Laurence Bataille - O Umbigo do Sonho, Por uma Prática da Psicanálise-32-34.pdf
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A ARANHA
Um dia, ele conta que tem medo de aranhas . Como
acontece com freqüência no início da análise, tenta
compreender: a aranha é um animal objetivamente
repugnante; além disso, há uma porção de gente
que tem medo de aranhas . Procura dar-lhe uma
significação: é bem conhecida a idéia de que a ara
nha representa a mãe, ou o sexo feminino . É por
provocar medo e nojo que a aranha representa o
feminino, ou é por simbolizar o feminino que ela
causa medo?
Muitos meses mais tarde, ele sonha que está
montado nos ombros do Papa . O que é que o Papa
vem fazer em seus sonhos (não estamos em 1978)?
Realmente, a única coisa que este sonho lhe evoca
é que ele ocupava, às vezes, esta posição nos ombros
de seu pai quando era pequenino . Além disso, ''pa-.
pa", "papai", soam quase da mesma maneira. Longo
silêncio . . . Quando ele era pequeno, uma frase pas
sava sempre por seus pensamentos, da qual ele não .
conseguia se desfazer: "O Papa está morto, um novo
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2. a aranha 29
papa é chamado a reinar . Aranha . . . "' Completo
mentalmente: "Que nome esquisito para um Papa."
Mas não é disso que se trata . Ele acaba de ser
tomado pelo mesmo medo que teria se o animal
causador da fobia aparecesse . Compreendeu, ao
mesmo tempo, a origem da sua fobia . Mas a histó
ria ainda não diz se esta, no entanto, desapareceu .
Primeira observação: esta origem é, de saída,
um significante; não está ligada a um acontecimento,
mas a uma frase .
Da mesma maneira que o cavalo do pequeno
Hans saía diretamente de um livro no qual estava
representado em frente ao significante cegonha . O
lobo do homem dos lobos saía também de um livro.
Não é sempre assim?
Segunda observação: Eu disse, inicialmente,
que o paciente buscava a significação de sua fobia .
O que ele descobre no fim será uma sigr1ificação?
Em que consiste a diferença? Como chamá-lo?
A significação dada à aranha é valiosa para
"uma porção de gente", está fixada antecipadamen
te e, ainda que vaga, tem um efeito de inibição ima
ginária; nenhuma descoberta pode surgir daí: vejam
a própria forma da pergunta que ela induz no su
jeito, e da qual ele não consegue sair .
Mas é, exatamente, de uma descoberta qU:e se
trata, no final: esta só vale para o paciente, e o sen
tido flui aos borbotões. Mas, �obretudo, ela o coloca
na posição de sujeito da enunciação, frente às ques
tões da ·morte e da procriação . Não é, entretanto,
t No original, há uma homofonia entre os termos à régner (a rei·
nar) e araignée (aranha). (N. da T.)
3. 30 o umbigo do sonho
que o sujeito esteja livre: ''montado sobre os om
bros" de seu procriador, ele não é de modo algum
mestre da situação . O que ele enuncia, enuncia
apesar de si mesmo . Está preso na cadeia signifi
cante tão solidamente quanto na cadeia de gerações
- e de modo igualmente deslizante e substitutivo:
ele também é "papai" quando conta o sonho . A ara
nha representa o sujeito para o Papa morto .
Parece-me que é de sentido que se trata aqui .
O sujeito está aprisionado no sentido, o sentido
único do nascimento à morte . E já que seu nasci
mento implica a morte de seu procriador, não lhe
resta grande coisa para viver. Nada mais insensato
que o sentido da vida .