1. Sendo Autor
Publicado em 23 de Dezembro de 2014 por Conselho de Coordenação
Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social
Título do artigo: Sendo Autor
Autor: Carlos Alexandre Mendes
Filiação institucional: -
E-mail: carlosmendes.email@gmail.com
Palavras-chave: adversidade, construtivismo, futuro.
Legenda: A onda gigantesca surfada por Garrett McNamara na Nazaré, Portugal.
Fonte: Jornal de Notícias (2013) http://bit.ly/1nciAmj
Se calhar, enganámo-nos apenas na forma nominal. Concebemos a Realidade a partir de um discurso
demasiado infinitivo e, de alguma forma, isso toldou a nossa visão. Abraçámos essa cegueira tateando
assustados como se nos tivessem roubado o tempo e o modo.
2. Reféns e assustados, absortos e paralisados, pendulares na inércia do dia-a-dia.
Parece que nos tiraram a vida quando sentimos que nos tiraram o Futuro dos tempos verbais e a voz ativa dos
diálogos no café.
Esta Crise de que se fala fez adoecer o nosso discurso e com ele a nossa realidade.
Dissecámos os vários pretéritos para tentar entender o Presente. Ganhámos medo a sequer pensar no Futuro.
A salvação poderá estar num sensato Gerúndio e na transitoriedade para que a sua forma nos leva.
O Gerúndio é sábio no modo como nos indica continuidade entre o que faz parte do Passado e o que está sendo
no Presente. O Gerúndio é um sábio moderno na flexibilidade que introduz ao discurso.
Possivelmente, já nada mais será como prevíamos e isso não é o fim dos tempos mas a sua evolução. O Gerúndio
poderá ser a mais parcimoniosa forma de nos pensarmos e de organizarmos discursivamente a nossa vida.
Teremos de nos adaptar às complexidades narrativas que os desafios do Futuro nos trouxerem. A forma como
contarmos a nossa história dirá muito de nós, do nosso legado e daquilo que fomos capazes de projetar para o
nosso Futuro comum.
O Tempo tem testado a nossa flexibilidade e a nossa capacidade para nos adaptarmos à falta de controlo sobre o
Amanhã.
Olhemos os surfistas no meio do mar. [Podemos aprender tanto com eles]
Um surfista e uma prancha são menores no meio de um mar ondulado e, razoavelmente, indomável. A vida dum
surfista deitado numa prancha é tentar antecipar onde nascerá uma onda que possa cavalgar para um brilharete
dedicado às babes no areal. A vida de um surfista é tentar apanhar a melhor onda, da melhor maneira, tentando
tirar o melhor dessa oportunidade sabendo que, logo de seguida, cairá da prancha e a sua odisseia recomeçará
sucessivamente.
Não há a paralisação de um fracasso na queda que vem depois de estar na crista de uma onda. Há apenas a onda
seguinte que ou surfamos ou nos leva num atropelo.
A mais íntima diferença social dos nossos tempos tem que ver, na minha opinião, com a capacidade para lidar
com este pânico induzido pela aridez de conjugar o nosso Futuro. Não temos todos as mesmas ferramentas nem
os mesmos recursos e perante os mesmos sinais tenderemos a fazer variar a nossa resposta.
A Crise não nos levou. É verdade que tínhamos expectativas mas mudaram-se os planos e o tempo não está para
birras. É hora de voltarmos à prancha, de apanhar a próxima onda. E não vale tudo porque os tempos estão
duros. O salve-se quem puder foi que nos trouxe até aqui e este modelo faliu!
Desta vez, para variar, vale a pena pensarmos na arquitetura de uma sociedade nova alimentados por essa
rebeldia de pensar e ter uma opinião alicerçada em princípios e valores. Falaremos em gerúndios com os olhos
postos nessa próxima onda, seja como for, mas será!
De que vale o medo do Futuro? Que orgulho nos trará vingar sem trazer connosco o sucesso de uma
comunidade?
3. Sou pelo desafio intrépido ao Futuro. Sou pelos surfistas que se atiram às ondas. Sou pela autoria da minha
própria vida.
Teremos diferenças nos recursos e ferramentas de que dispomos para lidar com a adversidade e com tudo o que
o Futuro nos trará, mas podemos começar por mudar a construção das nossas falas. Moldar-nos ao gerúndio,
que discretamente, nos vai inclinando para a continuidade, para o Amanhã.
Não subestimemos o poder da Palavra enquanto construtor da realidade nem o nosso engenho para inventar o
Futuro. Quando em meninos víamos a série de desenhos animados “The Jetsons” podíamos assumir que o
Futuro da Humanidade já estaria alinhado e que, a esta hora, viveríamos em cidades suspensas, com carros
voadores e sem necessidade de trabalhar porque sofisticados robots produziriam riqueza para nós. Em vez
disso, o que 2012 nos trouxe foi o Gangnam Style!…
O Futuro não existe, vai existindo [aqui está o gerúndio]. Aquilo que me parece central é que não deixemos de
nos reconhecer como autores da nossa própria história pessoal e colectiva nem que, temporariamente,
tenhamos mais dificuldade em ver o Futuro.
Havemos sempre de ter o oráculo do olhar dos nossos filhos e a Utopia no horizonte, e como diria Eduardo
Galeano, a Utopia serve para isso mesmo, para nos fazer caminhar.
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