O documento discute o impacto do uso de inseticidas neonicotinoides nas populações de abelhas no Brasil. Estudos realizados na Unesp mostram que esses produtos químicos estão dizimando as abelhas e prejudicando sua capacidade de orientação, o que pode ter graves consequências para a agricultura dado o papel fundamental das abelhas como polinizadoras. Diante das evidências, o Ibama suspendeu temporariamente o uso desses inseticidas para reavaliar os riscos.
1. ambiente
O sumiço das
abelhas
Estudos feitos na Unesp estão entre os
que motivaram o Ibama a suspender o uso
de um tipo de inseticida nas lavouras do
país. O produto parece estar dizimando as
populações deste inseto polinizador, que
é peça-chave para a segurança alimentar
Martha San Juan França
mfranca@reitoria.unesp.br
C
ercado por laranjais e canaviais, por avião ou trator mata tudo quanto é
o apicultor Sérgio Trevisan en- inseto, não só as pragas”, afirma.
frenta há pelo menos cinco anos Considerados o que há de mais moder-
uma luta inglória. Em 2007, foi o primeiro no em matéria de controle de insetos na
round. “Era abelha morta por todo lado”, agricultura, os neonicotinoides atacam
conta à reportagem de Unesp Ciência. o sistema nervoso desses bichos. Mas o
A causa, ele e os outros apicultores da produto acaba se espalhando pelo ar e se
pequena Tabatinga, cidade da região de depositando nas flores, onde as abelhas
Araraquara, no interior paulista, conhe- coletam o néctar. “Parte delas morre na
cem muito bem: a pulverização aérea porta da colmeia, o restante não dá conta
das lavouras com defensivos agrícolas nem de chegar lá”, conta Trevisan.
conhecidos como neonicotinoides. O apicultor procurou os órgãos sanitá-
“Até entendo que o pessoal tenha ne- rios e ambientais de Tabatinga, mas não
cessidade de usar inseticida, mas eles conseguiu comprovar o motivo da tragé-
precisam saber que o produto pulverizado dia que compromete o seu ganha-pão.
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2. ambiente
diferença
é o ferrão
No apiário do
câmpus de
Rio Claro, a
caixa cor de
laranja (ao
lado) guarda
abelhas
africanizadas
e com ferrão,
que são mais
agressivas;
na caixa azul
(abaixo),
Fotos: Cristiano Burmester
estão abelhas
nativas sem
ferrão, que
costumam
fazer seus
ninhos em
ocos de
árvores
nativas em perigo produção intensiva
As abelhas sem ferrão ou meliponídeos, como a uruçu, estão sendo dizimadas, e uma das causas pode ser o Abelhas melíferas (com ferrão) vivem em colônias permanentes com uma ou duas
uso intensivo dos inseticidas. Embora não sejam grandes produtoras de mel, são excelentes polinizadoras rainhas. Operárias usam cera para construir favos onde armazenam mel e pólen
Em agosto passado, Trevisan foi atrás afirma o pesquisador. Diante das evidên- públicas do Ministério do Meio Ambiente impacto no sistema produtivo.” Em março deste ano, dois artigos pu- As abelhas foram deixadas em liberdade
do biólogo Osmar Malaspina, do Centro cias que se acumulam no interior paulis- voltadas para a proteção de polinizadores, A decisão do Ibama baseou-se em ini- blicados na revista Science por pesquisa- durante seis semanas para que pudessem
de Estudos de Insetos Sociais da Unesp ta e em outros Estados, ele foi chamado o que inclui abelhas, pássaros, borbole- ciativas internacionais e em pesquisas rea- dores ingleses e franceses demonstraram procurar seu alimento em plantações.
em Rio Claro, que estuda a ação desses para assessorar o Ibama. Em julho deste tas, besouros e morcegos que auxiliam lizadas no Brasil, inclusive as da Unesp como a ação dos inseticidas prejudica a Ao final desse período, as colônias que
inseticidas no cérebro das abelhas. Entre ano,o órgão suspendeu temporariamente na reprodução das plantas. É também de Rio Claro. “A maior parte dos produ- capacidade de orientação das abelhas. No haviam sido expostas ao inseticida eram
2008 e 2010, Malaspina pesquisou a per- as aplicações dos neonicotinoides e co- um alerta para a agricultura. Segundo tos aplicados em lavouras de soja, milho, estudo inglês, realizado pela Universidade de 8% a 12% mais leves que aquelas li-
da de 10 mil colmeias de Apis mellifera meçou a reavaliar seu uso nas lavouras a Organização das Nações Unidas para cana ou laranja é altamente tóxica para de Stirling, na Escócia, foram adiciona- vres da substância. A diferença de peso
(abelhas africanizadas, com ferrão), mor- de todo o país. Três representantes dessa Agricultura e Alimentação (FAO), as abe- as abelhas”, afirma Malaspina. “O pro- das pequenas doses do imidacloprido à deve-se, por um lado, ao fato de os insetos
tas por inseticidas na região de Rio Claro. classe de inseticidas estão sob suspeita: lhas são responsáveis por pelo menos 70% blema não é só o princípio ativo, mas a alimentação de 50 colônias de abelhas. terem trazido menos alimento à colmeia
Seus resultados mostraram que em cerca imidacloprido, tiametoxam e clotianidina da polinização das culturas que servem forma de manejo e aplicação.” Segundo Essas quantidades simulavam as que e, por outro, a uma queda no número de
de mil havia vestígios de neonicotinoides. (há ainda um quarto: o fipronil, perten- à alimentação humana. Seu desapareci- ele, às vezes o inseticida é liberado ape- os insetos encontram nas plantações de nascimentos de operárias.
Segundo o pesquisador, casos como cente a outra classe, a dos fenilpirazois). mento levaria a perdas de mais de 200 nas para uso direto na planta, mas os colza daquele país. A outras 25 colônias O resultado mais evidente da pesqui-
o de Tabatinga se repetem em cidades O primeiro a passar por reavaliação será bilhões de dólares por ano. agricultores usam avião. Ou é aplicado foi dada uma dieta livre do inseticida. sa foi a diferença no número de rainhas.
vizinhas como Brotas, Gavião Peixoto, o imidacloprido, o mais comercializado. Segundo Ulisses Antuniassi, pesquisador em doses quatro ou cinco vezes maiores Nas colmeias livres de inseticida foram
Boa Esperança do Sul e Iacanga, onde O objetivo dessa reavaliação é definir da Faculdade de Ciências Agronômicas da do que as indicadas e em épocas do ano encontradas em média 13 rainhas para
há quase dez anos os fazendeiros lutam as medidas que precisam ser adotadas Unesp de Botucatu, no entanto, a medida inadequadas. cada uma, enquanto nas que receberam
contra o “greening”, doença dos laranjais para reduzir os riscos. “Os fabricantes do Ibama foi unilateral e mal recebida pelos alimentação contaminada esse número
cujo vetor é um pequeno inseto contro- devem apresentar informações adicio- agricultores. Antuniassi propôs recentemen- Desorientadas caiu para 1,7. Embora o estudo não escla-
lado com pulverizações aéreas ou feitas nais para podermos rever essa suspen- te uma escala de classificação de técnicas Outros problemas podem estar associa- Segundo a FAO, as abelhas reça a causa desse fenômeno, os autores
diretamente na planta. Outro agravante são”, diz Marisa Zerbetto, coordenadora de aplicação de agrotóxicos para evitar a dos. Se a contaminação é por pulveriza- são responsáveis por pelo sugerem que ela está nos pesticidas, que
foi a proibição da queimada nas planta- de controle ambiental de substâncias e “deriva do produto”, ou seja, sua dissemi- ção aérea, geralmente as abelhas morrem menos 70% da polinização afetaram o sistema nervoso das abelhas e
das culturas que servem
ções de cana. O fogo, que antes afastava produtos perigosos do Ibama. “É preciso nação no ambiente, com a contaminação imediatamente. Em doses menores, elas distorceram sua capacidade de orientação.
à alimentação humana. O
qualquer tipo de praga, foi substituído considerar que a aplicação aérea, mesmo da água, do solo e do ar. “Do ponto de vista não sucumbem de imediato, mas têm pro- desaparecimento desses Esta interpretação coincide com os da-
por agrotóxicos. quando bem feita, exige muita técnica, biológico, existe um problema que deve blemas para se orientar espacialmente. insetos levaria a perdas dos do estudo francês realizado com o
“Não sou contra o uso de inseticidas, sobretudo nos limites da área tratada, para ser enfrentado nesse caso”, explica. “Mas Além disso, podem tornar-se mais vulne- de mais de 200 bilhões de tiametoxam. Pesquisadores do Institu-
mas devemos estabelecer uma política não ocorrer a dispersão na mata nativa.” antes de proibir um determinado ingre- ráveis a vírus que arrasam as colmeias. O dólares por ano, afetando to Nacional de Pesquisa Agrícola (Inra),
adequada para que não causem danos”, A decisão segue diretrizes de políticas diente ativo é necessário um estudo do mel também pode acabar contaminado. diretamente os produtores em Avignon, fixaram chips eletrônicos
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3. ambiente
abelhas sem ferrão, que são menos estu- meiros que para os últimos. abelhas, muito pelo contrário. Lá foi cunha-
dadas. Sob coordenação da FAO, os três O objetivo dos pesquisadores é esta- da, em 2007, a expressão CCD, que em
grupos pretendem também padronizar belecer a dose letal destes inseticidas e português significa “distúrbio de colapso
as metodologias de avaliação, tanto das a partir daí verificar também seus efei- das colônias”, para se referir ao desapa-
abelhas nativas, como da Apis mellifera tos não mortais em abelhas sem ferrão e recimento repentino e sem causa aparen-
para que os resultados dos estudos pos- melíferas. “Verificamos a ação no sistema te de um grande número desses insetos.
sam ser comparados. nervoso e também no sistema digestivo, Algumas possíveis explicações já foram
“As abelhas nativas, como jataí, irapuá, nesse caso quando as abelhas ingerem o apontadas, como o surgimento de vírus,
uruçu, sofrem muito com a destruição do produto”, explica a pós-doutoranda Thaisa problemas de variabilidade genética, falta
ambiente, sem opções de locais para fazer Roat. Ela analisa os danos morfológicos de alimentos adequados, intensidade no
seus ninhos”, afirma o pós-doutorando que comprometem a estrutura do cérebro manejo das colmeias e uso intensivo dos
Andrigo Pereira, especialista em compor- responsável por visão, olfato e processa- inseticidas. Mas nada ficou comprovado.
tamento desses insetos e participante do mento de informações das abelhas e po- No Brasil, o problema também foi diag-
projeto. Ele cita a importância dessas espé- dem explicar a desorientação em campo. nosticado em vários Estados, principal-
cies para a preservação das plantas, dando O mesmo é feito na fase de larva. “As doses mente na Região Sul. Os dados não são
como exemplo a mamangaba. Apesar de de inseticida podem acelerar ou inibir a conclusivos e por isso mesmo pesquisa-
produzir pouco mel, ela é fundamental metamorfose das abelhas”, diz. dores como Malaspina preferem não usar
na polinização de mais de 60 espécies Os dados morfológicos são comparados o termo CCD para se referir ao desapa-
de plantas, entre elas o maracujá, e teve com aqueles obtidos em estudos compor- recimento desses insetos. A dificuldade
o número de indivíduos diminuído signi- tamentais, que avaliam, por exemplo, o maior é comprovar a causa da morte,
ficativamente no sul do Brasil. reflexo da língua para alcançar o alimento uma vez que os apicultores não sabem
e a atividade motora. “Tentamos avaliar como encaminhar as amostras para os
em busca da dose fatal amostra preciosa
Pesquisadores testam o efeito imediato e a longo prazo de diferentes concentrações Osmar Malaspina observa coleção de
Ação no cérebro a dose mínima que começa a alterar o laboratórios. Malaspina sugere que seja
de agentes químicos que alteram o funcionamento do sistema nervoso de insetos abelhas nativas, hoje ameaçadas Segundo a bióloga Roberta Nocelli, da sistema cognitivo das abelhas”, explica feita uma documentação fotográfica das
Universidade Federal de São Carlos (UFS- o colega Andrigo Pereira. colmeias e que os apicultores registrem
Car), associada ao grupo de Rio Claro, o A suspeita de que os neonicotinoides boletim de ocorrência caso queiram en-
ao tórax de 653 abelhas, das quais uma Ministério da Agricultura considera a podem causar mortandade em abelhas em trar na Justiça, quando acreditarem que a
parte recebeu uma dose de inseticida. E toxicidade dos inseticidas para as abe- curto ou longo prazo é antiga. Em 2004, causa pode ser a aplicação de inseticida.
observaram que 43% dos insetos expostos lhas melíferas, mas não há estudos pa- parte dessas substâncias foi proibida na Para entender melhor o fenômeno e a
à substância morreram fora da colmeia, ra outras espécies. “Acreditamos que as França, na Alemanha e na Itália. Nos importância dos insetos polinizadores
supostamente porque se perderam. Entre meliponídeas têm mais dificuldade para Estados Unidos, no entanto, uma petição para a agricultura no Brasil, pesquisa-
as que não receberam o inseticida, 17% degradar esses produtos e por isso são pedindo a suspensão desses produtos, as- dores de 36 instituições científicas, entre
morreram fora da colmeia. mais sensíveis”, afirma. sinada por 25 organizações ambientais e os quais o grupo da Unesp de Rio Claro,
Em comunicado, Michael Henry, pri- Para testar essa hipótese, os pesquisa- de apicultores, foi rejeitada este ano pela apoiados pelo CNPq e pelo Fundo Setorial
meiro autor do estudo francês, afirmou dores da Unesp estão realizando estudos Agência de Proteção Ambiental (EPA, em do Agronegócio, acabaram de lançar o li-
Reflexo da língua
Cotonete embebido em água com açúcar
que os resultados “têm implicações im- morfológicos e comportamentais em labo- inglês), sob a alegação de que são neces- vro Polinizadores no Brasil – contribuição
verifica se inseto consegue se alimentar portantes quando se trata de processos ratório, com aplicação de diferentes doses sários mais dados sobre o assunto. e perspectivas para a biodiversidade, uso
de autorização de inseticidas”. Segundo de produtos que agem no sistema nervoso Isso não quer dizer que os americanos sustentável, conservação e serviços am-
o pesquisador, até agora, a autorização das abelhas, entre eles os neonicotinoides. não estão preocupados com o sumiço das bientais. O livro é o primeiro documento
desses produtos requeria apenas que os No cérebro, essa classe de inseticida em português que aborda o conhecimento
fabricantes demonstrassem que o princípio tem ação semelhante à da nicotina. Ambos sobre polinizadores tanto em áreas natu-
ativo não causa diretamente a morte das estimulam um receptor cerebral que nor- rais como em agroecossistemas.
abelhas nas doses empregadas habitual- malmente é ativado pelo neurotransmis- Segundo os pesquisadores, a perda dos
mente. Mas ignoram-se as consequências sor acetilcolina, tanto em seres humanos insetos se agrava no país com a derrubada
das doses que não matam, mas podem como em insetos. Acontece que, diferen- Atualmente, a autorização das florestas e as queimadas, que afetam
alterar o comportamento das abelhas. temente da nicotina e da acetilcolina, os desses inseticidas requer o desenvolvimento das colônias de abe-
A equipe de Malaspina em Rio Claro, em neonicotinoides ligam-se a esse receptor apenas que os fabricantes lhas nativas, muitas delas ainda desco-
demonstrem que o
associação com pesquisadores do Quênia (chamado colinérgico) de forma irreversível, nhecidas e não adaptadas ao manejo. A
princípio ativo, nas doses
e da Holanda, está realizando estudos pa- provocando uma superestimulação neuro- habituais, não causa morte extinção dessas abelhas pode causar um
ra verificar o efeito de doses subletais de nal. Como a afinidade entre os receptores das abelhas, ignorando a problema ecológico de grandes propor-
raia olímpica
Atividade motora é avaliada pelo tempo que abelhas demoram para atravessar
neonicotinoides e outros inseticidas nas colinérgicos e os neonicotinoides é muito consequência de doses que ções, uma vez que são responsáveis pela
pista; acima à dir., potes com insetos guardados em temperatura adequada abelhas, principalmente das espécies na- maior em insetos do que em humanos, o não matam, mas podem polinização de parte das plantas nativas
tivas ou meliponídeas, conhecidas como produto é muito mais tóxico para os pri- desorientar os insetos de diferentes biomas.
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