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A CONSTRUÇÃO DO MITO DA COR COMO FONTE DE ESTIGMATIZAÇÃO DO NEGRO
BRASILEIRO1
Gabriel Fiel Lutz
Universidade Federal da Grande Dourados
Introdução
O presente trabalho faz parte da monografia de conclusão do curso de Direito/UFGD,
na qual se discute a importância das cotas étnicas para negros, na busca por uma
“igualdade material”2
tendo como foco a construção social do conceito de “raças”, bem
como, das formas de dominação e de preconceito às avessas existentes no Brasil. Tanto
assim o é, que o antropólogo José Maurício Arruti, em um de seus artigos sobre a
emergência da categoria quilombolas, mostrará que segundo Banton o termo raça
diferencia-se pela carga negativa que os não negros incutem nos negros em forma de
estigma. Portanto, quando os negros utilizam o termo “etnia” o mesmo assume caráter
positivo de algo que é visto como estigma. Em seus dizeres:
Segundo Banton, na passagem do racial ao étnico, os signos de
distinção teriam seus sinais invertidos, deixando de representar
estigmas, para assumir um sentido de solidariedade e identificação.
Nesse sentido, um grupo racial tornar-se-ia um grupo étnico a partir
do momento em que, aceitando a distinção que lhe é imposta pela
maioria, passa a utilizar-se politicamente dela na formação de
agrupamentos autônomos ou com interesses e reivindicações
comuns. Uma resposta útil, mas ainda insuficiente para pensarmos a
situação dos remanescentes, como veremos
3
.
Por ora, o artigo restringe-se à parte do estudo até o momento elaborado, mais
precisamente, sobre a estigmatização do negro na sociedade brasileira.
A base está no brilhante estudo realizado por Norbert Elias e John Scotson, intitulado
Os Estabelecidos e os Outsiders4
, no qual se realiza uma pesquisa sobre a comunidade de
Winston Parva, buscando os motivos que explicariam a razão pela qual alguns grupos
tinham mais poder do que outros. As figurações e regularidades desvendadas no
microcosmo da comunidade se revelavam como guias de um levantamento macro
sociológico, pois segundo indicadores sociais correntes (como renda, educação ou tipo de
ocupação) a comunidade se apresentava como relativamente homogênea, ou seja, mesmo
pertencentes à mesma classe social, os habitantes do povoado, não justificavam a
desigualdade nas relações de poder em diferenças de classes, ou raciais, mas pela
antiguidade.
1
O presente artigo foi orientado pela Profa. Dra. Simone Becker (NEXUM/FADIR/UFGD).
2
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra-Portugal: Almedina; 2003,
p.378,379. O autor apresenta a diferencia entre igualdade formal e igualdade material, sendo a primeira
associada à constitucionalização, a incorporação de direitos subjetivos do homem em normas formalmente
básicas, subtraindo seu reconhecimento e garantia a disponibilidade do legislador ordinário e controle
jurisdicional da constitucionalidade. A segunda, a idéia de fundamentalidade material, insinua que o conteúdo
dos direitos fundamentais é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da Sociedade. Sendo
a idéia de fundamentalidade material, o suporte para abertura da constituição para outros direitos, também
fundamentais, mas não constitucionalizados.
3
BANTON apud ARRUTI, José Maurício. A emergência dos “remanescentes”: notas sobre o diálogo
entre indígenas e quilombolas. Revista Mana. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.25.
4
ELIAS, Norbert e John Scotson. Os Estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Editor Jorge Zahar;
2000.
A partir do estudo sobre as relações de poder, o artigo parte para um diálogo do caso
brasileiro entre a mitologia da brasilidade mestiça, apresentada por Gilberto Freyre, em seu
clássico Casa Grande & Senzala5
, passando pela fábula das três raças de Roberto
DaMatta6
, para então discutir a tentativa do branqueamento da sociedade brasileira como
processo de construção social. Em seu término, o artigo traz um dos discursos de Fidel
Castro para exemplificar com um caso concreto os problemas sociais a serem enfrentados
quando o fator “cor” emerge como estigma.
Formas de Dominação
Norbert Elias (& John Scotson) em Os Estabelecidos e os Outsiders7
abordam os
fatores que justificam a dominação de um grupo sobre outro, classificando o grupo
dominante como “established” e o dominado como “outsiders”.
Os Established se reconhecem como uma “boa sociedade”, mais poderosa e melhor, e
fundam seu poder no fato de serem um modelo moral para os outros dominados. Em
contrapartida, os Outsiders são os não membros da “boa sociedade”, os que estão fora dela.
Ambos os grupos estão ao mesmo tempo, separados e unidos por um laço tenso e desigual
de interdependência, o que cria a necessidade de um grupo se sobrepor ao outro, tal como
ocorrera em relação à necessidade de mão de obra negra para dar sustento à monocultura
de cana e à exploração das minas e da pecuária no Brasil colonial.
O trabalho e a classificação aludida pelos autores de os Estabelecidos tem como foco
uma pesquisa realizada na comunidade de Winston Parva (interior da Inglaterra), tentando
demonstrar o liame entre os problemas em pequena escala de uma região e os problemas
das relações entre grupos sobre uma figuração que se acredita ser universal.
Os grupos mais poderosos vêem-se como pessoas melhores, dotados de uma espécie
de carisma grupal, de uma virtude específica que é compartilhada por todos os seus
membros e que falta aos outros, fazendo com que os inferiores se sintam, eles mesmos,
carentes de virtude, julgando-se humanamente inferiores.
A relação de superioridade surgiria a partir da atribuição de características humanas
superiores aos membros dos estabelecidos, assim como a tabela de Gobineau8
,
apresentada abaixo, sobre as raças humanas, datada do século XIX, em que os Europeus
se intitulam donos das virtudes, enquanto as outras raças se apresentam como inferiores ao
seu padrão.
Raças Humanas
Negra Amarela Branca
Intelecto Débil Medíocre Vigoroso
Propensões
animais
Muito fortes Moderadas Fortes
Manifestações
morais
Parcialmente
latentes
Comparativamente
desenvolvidas
Altamente cultivas
Os grupos dos estabelecidos manteriam a crença de que são mais poderosos, através
do grau de coesão grupal e identificação coletiva com normas comuns capazes de induzir a
euforia gratificante de pertencer a um grupo superior. Um grupo com índice de coesão mais
5
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Editora Global; 51ª ed; 2003.
6
DA MATTA, Roberto. Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social. Petrópolis: Vozes, 1983.
7
ELIAS, Norbert e John Scotson. Os Estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Editor Jorge Zahar;
2000.
8
DA MATTA, Roberto. Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social. Petrópolis: Vozes, 1983.
alto do que o de outro, permite que esse grupo reserve para seus membros as posições
sociais com potencial de poder mais elevado.
A exclusão e a estigmatização seriam assim as armas utilizadas para afirmar a
superioridade de um grupo sobre o outro, surgindo a imagem de que o grupo estabelecido
tende a se modelar, atribuindo aos outsiders as características ruins. Constrói-se assim o
conceito de raças superiores e inferiores dentro da sociedade, produzindo ao longo do
tempo, através da exclusão e da estigmatização, o sentimento nos próprios grupos
excluídos de que realmente são inferiores em relação aos outros.
O estudo de Elias pode ser colocado em diálogo com a tabela de Gobineau, quando a
coesão do grupo europeu frente a outros grupos, se traduzia em estudos defensores de um
evolucionismo, no qual o branco se encontrava no topo da evolução, agregando consigo as
melhores características, frente à inferioridade dos negros e amarelos.
Portanto, em um primeiro momento, o estigma pode ser reduzido e confundido com
“preconceito racial” ou em outros termos, a hierarquização pode se reduzir ao fator “cor da
pele”. Porém, há que se observar que a construção do carisma social em Winston Parva,
por exemplo, articula uma série de relações de poder que passam pela antiguidade de
chegada no próprio bairro onde todos residem, sejam eles os estabelecidos ou os outsiders.
Nos dizeres de Elias e Scotson:
A referência à cor diferente da pele e a outras características inatas
ou biológicas dos grupos que são ou foram tratados como inferiores
por grupos estabelecidos tem a mesma função objetificadora, nessa
relação, que a referência ao estigma azul imaginário dos burakumin.
O sinal físico serve de símbolo tangível da pretensa anomia do outro
grupo, e de seu valor humano inferior, de sua maldade intrínseca;
assim como a fantasia do estigma azul, a referência a esses sinais
“objetivos” tem uma função de defesa da distribuição vigente de
oportunidades de poder, bem como uma função exculpatória.
9
A peça central dessa figuração criada pelo grupo dominante e o dominado é um
equilíbrio instável de poder, sendo este uma precondição decisiva para a estigmatização
efetiva de um grupo.
Os recém chegados em Wisnton Parva não possuíam coesão entre si, como os negros
chegados de diversas regiões africanas vindos para o Brasil, nem sempre conseguindo
resistir à escravidão que lhe era imposta e a condição de raça inferior ora atribuída, frente à
coesão e padrões postos do grupo superior, isto é, dos brancos estabelecidos.
No livro Antropologia da Viagem – Escravos Libertos em Minas Gerais no século XIX,
Ilka Boaventura Leite analisa os relatos de viajantes europeus ao Brasil, trazendo a seguinte
observação:
Os viajantes recorriam a parâmetros próprios da cultura européia
para interpretar a sociedade visitada: baseavam-se em critérios de
superioridade e inferioridade. Não houve, durante o século XIX,
preocupação em questionar categorias de análises. Tais como raça e
etnia, mas sim utilizá-las como sustentação ideológica.
10
Esta estigmatização se perpetua, bem como o próprio “etnocentrismo” que dela
decorre, transformando-se em prática costumeira e naturalizada. Enfim, presente na vida do
Branco (estabelecido) e do Negro (outsider), formando no imaginário social convicções de
que um grupo é superior a outro. Nesse sentido, tais construções adquiririam força tamanha
dentro das relações entre os grupos dominados, pois estariam internalizadas nos padrões
9
ELIAS, Norbert e John Scotson. Os Estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Editor Jorge Zahar,
2000, p.35-36.
10
LEITE, IIka Boaventura. Escravos Libertos em Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte: Editora da
UFMG, 1996. p. 95.
sociais, de forma que, políticas universalistas, que visam resolver os problemas sociais,
nivelando a base, ou seja, através de políticas que ofereçam oportunidades para toda a
sociedade, não conseguiriam desmistificar a base principiológica que estas construções
adquirem, uma vez que não teriam por foco combater as relações de poder arraigadas no
corpo social. Em suma, não corrigiriam distorções existentes para em um segundo momento
buscar a igualdade universal.
Olhando para Winston Parva, pode-se inferir que políticas universalistas, não retirariam o
sentimento de superioridade dos estabelecidos, por serem mais antigos no bairro, pois os
grupos já pertenciam à mesma classe, não sendo um problema econômico ou racial, mas
sim de dominação de um grupo para com outro, que se perpetuava no tempo.
Desta forma, as políticas afirmativas, em especifico, as cotas étnicas para negros em
universidades públicas, buscariam combater o sentimento de inferioridade que o próprio
negro teria internalizado sobre sua raça, tentando desconstruir o preconceito às avessas,
formado ao longo da história. Esta política mais do que uma simples medida social, de
compensação com a escravidão e marginalização imposta ao negro brasileiro, se mostra
como um enfrentamento por parte do Estado do problema da dualidade racial brasileira,
transpassando o enfrentamento em primeiro momento das distorções existentes na
sociedade, e criando a noção de grupo étnico como já exposto por Banton11
, em que o uso
da noção de “raça” refletiria tendências negativas de exclusão, enquanto “etnia” expressaria
tendências positivas de inclusão.
Verifica-se assim, a construção de uma barreira social, como na Índia, onde os
brâmanes se acostumaram a uma política de exclusão, com base em um sistema de castas
sancionado pela religião, através da qual se evita o contato com o intocável (outsider), a fim
de evitar a poluição de uma casta pela outra.
O contato com os outsiders é tido como perigoso, desagradável, pondo em risco as
defesas arraigadas do grupo estabelecido. Arruti12
descreve a “construção nacional” da
identidade do negro em comparação com a do índio, em que o índio corresponderia à
pureza, ao exotismo, sendo necessário absorvê-lo e integrá-lo. Ao contrário, o negro
corresponderia à contaminação, sendo necessário absorvê-lo e integrá-lo, mas sem se
contaminar, não deixando que este altere a nacionalidade branca ocidentalizada. O índio é
visto dessa forma como um problema humano, enquanto o negro como população
subalterna.
A estigmatização se lança assim como a maior arma de dominação de um grupo sobre
outro, pois se arraigado está o sentimento de superioridade e inferioridade nos grupos, esta
última cria o efeito paralisante nos outsiders sobre à baixa auto-estima ou até frente à
crença na inferioridade de seu grupo.
Como ocorre na discussão do caso Bakke nos Estados Unidos, abordado por Ronald
Dworkin13
sobre a constitucionalidade das cotas para negros em universidades, no qual
Allan Bakke, um estudante Branco, alegava ter sido lesado o princípio constitucional da
igualdade, quando ficou fora das vagas para o curso de medicina, tendo este alcançado
nota relativamente alta, segundo um critério meritocrático, que o colocaria entre as vagas
disponibilizadas, se estas não fossem oferecidas sobre um sistema de cotas para
estudantes negros. O caso resultou em uma batalha judicial sobre as vertentes do princípio
da igualdade, em que um dos argumentos apresentados pelos defensores das cotas
étnicas, era a existência de pessoas negras nas universidades, no poder, como forma de
levantar a baixa auto-estima do Negro (outsider) estadunidense.
11
BANTON apud ARRUTI, José Maurício. A emergência dos “remanescentes”: notas sobre o diálogo
entre indígenas e quilombolas. Revista Mana. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.25.
12
BANTON apud ARRUTI, José Maurício. A emergência dos “remanescentes”: notas sobre o diálogo
entre indígenas e quilombolas. Revista Mana. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.25.
13
DWORKIN, Ronald. "O Caso de Bakke: as cotas são injustas?". In: Uma Questão de Princípio. São
Paulo: Martins Fontes. 2ª Ed., 2005, p. 440.
A ação afirmativa tenta colocar mais negros nas salas de aula junto
com médicos brancos, não porque seja desejável que uma escola de
medicina reflita a constituição racial da comunidade como um todo,
mas porque a associação profissional entre negros e brancos
diminuirá entre os brancos a atitude de considerar os negros como
raça e não como indivíduos, e, assim, a atitude dos negros de pensar
em si próprios da mesma maneira.
14
O sentimento de inferioridade nos grupos ditos inferiores faz com estes não consigam
retaliar a dominação que sofrem material, emocional e culturalmente.
A sociodinâmica da relação entre grupos interligados na condição de Brancos
(estabelecidos) e Negros (outsiders), partindo da ótica abordada por Elias e Scotson, é
determinada pela coerência existente entre grupos, na busca pela justificação de sua
superioridade perante o outro. No caso brasileiro, o europeu como grupo estabelecido busca
justificar seu poder sobre o negro, sendo a cor uma das justificativas encontradas por este,
dentro de teorias evolucionistas, como o quadro de Gobineau apresentado acima. Por
conseguinte, justificando sua suposta superioridade e escondendo uma relação de
dominação que vai além do simples fator cor.
Parece que os adjetivos como “racial” ou étnico, largamente
utilizados nesse contexto, tanto na sociologia quanto na sociedade
em geral, são sintomáticos de um ato ideológico de evitação. Ao
empregá-los, chama-se à atenção para um aspecto periférico dessas
relações (por exemplo, as diferenças na cor da pele), enquanto se
desviam os olhos daquilo que é central (por exemplo, os diferenciais
de poder e a exclusão do grupo menos poderoso dos cargos com
maior potencial de influência).
15
O Diálogo sobre a construção da Identidade Brasileira
Saindo da obra de Elias e Scotson e mergulhando no contexto brasileiro, vê-se que a
mitologia da brasilidade mestiça desenvolvida por Gilberto Freyre, é apresentada como
ponto de equilíbrio das diferenças culturais. A partir dela são descritas as relações entre
Brancos (senhores) e Negros (escravos), como um aceite de um para com o outro,
justificado no contato do Lusitano com o Mouro, o qual teria predisposto o primeiro à
interação aberta e igualitária com os Índios e os Negros. Este aceite findara com a formação
do mestiço, da mistura, do brasileiro, enfim, no encontro entre as diferenças, na busca por
uma identidade brasileira.
Ilka Boaventura desmistifica esta relação de aceite, ao descrever, com base em relatos
de viajantes europeus, as sensações ilusórias de concordância que se criavam entre senhor
e escravo, quando o escravo servia a mesa, mas não se sentava a esta, e ao final agradecia
conforme a religião de seu senhor, o alimento do qual não desfrutara.
O mito criado por Freyre16
se contrapõe à teoria de DaMatta17
“Digressão: A Fábula das
três raças, ou o problema do racismo a brasileira”, no qual o autor apresenta a
estigmatização do negro (outisider) como espécie de sistema de castas brasileiro, sendo
14
DWORKIN, Ronald, (...). Op. Cit., 2005, p.440.
15
ELIAS, Norbert e John Scotson. Os Estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Editor Jorge Zahar; 2000,
p.32.
16
Muito embora Gilberto Freyre seja muito criticado por ter passado uma imagem que não corresponde às
muitas relações sociais concretas de nossa sociedade, há que se lembrar que Freyre foi um dos alunos de Franz
Boas que é o fundador da antropologia cultural. Assim, a insistência na mestiçagem deve ser lida levando-se em
consideração que Boas enfrentou na virada do século XX o embate com as teorias evolucionistas sociais na
antropologia norte-americana que apregoavam a inferioridade negra pautada no fisiológico e/ou na raça.
17
DA MATTA, Roberto. Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social. Petrópolis: Vozes, 1983.
que para este evoluir, primeiramente teria de passar pela mestiçagem, sendo este contato,
não um aceite, mas uma forma de dominação, em que branco, negro e mulato possuem seu
lugar na sociedade.
O surgimento das fabuladas três raças teria ocorrido com a transferência da estrutura de
poder do Império Português de Lisboa para o Rio de Janeiro, sendo necessário constituir
justificativas para sustentar o sistema econômico e social do país, que tinha o negro como
sua engrenagem. As teorias evolucionistas surgem como capazes de enaltecer o europeu e
estigmatizar o negro, justificando através da inferioridade deste a escravização, e a vinda do
Branco como salvação na tentativa do branqueamento da população. O evolucionismo de
Darwin apresentou força cogente nas ciências ditas sociais com a produção do
“evolucionismo social”, através do qual a cor e a patologização eram forças capazes de
colocar cada um no seu lugar. Como exemplo de sua força, Ilka Boaventura descreve
relatos de viajantes europeus que acreditavam que a heterogeneidade racial levaria a
processos de "degeneração".
Seguindo na linha traçada por Da Matta, a mistura entre branco e negro produz um meio
termo, que não é nem branco e nem negro, mas que ao ser “aculturado” pelos padrões
certos (estabelecidos), evolui e passa então a fazer parte do grupo estabelecido. Assim
também descreve Darcy Ribeiro, acerca da dualidade do mulato:
Posto entre dois mundos conflitantes – o do negro, que ele rechaça, e
o do branco, que o rejeita – o mulato se humaniza no drama de ser
dois, que é o mesmo de ser ninguém.
18
Este ser híbrido passa então a praticar as regras do grupo estabelecido, ou seja,
estigmatizando sua própria origem, cultura, hábitos, conforme os estudos de Ilka
Boaventura, sobre as festas dos escravos no século XIX no Brasil, buscando uma inserção
na ordem social dominante:
Os aspectos simbólicos do ritual revelam sua importância para o
grupo negro: oportunidade de afirmação enquanto grupo, sinal de
reprodução e representação de sua existência e seu lugar na ordem
social dominante, e branca
19
.
DaMatta discorda de Freyre, pois a relação entre senhor e escravo, ocorre devido a uma
hierarquia, fazendo com que o contato entre senhor e escravo aconteça graças à
hierarquização, motivo pelo qual o sentimento de repúdio não emerge desta relação por
parte dos brancos. Em síntese, não há necessidade de segregação no modelo escravocrata
brasileiro, diferente do estadunidense, pois a hierarquia assegura o Branco como
dominante.
Esta espécie de “chance” dada ao “moreno” brasileiro reflete a diferença da forma de
estigmatização existente no Brasil, pois ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos da
América, conforme descreve DaMatta no esquema abaixo20
, observa-se que o preconceito
divide a sociedade em negros e brancos, não havendo contato entre estes, com base na
contaminação da raça. Assim, nos Estados Unidos a segregação é dada a priori enquanto
construção social, e no Brasil, o antropólogo mostrará que os negros são inseridos na
sociedade para depois serem hierarquizados por meio da fábula ou mito da interação e
democracia racial.
Nos Estados Unidos se busca a preservação da pureza pelo não contato, enquanto no
Brasil o contato surge como forma de branqueamento da população, sendo o negro em
ambos visto como elemento contaminador, impuro, sendo adotadas estratégias diferentes
18
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. 2ª. Ed, São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 223.
19
LEITE, IIka Boaventura. Escravos Libertos em Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte: UFMG,
1996. p. 145.
20
DaMatta, R. Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social. Petrópolis: Vozes, 1983.
na busca pela perpetuação do domínio branco. Antes de prosseguir, passemos ao quadro
esboçado por DaMatta que denota tais diferenças entre as estratégias de dominação do
branco nas duas sociedades:
Modelo estadunidense: Modelo Brasileiro:
A partir do quadro, nota-se que a população brasileira se constitui; tem seu contorno
definido frente a esta interação ocorrida entre diversas raças. Essa interação para Darcy
Ribeiro se justificaria pela oferta de mulheres indígenas ao europeu, como tradição dos
nativos. Gilberto Freyre desenvolve a interação entre a Casa Grande e a Senzala, sendo a
dominação do europeu para com o negro, e o relacionamento entre ambas as raças aquele
de aceitação.
Independente dos motivos geradores da miscigenação, o fático é a existência de tipos
híbridos, mas pertencentes a uma sociedade que tem como padrão, como estabelecidos, a
cultura do europeu, do Português, exportada com sua idéia de superioridade na colonização
do Brasil. Paralelamente, dá-se a vinda do negro para ser escravo, como mão de obra,
trazendo à reboque sua inferioridade em contrapartida à superioridade da raça
portuguesa/européia.
Conforme nos assevera a história, negros pertencentes a grupos dominantes do
continente africano vendiam os grupos dominados que eram negros também, sendo a
dominação quanto ao fator cor exercida pelo “igual”, que exportava os dominados como
força negra para o Europeu expandir suas colônias. Assim, a estigmatização do negro tem
“origem” não só em sua cor, mas na dominação de grupos estabelecidos detentores de
poder, justificada na venda de negros por negros e na busca pela “evolução” da sociedade
brasileira por meio do branqueamento.
Esta tentativa de fortalecimento do “moreno” gera a negativa da origem em busca de um
lugar na sociedade estabelecida, não sendo excluídos simplesmente pelo fator cor, mas
pelos seus hábitos, religião, comportamento, em suma pela sua cultura tida como inferior. E
dentro da dualidade do ser mais branco ou menos negro, é que se produz através das
relações de poder a invisibilidade do lado sem virtudes que são as características
pertencentes aos “outsiders”.
A Desconstrução do Mito da Cor
A experiência brasileira da mestiçagem nos leva além de explicações superficiais de
diferenças sociais, baseadas apenas em fatores isolados, pois há que se analisar a maior
quantidade possível de fatores, tais como: raça, gênero, classe social, etc. Para tanto, não
há que se buscar soluções universais ou mesmo sustentar a produção de um discurso de
igualdade existente entre as diversas etnias a partir da isonomia legal existente na
Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º. Ou pior: na redução da discussão de cotas
ou outras questões atinentes à etnia pela igualdade formal, aquela restrita ao plano da lei
enquanto letra morta. O manifesto em favor da lei de cotas e do estatuto da igualdade racial
confere legitimidade a esta argumentação.
Acreditamos que a igualdade universal dentro da
República não é principio vazio e sim uma meta a ser
alcançada. As ações afirmativas, baseadas na
discriminação positiva daqueles lesados por processos
históricos, são a figura jurídica criada pelas Nações
Unidas para alcançar essa meta.
21
Portanto, à luz destas breves explicações é possível traçar um paralelo entre a
experiência brasileira e a cubana, mais precisamente é possível trazer alguns elementos do
discurso de Fidel Castro veiculado no artigo de Marcelo Tratenberg:
Foi há algum tempo atrás que descobrimos que a
marginalidade e a discriminação racial relacionada a ela
não são algo que agente se desfaz com uma lei ou
mesmo dez leis, e não conseguimos eliminá-las
completamente, mesmo em 40 anos.
22
Em seu discurso, Fidel Castro relata que Cuba enfrentou seus problemas sociais com o
combate das diferenças de classes, não conseguindo eliminar as diferenças raciais, e que
mesmo nivelando as classes, os preconceitos raciais continuavam impregnados e
operantes. Portanto, importante torna-se a pesquisa de Norbert Elias que mostra como entre
pessoas de uma mesma classe social (no sentido marxista do termo) há a possibilidade de
aparecimento de discriminações e estigmatizações.
Conclusões
Pode-se concluir que a experiência cubana na tentativa de solucionar as desigualdades
de sua população encontra íntima ligação com o estudo realizado em Winston Parva, e
como é dito em Os Estabelecidos, o estudo de uma comunidade, de um microcosmo, se
projeta para o macrocosmo de um país. Desta forma a igualdade no fator classe, encontrada
em Winston era sobreposta pelo fator antiguidade no bairro, sendo esta a justificação da
dominação/estigmatização exercida por um grupo frente a outro. Ambos, aliás, pertencentes
à mesma classe social e à mesma etnia.
Cuba buscou eliminar as diferenças de classes sociais, mas descobriu conforme
discurso de Fidel Castro, que apenas enfrentar os problemas sociais a partir de uma de
suas matizes não solucionaria as desigualdades, pois apenas leis não conseguem arrancar
preconceitos construídos pela sociedade ao longo do tempo. Sendo as classes niveladas,
mas a dominação de um grupo pelo outro ainda existente com base na raça ou no gênero,
sugere-se que impedimentos surgiriam para que tais grupos não acendessem ao poder, aos
cargos mais altos da nação, mesmo possuindo condições econômicas semelhantes.
No caso brasileiro, a especificidade da mistura, da miscigenação, demonstra a
necessidade da desconstrução da cor, como fator determinante na estigmatização do negro,
pois por trás desta justificação, se escondem motivações econômicas, políticas, históricas e
culturais que o marginalizam, como raça, retirando deste uma coesão de grupo étnico. Por
conseguinte, produzindo um preconceito contra a própria origem na construção de uma
figura menos negra, o moreno, que se aculturado por padrões europeus tem a chance de
“evoluir” para o grupo estabelecido e de negar o grupo sem virtudes.
21
Manifesto Racial da Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial. Disponível em: http://lpp-
uerj.net/olped/documentos/1745.pdf. Acessado em: dezembro de 2008, p.4.
22
TRATENBERG, Marcelo. A luta contra o racismo no Brasil hoje e o movimento docente. Disponível em:
www.nuer.ufsc.br/artigos/a%20luta.html. Acessado em: abril de 2008.
A cor, portanto, seria um dos fatores potencialmente utilizados pelo europeu para
justificar sua “superioridade”, mas não o único, que se enfrentado virá a solucionar o
preconceito com o negro. Se a inteligência não pode ser medida apenas através do Q.I, e as
teorias evolucionistas não são capazes de justificar a superioridade de uma raça sobre a
outra, a cor também não será capaz de explicar por si só os motivos ensejadores da
estigmatização do branco para o negro, escondendo essa, relações intrínsecas de poder.
Eis, um dos desafios que nossa sociedade apresenta frente à discussão de ingresso
nas Universidades Públicas através de cotas étnicas e não apenas cotas sociais, chamando
para a linha de argumentação, quanto à eficácia dessa espécie de política afirmativa, não
apenas leis e projetos de Estado a curto e longo prazo, mas também os preconceitos
arraigados na sociedade como forma de distanciamento da busca por uma igualdade
material concreta.

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A construção do mito da cor como fonte de estigmatização do negro brasileir

  • 1. A CONSTRUÇÃO DO MITO DA COR COMO FONTE DE ESTIGMATIZAÇÃO DO NEGRO BRASILEIRO1 Gabriel Fiel Lutz Universidade Federal da Grande Dourados Introdução O presente trabalho faz parte da monografia de conclusão do curso de Direito/UFGD, na qual se discute a importância das cotas étnicas para negros, na busca por uma “igualdade material”2 tendo como foco a construção social do conceito de “raças”, bem como, das formas de dominação e de preconceito às avessas existentes no Brasil. Tanto assim o é, que o antropólogo José Maurício Arruti, em um de seus artigos sobre a emergência da categoria quilombolas, mostrará que segundo Banton o termo raça diferencia-se pela carga negativa que os não negros incutem nos negros em forma de estigma. Portanto, quando os negros utilizam o termo “etnia” o mesmo assume caráter positivo de algo que é visto como estigma. Em seus dizeres: Segundo Banton, na passagem do racial ao étnico, os signos de distinção teriam seus sinais invertidos, deixando de representar estigmas, para assumir um sentido de solidariedade e identificação. Nesse sentido, um grupo racial tornar-se-ia um grupo étnico a partir do momento em que, aceitando a distinção que lhe é imposta pela maioria, passa a utilizar-se politicamente dela na formação de agrupamentos autônomos ou com interesses e reivindicações comuns. Uma resposta útil, mas ainda insuficiente para pensarmos a situação dos remanescentes, como veremos 3 . Por ora, o artigo restringe-se à parte do estudo até o momento elaborado, mais precisamente, sobre a estigmatização do negro na sociedade brasileira. A base está no brilhante estudo realizado por Norbert Elias e John Scotson, intitulado Os Estabelecidos e os Outsiders4 , no qual se realiza uma pesquisa sobre a comunidade de Winston Parva, buscando os motivos que explicariam a razão pela qual alguns grupos tinham mais poder do que outros. As figurações e regularidades desvendadas no microcosmo da comunidade se revelavam como guias de um levantamento macro sociológico, pois segundo indicadores sociais correntes (como renda, educação ou tipo de ocupação) a comunidade se apresentava como relativamente homogênea, ou seja, mesmo pertencentes à mesma classe social, os habitantes do povoado, não justificavam a desigualdade nas relações de poder em diferenças de classes, ou raciais, mas pela antiguidade. 1 O presente artigo foi orientado pela Profa. Dra. Simone Becker (NEXUM/FADIR/UFGD). 2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra-Portugal: Almedina; 2003, p.378,379. O autor apresenta a diferencia entre igualdade formal e igualdade material, sendo a primeira associada à constitucionalização, a incorporação de direitos subjetivos do homem em normas formalmente básicas, subtraindo seu reconhecimento e garantia a disponibilidade do legislador ordinário e controle jurisdicional da constitucionalidade. A segunda, a idéia de fundamentalidade material, insinua que o conteúdo dos direitos fundamentais é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da Sociedade. Sendo a idéia de fundamentalidade material, o suporte para abertura da constituição para outros direitos, também fundamentais, mas não constitucionalizados. 3 BANTON apud ARRUTI, José Maurício. A emergência dos “remanescentes”: notas sobre o diálogo entre indígenas e quilombolas. Revista Mana. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.25. 4 ELIAS, Norbert e John Scotson. Os Estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Editor Jorge Zahar; 2000.
  • 2. A partir do estudo sobre as relações de poder, o artigo parte para um diálogo do caso brasileiro entre a mitologia da brasilidade mestiça, apresentada por Gilberto Freyre, em seu clássico Casa Grande & Senzala5 , passando pela fábula das três raças de Roberto DaMatta6 , para então discutir a tentativa do branqueamento da sociedade brasileira como processo de construção social. Em seu término, o artigo traz um dos discursos de Fidel Castro para exemplificar com um caso concreto os problemas sociais a serem enfrentados quando o fator “cor” emerge como estigma. Formas de Dominação Norbert Elias (& John Scotson) em Os Estabelecidos e os Outsiders7 abordam os fatores que justificam a dominação de um grupo sobre outro, classificando o grupo dominante como “established” e o dominado como “outsiders”. Os Established se reconhecem como uma “boa sociedade”, mais poderosa e melhor, e fundam seu poder no fato de serem um modelo moral para os outros dominados. Em contrapartida, os Outsiders são os não membros da “boa sociedade”, os que estão fora dela. Ambos os grupos estão ao mesmo tempo, separados e unidos por um laço tenso e desigual de interdependência, o que cria a necessidade de um grupo se sobrepor ao outro, tal como ocorrera em relação à necessidade de mão de obra negra para dar sustento à monocultura de cana e à exploração das minas e da pecuária no Brasil colonial. O trabalho e a classificação aludida pelos autores de os Estabelecidos tem como foco uma pesquisa realizada na comunidade de Winston Parva (interior da Inglaterra), tentando demonstrar o liame entre os problemas em pequena escala de uma região e os problemas das relações entre grupos sobre uma figuração que se acredita ser universal. Os grupos mais poderosos vêem-se como pessoas melhores, dotados de uma espécie de carisma grupal, de uma virtude específica que é compartilhada por todos os seus membros e que falta aos outros, fazendo com que os inferiores se sintam, eles mesmos, carentes de virtude, julgando-se humanamente inferiores. A relação de superioridade surgiria a partir da atribuição de características humanas superiores aos membros dos estabelecidos, assim como a tabela de Gobineau8 , apresentada abaixo, sobre as raças humanas, datada do século XIX, em que os Europeus se intitulam donos das virtudes, enquanto as outras raças se apresentam como inferiores ao seu padrão. Raças Humanas Negra Amarela Branca Intelecto Débil Medíocre Vigoroso Propensões animais Muito fortes Moderadas Fortes Manifestações morais Parcialmente latentes Comparativamente desenvolvidas Altamente cultivas Os grupos dos estabelecidos manteriam a crença de que são mais poderosos, através do grau de coesão grupal e identificação coletiva com normas comuns capazes de induzir a euforia gratificante de pertencer a um grupo superior. Um grupo com índice de coesão mais 5 FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Editora Global; 51ª ed; 2003. 6 DA MATTA, Roberto. Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social. Petrópolis: Vozes, 1983. 7 ELIAS, Norbert e John Scotson. Os Estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Editor Jorge Zahar; 2000. 8 DA MATTA, Roberto. Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social. Petrópolis: Vozes, 1983.
  • 3. alto do que o de outro, permite que esse grupo reserve para seus membros as posições sociais com potencial de poder mais elevado. A exclusão e a estigmatização seriam assim as armas utilizadas para afirmar a superioridade de um grupo sobre o outro, surgindo a imagem de que o grupo estabelecido tende a se modelar, atribuindo aos outsiders as características ruins. Constrói-se assim o conceito de raças superiores e inferiores dentro da sociedade, produzindo ao longo do tempo, através da exclusão e da estigmatização, o sentimento nos próprios grupos excluídos de que realmente são inferiores em relação aos outros. O estudo de Elias pode ser colocado em diálogo com a tabela de Gobineau, quando a coesão do grupo europeu frente a outros grupos, se traduzia em estudos defensores de um evolucionismo, no qual o branco se encontrava no topo da evolução, agregando consigo as melhores características, frente à inferioridade dos negros e amarelos. Portanto, em um primeiro momento, o estigma pode ser reduzido e confundido com “preconceito racial” ou em outros termos, a hierarquização pode se reduzir ao fator “cor da pele”. Porém, há que se observar que a construção do carisma social em Winston Parva, por exemplo, articula uma série de relações de poder que passam pela antiguidade de chegada no próprio bairro onde todos residem, sejam eles os estabelecidos ou os outsiders. Nos dizeres de Elias e Scotson: A referência à cor diferente da pele e a outras características inatas ou biológicas dos grupos que são ou foram tratados como inferiores por grupos estabelecidos tem a mesma função objetificadora, nessa relação, que a referência ao estigma azul imaginário dos burakumin. O sinal físico serve de símbolo tangível da pretensa anomia do outro grupo, e de seu valor humano inferior, de sua maldade intrínseca; assim como a fantasia do estigma azul, a referência a esses sinais “objetivos” tem uma função de defesa da distribuição vigente de oportunidades de poder, bem como uma função exculpatória. 9 A peça central dessa figuração criada pelo grupo dominante e o dominado é um equilíbrio instável de poder, sendo este uma precondição decisiva para a estigmatização efetiva de um grupo. Os recém chegados em Wisnton Parva não possuíam coesão entre si, como os negros chegados de diversas regiões africanas vindos para o Brasil, nem sempre conseguindo resistir à escravidão que lhe era imposta e a condição de raça inferior ora atribuída, frente à coesão e padrões postos do grupo superior, isto é, dos brancos estabelecidos. No livro Antropologia da Viagem – Escravos Libertos em Minas Gerais no século XIX, Ilka Boaventura Leite analisa os relatos de viajantes europeus ao Brasil, trazendo a seguinte observação: Os viajantes recorriam a parâmetros próprios da cultura européia para interpretar a sociedade visitada: baseavam-se em critérios de superioridade e inferioridade. Não houve, durante o século XIX, preocupação em questionar categorias de análises. Tais como raça e etnia, mas sim utilizá-las como sustentação ideológica. 10 Esta estigmatização se perpetua, bem como o próprio “etnocentrismo” que dela decorre, transformando-se em prática costumeira e naturalizada. Enfim, presente na vida do Branco (estabelecido) e do Negro (outsider), formando no imaginário social convicções de que um grupo é superior a outro. Nesse sentido, tais construções adquiririam força tamanha dentro das relações entre os grupos dominados, pois estariam internalizadas nos padrões 9 ELIAS, Norbert e John Scotson. Os Estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Editor Jorge Zahar, 2000, p.35-36. 10 LEITE, IIka Boaventura. Escravos Libertos em Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1996. p. 95.
  • 4. sociais, de forma que, políticas universalistas, que visam resolver os problemas sociais, nivelando a base, ou seja, através de políticas que ofereçam oportunidades para toda a sociedade, não conseguiriam desmistificar a base principiológica que estas construções adquirem, uma vez que não teriam por foco combater as relações de poder arraigadas no corpo social. Em suma, não corrigiriam distorções existentes para em um segundo momento buscar a igualdade universal. Olhando para Winston Parva, pode-se inferir que políticas universalistas, não retirariam o sentimento de superioridade dos estabelecidos, por serem mais antigos no bairro, pois os grupos já pertenciam à mesma classe, não sendo um problema econômico ou racial, mas sim de dominação de um grupo para com outro, que se perpetuava no tempo. Desta forma, as políticas afirmativas, em especifico, as cotas étnicas para negros em universidades públicas, buscariam combater o sentimento de inferioridade que o próprio negro teria internalizado sobre sua raça, tentando desconstruir o preconceito às avessas, formado ao longo da história. Esta política mais do que uma simples medida social, de compensação com a escravidão e marginalização imposta ao negro brasileiro, se mostra como um enfrentamento por parte do Estado do problema da dualidade racial brasileira, transpassando o enfrentamento em primeiro momento das distorções existentes na sociedade, e criando a noção de grupo étnico como já exposto por Banton11 , em que o uso da noção de “raça” refletiria tendências negativas de exclusão, enquanto “etnia” expressaria tendências positivas de inclusão. Verifica-se assim, a construção de uma barreira social, como na Índia, onde os brâmanes se acostumaram a uma política de exclusão, com base em um sistema de castas sancionado pela religião, através da qual se evita o contato com o intocável (outsider), a fim de evitar a poluição de uma casta pela outra. O contato com os outsiders é tido como perigoso, desagradável, pondo em risco as defesas arraigadas do grupo estabelecido. Arruti12 descreve a “construção nacional” da identidade do negro em comparação com a do índio, em que o índio corresponderia à pureza, ao exotismo, sendo necessário absorvê-lo e integrá-lo. Ao contrário, o negro corresponderia à contaminação, sendo necessário absorvê-lo e integrá-lo, mas sem se contaminar, não deixando que este altere a nacionalidade branca ocidentalizada. O índio é visto dessa forma como um problema humano, enquanto o negro como população subalterna. A estigmatização se lança assim como a maior arma de dominação de um grupo sobre outro, pois se arraigado está o sentimento de superioridade e inferioridade nos grupos, esta última cria o efeito paralisante nos outsiders sobre à baixa auto-estima ou até frente à crença na inferioridade de seu grupo. Como ocorre na discussão do caso Bakke nos Estados Unidos, abordado por Ronald Dworkin13 sobre a constitucionalidade das cotas para negros em universidades, no qual Allan Bakke, um estudante Branco, alegava ter sido lesado o princípio constitucional da igualdade, quando ficou fora das vagas para o curso de medicina, tendo este alcançado nota relativamente alta, segundo um critério meritocrático, que o colocaria entre as vagas disponibilizadas, se estas não fossem oferecidas sobre um sistema de cotas para estudantes negros. O caso resultou em uma batalha judicial sobre as vertentes do princípio da igualdade, em que um dos argumentos apresentados pelos defensores das cotas étnicas, era a existência de pessoas negras nas universidades, no poder, como forma de levantar a baixa auto-estima do Negro (outsider) estadunidense. 11 BANTON apud ARRUTI, José Maurício. A emergência dos “remanescentes”: notas sobre o diálogo entre indígenas e quilombolas. Revista Mana. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.25. 12 BANTON apud ARRUTI, José Maurício. A emergência dos “remanescentes”: notas sobre o diálogo entre indígenas e quilombolas. Revista Mana. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.25. 13 DWORKIN, Ronald. "O Caso de Bakke: as cotas são injustas?". In: Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes. 2ª Ed., 2005, p. 440.
  • 5. A ação afirmativa tenta colocar mais negros nas salas de aula junto com médicos brancos, não porque seja desejável que uma escola de medicina reflita a constituição racial da comunidade como um todo, mas porque a associação profissional entre negros e brancos diminuirá entre os brancos a atitude de considerar os negros como raça e não como indivíduos, e, assim, a atitude dos negros de pensar em si próprios da mesma maneira. 14 O sentimento de inferioridade nos grupos ditos inferiores faz com estes não consigam retaliar a dominação que sofrem material, emocional e culturalmente. A sociodinâmica da relação entre grupos interligados na condição de Brancos (estabelecidos) e Negros (outsiders), partindo da ótica abordada por Elias e Scotson, é determinada pela coerência existente entre grupos, na busca pela justificação de sua superioridade perante o outro. No caso brasileiro, o europeu como grupo estabelecido busca justificar seu poder sobre o negro, sendo a cor uma das justificativas encontradas por este, dentro de teorias evolucionistas, como o quadro de Gobineau apresentado acima. Por conseguinte, justificando sua suposta superioridade e escondendo uma relação de dominação que vai além do simples fator cor. Parece que os adjetivos como “racial” ou étnico, largamente utilizados nesse contexto, tanto na sociologia quanto na sociedade em geral, são sintomáticos de um ato ideológico de evitação. Ao empregá-los, chama-se à atenção para um aspecto periférico dessas relações (por exemplo, as diferenças na cor da pele), enquanto se desviam os olhos daquilo que é central (por exemplo, os diferenciais de poder e a exclusão do grupo menos poderoso dos cargos com maior potencial de influência). 15 O Diálogo sobre a construção da Identidade Brasileira Saindo da obra de Elias e Scotson e mergulhando no contexto brasileiro, vê-se que a mitologia da brasilidade mestiça desenvolvida por Gilberto Freyre, é apresentada como ponto de equilíbrio das diferenças culturais. A partir dela são descritas as relações entre Brancos (senhores) e Negros (escravos), como um aceite de um para com o outro, justificado no contato do Lusitano com o Mouro, o qual teria predisposto o primeiro à interação aberta e igualitária com os Índios e os Negros. Este aceite findara com a formação do mestiço, da mistura, do brasileiro, enfim, no encontro entre as diferenças, na busca por uma identidade brasileira. Ilka Boaventura desmistifica esta relação de aceite, ao descrever, com base em relatos de viajantes europeus, as sensações ilusórias de concordância que se criavam entre senhor e escravo, quando o escravo servia a mesa, mas não se sentava a esta, e ao final agradecia conforme a religião de seu senhor, o alimento do qual não desfrutara. O mito criado por Freyre16 se contrapõe à teoria de DaMatta17 “Digressão: A Fábula das três raças, ou o problema do racismo a brasileira”, no qual o autor apresenta a estigmatização do negro (outisider) como espécie de sistema de castas brasileiro, sendo 14 DWORKIN, Ronald, (...). Op. Cit., 2005, p.440. 15 ELIAS, Norbert e John Scotson. Os Estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Editor Jorge Zahar; 2000, p.32. 16 Muito embora Gilberto Freyre seja muito criticado por ter passado uma imagem que não corresponde às muitas relações sociais concretas de nossa sociedade, há que se lembrar que Freyre foi um dos alunos de Franz Boas que é o fundador da antropologia cultural. Assim, a insistência na mestiçagem deve ser lida levando-se em consideração que Boas enfrentou na virada do século XX o embate com as teorias evolucionistas sociais na antropologia norte-americana que apregoavam a inferioridade negra pautada no fisiológico e/ou na raça. 17 DA MATTA, Roberto. Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social. Petrópolis: Vozes, 1983.
  • 6. que para este evoluir, primeiramente teria de passar pela mestiçagem, sendo este contato, não um aceite, mas uma forma de dominação, em que branco, negro e mulato possuem seu lugar na sociedade. O surgimento das fabuladas três raças teria ocorrido com a transferência da estrutura de poder do Império Português de Lisboa para o Rio de Janeiro, sendo necessário constituir justificativas para sustentar o sistema econômico e social do país, que tinha o negro como sua engrenagem. As teorias evolucionistas surgem como capazes de enaltecer o europeu e estigmatizar o negro, justificando através da inferioridade deste a escravização, e a vinda do Branco como salvação na tentativa do branqueamento da população. O evolucionismo de Darwin apresentou força cogente nas ciências ditas sociais com a produção do “evolucionismo social”, através do qual a cor e a patologização eram forças capazes de colocar cada um no seu lugar. Como exemplo de sua força, Ilka Boaventura descreve relatos de viajantes europeus que acreditavam que a heterogeneidade racial levaria a processos de "degeneração". Seguindo na linha traçada por Da Matta, a mistura entre branco e negro produz um meio termo, que não é nem branco e nem negro, mas que ao ser “aculturado” pelos padrões certos (estabelecidos), evolui e passa então a fazer parte do grupo estabelecido. Assim também descreve Darcy Ribeiro, acerca da dualidade do mulato: Posto entre dois mundos conflitantes – o do negro, que ele rechaça, e o do branco, que o rejeita – o mulato se humaniza no drama de ser dois, que é o mesmo de ser ninguém. 18 Este ser híbrido passa então a praticar as regras do grupo estabelecido, ou seja, estigmatizando sua própria origem, cultura, hábitos, conforme os estudos de Ilka Boaventura, sobre as festas dos escravos no século XIX no Brasil, buscando uma inserção na ordem social dominante: Os aspectos simbólicos do ritual revelam sua importância para o grupo negro: oportunidade de afirmação enquanto grupo, sinal de reprodução e representação de sua existência e seu lugar na ordem social dominante, e branca 19 . DaMatta discorda de Freyre, pois a relação entre senhor e escravo, ocorre devido a uma hierarquia, fazendo com que o contato entre senhor e escravo aconteça graças à hierarquização, motivo pelo qual o sentimento de repúdio não emerge desta relação por parte dos brancos. Em síntese, não há necessidade de segregação no modelo escravocrata brasileiro, diferente do estadunidense, pois a hierarquia assegura o Branco como dominante. Esta espécie de “chance” dada ao “moreno” brasileiro reflete a diferença da forma de estigmatização existente no Brasil, pois ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos da América, conforme descreve DaMatta no esquema abaixo20 , observa-se que o preconceito divide a sociedade em negros e brancos, não havendo contato entre estes, com base na contaminação da raça. Assim, nos Estados Unidos a segregação é dada a priori enquanto construção social, e no Brasil, o antropólogo mostrará que os negros são inseridos na sociedade para depois serem hierarquizados por meio da fábula ou mito da interação e democracia racial. Nos Estados Unidos se busca a preservação da pureza pelo não contato, enquanto no Brasil o contato surge como forma de branqueamento da população, sendo o negro em ambos visto como elemento contaminador, impuro, sendo adotadas estratégias diferentes 18 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. 2ª. Ed, São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 223. 19 LEITE, IIka Boaventura. Escravos Libertos em Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte: UFMG, 1996. p. 145. 20 DaMatta, R. Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social. Petrópolis: Vozes, 1983.
  • 7. na busca pela perpetuação do domínio branco. Antes de prosseguir, passemos ao quadro esboçado por DaMatta que denota tais diferenças entre as estratégias de dominação do branco nas duas sociedades: Modelo estadunidense: Modelo Brasileiro: A partir do quadro, nota-se que a população brasileira se constitui; tem seu contorno definido frente a esta interação ocorrida entre diversas raças. Essa interação para Darcy Ribeiro se justificaria pela oferta de mulheres indígenas ao europeu, como tradição dos nativos. Gilberto Freyre desenvolve a interação entre a Casa Grande e a Senzala, sendo a dominação do europeu para com o negro, e o relacionamento entre ambas as raças aquele de aceitação. Independente dos motivos geradores da miscigenação, o fático é a existência de tipos híbridos, mas pertencentes a uma sociedade que tem como padrão, como estabelecidos, a cultura do europeu, do Português, exportada com sua idéia de superioridade na colonização do Brasil. Paralelamente, dá-se a vinda do negro para ser escravo, como mão de obra, trazendo à reboque sua inferioridade em contrapartida à superioridade da raça portuguesa/européia. Conforme nos assevera a história, negros pertencentes a grupos dominantes do continente africano vendiam os grupos dominados que eram negros também, sendo a dominação quanto ao fator cor exercida pelo “igual”, que exportava os dominados como força negra para o Europeu expandir suas colônias. Assim, a estigmatização do negro tem “origem” não só em sua cor, mas na dominação de grupos estabelecidos detentores de poder, justificada na venda de negros por negros e na busca pela “evolução” da sociedade brasileira por meio do branqueamento. Esta tentativa de fortalecimento do “moreno” gera a negativa da origem em busca de um lugar na sociedade estabelecida, não sendo excluídos simplesmente pelo fator cor, mas pelos seus hábitos, religião, comportamento, em suma pela sua cultura tida como inferior. E dentro da dualidade do ser mais branco ou menos negro, é que se produz através das relações de poder a invisibilidade do lado sem virtudes que são as características pertencentes aos “outsiders”. A Desconstrução do Mito da Cor A experiência brasileira da mestiçagem nos leva além de explicações superficiais de diferenças sociais, baseadas apenas em fatores isolados, pois há que se analisar a maior quantidade possível de fatores, tais como: raça, gênero, classe social, etc. Para tanto, não há que se buscar soluções universais ou mesmo sustentar a produção de um discurso de igualdade existente entre as diversas etnias a partir da isonomia legal existente na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º. Ou pior: na redução da discussão de cotas ou outras questões atinentes à etnia pela igualdade formal, aquela restrita ao plano da lei enquanto letra morta. O manifesto em favor da lei de cotas e do estatuto da igualdade racial confere legitimidade a esta argumentação.
  • 8. Acreditamos que a igualdade universal dentro da República não é principio vazio e sim uma meta a ser alcançada. As ações afirmativas, baseadas na discriminação positiva daqueles lesados por processos históricos, são a figura jurídica criada pelas Nações Unidas para alcançar essa meta. 21 Portanto, à luz destas breves explicações é possível traçar um paralelo entre a experiência brasileira e a cubana, mais precisamente é possível trazer alguns elementos do discurso de Fidel Castro veiculado no artigo de Marcelo Tratenberg: Foi há algum tempo atrás que descobrimos que a marginalidade e a discriminação racial relacionada a ela não são algo que agente se desfaz com uma lei ou mesmo dez leis, e não conseguimos eliminá-las completamente, mesmo em 40 anos. 22 Em seu discurso, Fidel Castro relata que Cuba enfrentou seus problemas sociais com o combate das diferenças de classes, não conseguindo eliminar as diferenças raciais, e que mesmo nivelando as classes, os preconceitos raciais continuavam impregnados e operantes. Portanto, importante torna-se a pesquisa de Norbert Elias que mostra como entre pessoas de uma mesma classe social (no sentido marxista do termo) há a possibilidade de aparecimento de discriminações e estigmatizações. Conclusões Pode-se concluir que a experiência cubana na tentativa de solucionar as desigualdades de sua população encontra íntima ligação com o estudo realizado em Winston Parva, e como é dito em Os Estabelecidos, o estudo de uma comunidade, de um microcosmo, se projeta para o macrocosmo de um país. Desta forma a igualdade no fator classe, encontrada em Winston era sobreposta pelo fator antiguidade no bairro, sendo esta a justificação da dominação/estigmatização exercida por um grupo frente a outro. Ambos, aliás, pertencentes à mesma classe social e à mesma etnia. Cuba buscou eliminar as diferenças de classes sociais, mas descobriu conforme discurso de Fidel Castro, que apenas enfrentar os problemas sociais a partir de uma de suas matizes não solucionaria as desigualdades, pois apenas leis não conseguem arrancar preconceitos construídos pela sociedade ao longo do tempo. Sendo as classes niveladas, mas a dominação de um grupo pelo outro ainda existente com base na raça ou no gênero, sugere-se que impedimentos surgiriam para que tais grupos não acendessem ao poder, aos cargos mais altos da nação, mesmo possuindo condições econômicas semelhantes. No caso brasileiro, a especificidade da mistura, da miscigenação, demonstra a necessidade da desconstrução da cor, como fator determinante na estigmatização do negro, pois por trás desta justificação, se escondem motivações econômicas, políticas, históricas e culturais que o marginalizam, como raça, retirando deste uma coesão de grupo étnico. Por conseguinte, produzindo um preconceito contra a própria origem na construção de uma figura menos negra, o moreno, que se aculturado por padrões europeus tem a chance de “evoluir” para o grupo estabelecido e de negar o grupo sem virtudes. 21 Manifesto Racial da Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial. Disponível em: http://lpp- uerj.net/olped/documentos/1745.pdf. Acessado em: dezembro de 2008, p.4. 22 TRATENBERG, Marcelo. A luta contra o racismo no Brasil hoje e o movimento docente. Disponível em: www.nuer.ufsc.br/artigos/a%20luta.html. Acessado em: abril de 2008.
  • 9. A cor, portanto, seria um dos fatores potencialmente utilizados pelo europeu para justificar sua “superioridade”, mas não o único, que se enfrentado virá a solucionar o preconceito com o negro. Se a inteligência não pode ser medida apenas através do Q.I, e as teorias evolucionistas não são capazes de justificar a superioridade de uma raça sobre a outra, a cor também não será capaz de explicar por si só os motivos ensejadores da estigmatização do branco para o negro, escondendo essa, relações intrínsecas de poder. Eis, um dos desafios que nossa sociedade apresenta frente à discussão de ingresso nas Universidades Públicas através de cotas étnicas e não apenas cotas sociais, chamando para a linha de argumentação, quanto à eficácia dessa espécie de política afirmativa, não apenas leis e projetos de Estado a curto e longo prazo, mas também os preconceitos arraigados na sociedade como forma de distanciamento da busca por uma igualdade material concreta.