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Dei conta de tudo
*O trabalhador rural que mede 1,35 metro, protótipo da geração nanica do Nordeste,
afirma que morrerá como veio ao mundo: nu e com fome*.
No final de novembro, o médico Meraldo Zisman, que pesquisa os problemas da
desnutrição no Nordeste desde 1966, examinou o trabalhador rural Amaro João da
Silva, de 46 anos e 1,35 metro de altura. "Amaro não tem problema endocrinológico
nem genético. É um caso de nanismo nutricional", afirmou Zisman. O professor de
Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco Malaquias Batista Filho fez um
diagnóstico idêntico. "O componente mais significativo que gerou o nanismo de Amaro
é o nutricional." Os resultados confirmam que Amaro, cuja estatura equivale à de uma
criança de 12 anos, é o protótipo da geração nanica que se expande no Nordeste do
Brasil.
Amaro vive em um país bem diferente daquele onde as pessoas têm aparelho de som,
TV e forno de microondas, todo mundo faz pelo menos três refeições por dia e ainda
conta com uma empregada doméstica. Ele não sabe quem é Fernando Collor nem nunca
ouviu falar em Xuxa. Amaro tem treze filhos, não lembra o nome de todos e só com
algum esforço recorda a data em que nasceu, 24 de dezembro de 1944. Morador do
Engenho Bondade, em Amaraji, a 100 quilômetros do Recife, ele trabalha nos canaviais
da Usina Bonfim e sustenta toda a família com um salário de 46.000 cruzeiros. Mora
com a mulher,
<142>
Iraci, de 42 anos, e doze dos seus filhos numa casa de barro batido, com 40 metros
quadrados, sem energia elétrica ou água encanada. Logo na entrada, uma foto da atriz
Brooke Shields, recortada de Jornal, está na parede ao lado de um retrato de Santa
Luzia. "Não sou religioso, mas acredito em Deus e nos santos", diz Amaro. "Eles
protegem a gente das coisas ruins." Um de seus sonhos recentes era comer "um galeto
bem assado". Levado para o Recife, onde foi examinado pelos dois especialistas, Amaro
falou à VEJA durante doze horas sobre o seu mundo e, numa churrascaria, almoçou um
galeto pela segunda vez na vida. Sua entrevista:
Veja -- Por que o senhor cresceu pouco?
Amaro -- É de tanto trabalhar e passar fome. Desde pequeno é assim. Hoje mesmo, já
deu meio-dia e eu estou em pé com um copo de café que tomei às 4 horas da manhã.
Tem dia que a gente não sabe se vai comer ou não. Eu e a mulher damos primeiro a
comida para as crianças. Depois, o que sobrar fica pra nós.
Veja -- Tem algum anão na sua família?
Amaro -- Não. Tem gente pequena, feito eu. Meu tio, irmão do meu pai, também é
baixinho. Eu acho que é por causa da fome braba do povo da roça.
Veja -- O senhor já teve algum problema por ser muito baixo?
Amaro -- Só quando jogava futebol, na mocidade. Eu era goleiro, e, entrava bola por
todo lado.
Veja -- Aqui no engenho existem outras pessoas da sua estatura?
Amaro -- Eu conheço bem uns dez, sem contar meus filhos. Dos treze, cinco não vão
crescer.
Veja -- O que o senhor e sua família comem?
Amaro -- De manhã, só café. No almoço, comemos feijão com muita farinha. E carne
de charque, quando dá. De noite, batata-doce ou macaxeira, que eu planto na minha
rocinha, nos fundos da casa.
Veja -- Como o senhor consegue ter forças para trabalhar?
Amaro -- O jeito é dormir um bocado para não ter fome. Acordo às 4 horas da manhã,
tomo café e saio com a mulher para o trabalho. Depois de duas horas de caminhada, a
gente chega no lugar do serviço. O tempo gasto no canavial depende da época. Se for na
colheita, a gente passa o dia arrancando cana. Na época de plantação, como agora, dá
para voltar para casa ao meio-dia. Aí, depois de tomar uma lapada de cachaça, eu
almoço, tiro um cochilo até 2 horas e passo o resto da tarde cuidando da minha roça.
Quando dá 7 horas da noite, eu vou dormir.
Veja -- Os seus filhos tomam leite?
Amaro -- Os três meninos novinhos tomam, sim. Uma lata tem que dar para o mês
inteiro, então a mulher tem que misturar muita água, para a lata durar o mês todo e
todos os meninos tomarem leite.
Veja -- O senhor come carne?
Amaro -- Como uma vez por ano, quando a mulher compra meio quilo.
Veja -- Quais são os bichos do mato que o senhor caça para comer?
Amaro -- Ah, tem muitos. Lagarto, tatu, quandu, paca, tamanduá, que tem gosto de
cupim, porco-do-mato, teju, jurubará, preá e lontra. Quando a fome aperta muito, a
gente sai pra caçar. Dependendo da sorte, até que encontra uns bichos.
Veja -- O senhor já usou escova de dentes?
Amaro -- Não. Os meus dentes foram arrancados. Eu tenho chapa (dentadura).
Veja -- Como o senhor acomoda toda a família numa casa de 40 metros quadrados?
Amaro -- Num quarto, dormimos eu, a mulher e o filho mais novo, No outro, em duas
camas, dormem os onze restantes, Noeme, a mais velha. é casada e não mora com a
gente.
Veja -- O senhor não poderia aproveitar melhor a roça em que pode plantar e conseguir
melhorar sua renda?
Amaro -- Tudo o que eu planto na roça é para comer. Não dá para produzir mais
porque é muito fraca a terra que a usina empresta para a gente plantar. A terra boa é
para plantar cana.
<143>
Veja -- Como o senhor consegue dinheiro para comprar roupas?
Amaro -- Os pixotinhos andam nus mesmo. Os outros usam as roupas que vão ficando
dos mais velhos. Sapato, ninguém tem. Eu, como gasto roupa no trabalho, tenho duas
calças e três camisas. A gente só compra roupa quando as velhas acabam e não prestam
nem para o lixo.
Veja -- Por que o senhor teve treze filhos?
Amaro -- Filho é pra ter mesmo. Dá muito trabalho, mas é bom. Casei com 21 anos e
foi nascendo quase um menino por ano. É assim mesmo a vida. Gosto do tamanho da
minha família. Os filhos crescem e ajudam a gente. Mas se a família fosse menor
também era bom, porque assim eu não precisava trabalhar tanto.
Veja -- Qual futuro o senhor quer para os seus filhos?
Amaro -- Quero que não faltem roupa e remédio para eles. E que eles cresçam, se
casem por aqui mesmo, trabalhem na cana e na roça, comigo. Mas se algum quiser ir
estudar e trabalhar no Recife, eu deixo.
Veja -- Como o senhor os educa?
Amaro -- Ensino a respeitar os mais velhos, não tocar no que é alheio e não tirar a vida
de ninguém. Às meninas, eu falo que devem casar e tomar conta dos filhos. Digo,
também, que eles precisam aprender a ler, escrever e fazer contas para não ser
explorados.
Veja -- O senhor sabe fazer contas?
Amaro -- Não. Só com dinheiro.
Veja -- Sabe ler e escrever?
Amaro -- Também não. Há quatro anos, a usina botou uma escola para pessoas adultas.
A gente ia de noite, mas durou pouco tempo. A professora casou, foi embora, e a escola
fechou.
Veja -- Quais são as lembranças que o senhor tem de seus pais?
Amaro -- Lembro deles no roçado, plantando macaxeira comigo e meus irmãos. Mas
não lembro muito não. Deus levou eles, acabou-se.
Veja -- Algum de seus irmãos se deu melhor na vida?
Amaro -- Dos seis irmãos, um morreu de tanto tomar cachaça. Todos os outros
trabalham no campo. cortando cana.
Veja -- O que o senhor costuma fazer aos domingos.
Amaro -- Quando não vou trabalhar no roçado, tomo dois copos de cachaça, depois
tomo banho e vou dormir.
Veja -- O senhor já viu televisão?
Amaro -- Uma vez só. Nem lembro do que vi. Foi na Praça de Amaraji. Tinha uma lá,
antigamente. As pessoas ficavam vendo, noite. Mas quebrou e não botaram outra.
Veja -- Tem rádio na sua casa?
Amaro -- Tinha um, mas vivia encostado porque o dinheiro não dava pra comprar
pilhas. Um dia caiu e quebrou. Aí eu dei pra minha filha, de presente de casamento. Se
ela quiser, é só mandar consertar.
Veja -- O que o senhor acha da usina em que trabalha?
Amaro -- Sou explorado por eles. Não somente eu mas todo mundo que é empregado
dos usineiros. Eu trabalho há 23 anos para a Usina Bonfim. E o que eu tenho? Vou
morrer como nasci: nu e com fome.
Veja -- O senhor conhece o Recife?
Amaro -- Só fui uma vez. Ali vi o mar. É muito bonito. Parece uma plantação de
capim. Mas eu não tomei banho porque tive medo daquele mundão de água. Fiquei na
areia tomando cerveja.
Veja -- O senhor já andou de carro alguma vez?
Amaro -- Já. No caminhão de cana da usina, um bocado de vezes. Em carro pequeno,
umas quatro vezes, de *buggy*. Gostei. É macio, a gente não se cansa e chega logo.
Veja -- Essa sua vida não cansa?
Amaro -- Cansa, mas não tem jeito de ser diferente. Cada dia a miséria e o sofrimento
aumentam.
Veja -- E de quem é a culpa?
Amaro -- É desse tal de "Coli" e dos usineiros.
Veja -- O senhor está falando de Fernando Collor?
<144>
Amaro -- Sim.
Veja -- Conhece ele?
Amaro -- Eu sei que ele é usineiro. E do governo também.
Veja -- O senhor sabe qual é a função que ele ocupa no governo?
Amaro -- Sei não.
Veja -- O senhor conhece o Pelé?
Amaro -- Conheço. Ele era um bom jogador. Era goleiro também. Se não tivesse
morrido, ainda estava fazendo muitos gols.
Veja -- O senhor sabe quem é a Xuxa?
Amaro -- Não, nunca ouvi falar.
Veja -- O senhor já ouviu falar em Zélia Cardoso de Mello ou Marcílio Marques
Moreira? (Personagens importantes do governo da época.)
Amaro -- Não.
Veja -- E Miguel Arraes o senhor conhece?
Amaro -- Conheço sim. Esse é gente boa. É político.
Veja -- Em quem o senhor votou na eleição para presidente?
Amaro -- Votei no Lula. E se ele se candidatar, voto nele de novo. Lula é do partido da
gente.
Veja -- Qual partido?
Amaro -- Já esqueci. Mas ele é do nosso lado. Se tivesse ganho, a gente tava recebendo
um salário melhor e as mercadorias não estavam tão caras.
Veja -- O senhor e sua família não se divertem?
Amaro -- Uma vez por ano, no Natal, chegam uns brinquedos em Amaraji. Roda
giratória, cavalinhos, carrossel. Aí eu levo os meninos para brincar lá.
Veja -- O que é o Natal?
Amaro -- É uma festa onde as pessoas brincam. O povo rico dá presente.
Veja -- O senhor vai dar presentes aos seus filhos neste Natal?
Amaro -- Se puder, uma roupinha para os menores.
Veja -- Se o senhor pudesse voltar à juventude, o que faria?
Amaro -- Ia para o Recife ou São Paulo. Começava a estudar e ia tentar emprego no
comércio. Teria uma vida bem diferente desta minha aqui. A roça não tem mais o que
dar.
Veja -- Como o senhor acha que é a vida numa cidade grande?
Amaro -- Acho que não tem tanto sofrimento. As pessoas vivem melhor e andam de
carro. Não falta comida, também, porque tudo o que a gente planta aqui vai pra lá. Tem
escolas para as crianças e emprego.
Veja -- Qual o seu maior sonho?
Amaro -- Queria ter uma casa minha mesmo pra morar. Esta que eu moro é da usina e
os homens podem me botar na rua a hora que quiserem. É só eu reclamar do serviço que
eles me cortam.
Veja -- Em que o senhor acredita?
Amaro -- Em Deus, no padre e nos políticos. Acredito no céu e no inferno e, como sou
um homem honesto, quando morrer minha alma vai para o céu.
Veja -- E como é o céu?
Amaro -- É um lugar grande e bonito onde Deus mora. As almas boas vão pra lá e cada
uma fica no seu cantinho, triste, descansando.
Veja -- As almas ficam tristes por quê?
Amaro -- Porque não podem mais comer, beber nem namorar.
Veja -- O senhor gosta de namorar?
Amaro -- Só com minha nega véia. Quando era moço, eu namorei um bocado. Fui
noivo quatro vezes antes de casar.
Veja -- Por que o senhor acredita em padre e político?
Amaro -- Porque padre só fala o que é direito e político dá tudo o que promete.
Veja -- Tem certeza de que os políticos cumprem as promessas?
Amaro -- Tenho sim. O Quatia, que foi candidato a vereador por Amaraji, prometeu
uma caixa de remédio pra minha mulher e deu.
Veja -- E o senhor deu seu voto a ele?
Amaro -- Dei sim. Ele ganhou.
Veja -- Suas crianças têm problemas de saúde?
<145>
Amaro -- Por causa do sol quente e da poeira, elas têm gripe. Têm também umas crises
de vermes. Quando alguma aparece com a barriga grande, eu levo pro médico da usina
ou da prefeitura de Amaraji. Compro os remédios lá mesmo, se o dinheiro der.
Veja -- Por que as pessoas honestas vão para o céu?
Amaro -- Porque Deus só aceita gente de bem.
Veja -- O senhor já esteve em situação mais difícil do que agora?
Amaro -- Já passei mais aperto. Quando tava no Engenho Pedrosa, em Cortês, eu só
tinha dinheiro para comprar uma quarta (250 gramas) de sardinha e meio quilo de
farinha para passar três dias. Agora, pelo menos, eu tenho um salarinho. É certo, mas a
pulos dá pra ir levando.
Veja -- O senhor sabe o que é dólar?
Amaro -- Dólar é dinheiro.
Veja -- Dinheiro de onde?
Amaro -- Do Brasil.
Veja -- E quanto vale 1 dólar?
Amaro -- É muito dinheiro, sei responder não.
Veja -- Que doenças o senhor tem medo de pegar?
Amaro -- Berculhoso (tuberculose) e anemia no sangue.
Veja -- O senhor já ouviu falar em AIDS?
Amaro -- Nunca.
Veja -- Que tipos de doença o senhor tem?
Amaro -- Tenho poucas. Dor de cabeça, gripe... Também sou meio curto da vista por
causa de uma pancada que levei cortando cana.
Veja -- Como o senhor resume a sua história de vida?
Amaro -- Nasci e me criei aqui. Tenho treze filhos e dei conta de tudinho.
Kaíke Nanne. Revista *Veja*, 18 dez, 1991.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Bullying: entrevista com Rubem Alves
Olá!
Retomando o tema "violência no ambiente escolar", vamos aproveitar a
oportunidade para publicar novamente esta entrevista que a nossa repórter
Mariana Verdelho fez com o educador Rubem Alves na ocasião em que o
programa sobre "Bullying" foi ao ar. Como já faz um tempinho, imaginamos
que muita gente não teve a oportunidade de conferir.
PS: A título de curiosidade, esta foi uma das postagens mais acessadas de
todos os tempos no blog...
Mariana Verdelho: Qual sua opinião sobre a violência no ambiente
escolar?
Rubem Alves: A violência é generalizada. O interessante é que, em todas as
instituições, onde há um grupo com poder absoluto, a violência aparece.
Pode ser partido político, convento, associação de prostitutas... Qualquer
organização, se tiver monopólio, a violência aparece. E no caso das escolas,
não só as crianças sofrem, mas os professores também sofrem muito. Embora
eles não saibam, eles são os culpados involuntariamente. Os professores
estão envolvidos demais naquilo que eles chamam de “grade curricular”.
Aliás, já brinquei que esse termo foi inventado por carcereiro
desempregado... Os professores estão “engradados” naquilo e os alunos
também. Porém, os alunos não têm interesse. Será que um adolescente de 14
anos, da periferia, vai se interessar por análise sintática? O que tem a ver
com a vida dele? Os alunos, quando envolvidos em coisas que fazem sentido
para eles, são extraordinários. Eles querem fazer alguma coisa que dê
sentido, que envolva ação. Ficar sentado na cadeira o dia inteiro é contrário
à psicologia das crianças e dos adolescentes.
MV: Então a escola tem culpa?
RA: Na escola você pensa português. Toca campainha. Pensa matemática.
Toca campainha. Pensa história... Isso é uma violência com cabeça da gente.
A cabeça não funciona assim. Você não pode dizer para cabeça “pense isso,
pense aquilo”. Obrigar a pensar... Imagina um problema de matemática...
Você está lá e aí toca campainha. Você tem que parar de pensar na
matemática e tem que pensar outra coisa. A organização da escola é muito
parecida com organização de fábrica: todas as crianças são iguais, tem
interesses iguais, aprendem as mesmas coisas, no mesmo tempo, mesma
velocidade... Só que aí você vê um problema sério: a integração das crianças.
Não gosto de eufemismos como “portador de deficiência”. Esse negócio de
“portador”... Quer dizer que eu não sou deficiente, a minha deficiência eu
carrego numa bolsinha pendurada no meu dedo? É deficiente mesmo. Aquele
que não tem uma perna, que tem o QI baixo... E você colocar uma criança
com deficiência junto com outras é mesma coisa que colocar um corredor
com uma perna só no meio de outros que tem 2 pernas. Ele não tem jeito de
acompanhar os outros e isso cria um problema sério. Mas a escola não prevê
isso. Quer dizer, a questão de integrar não é só botar lá dentro. A forma que
a escola funciona não é uma forma que possibilita a aprendizagem de uma
criança e de um adolescente deficiente.
MV: Quando você inclui é que surge a gozação?
RA: Surge aquela coisa terrível que é chamada bullying. Não existe expressão
em português para isso. Bullying em inglês é o valentão. Aquele que tem
prazer vendo o sofrimento dos outros. Não é aquela briga normal - porque
briga na escola é normal. O bullying é uma coisa sistemática. Todo dia tem
uma tortura. Pode ser física, como em casos dolorosos que envolvem a vida
das pessoas, ou então a simples caçoada. Os professores são vítimas também.
Para resolver este problema ele precisa ser um professor especial. Não é o
durão, não. É o que desperta admiração dos alunos.
MV: E estes professores estão em falta?
RA: Completamente em falta. Os professores entram em briga com alunos e
não sabem o que fazer. Ontem, eu estava conversando com uma professora
sobre uma experiência que ela está tendo numa escola... Existem professores
que praticamente apanham dos alunos porque faltam-lhes qualidade.
Professor tem que ter qualidade e isto nasce com ele. Não é qualquer um que
pode ser professor. Tem que ter carisma para estabelecer contato com os
alunos.
MV: Onde começa a violência?
RA: Em casa. Há pais e mães que são extremamente violentos. Freud se
preocupava com isso. Qual será o futuro da civilização com essa força da
violência? Ele dizia que as duas grandes forças que movem a civilização são
Eros (amor) e Tanatus (morte). Ele não sabia explicar por que as pessoas se
enamoram com a morte. Por que tem prazer em ver o outro sofrer... Parece
que os animais não têm este prazer. Os animais comem uns aos outros, mas
não pelo prazer. Matam porque precisam para comer. Os seres humanos não
matam para comer. É por prazer. Para afirmar sua potência. Agora, como é
que você vai resolver esse assunto? Eu não sei. Acredito muito na figura dos
professores.
MV: Essa violência na escola é mais recente ou sempre existiu?
RA: Para lhe dizer a verdade, eu não sei como era a violência entre alunos.
Eu sei é que os professores, a escola antiga, eram muito violentos. Eu me
lembro de um tio que descrevia a experiência dele... Os alunos que não
sabiam as respostas, o professor pegava rapé, fazia cheirar e levava para
palmatória. A escola era violenta, alunos eram vítimas, tinham medo. Isso de
prestar atenção no aluno é coisa nova. O que se adotou no passado foi a
violência, a ameaça como artifício pedagógico para os alunos aprenderem
melhor.
MV: Este método não funcionaria mais hoje?
RA: Hoje, professores têm medo dos alunos. Então, não se atrevem a usar
violência. Hoje, não é mais violência com régua, mas com a nota. Professor
tem poder de dar a nota. Eu só sei de uma coisa: retaliação e ameaça não
resolvem.
MV: E como acontece a violência hoje?
RA: Há líderes de vários tipos. Há o do bullying, que congrega o grupo dele,
mas há outros líderes capazes de juntar alunos para fazer coisas. O professor
deve ter sensibilidade para descobrir lideranças e trabalhar com elas
questões importantes. Se der questões, os alunos colaboram. Eu tenho uma
filha adotiva que está com 9 anos de idade. Mas desde os 7 anos, ela se
queixa de um movimento natural das meninas de segregar umas às outras. Há
um jogo permanente entre elas. Algumas são mais charmosas, as outras
querem ficar com elas durante o recreio. Então elas escolhem quais vão ser
as companheiras no recreio e exclui as outras. É um jogo muito perverso e
ninguém precisa ensinar a elas como fazer esse jogo de perversidade. Elas
aprendem não sei como. Só que ela sofre com isso. Um dia ela estava
chorando porque uma das coleguinhas a recusou como companheira na hora
do recreio... O que faz as pessoas serem assim? Não tenho a menor idéia,
está dentro delas. Eu não sei qual é a maldade que existe no coração humano
que faz com que ele tenha prazer em diminuir o outro. Talvez diminuindo
outra pessoa ele tenha a sensação de que é maior...
MV: Como foi a sua experiência na escola?
RA: Sabe, eu sofri demais na escola. Eu fui muito objeto de discriminação
porque eu morava em Minas Gerais e era um caipira. Lá na roça eu nem usava
sapato. Mudei para o RJ e cheguei vendo os cariocas falando chiado e eu
falando com sotaque caipira. Nunca tive um amigo. Nunca fui à casa de
ninguém. Foi uma experiência de solidão total porque era a maneira que eu
tinha de escapar, pois eu era diferente... As crianças não querem ser
diferentes. O adolescente usa a moda, a grife. Todos têm que ser iguais...
Sabe de onde vem a maldade? Na roça a gente aprende. Nos galinheiros,
todos estão numa boa... Mas se você traz um frango novo e põe no galinheiro
ele se torna objeto da bicada dos outros até que se cansem. Aí, ele é
assimilado ao grupo e deixa de ser diferente. Quando vier o próximo, todos
vão bicar, inclusive aquele que foi bicado um dia. Não há sociologia que
explique isso...
MV: Existe falta de limites?
RA: Sim. Os pais não sabem estabelecer limites. Então, as crianças crescem
sem limites. Certa vez, havia um casal com uma criança de uns 7 anos. O
menino chegou e me deu um murro. Eu olhei para o pai e para a mãe
esperando que eles fizessem alguma coisa, mas eles não fizeram nada. Então,
eu me ajoelhei e disse “ah, eu também gosto muito dessa brincadeira de dar
murro. Vamos brincar de dar murro? Você dá um murro aqui em mim e eu
dou um murro aqui em você, pode dar.” Evidentemente, ele não deu (e se
ele me desse é claro que eu não ia fazer nada). Foi um jogo que eu fiz. Mas o
pai tinha que ter dito para o filho alguma coisa, porém não disse. Então, ele
deu permissão para o menino fazer. O que acontece é que essas pessoas
crescem sem sentimento de culpa... Sentimento de culpa é uma praga,
terrível, mas se você não tiver, acaba sendo criminoso. Sentimento de culpa
é se sentir responsável. É a base do sentimento, da moral, e os pais precisam
desenvolver o sentimento saudável de culpa para as crianças desenvolverem
consciência. A consciência é uma gotinha de culpa dentro de mim que diz
assim “você não pode fazer isso. Se você fizer isso, você cria um sofrimento
para outras pessoas”.
MV: Qual deveria ser o papel da escola?
RA: A coisa mais importante na escola - quem disse isso foi Roland Bart – é a
“maternagem”... É assim... A mãe está na sala fazendo alguma coisa,
trabalhando, lendo, fazendo tricô e a criança solta. A criança vem e sai. A
mãe brinca um pouco... O importante é o espaço de liberdade e ausência de
medo criado em torno da mãe. É uma presença que garante que espaço pode
ser explorado porque está protegido. Agora, a escola ensina tanta coisa que
não tem o menor sentido. Por exemplo: eu sei resolver a equação “–
b+acnjhgzigfs”, mas não tenho a menor ideia para que serve... As crianças
sabem para que serve o dígrafo? O menino me escreveu dizendo que a
professora mandou grifar os dígrafos dos meus livros... O que é isso??? Eu não
sei o que é dígrafo! O que eu vou fazer com dígrafo? Quem inventou isso? É
irracional. Por isso que a criança pergunta “por que tenho que aprender
isso?” E a gente não tem resposta... Se a resposta fosse “porque isso vai
ajudar naquilo” a criança entenderia. As escolas precisariam ficar mais
inteligentes. Já falei para os pais que, em vez de dar presente, comprem
uma caixa de ferramentas. Isto é laboratório de física mecânica e a criança
adora mexer!
MV: Os pais mimam os filhos com coisas?
RA: Sim, uma forma de se livrar do filho é mimá-lo. Você dá o objeto...
Internet é importante, mas também pode ser uma forma de se livrar do
filho. A relação do pai, aquela tão boa de ir com filho para cama e contar
história. Não importa a história, mas sim a relação... Hoje, os pais tendem a
terceirizar a educação. Você não faz a coisa, mas paga alguém para fazer.
Você não educa, mas se sente bem porque paga escola cara. Ao fazer isso,
não há mais relação. Há um problema porque os pais não sabem o que é
educação. Acham que educar é fazer passar no vestibular...
MV: O senhor escreveu um livro...
RA: Escrevi um livro sobre a Escola da Ponte em Portugal, uma escola
fantástica. Não tem professor, não tem aula. Uma menina de 9 anos me
mostrou a escola... Lá não tem turma, nem campainha, nem prova, nem
nota. E como eles aprendem? Eles organizam grupos de 6 pessoas em torno de
um tema com ajuda de um professor assessor. Estabelecem um prazo e
depois avaliam o que aprenderam. Escola é oficina, onde as pessoas têm
interesses e fazem pesquisa. O professor tem que ser companheiro de
investigação, ensinar a fazer pesquisa. A escola precisa ser entendida de um
jeito diferente. O professor precisa aceitar que não tem responsabilidade de
dar só a matéria. Ele tem que ser meio pai e mãe do aluno. A
responsabilidade tem que ser na rua também. Ele tem que cuidar do aluno. A
missão é mais do que ensinar, é cuidar dos seus alunos. Os professores
precisam pensar... Dar atenção especial para determinado aluno para ele se
sentir valorizado de alguma maneira... Mas, infelizmente, há uma tendência
humana de se afirmar diminuindo as outras pessoas. Isso acontece demais na
escola e o professor tem que estar de olhos atentos. O professor tem que
proteger o aluno. Os professores não gostam que eu diga isso, mas a escola
tem que estabelecer relações: aprender a fazer, aprender a conviver e
aprender a ser. Conviver é a coisa mais importante na formação do caráter e
na formação da sociedade. Podemos viver com pouco conhecimento, mas não
sem conviver. E a escola é espaço para isto. E os professores, os grandes
mestres neste jogo.
» Entrevista com Gabriel Chalita
Gabriel Chalita
Bullying: a solução é o diálogo e o bom exemplo
O Bullying é um tema que tem sido discutido cada vez mais em escolas do Brasil e do mundo. O
termo compreende vários tipos de agressões entre crianças, jovens e até mesmo entre adultos.
Essas agressões não são apenas físicas, mas também psicológicas, como colocar apelidos, humilhar,
discriminar, isolar, intimidar, fazer sofrer, ofender, aterrorizar, assediar, roubar, dominar.
De acordo com o membro da Academia Paulista de Letras, professor universitário e apresentador do
programa Quarta Viva, na TV Canção Nova, Gabriel Chalita, o bullying é prejudicial porque marca a
vida da pessoa para sempre.
Chalita ainda orienta que, para evitar este mal, é fundamental a participação dos pais, tendo em
vista que, na maioria dos casos, o bulliyng é praticado por crianças e jovens em idade escolar.
Diálogo, orientação e bons exemplos são as dicas do professor para resolver este problema.
cancaonova.com: O que é bullying?
Chalita: A definição mais fácil para bullying é uma agressão à alma, é um ato de covardia que se faz
repetidamente contra uma criança, um adolescente, contra um jovem. Por exemplo, uma criança que sofre
preconceito na sala de aula porque é negra, gorda, é mulher ou homem; um preconceito porque alguém é
estrangeiro ou tem dentes feios, mau hálito ou é pobre. O bullying, às vezes, é até um tipo de "brincadeira",
mas uma brincadeira covarde, pois é sempre o mais forte fazendo com que o mais fraco sofra numa relação de
sala de aula ou profissional.
cancaonova.com: Esta prática é prejudicial às crianças?
Chalita: Ele é prejudicial porque marca a vida da pessoa para sempre. Há muitos casos de jovens, em muitos
países do mundo, que se matam por causa do bullying. É como essas histórias americanas de um jovem que
entra no teatro e mata outros jovens e depois se mata. Isso é um tipo de culminância do bullying. É alguém que
não agüentava mais sofrer, por isso acabou matando outras pessoas e destruindo a própria vida.
cancaonova.com: Quais são os tipos mais comuns?
Chalita: Os tipos mais comuns são as brincadeiras; os pequenos tapas. É um menino que não joga bola muito
bem e todo mundo bate na cabeça dele. O obeso também sofre muito na escola, pois há até uma brincadeira
em que a pessoa [obesa] senta e todos se levantam, como se fosse uma gangorra. Uma fofoca em que os
meninos inventam alguma coisa e todo mundo fica olhando de uma forma estranha para alguém. Esses são os
tipos mais comuns, mas há situações complexas que são os de violência propriamente dita. Hoje, há um tipo de
bullying chamado cyberbullying, ou seja, as pessoas fazem uma filmagem ou, às vezes, uma montagem de
alguma coisa ruim da vida de alguém e coloca na internet. Todos começam a ver cenas, que, muitas vezes, não
são verdadeiras, mas que destroem a imagem de quem foi vitimizada na internet.
cancaonova.com: O que o senhor acha que está faltando na educação de nossas crianças?
Chalita: As famílias não estão cumprindo o papel delas. Se houvesse diálogo nas famílias, se os pais
orientassem os filhos... mais do que isso, se eles dessem bons exemplos a seus filhos isso não aconteceria.
Muitas vezes, as palavras comovem, mas são os exemplos que arrastam, como diz o ditado. Então, se o pai e
mãe têm uma postura correta, digna, nobre, eles ajudam os filhos a ter valores. Pais religiosos que rezam e
conversam juntos ajudam a acabar com o bullying tanto do agressor quanto da vítima. O problema da vítima do
bullying ocorre quando ela não conta o que está acontecendo, porque tem medo dos pais; não tem diálogo em
casa. Então, é algo que precisa acontecer dos dois lados: a pessoa não agride, porque aprende em casa que não
deve agredir; e o outro não é uma vítima calada que sofre sozinha, porque pode contar com a amizade dos pais.
cancaonova.com: Essa prática pode marcar a vítima durante toda a vida?
Chalita: Sim, por isso é importante que os pais percebam as reações de seus filhos. Observar se o filho gostava
de ir à escola, mas já não gosta mais; se a filha, que era muito participativa, agora fica quieta, tímida. Se o filho
está escondendo alguma coisa, isso quer dizer que algo estranho está acontecendo na vida deles. Para termos
uma idéia do elemento assustador que é o bullying, hoje, há um relato, nos países que fizeram uma pesquisa
sobre este assunto, de que 40% das crianças, em idade escolar, sofrem desse mal. Quase metade da população
escolar passa por isso. Daí a importância do tema e dos pais estarem bem preocupados em como orientar seus
filhos para que eles não sofram as conseqüências do bullying.
cancaonova.com: Uma criança que pratica o bullying na infância pode se tornar um adulto agressivo
e violento?
Chalita: Uma criança que sofre de bullying ou o pratica aprende a bater. Fiz uma pesquisa sobre esse assunto e
muita gente respondeu que era um agressor do bullying. E como eles começaram a ser agressores? Há um caso
em que o filho chegou para o pai, em casa, e disse que apanhou na escola. Daí, este pai deu uma surra nele
para ele aprender a ser homem, porque homem não apanha. A partir disso, a criança começou a bater nos
colegas, na escola, para contar ao pai que, agora, ele batia e não apanhava mais. Então, veja como o mau
exemplo destrói a pessoa para a vida toda. Ele chegou a ser preso por agressão, lesão corporal dolosa, quase foi
condenado por tentativa de homicídio por causa de uma coisa que aprendeu na infância. Temos que tomar
cuidado, porque a criança é como uma esponja. Se você coloca uma esponja numa água limpa, ela vai sugar
coisas boas e limpas; mas, numa água suja, ela vai sugar sujeira.
cancaonova.com: Você acredita que a maioria das pessoas foram influenciadas pelo bullying?
Chalita: Sim, porém não conhecíamos muito sobre isso. Parece que é normal, mas ele começou a ser estudado
na década de 70 na Noruega. No Brasil, faz cinco que se estuda bullying. Há muitas pessoas que são tímidas e
não conseguem falar em público, porque têm medo de se expor. As pessoas têm sérios problemas por causa de
coisas que sofreram na escola. Eu acho que as vítimas de bullying precisam se libertar disso. Nós devemos
prevenir para que outras pessoas não sofram a mesma coisa. Educação, já dizia Dom Bosco, é a arte do
coração. Se educarmos com amor, não existirá bullying nem preconceito; não existirá discriminação, maldade.
Quem ama cuida; quem ama prepara alguém para a vida.
http://www.cancaonova.com/portal/canais/entrevista/entrevistas.php?id=929

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Entrevistas

  • 1. Dei conta de tudo *O trabalhador rural que mede 1,35 metro, protótipo da geração nanica do Nordeste, afirma que morrerá como veio ao mundo: nu e com fome*. No final de novembro, o médico Meraldo Zisman, que pesquisa os problemas da desnutrição no Nordeste desde 1966, examinou o trabalhador rural Amaro João da Silva, de 46 anos e 1,35 metro de altura. "Amaro não tem problema endocrinológico nem genético. É um caso de nanismo nutricional", afirmou Zisman. O professor de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco Malaquias Batista Filho fez um diagnóstico idêntico. "O componente mais significativo que gerou o nanismo de Amaro é o nutricional." Os resultados confirmam que Amaro, cuja estatura equivale à de uma criança de 12 anos, é o protótipo da geração nanica que se expande no Nordeste do Brasil. Amaro vive em um país bem diferente daquele onde as pessoas têm aparelho de som, TV e forno de microondas, todo mundo faz pelo menos três refeições por dia e ainda conta com uma empregada doméstica. Ele não sabe quem é Fernando Collor nem nunca ouviu falar em Xuxa. Amaro tem treze filhos, não lembra o nome de todos e só com algum esforço recorda a data em que nasceu, 24 de dezembro de 1944. Morador do Engenho Bondade, em Amaraji, a 100 quilômetros do Recife, ele trabalha nos canaviais da Usina Bonfim e sustenta toda a família com um salário de 46.000 cruzeiros. Mora com a mulher, <142> Iraci, de 42 anos, e doze dos seus filhos numa casa de barro batido, com 40 metros quadrados, sem energia elétrica ou água encanada. Logo na entrada, uma foto da atriz Brooke Shields, recortada de Jornal, está na parede ao lado de um retrato de Santa Luzia. "Não sou religioso, mas acredito em Deus e nos santos", diz Amaro. "Eles protegem a gente das coisas ruins." Um de seus sonhos recentes era comer "um galeto bem assado". Levado para o Recife, onde foi examinado pelos dois especialistas, Amaro falou à VEJA durante doze horas sobre o seu mundo e, numa churrascaria, almoçou um galeto pela segunda vez na vida. Sua entrevista: Veja -- Por que o senhor cresceu pouco? Amaro -- É de tanto trabalhar e passar fome. Desde pequeno é assim. Hoje mesmo, já deu meio-dia e eu estou em pé com um copo de café que tomei às 4 horas da manhã. Tem dia que a gente não sabe se vai comer ou não. Eu e a mulher damos primeiro a comida para as crianças. Depois, o que sobrar fica pra nós. Veja -- Tem algum anão na sua família? Amaro -- Não. Tem gente pequena, feito eu. Meu tio, irmão do meu pai, também é baixinho. Eu acho que é por causa da fome braba do povo da roça. Veja -- O senhor já teve algum problema por ser muito baixo? Amaro -- Só quando jogava futebol, na mocidade. Eu era goleiro, e, entrava bola por todo lado. Veja -- Aqui no engenho existem outras pessoas da sua estatura? Amaro -- Eu conheço bem uns dez, sem contar meus filhos. Dos treze, cinco não vão crescer. Veja -- O que o senhor e sua família comem? Amaro -- De manhã, só café. No almoço, comemos feijão com muita farinha. E carne de charque, quando dá. De noite, batata-doce ou macaxeira, que eu planto na minha rocinha, nos fundos da casa.
  • 2. Veja -- Como o senhor consegue ter forças para trabalhar? Amaro -- O jeito é dormir um bocado para não ter fome. Acordo às 4 horas da manhã, tomo café e saio com a mulher para o trabalho. Depois de duas horas de caminhada, a gente chega no lugar do serviço. O tempo gasto no canavial depende da época. Se for na colheita, a gente passa o dia arrancando cana. Na época de plantação, como agora, dá para voltar para casa ao meio-dia. Aí, depois de tomar uma lapada de cachaça, eu almoço, tiro um cochilo até 2 horas e passo o resto da tarde cuidando da minha roça. Quando dá 7 horas da noite, eu vou dormir. Veja -- Os seus filhos tomam leite? Amaro -- Os três meninos novinhos tomam, sim. Uma lata tem que dar para o mês inteiro, então a mulher tem que misturar muita água, para a lata durar o mês todo e todos os meninos tomarem leite. Veja -- O senhor come carne? Amaro -- Como uma vez por ano, quando a mulher compra meio quilo. Veja -- Quais são os bichos do mato que o senhor caça para comer? Amaro -- Ah, tem muitos. Lagarto, tatu, quandu, paca, tamanduá, que tem gosto de cupim, porco-do-mato, teju, jurubará, preá e lontra. Quando a fome aperta muito, a gente sai pra caçar. Dependendo da sorte, até que encontra uns bichos. Veja -- O senhor já usou escova de dentes? Amaro -- Não. Os meus dentes foram arrancados. Eu tenho chapa (dentadura). Veja -- Como o senhor acomoda toda a família numa casa de 40 metros quadrados? Amaro -- Num quarto, dormimos eu, a mulher e o filho mais novo, No outro, em duas camas, dormem os onze restantes, Noeme, a mais velha. é casada e não mora com a gente. Veja -- O senhor não poderia aproveitar melhor a roça em que pode plantar e conseguir melhorar sua renda? Amaro -- Tudo o que eu planto na roça é para comer. Não dá para produzir mais porque é muito fraca a terra que a usina empresta para a gente plantar. A terra boa é para plantar cana. <143> Veja -- Como o senhor consegue dinheiro para comprar roupas? Amaro -- Os pixotinhos andam nus mesmo. Os outros usam as roupas que vão ficando dos mais velhos. Sapato, ninguém tem. Eu, como gasto roupa no trabalho, tenho duas calças e três camisas. A gente só compra roupa quando as velhas acabam e não prestam nem para o lixo. Veja -- Por que o senhor teve treze filhos? Amaro -- Filho é pra ter mesmo. Dá muito trabalho, mas é bom. Casei com 21 anos e foi nascendo quase um menino por ano. É assim mesmo a vida. Gosto do tamanho da minha família. Os filhos crescem e ajudam a gente. Mas se a família fosse menor também era bom, porque assim eu não precisava trabalhar tanto. Veja -- Qual futuro o senhor quer para os seus filhos? Amaro -- Quero que não faltem roupa e remédio para eles. E que eles cresçam, se casem por aqui mesmo, trabalhem na cana e na roça, comigo. Mas se algum quiser ir estudar e trabalhar no Recife, eu deixo. Veja -- Como o senhor os educa? Amaro -- Ensino a respeitar os mais velhos, não tocar no que é alheio e não tirar a vida de ninguém. Às meninas, eu falo que devem casar e tomar conta dos filhos. Digo, também, que eles precisam aprender a ler, escrever e fazer contas para não ser explorados. Veja -- O senhor sabe fazer contas?
  • 3. Amaro -- Não. Só com dinheiro. Veja -- Sabe ler e escrever? Amaro -- Também não. Há quatro anos, a usina botou uma escola para pessoas adultas. A gente ia de noite, mas durou pouco tempo. A professora casou, foi embora, e a escola fechou. Veja -- Quais são as lembranças que o senhor tem de seus pais? Amaro -- Lembro deles no roçado, plantando macaxeira comigo e meus irmãos. Mas não lembro muito não. Deus levou eles, acabou-se. Veja -- Algum de seus irmãos se deu melhor na vida? Amaro -- Dos seis irmãos, um morreu de tanto tomar cachaça. Todos os outros trabalham no campo. cortando cana. Veja -- O que o senhor costuma fazer aos domingos. Amaro -- Quando não vou trabalhar no roçado, tomo dois copos de cachaça, depois tomo banho e vou dormir. Veja -- O senhor já viu televisão? Amaro -- Uma vez só. Nem lembro do que vi. Foi na Praça de Amaraji. Tinha uma lá, antigamente. As pessoas ficavam vendo, noite. Mas quebrou e não botaram outra. Veja -- Tem rádio na sua casa? Amaro -- Tinha um, mas vivia encostado porque o dinheiro não dava pra comprar pilhas. Um dia caiu e quebrou. Aí eu dei pra minha filha, de presente de casamento. Se ela quiser, é só mandar consertar. Veja -- O que o senhor acha da usina em que trabalha? Amaro -- Sou explorado por eles. Não somente eu mas todo mundo que é empregado dos usineiros. Eu trabalho há 23 anos para a Usina Bonfim. E o que eu tenho? Vou morrer como nasci: nu e com fome. Veja -- O senhor conhece o Recife? Amaro -- Só fui uma vez. Ali vi o mar. É muito bonito. Parece uma plantação de capim. Mas eu não tomei banho porque tive medo daquele mundão de água. Fiquei na areia tomando cerveja. Veja -- O senhor já andou de carro alguma vez? Amaro -- Já. No caminhão de cana da usina, um bocado de vezes. Em carro pequeno, umas quatro vezes, de *buggy*. Gostei. É macio, a gente não se cansa e chega logo. Veja -- Essa sua vida não cansa? Amaro -- Cansa, mas não tem jeito de ser diferente. Cada dia a miséria e o sofrimento aumentam. Veja -- E de quem é a culpa? Amaro -- É desse tal de "Coli" e dos usineiros. Veja -- O senhor está falando de Fernando Collor? <144> Amaro -- Sim. Veja -- Conhece ele? Amaro -- Eu sei que ele é usineiro. E do governo também. Veja -- O senhor sabe qual é a função que ele ocupa no governo? Amaro -- Sei não. Veja -- O senhor conhece o Pelé? Amaro -- Conheço. Ele era um bom jogador. Era goleiro também. Se não tivesse morrido, ainda estava fazendo muitos gols. Veja -- O senhor sabe quem é a Xuxa? Amaro -- Não, nunca ouvi falar.
  • 4. Veja -- O senhor já ouviu falar em Zélia Cardoso de Mello ou Marcílio Marques Moreira? (Personagens importantes do governo da época.) Amaro -- Não. Veja -- E Miguel Arraes o senhor conhece? Amaro -- Conheço sim. Esse é gente boa. É político. Veja -- Em quem o senhor votou na eleição para presidente? Amaro -- Votei no Lula. E se ele se candidatar, voto nele de novo. Lula é do partido da gente. Veja -- Qual partido? Amaro -- Já esqueci. Mas ele é do nosso lado. Se tivesse ganho, a gente tava recebendo um salário melhor e as mercadorias não estavam tão caras. Veja -- O senhor e sua família não se divertem? Amaro -- Uma vez por ano, no Natal, chegam uns brinquedos em Amaraji. Roda giratória, cavalinhos, carrossel. Aí eu levo os meninos para brincar lá. Veja -- O que é o Natal? Amaro -- É uma festa onde as pessoas brincam. O povo rico dá presente. Veja -- O senhor vai dar presentes aos seus filhos neste Natal? Amaro -- Se puder, uma roupinha para os menores. Veja -- Se o senhor pudesse voltar à juventude, o que faria? Amaro -- Ia para o Recife ou São Paulo. Começava a estudar e ia tentar emprego no comércio. Teria uma vida bem diferente desta minha aqui. A roça não tem mais o que dar. Veja -- Como o senhor acha que é a vida numa cidade grande? Amaro -- Acho que não tem tanto sofrimento. As pessoas vivem melhor e andam de carro. Não falta comida, também, porque tudo o que a gente planta aqui vai pra lá. Tem escolas para as crianças e emprego. Veja -- Qual o seu maior sonho? Amaro -- Queria ter uma casa minha mesmo pra morar. Esta que eu moro é da usina e os homens podem me botar na rua a hora que quiserem. É só eu reclamar do serviço que eles me cortam. Veja -- Em que o senhor acredita? Amaro -- Em Deus, no padre e nos políticos. Acredito no céu e no inferno e, como sou um homem honesto, quando morrer minha alma vai para o céu. Veja -- E como é o céu? Amaro -- É um lugar grande e bonito onde Deus mora. As almas boas vão pra lá e cada uma fica no seu cantinho, triste, descansando. Veja -- As almas ficam tristes por quê? Amaro -- Porque não podem mais comer, beber nem namorar. Veja -- O senhor gosta de namorar? Amaro -- Só com minha nega véia. Quando era moço, eu namorei um bocado. Fui noivo quatro vezes antes de casar. Veja -- Por que o senhor acredita em padre e político? Amaro -- Porque padre só fala o que é direito e político dá tudo o que promete. Veja -- Tem certeza de que os políticos cumprem as promessas? Amaro -- Tenho sim. O Quatia, que foi candidato a vereador por Amaraji, prometeu uma caixa de remédio pra minha mulher e deu. Veja -- E o senhor deu seu voto a ele? Amaro -- Dei sim. Ele ganhou. Veja -- Suas crianças têm problemas de saúde? <145>
  • 5. Amaro -- Por causa do sol quente e da poeira, elas têm gripe. Têm também umas crises de vermes. Quando alguma aparece com a barriga grande, eu levo pro médico da usina ou da prefeitura de Amaraji. Compro os remédios lá mesmo, se o dinheiro der. Veja -- Por que as pessoas honestas vão para o céu? Amaro -- Porque Deus só aceita gente de bem. Veja -- O senhor já esteve em situação mais difícil do que agora? Amaro -- Já passei mais aperto. Quando tava no Engenho Pedrosa, em Cortês, eu só tinha dinheiro para comprar uma quarta (250 gramas) de sardinha e meio quilo de farinha para passar três dias. Agora, pelo menos, eu tenho um salarinho. É certo, mas a pulos dá pra ir levando. Veja -- O senhor sabe o que é dólar? Amaro -- Dólar é dinheiro. Veja -- Dinheiro de onde? Amaro -- Do Brasil. Veja -- E quanto vale 1 dólar? Amaro -- É muito dinheiro, sei responder não. Veja -- Que doenças o senhor tem medo de pegar? Amaro -- Berculhoso (tuberculose) e anemia no sangue. Veja -- O senhor já ouviu falar em AIDS? Amaro -- Nunca. Veja -- Que tipos de doença o senhor tem? Amaro -- Tenho poucas. Dor de cabeça, gripe... Também sou meio curto da vista por causa de uma pancada que levei cortando cana. Veja -- Como o senhor resume a sua história de vida? Amaro -- Nasci e me criei aqui. Tenho treze filhos e dei conta de tudinho. Kaíke Nanne. Revista *Veja*, 18 dez, 1991.
  • 6. quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012 Bullying: entrevista com Rubem Alves Olá! Retomando o tema "violência no ambiente escolar", vamos aproveitar a oportunidade para publicar novamente esta entrevista que a nossa repórter Mariana Verdelho fez com o educador Rubem Alves na ocasião em que o programa sobre "Bullying" foi ao ar. Como já faz um tempinho, imaginamos que muita gente não teve a oportunidade de conferir. PS: A título de curiosidade, esta foi uma das postagens mais acessadas de todos os tempos no blog... Mariana Verdelho: Qual sua opinião sobre a violência no ambiente escolar? Rubem Alves: A violência é generalizada. O interessante é que, em todas as instituições, onde há um grupo com poder absoluto, a violência aparece. Pode ser partido político, convento, associação de prostitutas... Qualquer organização, se tiver monopólio, a violência aparece. E no caso das escolas, não só as crianças sofrem, mas os professores também sofrem muito. Embora eles não saibam, eles são os culpados involuntariamente. Os professores estão envolvidos demais naquilo que eles chamam de “grade curricular”. Aliás, já brinquei que esse termo foi inventado por carcereiro desempregado... Os professores estão “engradados” naquilo e os alunos também. Porém, os alunos não têm interesse. Será que um adolescente de 14 anos, da periferia, vai se interessar por análise sintática? O que tem a ver com a vida dele? Os alunos, quando envolvidos em coisas que fazem sentido para eles, são extraordinários. Eles querem fazer alguma coisa que dê sentido, que envolva ação. Ficar sentado na cadeira o dia inteiro é contrário à psicologia das crianças e dos adolescentes. MV: Então a escola tem culpa? RA: Na escola você pensa português. Toca campainha. Pensa matemática. Toca campainha. Pensa história... Isso é uma violência com cabeça da gente. A cabeça não funciona assim. Você não pode dizer para cabeça “pense isso, pense aquilo”. Obrigar a pensar... Imagina um problema de matemática... Você está lá e aí toca campainha. Você tem que parar de pensar na matemática e tem que pensar outra coisa. A organização da escola é muito parecida com organização de fábrica: todas as crianças são iguais, tem interesses iguais, aprendem as mesmas coisas, no mesmo tempo, mesma velocidade... Só que aí você vê um problema sério: a integração das crianças. Não gosto de eufemismos como “portador de deficiência”. Esse negócio de “portador”... Quer dizer que eu não sou deficiente, a minha deficiência eu carrego numa bolsinha pendurada no meu dedo? É deficiente mesmo. Aquele
  • 7. que não tem uma perna, que tem o QI baixo... E você colocar uma criança com deficiência junto com outras é mesma coisa que colocar um corredor com uma perna só no meio de outros que tem 2 pernas. Ele não tem jeito de acompanhar os outros e isso cria um problema sério. Mas a escola não prevê isso. Quer dizer, a questão de integrar não é só botar lá dentro. A forma que a escola funciona não é uma forma que possibilita a aprendizagem de uma criança e de um adolescente deficiente. MV: Quando você inclui é que surge a gozação? RA: Surge aquela coisa terrível que é chamada bullying. Não existe expressão em português para isso. Bullying em inglês é o valentão. Aquele que tem prazer vendo o sofrimento dos outros. Não é aquela briga normal - porque briga na escola é normal. O bullying é uma coisa sistemática. Todo dia tem uma tortura. Pode ser física, como em casos dolorosos que envolvem a vida das pessoas, ou então a simples caçoada. Os professores são vítimas também. Para resolver este problema ele precisa ser um professor especial. Não é o durão, não. É o que desperta admiração dos alunos. MV: E estes professores estão em falta? RA: Completamente em falta. Os professores entram em briga com alunos e não sabem o que fazer. Ontem, eu estava conversando com uma professora sobre uma experiência que ela está tendo numa escola... Existem professores que praticamente apanham dos alunos porque faltam-lhes qualidade. Professor tem que ter qualidade e isto nasce com ele. Não é qualquer um que pode ser professor. Tem que ter carisma para estabelecer contato com os alunos. MV: Onde começa a violência? RA: Em casa. Há pais e mães que são extremamente violentos. Freud se preocupava com isso. Qual será o futuro da civilização com essa força da violência? Ele dizia que as duas grandes forças que movem a civilização são Eros (amor) e Tanatus (morte). Ele não sabia explicar por que as pessoas se enamoram com a morte. Por que tem prazer em ver o outro sofrer... Parece que os animais não têm este prazer. Os animais comem uns aos outros, mas não pelo prazer. Matam porque precisam para comer. Os seres humanos não matam para comer. É por prazer. Para afirmar sua potência. Agora, como é que você vai resolver esse assunto? Eu não sei. Acredito muito na figura dos professores. MV: Essa violência na escola é mais recente ou sempre existiu? RA: Para lhe dizer a verdade, eu não sei como era a violência entre alunos. Eu sei é que os professores, a escola antiga, eram muito violentos. Eu me lembro de um tio que descrevia a experiência dele... Os alunos que não sabiam as respostas, o professor pegava rapé, fazia cheirar e levava para palmatória. A escola era violenta, alunos eram vítimas, tinham medo. Isso de prestar atenção no aluno é coisa nova. O que se adotou no passado foi a violência, a ameaça como artifício pedagógico para os alunos aprenderem melhor. MV: Este método não funcionaria mais hoje? RA: Hoje, professores têm medo dos alunos. Então, não se atrevem a usar violência. Hoje, não é mais violência com régua, mas com a nota. Professor tem poder de dar a nota. Eu só sei de uma coisa: retaliação e ameaça não resolvem. MV: E como acontece a violência hoje?
  • 8. RA: Há líderes de vários tipos. Há o do bullying, que congrega o grupo dele, mas há outros líderes capazes de juntar alunos para fazer coisas. O professor deve ter sensibilidade para descobrir lideranças e trabalhar com elas questões importantes. Se der questões, os alunos colaboram. Eu tenho uma filha adotiva que está com 9 anos de idade. Mas desde os 7 anos, ela se queixa de um movimento natural das meninas de segregar umas às outras. Há um jogo permanente entre elas. Algumas são mais charmosas, as outras querem ficar com elas durante o recreio. Então elas escolhem quais vão ser as companheiras no recreio e exclui as outras. É um jogo muito perverso e ninguém precisa ensinar a elas como fazer esse jogo de perversidade. Elas aprendem não sei como. Só que ela sofre com isso. Um dia ela estava chorando porque uma das coleguinhas a recusou como companheira na hora do recreio... O que faz as pessoas serem assim? Não tenho a menor idéia, está dentro delas. Eu não sei qual é a maldade que existe no coração humano que faz com que ele tenha prazer em diminuir o outro. Talvez diminuindo outra pessoa ele tenha a sensação de que é maior... MV: Como foi a sua experiência na escola? RA: Sabe, eu sofri demais na escola. Eu fui muito objeto de discriminação porque eu morava em Minas Gerais e era um caipira. Lá na roça eu nem usava sapato. Mudei para o RJ e cheguei vendo os cariocas falando chiado e eu falando com sotaque caipira. Nunca tive um amigo. Nunca fui à casa de ninguém. Foi uma experiência de solidão total porque era a maneira que eu tinha de escapar, pois eu era diferente... As crianças não querem ser diferentes. O adolescente usa a moda, a grife. Todos têm que ser iguais... Sabe de onde vem a maldade? Na roça a gente aprende. Nos galinheiros, todos estão numa boa... Mas se você traz um frango novo e põe no galinheiro ele se torna objeto da bicada dos outros até que se cansem. Aí, ele é assimilado ao grupo e deixa de ser diferente. Quando vier o próximo, todos vão bicar, inclusive aquele que foi bicado um dia. Não há sociologia que explique isso... MV: Existe falta de limites? RA: Sim. Os pais não sabem estabelecer limites. Então, as crianças crescem sem limites. Certa vez, havia um casal com uma criança de uns 7 anos. O menino chegou e me deu um murro. Eu olhei para o pai e para a mãe esperando que eles fizessem alguma coisa, mas eles não fizeram nada. Então, eu me ajoelhei e disse “ah, eu também gosto muito dessa brincadeira de dar murro. Vamos brincar de dar murro? Você dá um murro aqui em mim e eu dou um murro aqui em você, pode dar.” Evidentemente, ele não deu (e se ele me desse é claro que eu não ia fazer nada). Foi um jogo que eu fiz. Mas o pai tinha que ter dito para o filho alguma coisa, porém não disse. Então, ele deu permissão para o menino fazer. O que acontece é que essas pessoas crescem sem sentimento de culpa... Sentimento de culpa é uma praga, terrível, mas se você não tiver, acaba sendo criminoso. Sentimento de culpa é se sentir responsável. É a base do sentimento, da moral, e os pais precisam desenvolver o sentimento saudável de culpa para as crianças desenvolverem consciência. A consciência é uma gotinha de culpa dentro de mim que diz assim “você não pode fazer isso. Se você fizer isso, você cria um sofrimento para outras pessoas”. MV: Qual deveria ser o papel da escola?
  • 9. RA: A coisa mais importante na escola - quem disse isso foi Roland Bart – é a “maternagem”... É assim... A mãe está na sala fazendo alguma coisa, trabalhando, lendo, fazendo tricô e a criança solta. A criança vem e sai. A mãe brinca um pouco... O importante é o espaço de liberdade e ausência de medo criado em torno da mãe. É uma presença que garante que espaço pode ser explorado porque está protegido. Agora, a escola ensina tanta coisa que não tem o menor sentido. Por exemplo: eu sei resolver a equação “– b+acnjhgzigfs”, mas não tenho a menor ideia para que serve... As crianças sabem para que serve o dígrafo? O menino me escreveu dizendo que a professora mandou grifar os dígrafos dos meus livros... O que é isso??? Eu não sei o que é dígrafo! O que eu vou fazer com dígrafo? Quem inventou isso? É irracional. Por isso que a criança pergunta “por que tenho que aprender isso?” E a gente não tem resposta... Se a resposta fosse “porque isso vai ajudar naquilo” a criança entenderia. As escolas precisariam ficar mais inteligentes. Já falei para os pais que, em vez de dar presente, comprem uma caixa de ferramentas. Isto é laboratório de física mecânica e a criança adora mexer! MV: Os pais mimam os filhos com coisas? RA: Sim, uma forma de se livrar do filho é mimá-lo. Você dá o objeto... Internet é importante, mas também pode ser uma forma de se livrar do filho. A relação do pai, aquela tão boa de ir com filho para cama e contar história. Não importa a história, mas sim a relação... Hoje, os pais tendem a terceirizar a educação. Você não faz a coisa, mas paga alguém para fazer. Você não educa, mas se sente bem porque paga escola cara. Ao fazer isso, não há mais relação. Há um problema porque os pais não sabem o que é educação. Acham que educar é fazer passar no vestibular... MV: O senhor escreveu um livro... RA: Escrevi um livro sobre a Escola da Ponte em Portugal, uma escola fantástica. Não tem professor, não tem aula. Uma menina de 9 anos me mostrou a escola... Lá não tem turma, nem campainha, nem prova, nem nota. E como eles aprendem? Eles organizam grupos de 6 pessoas em torno de um tema com ajuda de um professor assessor. Estabelecem um prazo e depois avaliam o que aprenderam. Escola é oficina, onde as pessoas têm interesses e fazem pesquisa. O professor tem que ser companheiro de investigação, ensinar a fazer pesquisa. A escola precisa ser entendida de um jeito diferente. O professor precisa aceitar que não tem responsabilidade de dar só a matéria. Ele tem que ser meio pai e mãe do aluno. A responsabilidade tem que ser na rua também. Ele tem que cuidar do aluno. A missão é mais do que ensinar, é cuidar dos seus alunos. Os professores precisam pensar... Dar atenção especial para determinado aluno para ele se sentir valorizado de alguma maneira... Mas, infelizmente, há uma tendência humana de se afirmar diminuindo as outras pessoas. Isso acontece demais na escola e o professor tem que estar de olhos atentos. O professor tem que proteger o aluno. Os professores não gostam que eu diga isso, mas a escola tem que estabelecer relações: aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Conviver é a coisa mais importante na formação do caráter e na formação da sociedade. Podemos viver com pouco conhecimento, mas não sem conviver. E a escola é espaço para isto. E os professores, os grandes mestres neste jogo.
  • 10. » Entrevista com Gabriel Chalita Gabriel Chalita Bullying: a solução é o diálogo e o bom exemplo O Bullying é um tema que tem sido discutido cada vez mais em escolas do Brasil e do mundo. O termo compreende vários tipos de agressões entre crianças, jovens e até mesmo entre adultos. Essas agressões não são apenas físicas, mas também psicológicas, como colocar apelidos, humilhar, discriminar, isolar, intimidar, fazer sofrer, ofender, aterrorizar, assediar, roubar, dominar. De acordo com o membro da Academia Paulista de Letras, professor universitário e apresentador do programa Quarta Viva, na TV Canção Nova, Gabriel Chalita, o bullying é prejudicial porque marca a vida da pessoa para sempre. Chalita ainda orienta que, para evitar este mal, é fundamental a participação dos pais, tendo em vista que, na maioria dos casos, o bulliyng é praticado por crianças e jovens em idade escolar. Diálogo, orientação e bons exemplos são as dicas do professor para resolver este problema. cancaonova.com: O que é bullying? Chalita: A definição mais fácil para bullying é uma agressão à alma, é um ato de covardia que se faz repetidamente contra uma criança, um adolescente, contra um jovem. Por exemplo, uma criança que sofre preconceito na sala de aula porque é negra, gorda, é mulher ou homem; um preconceito porque alguém é estrangeiro ou tem dentes feios, mau hálito ou é pobre. O bullying, às vezes, é até um tipo de "brincadeira", mas uma brincadeira covarde, pois é sempre o mais forte fazendo com que o mais fraco sofra numa relação de sala de aula ou profissional. cancaonova.com: Esta prática é prejudicial às crianças? Chalita: Ele é prejudicial porque marca a vida da pessoa para sempre. Há muitos casos de jovens, em muitos países do mundo, que se matam por causa do bullying. É como essas histórias americanas de um jovem que entra no teatro e mata outros jovens e depois se mata. Isso é um tipo de culminância do bullying. É alguém que não agüentava mais sofrer, por isso acabou matando outras pessoas e destruindo a própria vida. cancaonova.com: Quais são os tipos mais comuns? Chalita: Os tipos mais comuns são as brincadeiras; os pequenos tapas. É um menino que não joga bola muito bem e todo mundo bate na cabeça dele. O obeso também sofre muito na escola, pois há até uma brincadeira em que a pessoa [obesa] senta e todos se levantam, como se fosse uma gangorra. Uma fofoca em que os meninos inventam alguma coisa e todo mundo fica olhando de uma forma estranha para alguém. Esses são os tipos mais comuns, mas há situações complexas que são os de violência propriamente dita. Hoje, há um tipo de bullying chamado cyberbullying, ou seja, as pessoas fazem uma filmagem ou, às vezes, uma montagem de alguma coisa ruim da vida de alguém e coloca na internet. Todos começam a ver cenas, que, muitas vezes, não são verdadeiras, mas que destroem a imagem de quem foi vitimizada na internet. cancaonova.com: O que o senhor acha que está faltando na educação de nossas crianças? Chalita: As famílias não estão cumprindo o papel delas. Se houvesse diálogo nas famílias, se os pais orientassem os filhos... mais do que isso, se eles dessem bons exemplos a seus filhos isso não aconteceria. Muitas vezes, as palavras comovem, mas são os exemplos que arrastam, como diz o ditado. Então, se o pai e mãe têm uma postura correta, digna, nobre, eles ajudam os filhos a ter valores. Pais religiosos que rezam e conversam juntos ajudam a acabar com o bullying tanto do agressor quanto da vítima. O problema da vítima do bullying ocorre quando ela não conta o que está acontecendo, porque tem medo dos pais; não tem diálogo em casa. Então, é algo que precisa acontecer dos dois lados: a pessoa não agride, porque aprende em casa que não deve agredir; e o outro não é uma vítima calada que sofre sozinha, porque pode contar com a amizade dos pais.
  • 11. cancaonova.com: Essa prática pode marcar a vítima durante toda a vida? Chalita: Sim, por isso é importante que os pais percebam as reações de seus filhos. Observar se o filho gostava de ir à escola, mas já não gosta mais; se a filha, que era muito participativa, agora fica quieta, tímida. Se o filho está escondendo alguma coisa, isso quer dizer que algo estranho está acontecendo na vida deles. Para termos uma idéia do elemento assustador que é o bullying, hoje, há um relato, nos países que fizeram uma pesquisa sobre este assunto, de que 40% das crianças, em idade escolar, sofrem desse mal. Quase metade da população escolar passa por isso. Daí a importância do tema e dos pais estarem bem preocupados em como orientar seus filhos para que eles não sofram as conseqüências do bullying. cancaonova.com: Uma criança que pratica o bullying na infância pode se tornar um adulto agressivo e violento? Chalita: Uma criança que sofre de bullying ou o pratica aprende a bater. Fiz uma pesquisa sobre esse assunto e muita gente respondeu que era um agressor do bullying. E como eles começaram a ser agressores? Há um caso em que o filho chegou para o pai, em casa, e disse que apanhou na escola. Daí, este pai deu uma surra nele para ele aprender a ser homem, porque homem não apanha. A partir disso, a criança começou a bater nos colegas, na escola, para contar ao pai que, agora, ele batia e não apanhava mais. Então, veja como o mau exemplo destrói a pessoa para a vida toda. Ele chegou a ser preso por agressão, lesão corporal dolosa, quase foi condenado por tentativa de homicídio por causa de uma coisa que aprendeu na infância. Temos que tomar cuidado, porque a criança é como uma esponja. Se você coloca uma esponja numa água limpa, ela vai sugar coisas boas e limpas; mas, numa água suja, ela vai sugar sujeira. cancaonova.com: Você acredita que a maioria das pessoas foram influenciadas pelo bullying? Chalita: Sim, porém não conhecíamos muito sobre isso. Parece que é normal, mas ele começou a ser estudado na década de 70 na Noruega. No Brasil, faz cinco que se estuda bullying. Há muitas pessoas que são tímidas e não conseguem falar em público, porque têm medo de se expor. As pessoas têm sérios problemas por causa de coisas que sofreram na escola. Eu acho que as vítimas de bullying precisam se libertar disso. Nós devemos prevenir para que outras pessoas não sofram a mesma coisa. Educação, já dizia Dom Bosco, é a arte do coração. Se educarmos com amor, não existirá bullying nem preconceito; não existirá discriminação, maldade. Quem ama cuida; quem ama prepara alguém para a vida. http://www.cancaonova.com/portal/canais/entrevista/entrevistas.php?id=929