imprensa operária
acompanhou o desenrolar dos acontecimentos combativos da
semana de 9 a 17 de julho de 1917 atuando como mecanismo
de veiculação das perspectivas dos trabalhadores. A
perspectiva importante apontada por Lopreato é a questão da
“ação direta”. A ação direta pode ser compreendida de acordo
com a autora, como uma forma de atuação junto à realidade
com dignidade política (LOPREATO, 2000, p. 21). A ação
direta, composta por métodos tais como boicote, sabotagem e
greve, se estabelece com mais preponderância na obra, já que
para a autora, a greve geral fora a mais utilizada. Em suas
palavras a greve geral é mais utilizada já que “é considerada a
mais rica em ensinamentos por que explicita os interesses
contraditórios entre o patrão e o empregado, rompe a harmonia
existente entre eles e faz aparecer a luta de classes”. Ocorre
que, logo após a suspensão da greve geral, a perseguição
policial aos militantes anarquistas acabou por revelar a
repressão ferrenha do governo sobre os militantes, sobretudo
com a intensificação de atuação da “Lei Adolfo Gordo”15
que
previa a expulsão de estrangeiros desde 1907.
15
Nos primeiros anos do século XX no Brasil a política repressiva do
Estado se fortificou. Tal repressão materializada, por exemplo, na Lei
35. ........................
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A sociedade dominante da Primeira República
tinha a pretensão de se livrar dos problemas
sociais com a deportação dos ‘agitadores
estrangeiros’. Em 1893, já fora promulgado o
decreto 1566 que, ao regular a entrada dos
estrangeiros, tratava também da expulsão dos
mesmos durante o estado de sítio. Assim, em
05/01/1907 é promulgada a nova lei (A Lei
Adolfo Gordo) (...). A lei Adolfo Gordo,
seguindo a tendência, exigia que os sindicatos
registrassem seus estatutos e suas diretoria
(PINHEIRO, 1990, p. 157).
O trabalho de Lopreato (2000) buscou reconstruir a
greve geral de 1917 de tal maneira que é impossível encontrar
uma dissociação entre narrativa e interpretação analítica. A
perspectiva da autora traz à tona o sujeito histórico, tratando do
“militante anarquista” cuja ação é, sem sombra de dúvidas em
sua análise, individualizada e potencializada, destacando
militantes como Gigi Damiani, Guilio Sorelli, Edgard
Leuenroth, Neno Vasco, José Oiticica, Florentino de Carvalho,
dentre vários outros.
Adolfo Gordo, proposta pelo Deputado Adolfo Gordo e aprovada no ano de
1907é um exemplo elementar. A lei previa a expulsão de estrangeiros que
estivessem ligados ao movimento operário da época. Nesse âmbito, um
exemplo claro é a expulsão do diretor do jornal socialista "AVANTI",
Vicente Vacirca, em 1908 (RODRIGUES, 1997, s/p). De acordo com
Dulles (1977, p. 117), essa lei, que será reeditada em 1922, “estabelecia
punições para os que contribuíssem para a prática de tais crimes através de
reuniões ou de qualquer instrumento de propaganda; e conferia às
autoridades o direito de fechar, por tempo indeterminado, sindicatos e
entidades civis que cometessem atos prejudiciais à segurança pública”. Para
maior aprofundamento: BATALHA, Claudio. O Movimento Operário na
Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000;
RODRIGUES, Edgard. O Homem e a Terra no Brasil. Florianópolis:
Insular, 1997; LEAL, C. F. B. Pensiero e Dinamite: Anarquismo e
repressão em São Paulo nos anos 1890. 2006. 308f. Tese (Doutorado)-
Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual de
Campinas, 2006.
36. ........................
- 35 -
Os jornais constituíam-se em um elo entre as várias
práticas da propaganda social. No espaço do jornal, os
militantes do movimento apoiavam as greves, alavancavam as
iniciativas dos grupos operários e organizações classistas de
bairros e ofícios, além de conferências anticlericais e de livre
pensamento.
Ainda no ano de 1996, a mesma editora lança a
contribuição de Josué Pereira da Silva intitulada Três
Discursos, Uma Sentença: Tempo e Trabalho em São Paulo –
1906 – 1932 (SILVA, 1996) que aborda elementos que não
foram sistematizados profundamente por Lopreato (já que o
objeto da autora é outro) que são as questões da noção de
“tempo e discurso”. O referencial teórico metodológico de
Silva (1996) está intrinsecamente ligado à perspectiva de
Walter Benjamin e da História Social. O autor apresenta uma
introdução relatando a discussão filosófica e histórica sobre
como foram criados os conceitos de tempo linear e, assim, de
tempo progressivo e de tempo produtivo para, desse modo,
entender a ideia de dividir as 24 horas do dia em três partes
iguais, das quais uma delas (8 horas) seria dedicada
exclusivamente ao trabalho.
Silva (1996) nos traz discursos em que o trabalho é
denunciado por não ser capaz de fornecer aos trabalhadores
valores morais que poderiam ser adquiridos em outras esferas
sociais além da noção de que o tempo de 8 horas de trabalho
por dia era a pauta mais significativa das reivindicações
operárias que fora lançada no I Congresso Operário Brasileiro
do ano de 1906. O discurso preponderante sobre o trabalho era
dado pelas elites brasileiras com uma valoração moral muito
forte e de outro lado, a imprensa operária também reservava
grande parte do discurso do trabalho, porém, pela luta de
jornadas de 8 horas. Ocorre que, nas duas classes fundamentais
da sociedade capitalista, uma percepção de tempo pode mudar
ou dar sentido à conduta de seus indivíduos em cada classe,
traçando projeções e percepções de mundo no dia-a-dia. A
obra se estabelece com um discurso sobre a moral do
37. ........................
- 36 -
trabalhador na relação conflituosa entre Trabalhador, Patrão e
Governo durante a Primeira República.
Nos anos 2000, especificamente publicado 2004 no
livro organizado por Eduardo Colombo (et. al.), Alexandre
Samis escreve Pavilhão negro sobre pátria oliva: sindicalismo
e anarquismo no Brasil (SAMIS, 2004) e vem nos atentar com
uma riqueza de fontes, sobre os motivos e a origem da
Imprensa Operária ligada ao sindicalismo revolucionário, que
para o autor, cresce fundamentalmente com o I Congresso
Operário Brasileiro que deveria prestar auxilio e “propaganda
por folhetos, manifestos, conferências, representações teatrais”
através do proselitismo militante, que fora uma necessidade de
uma ação pedagógica no auxílio da prática política. Fora criado
em 1906 o porta voz oficial de imprensa da COB: o periódico
A Voz do Trabalhador16
.
Ainda para Samis, o quantitativo de greves no Brasil
se deve muito às organizações operárias revolucionárias,
sobretudo os sindicatos. Nesse sentido, a greve geral de julho
de 1917 estaria habilmente desenhada, segundo o autor, pelos
anarquistas sindicalistas a frente das associações de classe e
estaria fora do seu caráter puramente espontâneo, que para o
autor, estaria mais envolvido através das articulações entre
núcleos combativos do CDP (Comitê de Defesa Proletária).
Encontramos ainda nos anos 2000, um emaranhado de
teses e dissertações acerca da ação operária na Primeira
República (obviamente não as analisaremos) e poucas com o
enfoque na educação enquanto princípio ligado à ação
proletária e revolucionária. Em 2006, Rafael Deminicis e
Daniel Aarão Reis Filho organizaram a obra História do
Anarquismo no Brasil, vol .1 e trouxeram a tona diversos
trabalhos dos quais, destaco: Anarquismo em prosa e verso:
literatura e propaganda anarquista na Imprensa Libertária de
São Paulo durante a Primeira República (LEAL, 2006) de
16
A comissão responsável pela editoração desse periódico estava
intimamente ligada à COB. Assim, entre seus membros destacava-se o luso
Neno Vasco, Manuel Moscoso, Carlos Dias, etc.
38. ........................
- 37 -
Claudia Feierabend Baeta Leal. A obra constrói a noção de que
os anarquistas utilizando-se da Imprensa Operária combatiam
em prol de suas ideias e contra aqueles que impediam o livre
desenvolvimento dos indivíduos e que buscavam contribuir
para o desenvolvimento da consciência revolucionária.
No volume 2 da obra citada de organização de Rafael
Deminicis e Carlos Augusto Addor, identificamos um texto
que não poderíamos deixar de fora de nossa revisão. O artigo
Anarquismo e movimento operário nas três primeiras décadas
da República (DEMINICIS; ADDOR, 2009) de Carlos
Augusto Addor evidencia uma série de elementos apontando
para o fato de que o anarquismo, durante as três primeiras
décadas da República, foi principalmente através da corrente
anarcossindicalista, senão a tendência política hegemônica no
interior do movimento operário e sindical brasileiro,
certamente uma das mais fortes, atuantes e combativas
correntes organizatórias da classe trabalhadora e que os anos
da década de 10 fora a conjuntura de maior ascensão do
movimento operário brasileiro, pois neste ocorrem
movimentos grevistas “num ritmo e intensidade até então
desconhecidos” no Brasil. No contexto referido, os
trabalhadores paulistanos desenvolveram suas lutas para além
das reivindicações imediatas (econômicas – salários, jornadas,
etc.), mas também para uma possível revolução social.
Nossa última análise será feita sobre a obra Ideologia
e Estratégia: anarquismo, movimentos sociais e poder popular
de Felipe Corrêa, publicado pela Editora Faísca no ano de
2011. Dividida em três capítulos extensos, a principal tese que
perpassa ambos os capítulos, são as noções entre ideologia e
estratégia. Ideologia e estratégia são utilizadas nos textos para
discutir anarquismo e sindicalismo revolucionário. Ideologia,
para o autor, constitui-se enquanto um conjunto de ideias e de
valores respeitantes à ordem pública e tendo como função
orientar comportamentos políticos coletivos enquanto sistema
de ideias conexas com a ação. Estratégia é a escolha dos
meios mais adequados para se atingir determinados fins. Dessa
39. ........................
- 38 -
forma, o anarquismo seria uma ideologia e o sindicalismo
revolucionário uma estratégia. Contudo, sua análise
fundamentada nesses conceitos é determinante para entender
que o sindicalismo revolucionário não constitui uma ideologia
diferente do anarquismo, mas uma das estratégias adotadas
pelo anarquismo (CORRÊA, 2011, p. 32). Assim,
majoritariamente, o fenômeno que manifestou no Brasil foi o
sindicalismo revolucionário e não, o anarcossindicalismo.
Para concluir, podemos dizer que a sistematização
dessas fontes levantou nossa temática em dois sentidos:
primeiro, por que possibilitou que nossa temática emergisse da
leitura dos documentos instigando-nos a pesquisas sobre a
educação; e por outro lado, através das lacunas deixadas por
estas fontes. Inúmeras outras fontes ainda serão analisados e,
obviamente, aparecerão na monografia de forma mais
aprofundada. Os temas nos permitirão vislumbrar hipóteses,
resgatando paradigmas e superando outros, para expressar uma
escrita da História além de meras informações esquemáticas e
doutrinárias. Sendo assim, nos ancoraremos principalmente nas
análises de Campos (1983), Magnani (1992), Pinheiro (1990),
Lopreato (2000), Samis (2004), Leal (2006), Biondi (2009) e
Corrêa (2011) que nos pareceu mais favorável com nossas
hipóteses (ver “Introdução”) e de outro lado, mais atualizada
frente à produções recentes.
Ao ambicionarmos demonstrar a ação política e
pedagógica que está expressa pelos números de A Plebe no ano
de 1917, compreendemos que esse periódico foi um espaço de
socialização de saberes e práticas educacionais libertárias.
Assim sendo, pretendemos caminhar rumo a uma pesquisa que
permite dar visibilidade às questões presentes nessa forma de
ação política nessas fontes primárias.
1.2. Delimitação teórico-metodológica e conceitual
Nosso referencial metodológico está baseado em
Rüsen (2010) que aponta as “operações processuais do método
40. ........................
- 39 -
histórico”17
e as “operações substancias”18
. A primeira
operação processual é a heurística19
. Ela se reduz ao
questionamento (levantamento de questões históricas) e
seleção de fontes.
As outras duas operações são a crítica e a
interpretação. A crítica das fontes, enquanto uma operação
metódica tira informações, dados e manifestações do passado
das fontes a partir de nossas concepções do presente,
estabelecendo um vínculo direto entre o passado e o presente.
Nesse sentido, a críticas das fontes “é o ponto fulcral da
objetividade histórica” (idem, p. 123).
A interpretação, enquanto “operação metódica que
articula, de modo intersubjetivamente controlável, as
informações garantidas pela crítica das fontes sobre o passado
humano” (idem, ibidem) nos ajuda a organizar as informações
das fontes históricas, estabelecendo contextualizações
necessárias, sintetizando as perspectivas, os sentidos das
experiências do passado e etc. Se torna fundamental afirmar
isso pois, as fontes históricas não apresentam seus fatos nas
meras correlações empíricas ou nos fatos/dados das fontes.
Outras três concepções são importantes, pois as
operações processuais são complementadas pelas operações
substanciais. Trata-se da hermenêutica, analítica e dialética. A
hermenêutica é a análise dirigida à subjetividade dos atores
históricos. Trata-se de compreender suas intenções e o sentido
imaginado de suas ações. Já na analítica, as fontes são
investigadas como “resíduos que manifestam as condições sob
17
De acordo com Rüsen (2007, p. 122), “Trata-se do que deve ser
apreendido, pela crítica das fontes, como fato especificamente histórico e
do que deve ser estabelecido, interpretativamente, como contexto histórico
de fatos”.
18
Rüsen (2007, p. 133 – 167).
19
Heurística é “a operação metódica da pesquisa, que relaciona questões
históricas, intersubjetivas controláveis, a testemunhos empíricos do
passado, que reúne, examina e classifica as informações das fontes
relevantes para responder às questões, e que avalia o conteúdo informativo
das fontes” (RÜSEN, 2007, p.118).
41. ........................
- 40 -
as quais foram possíveis as criações culturais que formam a
tradição” (RÜSEN, 2007, p. 146). Nesta fase, aborda-se nas
fontes as experiências nas quais o tempo é experimentado
como limite definidor das possibilidades do agir.
A última operação substancial é a dialética. Ela é
compreendida como o momento de combinação entre a
hermenêutica e a analítica com o intuito de serem percebidas
enquanto uma relação entre as experiências do tempo humano
e as intencionalidades humanas (RÜSEN, 2007, p. 159).
Levando em consideração esta perspectiva teórico-
metodológica, esse trabalho visa aprofundar o questionamento
e a seleção (heurística) dos artigos de A Plebe levando em
consideração nossa problemática geral. Ele precisa extrair
destes artigos o conteúdo factual (dados) que eles nos
fornecem (crítica) e necessita estabelecer conexões entre estes
fatos, isto é, o contexto de fatos (interpretação).
Ao mesmo tempo, por essa escolha metodológica,
esse trabalho precisa estabelecer uma análise hermenêutica dos
artigos, visando compreender o sentido subjetivo que orienta a
ação dos autores de A Plebe. Mas, estas intenções e projeções
subjetivas precisam ser contextualizadas (Analítica). Neste
sentido, nosso trabalho pretende analisar o contexto de
produção do jornal, reconstruindo o período republicano
brasileiro e os contextos de efeitos que fornecem limites para
as intenções subjetivas dos autores do jornal.
Além desses pressupostos metodológicos faz-se
opção, neste estudo, de adotar alguns conceitos, tais como os
de anarquismo, sindicalismo revolucionário, imprensa
operária, ação direta e educação libertária.
Para explicitar o que compreendemos por
anarquismo, utilizarei os pressupostos que Felipe Corrêa
desenvolveu em Ideologia e Estratégia: anarquismo,
movimentos sociais e poder popular. Ancorado nos sul-
africanos Michael Schmidt e Lucien van der Walt20
e no
20
SCHMIDT, M.; VAN DER WALT, L. Black Flame: the revolutionary
class politics of anarchism and syndicalism. Oakland: Ak Press, 2009.
42. ........................
- 41 -
brasileiro Alexandre Samis21
, Corrêa (2011) define do
anarquismo como
(...) uma ideologia22
, um tipo de socialismo
revolucionário, que surge no século XIX
colocando-se no campo social e sem
desconsiderar as desigualdades da sociedade, e
por isso tem uma herança histórica, ideológica
e teórica determinada. Possuindo elementos
morais de relevância, o anarquismo não pode
ser considerado uma ciência, apesar de utilizar
métodos racionais para a leitura da realidade –
posicionando-se contra a exploração e a
dominação – para a criação de uma perspectiva
de sociedade futura e também para o
estabelecimento de estratégias e táticas. O
anarquismo defende uma transformação social
revolucionária, em nível internacional, que
deve ser levada a cabo de baixo para cima, ser
protagonizada pelos diferentes sujeitos
oprimidos e fazer com que os meios de luta
estejam de acordo com os fins que se pretende
21
SAMIS, A. Clevelândia: anarquismo, sindicalismo e repressão política
no Brasil. São Paulo: Imaginário, 2002; _______. Minha Pátria é o Mundo
Inteiro: Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois
mundos. Lisboa: Letra Livre, 2009.
22
Devemos fazer algumas ressalvas e esclarecimentos o conceito de
“ideologia” utilizado tanto pelos sul-africanos Michael Schmitd e Lucien
van der Walt como por Felipe Corrêa. Primeiro, o termo ideologia
historicamente em outras concepções tem outros significados. Por exemplo,
na teoria marxista, corresponde à “falsa consciência sistematizada da
realidade”. Se pensarmos assim, o anarquismo se situaria como falsa
consciência dos trabalhadores – fato que não concordamos; segundo nossa
interpretação aqui desenvolvida, o termo ideologia para definir o
anarquismo, para não ser compreendido como falsa consciência
sistematizada da realidade, pode ser substituído por “política” ou como
“desenvolvimento de uma práxis” – que une teoria e ação, sendo, portanto
indissociável a relação meios e fins. Assim sendo, seria mais claro definir o
anarquismo como uma práxis, ou, como uma ideologia, entendida como um
conjunto de teorias orientado por suas ações práticas se autodeterminando.
43. ........................
- 42 -
atingir. Como objetivo, o anarquismo propõe a
criação de um socialismo autogestionário e
federalista, sem capitalismo e sem Estado, que
concilie a liberdade individual, a liberdade
coletiva e a igualdade (CORRÊA, 2011, p. 47).
Dessa forma, o anarquismo, como corrente do
socialismo – conforme está definido acima – não é sinônimo
de antiestatismo ou meramente uma corrente libertária e
antiautoritária. Pensar o anarquismo de forma reducionista
causa uma visão também reducionista da realidade; nem
generalizações (no sentido de transcender o momento histórico
analisado) são cabíveis, pois, não se pode falar de anarquismo
antes do capitalismo e nem em anarquismo fora do campo
socialista (CORRÊA, 2011, p. 36).
Nessa definição, o anarquismo é um fenômeno que
constitui parte das teorias libertárias que a história produziu,
mas de maneira alguma, pode ser completamente vinculado a
todas elas. Portanto, devemos delimitar o surgimento do
anarquismo para não cairmos em generalizações históricas
causando uma imprecisão do tema (até por que o termo
anarquismo surgirá com os conflitos23
entre Marx e Bakunin).
(...) o anarquismo pode ter surgido em
Proudhon, desenvolvendo suas principais
linhas, mas dá um inegável salto qualitativo
com Bakunin e a ADS, passando a existir em
sua plenitude e maturidade, consolidando-se
como uma ideologia cujas bases encontram-se
no movimento popular do século XIX e que
preconiza uma prática política organizada e
coletiva (CORRÊA, 2011, p. 42).
Para dialogarmos com essa definição, temos que
definir o que se entende por estratégia, pois justamente o
23
SADDI, R. Ditadura do Proletariado ou Abolição do Estado? O Conflito
Conceitual entre
Anarquistas e Marxistas. In: Revista Enfrentamento, ano 04, nº 06,
Jan./Jun. de 2009.
44. ........................
- 43 -
anarquismo, enquanto uma ideologia teve ao longo do seu
desenvolvimento, diversas estratégias, dentre elas, o
sindicalismo revolucionário.
De acordo com Hardman (1984, p. 31), no Brasil
antes da década de 30 do século XX, um dos elementos
fundamentais da classe operária é sua autonomia cultural
advinda de sua autonomia no plano associativo, principalmente
sindical, constituindo o sindicato enquanto “um espaço
valorizado como expressão de força e dignidade” (idem, p. 49).
O historiador Cláudio Batalha irá apontar que o
“sindicalismo de ação direta, ou sindicalismo revolucionário,
tinha por modelo a política adotada pela Confederação Geral
do Trabalho francesa” que
(...) fundava-se na rejeição de intermediários
no conflito entre trabalhadores e patrões; na
condenação da organização partidária e da
política parlamentar; na proibição da existência
de funcionários pagos nos sindicatos; na
adoção de direções colegiadas e não-
hierárquicas; na reprovação de serviços de
assistência nos sindicatos; na recusa da luta por
conquistas parciais; na defesa da greve como
principal forma de luta, apontando para a greve
geral. (BATALHA, 2000, p. 29).
Nesse sentido, o sindicalismo revolucionário não
constitui uma ideologia diferente do anarquismo, mas uma das
estratégias adotadas pelo anarquismo (CORRÊA, 2011, p. 32).
No Brasil, o sindicalismo revolucionário, teve uma
envergadura bastante considerável. Um exemplo elementar
sobre o sindicalismo revolucionário no Brasil está exposto no
Primeiro Congresso Operário de 1906.
O Congresso de 1906 mostra a clara influência
do sindicalismo revolucionário: há mesmo uma
menção ao operariado francês como “o modelo
de atividade e iniciativa ao trabalhador
brasileiro”. Tal doutrina, nos anos
45. ........................
- 44 -
imediatamente anteriores a 1906, chega a
dominar a organização do movimento operário
em São Paulo e a exercer uma larga influência
no movimento no Rio de Janeiro. De fato, as
resoluções do Congresso são muito mais
sindicalistas que revolucionárias (do
anarquismo dificilmente se encontra algum
traço) (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 41).
Dessa forma, trazendo os elementos do sindicalismo
revolucionário, o tipo de organização escolhido é o sindicato
de resistência, com o intuito de evitar no interior do sindicato,
o cooperativismo, “que atraem grande número de aderentes
sem o indispensável espírito de luta” (NETO, 2007, p. 27).
Ainda, “os sindicatos serão organizados por ofício, por
indústria ou por ofícios vários, neste último caso apenas com o
objetivo de facilitar e provocar a formação de outras
associações de resistência” (idem, ibidem).
De acordo com Alexandre Samis, o Congresso
aprovou a filiação de suas teses ao sindicalismo revolucionário
francês, estabelecendo os seguintes pontos fulcrais:
neutralidade sindical, federalismo, descentralização,
antimilitarismo, antinacionalismo, ação direta, greve geral, etc.
No texto final aprovado pelo Congresso, fica latente a
“capacidade e abrangência do programa que previa a
possibilidade de convivência de ‘opiniões política e religiosas’,
elegendo o campo econômico”24
, como o de compreensão por
este ser de interesse comum (SAMIS, 2002, p. 135).
Os princípios de ação direta estão explícitos nas
resoluções do I Congresso Operário Brasileiro:
“Considerando que o proletariado
economicamente organizado, independente dos
partidos políticos, só pode, como tal, lançar
24
Esta concepção está Mikhail Bakunin. Ver: BAKUNIN, M. Catecismo
Revolucionário: Programa da Sociedade da Revolução Internacional. São
Paulo: Imaginário/Faísca, 2009.
46. ........................
- 45 -
mão dos meios de ação que lhe são próprios;
(...)
o Congresso aconselha como meios de ação
das sociedade de resistência ou sindicatos todos
aqueles que dependem do exercício direto e
imediato da sua atividade, tais como a greve
geral ou parcial, a boicotagem, a sabotagem, o
label, as manifestações públicas, etc., variáveis
segundo as circunstâncias de lugar e de
momento” 25
(COB, 1906 in: PINHEIRO e
HALL, 1979, p. 51).
Outro elemento fundamental é a perspectiva de
“neutralidade” dos sindicatos em relação às vertentes políticas.
Os sindicatos não deveriam nem ser anarquistas, nem
meramente sindicalistas, estes deveriam ser de orientação
revolucionária. Para ficar mais claro, o jornal A Terra Livre de
1906 ressalta a diferença entre nível político e nível social. O
(...) Congresso não foi, de certo, uma vitória do
anarquismo. Não o devia ser. A Internacional,
desfeita por causa das lutas de partido no seu
seio, deve ser memorável lição para todos. Se o
Congresso tivesse tomado um caráter libertário,
teria feito obra de partido, não de classe. O
nosso fim não é constituir duplicatas dos
nossos grupos políticos. Mas se o Congresso se
não foi, a vitória do anarquismo, foi, porém,
indiretamente útil à difusão das nossas ideias
(RODRIGUES, 1969, p. 131).
Além da relação entre o sindicato e a perspectiva
política, os sindicatos, de acordo com as Resoluções do I
Congresso Operário Brasileiro, não deveriam ser “associações
controladas por mestres, com o fim de preservar antigos
25
“Resoluções do 1º Congresso Operário Brasileiro efetuado nos dias 15,
16, 17, 18, 19 e 20 de abril de 1906 na sede do Centro Gallego, à Rua da
constituição, 30 e 32, Rio de Janeiro, 1906 (IISG)” (PINHEIRO e HALL,
1979, p. 58).
47. ........................
- 46 -
privilégios corporativos” (SIMÃO, 1966, p. 160). Estes
deveriam ser compostos por trabalhadores para lutar pelos
interesses dos trabalhadores, trazendo o lema da Associação
Internacional dos Trabalhadores (AIT) de 1864: “A
emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios
trabalhadores”.
Apesar das diferenças26
entre os três Congressos
Operários (1906, 1913 e 1920), que ressalvadas algumas
alterações relativas às especificidades do contexto histórico de
cada congresso, prevalecia o sindicalismo revolucionário
enquanto estratégia a ser utilizada através da ação direta, como
“método fundamental para a obtenção das transformações
sociais desejadas”
Maria Nazareth Ferreira nos fornece o conceito de
Imprensa Operária. Para a autora, podemos identificar a
imprensa operária produzida por operários, sob o ponto de
vista do emissor, do ponto de vista do receptor e do seu
conteúdo, no que tange às questões da classe social
(FERREIRA, 1988, p.5).
Porém, existem diversos outros elementos para
caracterizamos a imprensa operária, como por exemplo, as
produções de indivíduos não pertencentes àquela classe, mas
que expressa os interesses dessa classe. Quando falamos então
de imprensa operária, estamos dizendo de elementos internos
da classe e externos da classe, porém, não podem ser
desvinculadas do próprio movimento operário, pois ambos
estão relacionados através das lutas da classe trabalhadora. A
Imprensa Operária, no contexto dos fins do século XIX até a
segunda década dos mil e novecentos, constitui-se como “canal
dos problemas dos trabalhadores” e como centros de
propagação de concepções políticas.
26
Cf. SAMIS, A. Pavilhão negro sobre pátria oliva: sindicalismo e
anarquismo no Brasil. In: COLOMBO, Eduardo (orgs.). História do
Movimento Operário Revolucionário. São Paulo: Expressão e Arte &
Imaginário, 2004
48. ........................
- 47 -
Em questões quantitativas, Ferreira (1978), aponta
que entre o “último quartel do século XIX até as duas
primeiras década do século atual (XX), apareceram
aproximadamente 343 títulos de jornais espalhados pelo
território brasileiro” (idem, ibidem, p. 14). Com considerável
quantidade, através do convencimento expresso pelos jornais, a
imprensa operária ancorada em centenas de periódicos, foi um
órgão fundamental para os sindicatos (ligas operárias, uniões
profissionais ou associações de resistência) na propagação de
seus ideais. Porém, a trajetória desses periódicos estava
condicionada às “dificuldades financeiras e diligencias
policiais” que “garantiam vida breve para a maioria desses
periódicos, ou temporárias interrupções na publicação dos mais
bem sucedidos” (DULLES, 1973, p. 23). De fato, alguns
periódicos não conseguiram encontrar certa regularidade na
sua distribuição, sendo que, alguns desapareciam e
reapareciam sob outros títulos e redatores (na maioria, os
redatores eram os mesmos, porém, sob diversas questões eles
utilizavam pseudônimos).
Nessa questão da Imprensa Operária, devemos notar
algo anterior que é o jornal. Este teve um papel fundamental,
pois criou o “hábito de leitura” e preparou “o terreno para o
surgimento da imprensa operária na virada do século” (idem,
p. 9). Sendo assim, o jornal é um resultado do conjunto de
informações, preocupações, propostas, produzidos pela
coletividade e para ela mesma (idem, p. 6).
Conforme Boris Fausto enuncia, o jornal “constitui
um dos principais centros organizatórios anarquistas e de
difusão da propaganda”. O jornal figura-se dentro do
movimento operário da Primeira República do Brasil como um
“veículo de expressão escrita, transforma-se também com
frequência em veículo oral, ao ser lido em voz alta aos
trabalhadores analfabetos” (1977, p. 91).
Outro conceito fundamental que trabalharemos aqui é
o de ação direta. Ancorado em Adonile Guimarães, Christina
Lopretato, Anton Pannekoek e José Oiticica, entendemos que a
49. ........................
- 48 -
ação direta é crítica da sociedade burguesa proferida pelo
movimento operário revolucionário de bases eminentemente
libertárias que fornece uma “recusa à tática de representação
burguesa, de rejeição ao parlamentarismo” (LOPREATO,
2000, p. 46). Nesse sentido, a ação direta é “a ação dos
próprios trabalhadores sem a mediação da burocracia sindical”
(PANNEKOEK, 2011, p.119). Assim, ação direta pode ser
expressão através do campo da propaganda (no caso a
Imprensa Operária nos jornais e demais periódicos)
promovendo a ampliação da greve gerando assim a autonomia
como conduta de vida (idem, p. 120).
Para José Oiticica (anarquista brasileiro), a ação direta
tende
(...) a despertar a iniciativa, o espírito de
espontaneidade, a decisão, a coragem, ensinando
a massa popular a agir por conta própria, a unir-
se e viver em luta. Hoje, mais do que nunca, ação
direta, é o processo exato de rebelião proletária
(OITICICA, 1963, p. 47).
Complementando tal análise do conceito aqui
empregado, Lopreato afirma que a estratégia da ação direta
contrapõe-se ao parlamentarismo e a qualquer outra forma de
representação política, estabelecendo os vínculos de ações e
estratégias sem esperar forças externas de outras classes.
Torna-se a ação direta “a expressão da crença de que o
proletariado só se libertará quando confiar na influência de sua
própria ação, direta e autônoma, prescindindo de
intermediários no conflito capital/trabalho” (2000, p. 20).
Dentre o emaranhado de práticas e estratégias da ação
direta, encontra-se o boicote, a sabotagem, e a greve, sendo
que esta última, a estratégia exemplar da ação direta e é
considerada como “a mais rica em ensinamentos por que
explicita interesses contraditórios entre o patrão e o
empregado, rompe a harmonia existente entre eles e fazer
aparecer a luta de classes” (idem).
50. ........................
- 49 -
Os anarquistas, no geral, sempre consideraram a
educação e o convencimento estrategicamente fundamentais.
Por isso se torna elementar definirmos educação libertária. Tal
definição foi embasada no anarquista russo Mikhail Bakunin
que em seus escritos irá fundamentar as críticas à educação
vigente propondo a Instrução Integral27
, uma forma
educacional que tem por fim a supressão da sociedade
capitalista e só poderá se concretizar nessa “nova sociedade”.
Porém, educação libertária não é sinônimo de instrução
integral, já que este último só se concretizará na sociedade
anárquica, sendo que o primeiro, manifesta-se como forma de
luta para o rompimento com essa sociedade. Por isso, para uma
maior precisão utilizaremos educação libertária e pedagogia
libertária e não o conceito desenvolvido por Bakunin28
.
A educação libertária tem por objetivo buscar os
meios para
Criar uma pedagogia e um ensino que
revelarão à criança (e ao adulto) os malefícios
de todo poder abusivo e de toda injustiça
social, de onde quer que esse dois provenham;
das religiões às democracias utilizadas como
meios sibilinos de coerção moral e física sobre
o próprio indivíduo (SAFÓN, 2003, p. 11).
Ainda,
27
Assim, na sua definição a instrução é integral “(...) quando prepara os
homens tanto para a vida do espírito como do trabalho, a fim de que todos
se possam tornar pessoas completas”. (BAKUNIN, 1979, p. 43). Nesse
âmago, a instrução integral só pode ser consolidada na abolição da divisão
entre trabalho intelectual e trabalho manual, portanto, em uma sociedade
sem classes sociais.
28
Em Bakunin, temos a noção de emancipação pela prática, ou seja, a
transformação social só se concretizará na realização prática dos oprimidos,
constituindo formas de atuação libertária nessa sociedade para seu
rompimento.
51. ........................
- 50 -
Reconhecer obrigações à pessoa humana, certo,
mas não imposições que a desnaturem, e, por
conseqüência, fazer aparecer no indivíduo o ser
humano que traz em si. Ativar o senso humano
ao ponto que ninguém possa mais aceitar a
opressão e a iniqüidade como norma de vida e
possa, ao contrário, rejeitá-las pela revolta
(idem, p. 11- 12).
Nesse sentido, dialogaremos também (de forma
secundária) com o conceito de educação exposto por
Gonçalves & Nascimento (2008). Para as autoras, a imprensa
operária fazia opções de divulgar as perspectivas educacionais
que melhor representassem seus princípios, seus pressupostos
teóricos e que, portanto, articulassem a ideia de “educação e
revolução anarquista”. Assim, “preocupados com a formação
do homem anarquista, dedicaram escritos e estudos ao tema da
educação. A educação era fundamental nos planos anarquistas
(...)” (GONÇAVES; NASCIMENTO, 2008, p. 360), pois,
os libertários eram conhecedores da
importância de se educar o militante. Para eles
era necessário instruir o trabalhador, dar-lhe
cultura e conhecimento, pois um povo sem
instrução engoliria as “pílulas amargas” da
imprensa, da ideologia e do discurso burguês
(idem, p. 361).
Porém, queremos ir mais longe: identificar a ação
pedagógica que pressupõe uma ampliação em relação à
educação em si. Por isso, Vancanti (2010) também nos fornece
elementos para essa questã. De acordo com ele, a imprensa
operária foi um órgão muito importante para a divulgação da
educação libertária. Ele diz: “Os jornais foram muito utilizados
pelos intelectuais socialistas/anarquistas para propagar suas
ideias, informações;” ou seja, “aquilo que chamavam de
conscientização se mesclava, nas páginas dos periódicos, com
as notícias de acontecimentos sociais” (VALCANTI, 2010, p.
3). É nesse sentido que cabe nosso conceito de educação
52. ........................
- 51 -
libertária, enquanto uma ferramenta de conscientização das
condições de classe, que fora utilizada como instrumento de
propagação das ideias libertárias. Nesse sentido, a imprensa
“(...) era o grande veículo de difusão da propaganda militante,
constituindo-se como a expressão mais visível da cultura
operária na República Velha” (GARZIA, 2011, p. 54). Mas
além disso, apresentaremos uma concepção estática mais
ampla das imagens além de sua proposição formal (ver
capítulo 3).
Ressalta Valcanti que as imagens publicadas pelo
jornal também serviram de instrumentos de conscientização
dos trabalhadores, pois “a propaganda anarquista foi
importante para os objetivos deste grupo que, usando de uma
retórica clara e coerente buscava reunir os trabalhadores dentro
de um ideal comum (...), a imagem se apresentou como um
importante instrumento de divulgação e agregação de um
discurso específico” (VALCANTI, 2010, p. 12).
Para uma maior precisão do uso do conceito de
educação, Gonçalves (2004), nos dá um importante marco ao
utilizar que A Plebe foi um instrumento de educação informal
por excelência. Mas além disso, o jornal foi um instrumento de
ação política e pedagógica. Em que pese o conceito do autor,
ele explica que o jornal
procurava-se instruir os trabalhadores para uma
compreensão efetiva do que realmente seria
uma sociedade organizada nos moldes
anarquistas. Então os editores passaram a
inserir no jornal textos que informavam o
trabalhador sobre as características da
sociedade pós-revolucionária; a condição da
família anarquista; as habitações populares em
um regime anarquista e sobre outros temas
referentes a esta sociedade por eles idealizada
(GONÇALVES, 2004, p. 11).
Assim, os editores e escritores desse periódico,
tinham a crença de que o jornal e o livro poderiam alongar as
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“relações dos livros indicados para leitura nos grupos de
estudos sociais, nas bibliotecas das associações de bairros e
sindicais” (idem, p. 15).
Vale ressaltar que mais do que informar os principais
conceitos, fontes bibliográficas e os periódicos, devemos nos
atentar para uma análise minuciosa destas fontes. É pensando
historicamente que irei recorrer a essas fontes para construir a
pesquisa que proponho.
O próximo passo nosso será o de reconstruir os fatos
que marcaram o contexto do proletariado paulista anterior à
Semana Trágica (Lopreato, 2000), apresentando a necessidade
das organizações operárias para o contexto.
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CAPÍTULO II - Contexto do proletariado brasileiro na
Primeira República
Ela se desencadeia contra a causa dos males ou
a ataca de modo indireto, ela é consciente e
instintiva, humana ou brutal, generosa ou muito
egoísta, mas de qualquer modo, é a cada dia
maior e se amplia incessantemente.
(Um Pouco de Teoria, Errico Malatesta, 1892).
2.1. Imigração, formação do operariado e condições de
trabalho
De acordo com o sociólogo Azis Simão, nos fins do
século XIX na cidade de São Paulo começa-se a “destacar as
silhuetas do patrão e do trabalhador assalariado” (SIMÃO,
1966, p. 9) onde as relações entre a sociedade anterior, que se
baseava nas relações escravocratas dava lugar à sociedade
fundamentada nas relações de assalariamento. Nesse contexto,
emerge-se um emaranhado de indústrias que darão sentido para
a afirmação de um proletariado urbano que crescerá demasiado
formando uma classe operária.
Essas novas relações em emersão estão em conexão
com outro elemento fundamental para esse crescimento do
corpo de mão de obra industrial: a imigração. Conforme
salientamos na Introdução, a leva de imigrantes
especificamente italianos29
irá formar uma mão de obra
considerável nos fins do século XIX e início do século XX.
29
Um aspecto importante da imigração italiana e do movimento libertário
será a formação da Colônia Cecília no município de Palmeira no Paraná.
Esse movimento engendrou-se quando um “grupo de anarquistas deixou a
Itália, em fevereiro de 1890, para tomar posse de terras que havia recebido
do governo brasileiro, segundo sua política de estímulo à imigração. No
primeiro ano a experiência foi bem-sucedida, e na primavera de 1891 havia
cerca de duzentas pessoas vivendo e trabalhando na colônia”
(WOODCOCK, 2006, p. 170). Para mais, ver WOODCOCK, G. História
das idéias e movimentos anarquistas- v.2: O movimento. Porto Alegre:
L&PM: 2006.
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Já na década de 50 do século XIX, em meio a
“intensos debates sobre a utilização de imigrantes europeus
para o povoamento de áreas devolutas ou para substituição da
mão-de-obra africana escrava” o governo brasileiro, após uma
revolta na fazenda do latifundiário Nicolau de Campos
Vergueiro devido ao uso do “Regime de Parceira”, irá
intensificar o apoio à imigração (SAMIS, 2002, p. 130). Nesse
período foi registrada a entrada de cerca de 117 000 indivíduos
que entraram no Brasil nos anos 1950 e na próxima, cerca de
527 000.
Em um estudo sobre a imigração para o Brasil,
Petrone (1990) aponta a intensidade que o Estado brasileiro
atuava nesse processo potencializando com recursos do Estado
a vinda de imigrantes. De acordo com a autora, esse fenômeno
“faz parte de uma realidade bem mais ampla e complexa, onde
as oportunidades de sucesso nas áreas novas, as forças de
atração, portanto, e as de repulsão, ou seja, a pobreza, as
dificuldades para sobreviver e a superpopulação nos países de
origem, constituem apenas algumas das condicionantes”
(PETRONE, 1990, p. 95). No entanto, a década de 1890 é mais
favorável para entender as principais determinantes da
imigração. Contribuiu para o seu desenvolvimento, o
crescimento da lavoura cafeeira, o regime de governo que
mudara em 1889, abolição da escravidão, crise econômica na
Itália e nos Estados Unidos, a política de Estado
impulsionando a imigração, entre outros fatores (PETRONE,
1990, p. 101).
Além dessa relação da entrada de imigrantes, é salutar
ressaltar que o processo de êxodo rural que ocorre
principalmente em São Paulo, se dá na conjuntura de 1898 até
1907, onde destaca-se a crise cafeeira e a consecutiva
diminuição de plantio e da pressão da mão de obra rural. Nesse
ínterim, o núcleo urbano crescerá, alimentando a indústria
paulistana por conta de uma recuperação econômica entre os
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anos de 1905 – 1913 com um surto industrial (PINHEIRO,
1990, p.155).
De 1890 a 1929 entraram ao todo no Brasil
(...), 3 523 591 imigrantes, sendo que na
primeira década do período em apreço vieram 1
205 703; na década de 1900, aliás a menos
significativa quanto à imigração, a cifra baixou
para 649 898. Durante a década em que houve
a Primeira Guerra Mundial chegaram 821 522
imigrantes, para na seguinte se registrarem 846
522. O ano em que mais imigrantes se
registraram em toda a História do Brasil é
1891: 216 110 (...) (PETRONE, 1990, p. 100).
Especificamente o Estado de São Paulo recebeu entre
1889 e 1930, 2 022 654 imigrantes, correspondendo a “57,7%
do total do Brasil” (PETRONE, 1990, p. 103). Nessa base
quantitativa ainda destaca a predominância de italianos com
cerca de um terço desse total do estado paulistano. Pinheiro
(1990, p. 139) ressalta, por exemplo, que no ano de 1900,
“92% dos operários industriais no Estado de São Paulo eram
estrangeiros e 81% eram italianos”. Essa eminência de
superioridade numérica de italianos ressoou na forma e nas
diretrizes assumidas pelo movimento operário organizado no
Brasil. Ao destacar isso, o autor acima referido,
Apresentando os dados quantitativos específicos da
imigração em São Paulo, Simão (1966, p. 26 – 27) aponta que,
segundo os censos de 1890, 1900, 1920 e 1940,
o número de habitantes do Estado foi,
sucessivamente, de 1.384.753, 2.279.608,
4.592.188 e 7.180.316. Registrou-se um
aumento de 64,8% na década de 1890, que se
elevou a mais de 100% no primeiro vintênio
deste século, caindo para 56,4% no seguinte.
Tal crescimento demográfico deveu-se, em
grande parte, às contínuas levas de imigrantes,
que, inicialmente pequenas, avolumaram-se
depois de 1886, quando o governo provincial
passou a custear inteiramente o transporte de
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colonos europeus para o serviço da
cafeicultura. (...) A quantidade de entrados, em
1887 e 1900, foi de 909.417, contribuindo com
uma taxa de 86% para o aumento do número de
habitantes então verificado. No período de
1901 a 1920, mais de 823.642 estrangeiros
entraram com a quota de 38,5% no crescimento
de uma população já aumentada com os
entrados anteriormente e o número ignorado de
seus descendentes (SIMÃO, 1966, p. 26 - 27).
A migração campo-cidade, sobretudo para a cidade de
São Paulo, também teve uma forte conotação devido às “fases
de depressão do setor cafeeiro e as dificuldade de acesso à
propriedade da terra” (FAUSTO, 1977, p. 24).
Para Luigi Biondi, os anos de 1916 e 1917 são
importantes para entender como a imigração italiana teve uma
emersão considerada. Para ele, dois fatores são essenciais: a) a
inserção definitiva na economia do trabalho urbano industrial
ou artesanal; b) a fixação no território por conta dessa inserção
e pela “impossibilidade de voltar à Itália devido à guerra e à
crise econômica que a precedeu” (BIONDI, 2009, p. 274). E
como forma de luta contra essa realidade complexa e
dificultosa, a principal arma do proletariado foi a greve. Essas
greves eram “esparsas até fins do séc. XIX” mas cresceram
demasiado nas primeiras décadas do século passado
(SEGATTO, 1987, p. 61),
Mas, o desenvolvimento industrial no Brasil não fora
linear e evolutivo. Teve suas fases de ascensão e queda. A
produção, no primeiro momento, se restringia especificamente
a produzir bens de consumo não duráveis, ou seja, tecidos,
alimentos, etc. e concentrava-se principalmente nas cidades de
São Paulo e no Rio de Janeiro. Assim, começava-se a formar
um contingente populacional operário urbano que, juntamente
com esse crescimento populacional ocorrido principalmente
pela imigração italiana, espanhola e portuguesa, tornará a base
principal do incipiente movimento operário dos fins dos anos
mil e novecentos e que se fortalecerá e terá o seu auge em