Este documento descreve a carreira da epidemiologista guineense Amabélia Rodrigues. Começou trabalhando na área da saúde pública na Guiné-Bissau e se juntou ao Projecto de Saúde Bandim em 2000, onde coordena estudos sobre saúde materno-infantil. O texto detalha sua educação e como usa dados para melhorar a saúde das crianças guineenses.
6. Estudo do Projecto de Saúde Bandim sobre o impacto da alteração do calendário de vacinação na sobrevivência das crianças, Ndjassan, 2007 Foto: Joana Barros
7. Amabélia
Rodrigues
/ PROJECTO DE SAÚDE BANDIM, GUINÉ-BISSAU
TEXTO MARISA SERAFIM
Licenciada em Saúde Pública, Amabélia hoje, coordenando vários estudos com foco
Rodrigues iniciou a sua vida profissional principal na saúde materno-infantil.
em 1992 na Direcção-Geral de Higiene e Os dias da cientista guineense são passa-
Epidemiologia do Estado da Guiné-Bissau, dos a analisar dados, a supervisionar estu-
juntando-se em 1996 à equipa da Organiza- dos, a apoiar estudantes de doutoramento
ção Mundial de Saúde, como conselheira e a criar e educar sete filhos e sobrinhos
para a prevenção e controlo de doenças. com idades compreendidas entre os 9 e os
Em 2000 passa a integrar a equipa do Pro- 17 anos.
jecto de Saúde Bandim onde se mantém até
Amabélia nasceu, cresceu e viveu a maior Embora não queira cair em clichés, ad-
parte da sua vida na Guiné-Bissau. Saiu mite que foi estudar medicina por «aquilo
apenas durante uns anos para fazer a li- que lhe permitia fazer pelos outros». Mas
cenciatura em Medicina na Universidade Amabélia Rodrigues pretendia trabalhar
de Donetsk, na antiga União Soviética, em algo mais alargado do que a medicina
hoje Ucrânia. clínica, de «só uma pessoa», queria ter
Sorri quando se lembra da sua infân- uma intervenção que atingisse muitas
cia, da biblioteca do pai e da competição pessoas simultaneamente. E, assim, es-
saudável entre colegas de escola. «Acho que colheu estudar medicina orientada para
provavelmente tive uma infância privile- a saúde pública. Naquela altura não havia
giada.» Filha do chefe da Polícia de Ordem ninguém nessa área na Guiné-Bissau e
Pública, ainda na Guiné-Bissau portuguesa, o governo guineense deu-lhe uma bolsa
e de uma doméstica, Amabélia Rodrigues para estudar na Universidade de Donetsk.
cresceu a aprender que a família vinha antes Aos 19 anos viu-se sozinha num país em
de tudo. «Éramos muito unidos e sempre que quase tudo era diferente do que co-
me transmitiram que a família estava em nhecia e admite que viveu alguns momen-
primeiro lugar.» Recorda com saudade a tos difíceis. A barreira mais complicada
biblioteca do pai, que era um ávido leitor. de transpor foi, sem dúvida, a da língua.
«Ele gostava muito de ler e sempre nos «Apesar de ter estudado russo durante um
incentivou muito, a mim e aos meus ir- ano, quando lá cheguei tive de me esforçar
mãos, a estudarmos.» A atitude do pai muito para compreender alguma coisa.»
deu-lhe a disciplina que a levou muitas Ao contrário do que se possa julgar, o frio
vezes a estar no quadro de honra das esco- da Ucrânia, para alguém habituado ao calor
las que frequentou. «Tentávamos sempre da Guiné-Bissau, foi tolerável e com muito
saber mais, estudar muito e ter boas notas, humor a cientista cita a célebre máxima
sempre a compararmo-nos com os ou- britânica: «Não há mau tempo, há más
tros», diz a rir. roupas.» «Então vestia-me conforme o
8. AMABÉLIA RODRIGUES, EPIDEMIOLOGIA, p61
Foto: Joana Barros
Amabélia Rodrigues, 2007
tempo e o frio foi suportável.» entrei em contacto, pela primeira vez, com
«Embora fosse tudo completamente o Projecto de Saúde Bandim, que já funcio-
diferente, acabei por me habituar.» Até a nava na Guiné-Bissau desde 1978.»
comida, que de início nem conseguia co- Por essa altura o país era assolado por uma
mer, foi aos poucos entrando no seu menu. grave epidemia de cólera e a Organização
«É tudo uma questão de hábito. É muito Mundial de Saúde (OMS) e várias agências
importante sermos flexíveis, tentarmos internacionais delineavam uma série de
compreender e aprender com os novos recomendações básicas que deveriam ser
contextos», defende. adoptadas e aplicadas por vários países.
Em finais de 1992, a terminar o curso e Na altura, a epidemiologista, que podia ter
com 27 anos de idade, decide casar-se e simplesmente optado por cumprir apenas
pouco depois de ter o primeiro filho re- o recomendado, empenha-se em perceber
gressa à Guiné-Bissau. O marido conti- os factores que influenciam a transmissão
nuou na Rússia por mais um ano para da cólera no contexto específico da Guiné-
concluir o curso. Em Bissau, Amabélia é -Bissau. Defende que «se não conhecermos
colocada no departamento nacional de luta bem o que se está a passar não podemos
contra a sida e colabora com a recém-cria- definir uma resposta acertada».
da Direcção-Geral de Higiene e de Epide- Nas reuniões de coordenação da Di-
miologia do Estado. recção-Geral de Higiene e Epidemiologia
«Quando voltei no final de 1992 come- começa a ter encontros mais frequentes
cei a trabalhar na área de epidemiologia com pessoas do Projecto de Saúde Bandim.
e a fazer logo investigação. A procurar.» «Começou-se a discutir a possibilidade
É movida desde o início pela vontade de de fazer um estudo e eles concordaram.»
aprofundar o conhecimento dos factores Embora o Ministério da Saúde não tivesse
epidemiológicos específicos da Guiné- recursos, o Projecto de Saúde Bandim tinha
-Bissau. «Em 1993, comecei a procurar os pessoas e condições para apoiar o trabalho
trabalhos que aqui se faziam sobre a sida e e por isso decidiram avançar.