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P O R T O A L E G R E –
Quando começou a de-
sapropriação dos mora-
dores da vila Dique, lo-
calizada atrás do aero-
porto Salgado Filho, na
capital gaúcha, em
2009, a prefeitura ofe-
receu transporte para
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escolar continuassem a
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gas casas. A mudança
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um conjunto habitacio-
nal distante cerca de no-
ve quilômetros. Mas,
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sa ajuda acabou.
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nheiro para passagem.
Muitos chegaram a per-
deroano”,lamentaAlme-
rinda Argenta Gambin,
de 47anos, conhecida co-
mo Miranda, líder comu-
nitária e membro da dire-
toria do Clube de Mães.
Naquele momento, as
famílias começaram a
buscar vagas em escolas
nos arredores, mas não
havia para todos. Para
piorar, eles conviviam
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rem “diqueiros”, ou seja,
da vila Dique, conhecida
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ta da cidade.
Agora, passados quase
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remoções, as pessoas já
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mudança, mas ainda
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A estudante Bianca da
Silva Ortiz, de 15, conti-
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de para arcar com o custo
do transporte. “Como es-
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Para ela, a mudança foi
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BrunoMoreno
bmoreno@hojeemdia.com.br
RIO DE JANEIRO – Per-
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Dia desde a última se-
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No Rio de Janeiro não
há um número preciso,
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megaeventos.
RETORNO
AfamíliadeLucasmora-
va na vila Recreio II e foi
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truçãodoBRTTransoes-
te, em 2012. Como com-
pensação, receberam o
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grama habitacional em
Campo Grande, no extre-
mo oeste da capital flumi-
nense. Entretanto, não se
adaptaramà novarealida-
de. Por isso, no ano passa-
do alugaram uma quitine-
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comunidade a 300 metros
da antiga vila Recreio II.
A família, composta pe-
la mãe, padrasto e quatro
filhos, foi desmembrada.
Dois dos irmãos não fo-
ram para Campo Grande
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avó. Outro irmão, Rodri-
go*,de16,tambémtraba-
lha ajudando o padrasto
na construção de casas.
“A escola era boa aqui
perto. Lá (em Campo
Grande), os alunos que
mandam na escola, é
uma bagunça. Hoje passo
o dia na lan house, fico
sentado aqui no banco da
árvore,ajudomeupadras-
to”, diz Lucas.
Eleafirmaquesentefal-
ta da escola,mas não a de
Campo Grande. Apesar
disso, só pretende voltar
em 2015. Assim, terá per-
dido três anos de estudos,
abandonados em 2012.
“Quandovoltamos,fizins-
crição pela internet, só
consegui escola pro lado
deCampoGrande. Nãoti-
nha escola perto”, relata.
Para a assessora de Di-
reitos Humanos na Anis-
tia Internacional no Bra-
sil,RenataNeder,asfamí-
lias não poderiam ter sido
levadas para áreas distan-
tes. “O reassentamento
deve ser em área próxima
e em condições adequa-
das. Nunca você pode le-
var uma família para uma
situaçãopior.Esseproces-
so aprofunda as desigual-
dades urbanas”, avalia.
A Secretaria Municipal
de Habitação do Rio de
Janeiro informou que na
obra do BRT Transoeste
foram desapropriadas
666 famílias, e que elas
foram acompanhadas por
assistentes sociais até os
moradores alcançarem a
autonomia.
*Nomesfictícios
> Portersido
removidode
ondemorava,
jovemde15anos
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desde2012
COPA SEM ESCOLACOPA SEM ESCOLA
TERCEIRADEUMASÉRIE
RIODEJANEIRO–Adolescentequeparoudeestudarem2012ajudaopadrastoemserviçosdepedreiro
Da sala de
aula para
o canteiro
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PORTONOVO–Conjuntoabrigafamíliasremovidasparaobrasnacapitalgaúcha
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