Comparação dos primórdios da industrialização com o movimento maker
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
BACHARELADO EM DESIGN
DESIGN & INDÚSTRIA
Prof. Rodrigo BouṀeur
TRABALHO FINAL
Design & Indústria: Uma Comparação dos Primórdios da
Industrialização com o Processo do Movimento Maker
Aluna: Brisa Gil
NATAL 2017
2. “Nada se cria, tudo se transforma”, Lavoisier que perdoe o uso fora de contexto da
sua famosa frase para falar de algo que pouco tem a ver com o Princípio de Conservação
das Massas¹, mas vamos aqui discutir e comparar os primórdios da industrialização, que
aconteceram entre os séculos 18 e 19 na Europa, com o momento atual em que vivemos
de crescimento do Movimento Maker.
A partir, prioritariamente, da leitura do segundo capítulo (Industrialização e
organização industrial, séculos 18 e 19) do livro “Uma Introdução à História do Design” do
autor brasileiro Rafael Cardoso, em contraponto com os capítulos 2 (A nova revolução
industrial) e 5 (A Cauda Longa das Coisas) do livro “Makers - A Nova Revolução Industrial”
do escritor britânico-estadunidense Chris Anderson, iremos tecer nossa linha de raciocínio
para provar o que Lavoisier tem a ver com isso e mostrar que a história se repete, mas
transformando peças chaves para que tudo tenha forma de uma grande espiral de
conhecimento.
O conjunto de transformações nos meios de fabricação que levaram a produção
antes feita de modo prioritariamente artesanal, especializado, e em pequena escala para
um modelo cada vez mais automatizado, industrial e de grandes demandas (CARDOSO,
2008), quando posto de frente ao processo atual de aplicação de conhecimentos
adquiridos a partir da era industrial, mas desenvolvidos e cada vez mais disseminados por
meio da Web, no mundo real (ANDERSON, 2012) pode gerar de certo modo um
reconhecimento da “forma cíclica” a qualquer um que já tenha parado para prestar atenção.
No primeiro momento, temos uma revolução que leva o conteúdo e expertise das
pequenas oᵬcinas de artesãos para uma escala de produção muito maior e um contexto
industrial, que faz uso da mecanização dos processos para suprir demandas geradas pelo
próprio sistema (CARDOSO, 2008). Já no segundo momento apontado, vemos o
conhecimento fazendo um caminho “inverso”, do macro pro micro. Técnicas que só
puderam ser desenvolvidas, inicialmente, graças a grandes investimentos de empresas em
tecnologia e proᵬssionais treinados são agora aplicadas em contextos pontuais de
demanda por vezes exclusiva que gera por ᵬm bens especializados e empoderamento do
consumidor (ANDER SON, 2012). 1
Mas antes de pormos, de fato, as ideias na balança, é preciso entender algumas
palavras importantes para o nosso pequeno estudo comparativo. Explicar o que nós
1
Em 1777, o cientista francês mostrou que a combustão e outros processos relativos (como a calcinação de
metais) era resultado do oxigênio se combinar com outros elementos. Ele mostrou que a massa dos produtos
da reação era igual aos que deram origem à ela. Era o princípio da conservação de massas, conhecido pela
frase: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma"
3. tomamos como indústria, revolução industrial e quem era (ou é?) o artesão e quem é o tal
“maker” da contemporaneidade.
Comecemos pelo “começo”, Cardoso (2008) fala sobre como Eric Hobsbawm (autor
do livro “A Era das Revoluções 1789-1848”) descreve o processo de industrialização
justamente como esse sistema que além de suprir demandas que existem passa a criar
novas, torna-se independente a medida que as quantidades aumentam e o custo diminui.
Então, podemos dividir a Indústria, de maneira geral, em três partes: a produção em si
(métodos e quantidades de produtos que vão depender de um custo), a estrutura para que
ela ocorra (as máquinas, fábricas e o próprio proletariado/proᵬssionais qualiᵬcados) e o
retorno, os resultados gerados, (não só o lucro como também a demanda que ela mesma
cria para suprir suas necessidades à medida que segue funcionando).
Agora que se entende o que levamos em conta quando falamos de Indústria aqui,
podemos rapidamente esclarecer o termo Revolução Industrial. Esse conjunto de
transformações foram chamadas de tal forma justamente para chamar atenção ao
enorme impacto que elas representaram sobre a sociedade, que caracterizou uma ruptura
radical com o passado, antes vista apenas com a Revolução Francesa (CARDOSO, 2008).
É sabido que, antes dessa ruptura, do surgimento da máquina a vapor, dos grandes
investimentos para criação de produtos, os bens de consumo já existiam. Bem como uma
demanda crescente que data de antes desse processo, consequência de um grande
acúmulo de riquezas líquidas que acabou gerando um aumento proporcional no consumo
(CARDOSO, 2008). Mas quem produzia esses bens? É aqui que entra a ᵬgura do artesão.
Segundo o Dicio - Dicionário Online de Português (2017) artesão ou artesã é o “trabalhador
manual que trabalha por sua conta, só ou com o auxílio dos membros da família e alguns
companheiros”. Esses trabalhadores e trabalhadoras desenvolviam produtos com
materiais e técnicas especíᵬcas dentro de suas pequenas oᵬcinas, tudo de forma
autônoma sem necessariamente pensar numa demanda a ser atendida.
No processo da industrialização os principais agentes ativos eram justamente o
patrão, quem detinha o capital, e o proletário, quem punha a mão na massa, mas isso após
o advento das máquinas a vapor e toda a mecanização do processo produtivo. Ou seja, a
mão de obra não era especializada, ela apenas aprendia a realizar pequenas tarefas que
unidas completavam o processo. Assim, quando falamos em métodos e técnicas, é
preciso considerar que máquinas sozinhas não inovam, elas não criam processos, apenas
fazem uso do conhecimento que já existe de forma mecanizada. Por tanto, não era
possível que o artesão saísse de cena de imediato, até porque dentro do processo
4. industrial existem processos artesanais, principalmente dependendo do tipo de indústria
que estivermos tratando.
“Os aumentos obtidos no volume produzido durante o século 19 devem-se tanto
senão mais – à reorganização e racionalização dos métodos de fabricação e de
distribuição quanto à introdução de novas tecnologias” (CARDOSO, 2008, pág. 43). A
divisão do trabalho permitia que os proprietários das fábricas contratassem uma parcela
de mão de obra especializada (que acarretava num custo extra) para orientar os demais
que apenas seguiam pequenos passos quase tão mecânicos quanto os movimentos das
máquinas utilizadas.
Nesse contexto em que os conhecimentos especíᵬcos dos artesãos são
mecanizados para permitir a produção mais rápida e em grande escala sem se pensar
muito no produto ᵬnal, sua relação com o consumidor e, há quem diga, que com a beleza
dos objetos, apenas no fator de produzir para consumir, surge o design com a premissa de
pôr ordem na bagunça do mundo industrial (CARDOSO, 2011).
A partir daí, as descobertas de novos materiais, fontes de energia e investimentos
(particulares e estatais) em pesquisa e desenvolvimento em design e tecnologia até a
década de 1990 deram origem ao modelo de indústria e mercado tidos como tradicionais
nos dias de hoje. Processo que colocou o domínio da indústria nas mãos de grandes
empresas e proᵬssionais treinados, devido às exigências de expertise no manuseio de
equipamentos e dos custos de produção em grande escala (ANDERSON, 2012).
Mas nas últimas décadas com o advento da internet e a busca, cada vez maior, pela
democratização do conhecimento, a indústria está mudando. Hoje muitos objetos físicos
começam como projetos em tela, a indústria se tornou digital. O que vêm transformando
não só as grandes instalações de produção e escritórios de design, bem como mesas e
garagens dos próprios consumidores. A partir do momento que muito se passa a ser feito
em computadores, qualquer pessoa pode produzir coisas e a maior transformação não é
mais como se fazem essas coisas e sim quem está de fato fazendo-as (ANDERSON, 2012).
Finalmente, podemos explicar então quem é o Maker (se é que é preciso), o grande
protagonista do momento atual que vivemos. Ele ou ela pode ser qualquer um. Essa é a
grande premissa. A Web na última década disseminou o espírito do Faça Você Mesmo
(FVM) ou Do It Yourself (DIY, como se popularizou a sigla no inglês) que incentiva as
pessoas a colocarem a mão na massa, fazerem seus próprios produtos (seja ele uma
simples camisa customizada ou uma mesa de jantar de pallets). O FVM, de modo geral,
busca o reaproveitamento de materiais que já possuímos em casa e/ou uso de materiais
de baixo custo e fácil acesso em mercados locais.
5. Mas o Maker quer mais. Muitas vezes são aqueles pretensos inventores e
empreendedores que cansaram de estar a mercê e serem podados pelas grandes
empresas e querem pôr em prática suas ideias. A geração Web anseia por fazer algo que
começa no virtual mas atravessa essas barreiras para terminar com a produção de coisas
reais (ANDERSON, 2012).
Governos de alguns países já vislumbraram nessa cultura uma possibilidade de
investimento numa revolução que pode trazer grandes benefícios ao Estado. O governo
dos EUA (na época administrado por Obama) foi um dos que investiu nesse “retorno do
ensino industrial (...), com recursos da era da Web” (ANDERSON, 2012, pág. 21) objetivando
desenvolver toda uma nova geração de projetistas de sistemas e inovadores de produção
(ANDERSON, 2012).
Mas o Movimento Maker não se restringe ao desenvolvimento de “hardware aberto”,
essa é apenas uma possibilidade, e variedade no mundo Maker é o que não falta. Existem
muitas pessoas que vão fazer uso mais direto do que já está pronto no virtual pondo em
prática no mundo real e uma mudança importante é o surgimento de objetos cada vez
mais especíᵬcos. “O movimento “artesanal” e o artesanato em escala de massa geraram
demanda difusa por esses bens especializados” (ANDERSON, 2012, pág. 45). Anderson
(2012) apresenta exemplos no contexto dos EUA que podemos muito bem substituir por
alguns locais, como a moça que produz pochetes veganas e pensa e coordena a
distribuição pela internet, ou o cara que comprou uma pequena impressora 3-D e fornece o
serviço de impressão de chaveiros para eventos e ainda a grife de camisetas que usa
frases e referências de lugares e escritores locais para se aproximar do público da cidade.
“Isso é o que a i.materialize, empresa de design, denomina “poder da
singularidade”. Em um mundo dominado pelo “tamanho único”, isto é,
pela padronização, a maneira de se destacar é criar produtos que
atendam a necessidades especíᵬcas e até individuais não a
demandas genéricas e coletivas” (ANDERSON, 2012, pág. 46).
Os exemplos são justamente para reforçar a ideia de que até mesmo o consumidor
que não vai pôr a mão na massa (não quer ser um maker) está inserido na cultura e
mudando suas exigências, interesses e demandas. Quanto maior a variedade de produtos
que se conᵬguram como bens especializados, maior se torna a procura.
Voltando ao nosso ponto principal lá do início, é fácil perceber o que queremos dizer
com a história criando um “movimento espiral de conhecimento”. Enquanto nos primórdios
6. da industrialização a grande transformação foi levar o artesanal para um modelo
mecanizado que abria portas dos produtores para o mundo com uma produção em série,
como coloca Cardoso (2008) no ᵬnal do capítulo:
“Pela primeira vez na história, qualquer produtor podia sonhar com o
mercado mundial para os seus artigos e as consequências dessa
possibilidade alteraram permanentemente a relação das pessoas com
o mundo material que as cercava” (CARDOSO, 2008, pág. 43)
Agora temos os makers como artesãos mas que trazem o uso das máquinas e
tecnologias cada vez mais avançadas para produzir em suas pequenas oᵬcinas caseiras
lutando contra a cultura do “tamanho único”. “Cada vez mais, quando as máquinas de
produção são controladas por computador, fazer sucessivos produtos diferentes não
acarreta maiores custos” (ANDERSON, 2012, pág. 46). Assim, podemos concluir que uma
nova relação das pessoas com o mundo material está se conᵬgurando, aᵬnal, nesse
mundo “nada se cria, tudo se transforma”.
7. REFERÊNCIAS
ANDERSON, Chris. Makers: A Nova Revolução Industrial. Brooklin: Elsevier, 2012.
CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify,
2011
CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design. 3. ed. São Paulo: Blucher,
2008.
DICIO. Dicionário de Português Online. São Paulo: Dicio, 2017. Disponível em:
<https://www.dicio.com.br/artesao/>. Acesso em: 21 jun. 2017