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“DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL DO HOSPITAL ESTADUAL GETÚLIO 
VARGAS NA AÇÃO JUNTO AOS CONSELHOS TUTELARES DA REGIÃO 
METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO’’. 
Tereza Cristina Silva 
Geórgia Thais L. Cordeiro (*)1 
1 - Introdução. 
As situações que envolvem maus-tratos contra crianças e adolescentes são 
demandas cada vez mais presentes aos assistentes sociais nos serviços de 
saúde. Tais profissionais atuam no sentido de dimensionar os aspectos sociais 
associados, identificando os caminhos possíveis a serem adotados, seja na 
orientação e educação da família; seja no encaminhamento junto à rede 
assistencial disponível, envolvendo, necessariamente, a relação com os órgãos 
oficiais de proteção às crianças e adolescentes, em particular, com os 
Conselhos Tutelares. 
Os Conselhos Tutelares representam, historicamente, importante conquista, a 
partir da aprovação do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, em 1990, já 
que, enquanto órgão autônomo e representativo, atuam como instrumento de 
fiscalização e aplicação dessa lei. 
Entretanto, no cotidiano de interlocução do Serviço Social com os Conselhos Tutelares, 
registram-se observações sobre entraves a serem enfrentados, seja pela própria diferenciação 
de papéis, ou pelas circunstâncias dos âmbitos institucionais respectivos, o que exige a 
aproximação e reconhecimento sistemático sobre essa complexidade. 
Tal contradição, coloca-se enquanto limitação do espaço de parceria 
necessário para a prestação da assistência de qualidade, sobretudo, 
considerando a conduta ética esperada entre profissionais e conselheiros e 
entre estes e os usuários. 
O presente trabalho resulta, assim, da inquietação da equipe de Serviço Social do Hospital 
Estadual Getúlio Vargas, a partir da inspiração das assistentes sociais que atuam na 
enfermaria de Pediatria, sendo consubstanciada na realização do “I Seminário sobre a 
atuação do Serviço Social do HEGV junto aos Conselhos Tutelares da Região Metropolitana” 
em 25.05.2004. 
A organização do evento foi precedida de dois levantamentos: “Organização funcional e 
condições de infra-estrutura dos Conselhos Tutelares da região metropolitana do Rio de 
Janeiro” e “Perspectiva dos assistentes sociais do HEGV sobre a atuação junto aos Conselhos 
Tutelares” e Ambos envolveram cerca de 90% da equipe de assistentes sociais, as quais, 
disponibilizaram seus recursos próprios para visitarem os 20 Conselhos Tutelares pesquisados. 
O evento representou um passo inicial para o melhor reconhecimento sobre a condição de 
exercício do papel de ambos os segmentos – Conselhos Tutelares e Serviço Social do HEGV – , 
no sentido de explicitar as respectivas realidades e ressaltar as formas de contribuição 
mútuas para que a defesa dos direitos das crianças e adolescentes possa ir além da tarefa 
burocrática e rotineira de emissão da notificação compulsória de maus-tratos (a qual incide 
sobre a saúde já afetada), podendo constituir-se em uma política institucional mais 
abrangente, articulada, especializada e com maiores possibilidades de impacto sobre os
vários níveis assistenciais, na perspectiva de superação da limitação da ação curativa para a 
relevância das iniciativas de promoção da saúde, conforme preconiza a legislação em vigor. 
2 - Contexto de implantação dos Conselhos Tutelares. 
A idealização dos Conselhos Tutelares tem como marco a instituição do Estatuto da Criança e 
do Adolescente – ECA, aprovado em 13.07.1990 (Lei 8080), o qual regulamenta o dispositivo 
constitucional previsto no artigo 227 da Constituição Federal. 
O ECA introduz uma concepção que supera a visão estigmatizada e discriminatória permeada 
pelo então “Código de Menores”, que focalizava as parcelas consideradas “em situação 
irregular” e os adolescentes autores de ato infracional. Difunde o conceito de “sujeitos de 
direitos”, definindo a perspectiva na prestação da assistência, a partir de um sistema 
integrado de garantia de direitos, prevendo atribuições do Estado e da sociedade civil nas 
várias esferas de poder. 
Os Conselhos Tutelares compõem-se de cinco representantes da sociedade civil, eleitos para 
um mandato de 03 anos, devendo funcionar de forma permanente, autônoma e não 
jurisdicional, zelando pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes. As 
instalações e as demais condições concretas de funcionamento devem ser previstas na Lei 
municipal e orçamentária. 
Trata-se de uma conquista que envolveu amplas parcelas da sociedade civil organizada, a 
qual, sobretudo durante a segunda metade da década de 70, mobilizou-se contra o modelo 
político e econômico do Regime Militar. A luta pela redemocratização do país ampliou-se para 
a defesa de políticas setoriais universais, provocando o reordenamento do Estado acerca do 
padrão de proteção social, marcado pela centralização, burocratização e seletividade. Assim, 
aliando-se técnicos progressistas das instituições voltadas para infância e juventude; 
segmentos da igreja católica; das universidades; ONG’s...os movimento sociais interferem, 
ativamente, nos debates da Assembléia Nacional Constituinte, resultando na incorporação do 
conceito de “cidadania infanto-juvenil” na Constituição promulgada em 1988 e, 
posteriormente, no ECA (Mendes, et alii, 2004). 
Entretanto, os avanços introduzidos na norma jurídica, em si, não deram conta do dilema de 
convivência entre participação política e exclusão social. Se, por um lado, a década de 80 foi 
marcada pela ampliação dos espaços democráticos, por outro lado, a crise econômica, 
agravada desde a crise do petróleo, bem como as transformações pelas quais passava o 
Capitalismo (desaquecimento das atividades produtivas, crise inflacionária...), provocaram a 
redução da oferta de bens e serviços públicos, enquanto fizeram crescer as demandas sociais 
(Honorato, 1996), particularmente, sobre o frágil segmento de crianças e adolescentes. 
Contraditoriamente, o processo de descentralização, nem sempre foi acompanhado de 
desconcentração de recursos, mas sim de atribuições.o que limita, na prática, o poder de 
resolutividade dos municípios para ampliação dos serviços públicos. 
Cabe ressaltar que, a determinação de novos espaços de decisões compartilhadas, a partir da 
instalação dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares, provoca tensão com os 
mandatos executivos e legislativos, estes marcados pela cultura política “clientelista”, 
sobretudo, nos municípios do interior, nos quais a participação tende a ser tutelada por 
prefeitos e vereadores. Assim, a natureza de independência de tais espaços, considerando-se 
suas atribuições de controle, fiscalização e aplicação de medidas, potencialmente, colidem 
com velhas práticas políticas. 
Considera-se assim, que os Conselhos Tutelares representam espaços inéditos na formação 
político-cultural da sociedade brasileira, podendo favorecer a construção de uma nova cultura 
política. Entretanto, a atividade dos conselheiros deve ser repartida pelas outras formas de 
organização da sociedade civil, inclusive com as que tratam das políticas setoriais. A
autonomia preconizada na lei, não deve ser confundida com isolamento, já que pode 
dificultar as articulações com outras instâncias de participação e reduzir o desempenho 
adequado do seu papel histórico e legal. 
3 – Análise sobre a condição atual dos Conselhos Tutelares da região metropolitana. 
O levantamento realizado pela equipe de assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio 
Vargas, junto aos Conselhos Tutelares da região metropolitana visou identificar a organização 
administrativa e as condições de infra-estrutura destes, delineando também os dilemas 
apresentados pelos conselheiros na busca do entrosamento necessário para a melhor 
qualificação da assistência prestada. 
O processo de coleta de dados contou com a participação de 15 assistentes sociais do Hospital 
Estadual Getúlio Vargas, as quais visitaram 20 Conselhos Tutelares (10 no município do Rio de 
Janeiro e os demais entre a os municípios da Baixada Fluminense, Niterói e São Gonçalo), 
entrevistando os conselheiros ou profissionais da equipe técnica, durante o período de 03 a 
17.05.04. O instrumento utilizado, continha nove eixos principais:1- composição da equipe 
técnica; 2- infra-estrutura; 3- rede de proteção social; 4- capacitação para conselheiros e 
equipe técnica; 5- tratamento dos dados sobre o atendimento; 6- média de atendimento e 
origem das denúncias; 7- dificuldades encontradas na intervenção; 8- entraves na relação 
com o HEGV; 9- sugestões para melhoria dessa relação. 
Cabe ressaltar que a coleta foi prejudicada por ter envolvido muitos profissionais 
(pesquisadores), o que não garantiu a sintonia da abordagem, sobretudo por ter sido 
trabalhado com questionário aberto. Não houve discussão prévia da equipe antes da coleta. 
3.1 - Análise sobre o conteúdo dos questionários. 
Quanto à composição da equipe técnica, observa-se que todos o Conselhos já estão com suas 
equipes implantadas. Todos possuem,o profissional de Serviço Social (55% com 1 ou 2, e 45% 
com 3 ou 4); 95% posuem 1 psicólogo e alguns possuem pedagogos e advogados (25% e 20%, 
respectivamente). 
Em relação à infra-estrutura, foi possível perceber que a maioria dos Conselhos está 
minimamente, equipados (linha telefônica, fax, computador, etc), porém há falta de 
manutenção desses aparelhos, o que impede o bom funcionamento do órgão. O cotidiano de 
trabalho dos conselheiros é marcado, por esses problemas: salas inadequadas ao 
atendimento, mobiliário insuficiente, telefonia com problemas, dificuldades para 
locomoção/visitas, poucos funcionários administrativos, entre outros. Outro aspecto 
observado, é a diferença acentuada, no investimento realizado no município do Rio de 
Janeiro e Niterói em relação aos municípios periféricos, sobretudo os da Baixada Fluminense. 
Identificou-se como dado relevante que enquanto alguns municípios ampliam o nº de 
Conselhos, o município de Belford Roxo reduziu, mantendo apenas um em funcionamento, no 
limite da lei. Anteriormente já mantinha os técnicos, viatura e o espaço físico, sendo dividido 
pelos 2 Conselhos. Tal fato vem de encontro com o que é apontado por Bazílio (2003: 33), 
quando este avalia que, em alguns casos, pode-se supor que a Prefeitura e a Câmara de 
Vereadores não contemplam estas estruturas com orçamento porque ”temem” o 
fortalecimento deste ator ou duvidam de sua legitimidade. Acrescenta ainda, que o 
Movimento Social que promoveu a redação/aprovação do Estatuto não tem pressionado as 
autoridades locais a fim de que se garanta o funcionamento deste órgão importante de defesa 
de direitos. 
Verificamos que, em relação à rede de proteção social, no município do Rio de Janeiro não há 
nenhuma iniciativa. Ao contrário do município de Niterói e alguns da Baixada Fluminense 
(Duque de Caxias e Nova Iguaçu) onde se observam experiências neste sentido. A relação com 
as instituições representativas da comunidade ainda é residual, limitando-se a algumas 
palestras, para as quais os Conselhos (50%) são convidados. Ainda não existem iniciativas
comuns no sentido da prevenção ou articulação para a ação integrada, o que comprova a 
hipótese inicial de isolamento dos Conselhos. 
Quanto à capacitação, a maioria dos Conselhos (90%) apontou que somente participaram do 
treinamento inicial, após a posse. 60% revelaram que buscam por iniciativa própria algum 
aprimoramento, através de cursos, seminários, palestras, etc. Apenas 15% disseram ter 
participado de mais de um treinamento oficial. 
Sobre o tratamento de dados de atendimento, 75% afirmam não fazer nenhuma estatística. Os 
25% que fazem a estatística, não realizam reconhecimento epidemiológico desta população. 
No que se refere à média anual de atendimento e a origem das denúncias, constata-se que 
35% registram até 2000 atendimentos; 30% de 2001 a 3000 atendimentos; 20% mais de 3000 
atendimentos e 15% não souberam informar. Foi observada a fragilidade no que diz a respeito 
ao registro e armazenamento deste dado, o que os torna pouco confiáveis. A maioria das 
denúncias provém dos hospitais (60%), seguidos de 50% provenientes das escolas e disque-denúncias, 
além de 40% da família. É importante considerar que as citações não são 
excludentes. 
Os Conselhos destacaram como principais dificuldades na intervenção os seguintes pontos: 
70% alegam a falta de recursos internos (material de consumo e patrimonial, falta de 
manutenção nos equipamentos e viaturas) e a falta de recursos na rede assistencial; 30% 
registram a falta de capacitação e dificuldade na relação com o Ministério Público e Juizado 
da Infância e da Juventude (morosidade e cobranças irreais); 20% revelam a falta de 
sensibilidade dos profissionais de saúde ou de educação sobre a situação de abuso com a 
criança e adolescente e sobre o papel do Conselho Tutelar; 15% fazem referência à 
dificuldade para realizar a visita domiciliar em local de risco e destacam o nº reduzido de 
Conselhos no município, em função muita demanda; 10% lembram a dificuldade de acesso à 
assistência psicológica e em localizar o endereço referente à denúncia e 5% apontam falta de 
investimento do poder público na política da Infância e da Juventude. 
Dos 70% de Conselhos Tutelares que já atenderam encaminhamentos do HEGV, nenhum 
declarou ter dificuldades na relação com o mesmo. Cerca de 30%, nunca receberam qualquer 
encaminhamento, advindo desta unidade. 
As propostas para a melhoria na relação com o HEGV partiram daqueles Conselhos que já 
mantiveram contato com o mesmo. Assim, 35% não apresentaram propostas. 30% destacam a 
necessidade de maior integração com o CT; 20% deram ênfase à importância de mais 
iniciativas como a do Seminário realizado. 20% propuseram treinamento para melhor 
preenchimento da ficha de notificação compulsória;10% enfatizam a necessidade de 
ampliação da rede assistencial, 10% apontam a importância de fornecer mais subsídios, por 
parte dos técnicos notificantes, sobre a situação da criança e adolescente abusada, tal como 
o relatório ou a ficha de notificação compulsória mais detalhada; 10% defendem a realização 
reuniões trimestrais; além de lembrarem, no mesmo percentual, a importância de maior 
detalhamento no endereço fornecido, visto que alguns pais informam o endereço fictício; 5% 
ressaltam maior provimento de recursos necessários aos Conselhos Tutelares e, o mesmo 
percentual, sugere o contato telefônico prévio a notificação. 
Considerando-se que o instrumento de coleta de dados foi o questionário aberto, foi possível 
perceber no depoimento de alguns conselheiros o anseio pela definição de uma carga horária, 
já havendo a proposta de 30 horas semanais, já que o dispositivo do ECA que prevê o 
funcionamento permanente (24 horas) não é compatível com a falta de investimento do poder 
público, que não amplia o número de Conselhos, além de não oferecer o suporte necessário 
ao funcionamento dos já existentes. Assim, a carga horária torna-se excessiva para o
funcionamento em horário permanente, diante de uma vasta área a ser atendida e da 
crescente demanda apresentada. 
4 – Perspectiva dos assistentes sociais do HEGV sobre a atuação junto aos Conselhos 
Tutelares. 
O levantamento realizado entre a equipe de assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio 
Vargas teve o intuito de sistematizar os principais aspectos da ação destes profissionais juntos 
aos Conselhos Tutelares da região metropolitana, visando possibilitar a construção de 
estratégias comuns, na busca da necessária parceria e entrosamento com os mesmos. 
O estudo englobou 19 assistentes sociais, representando mais de 90% da equipe do Hospital 
Estadual Getúlio Vargas, os quais responderam ao questionário aberto, durante o período de 
12 a 25.04.04, incluindo cinco itens: 1- Principais situações de maus-tratos vivenciadas no 
cotidiano profissional; 2- Forma de atuação e procedimentos adotados; 3- Principais 
dificuldades vivenciadas junto aos Conselhos Tutelares; 4 - Conselhos Tutelares com os quais 
encontra maiores dificuldades; 5- Sugestões para melhoria na relação com os Conselhos 
Tutelares. 
Trata-se da perspectiva destes profissionais sobre sua própria atuação, já que tal 
levantamento não se baseou em estudo sobre fontes primárias, e sim no depoimento dos 
mesmos. 
A atuação junto às situações de maus-tratos contra crianças e adolescentes é bastante 
diferenciado entre a equipe de assistentes sociais do HEGV2, já que estes estão 
inseridos em setores com características diversas. 
Os que atuam no setor de emergência estabelecem o contato inicial com tal 
demanda, com as características peculiares de tal condição, na maioria dos 
casos, de forma efêmera, além de serem absorvidas por demais demandas do 
setor. 
As duas que atuam na enfermaria de Pediatria dão seguimento aos 
atendimentos realizados no setor de emergência, já que este é a principal porta 
de entrada. Atendem, especificamente, crianças. Poucos casos recebem 
atendimento inicial. É possível o estabelecimento de maior vínculo com os 
usuários e, conseqüentemente, o aprofundamento sobre o conhecimento da 
dinâmica que envolve a demanda. 
As assistentes sociais que atuam nas demais enfermarias, convivem apenas 
esporadicamente com tais situações, restringindo-se aos adolescentes. 
Geralmente, o contato com os Conselhos Tutelares, quando necessário, são 
para seguimento de situações já notificadas no setor de emergência. 
Conforme o quadro exposto, constata-se que 64% da equipe estabelecem 
contatos regulares com os Conselhos Tutelares, enquanto que 41% mantém 
apenas contatos eventuais. 
4.1 - Principais situações de maus-tratos vivenciadas no cotidiano 
profissional. 
As referências sobre as principais situações de maus-tratos vivenciadas no 
cotidiano profissional foram bastante diversificadas, não se limitando às formas 
mais acentuadas de violência, o que denota o amadurecimento da equipe para
publicizar questões que vão além dos sintomas aparentes e imediatos da 
demanda mais agravada, buscando atuar também sobre aspectos voltados 
para prevenção primária da violência. 
A forma de maus-tratos mais citada foi a “negligência”, em suas várias 
manifestações (65%); seguida da “violência urbana” (59%), a qual atinge, 
particularmente, aos adolescentes; “abuso sexual” (59%); “abuso físico” (53%); 
e “auto-agressão” (23%). 
Englobada nas várias expressões de “negligência”, a “falta de Registro de 
nascimento” obteve 64% das citações dos assistentes sociais, representando o 
esforço atual da equipe, com êxitos significativos, em viabilizar o documento 
antes da alta hospitalar. Outras formas de negligência citadas foram: falta de 
higiene (53%); falta de vínculo com a rede de ensino (35,3%); quedas (29,4%); 
acidentes de trânsito (29,4%); acidentes domésticos (23,5%); situação de rua 
(23,5%); desnutrição (23,5%); cartão de vacinação desatualizado ou inexistente 
(23,5%); falta de puericultura ou outra forma de assistência médica (23,5%); 
desmame precoce (6%); trabalho infantil (6%) e alta à revelia (6%). 
Considerando-se a associação existente entre as várias formas de maus-tratos, 
conforme indica a literatura específica3, a observação e atuação dos 
profissionais sobre tal forma de maus-tratos podem contribuir para a 
identificação precoce das situações de risco social. 
4.2 - Formas de atuação e procedimentos adotados. 
As citações dos assistentes sociais referentes às formas de atuação e 
procedimentos adotados durante o atendimento às situações de maus-tratos 
contra crianças e adolescentes revelam algumas contradições perpassadas na 
forma pela qual se organiza o processo de trabalho do Serviço Social no 
HEGV. Considerando-se que as respostas correspondem ao ponto de vista 
imediato e empírico, observa-se que a maioria dos assistentes social destaca 
sua atuação pelas diretrizes estabelecidas nas rotinas instituídas. 
Assim, 76,5% afirmam que emitem a Notificação Compulsória regularmente ou 
eventualmente, enquanto que 23,5 não necessitam de tal procedimento em 
suas ações cotidianas. 65% enfatizam a necessidade dos encaminhamentos 
aos recursos institucionais em seus atendimentos, e 47% ressaltam as ações 
de educação e saúde, bem como a importância do estabelecimento do contato 
prévio ou de seguimento com os Conselhos Tutelares. 35,3% lembram de fazer 
referência à relevância do esclarecimento aos usuários sobre o papel da 
notificação e do Conselho Tutelar. 29,4% referem-se à elaboração de sumários 
sociais complementares à notificação enquanto prática cotidiana. 23,5% 
registram a preocupação em encaminhar os responsáveis ao Conselho Tutelar 
no ato da notificação. Apenas 18% destacam a ação do acolhimento aos 
usuários e o mesmo percentual preocupa-se em realizar perfil sócio-familiar. 
12% referem-se à importância de emitirem parecer e só 6% ressaltam o papel 
da ação interdisciplinar. 
Percebe-se que poucos profissionais fizeram referências às atividades de 
caráter educativas, informativas, acolhedor e assistencial. Tal contradição pode
ser decorrente de fatores diversos, os quais ultrapassam o objetivo do presente 
trabalho. Entretanto, acredita-se que a atual cultura institucional hegemônica 
traduz-se em rotinas institucionais esvaziantes do sentido ampliado de saúde, 
tal qual possibilitasse a assistência para além do caráter curativo e emergencial 
das enfermidades, e, conseqüentemente, favorecendo as ações de promoção 
da saúde. 
Assim, o profissional de Serviço Social, como diria Vasconcelos (2002), acaba 
sendo envolvido em ações paliativas, imediatas e de grande sobrecarga, as 
quais, nem sempre, o competem, mas que o subordinam mais ao atendimento 
das demandas institucionais e de outros segmentos profissionais, em 
detrimento da intervenção de maior impacto sócio-educativo. Evidência mais 
constante de tal perspectiva, pode ser localizada na institucionalização da 
atribuição, quase exclusiva, de notificação compulsória de maus-tratos aos 
assistentes sociais. 
4.3 - Principais dificuldades vivenciadas junto aos Conselhos Tutelares. 
A natureza dos diversos tipos de intervenção do Serviço Social, resultantes das 
várias formas de inserção dos assistentes sociais na equipe (emergência 
dia/noite, enfermaria de Pediatria e demais enfermarias), definirá também a 
forma de relacionamento com os Conselhos Tutelares, podendo ser eventuais 
e voltadas para soluções de questões imediatas, ou constantes, pretendendo 
inclusive participar do encaminhamento efetivo das situações de maus-tratos 
notificadas. 
A equipe de Serviço Social, de modo geral, localiza os entraves vivenciados 
junto aos Conselhos Tutelares em aspectos bastante pulverizados, em virtude 
das formas diferenciadas de intervenção Assim, verifica-se que a maioria da 
equipe localizou a principal dificuldade no acesso aos Conselhos Tutelares fora 
do horário comercial (35,3%), experiência essa, característica dos plantonistas 
de final de semana e do horário noturno. 29,4% reclamam da falta de retorno 
dos casos encaminhados, dado encontrado no posicionamento de assistentes 
sociais de vários setores. O mesmo percentual diz a respeito à falta de postura 
ética dos conselheiros para com os profissionais. 23,5% sinalizam a relação 
unilateral dos conselheiros em relação aos casos atendidos. Destaca-se a 
citação de 17,6% sobre a falta de definição nas orientações dos conselheiros, 
bem como da ausência de preparo técnico. Um percentual menor (11,8%) de 
assistentes sociais referiu-se a desorganização no processo de trabalho dos 
Conselhos, incluindo a demora no encaminhamento dos casos. O mesmo 
percentual ressaltou a falta de infra-estrutura (fax, viatura, linha telefônica, etc.). 
A minoria dos assistentes sociais (6%) enfatizou o abuso de poder; a omissão 
de alguns conselheiros sobre suas atribuições e a falta de reconhecimento 
pelos Conselhos sobre as características das diversas unidades. 
A definição da equipe de Serviço Social sobre os entraves vivenciados junto 
aos Conselhos Tutelares evidencia a falta de sintonia entre ambos os 
segmentos, os quais ignoram as contradições dos respectivos universos 
institucionais. Tal limitação restringe também a necessária parceria desses
segmentos na defesa e na promoção dos direitos da criança e do adolescente, 
já que a própria legislação específica ressalta a necessária ação articulada 
entre os vários segmentos da sociedade civil. 
4.4 - Conselhos Tutelares com os quais encontra maior dificuldade de 
relacionamento. 
O Conselho Tutelar de Ramos, por abranger os bairros dos quais provém a 
maioria dos usuários do HEGV, é aquele com o qual a equipe mantém mais 
contato, sendo apontado também como aquele de maior dificuldade de 
relacionamento (64%), seguido pelo Conselho Tutelar de Madureira (47%) e 
pelo Conselho Tutelar de Duque de Caxias (23%). Apenas 23% dos membros 
da equipe afirmam não terem tido qualquer dificuldade na relação com os 
Conselhos Tutelares. Cabe considerar nos percentuais referidos que alguns 
profissionais citaram mais de um Conselho. 
4.5 - Sugestões para melhoria na relação com os Conselhos Tutelares: 
O item referente às sugestões para a melhoria na relação com os Conselhos 
Tutelares foi o que revela maior convergência entre os assistentes sociais, 
independentemente da forma de inserção na equipe. Assim, 70% defendem 
maior intercâmbio dos Conselhos Tutelares com profissionais de saúde; 40% 
defendem a necessidade de encontros ou seminários regulares; 30% dos 
assistentes sociais sugerem a capacitação sistemática dos conselheiros; 17% 
propõem um relatório mensal emitido pelos Conselhos Tutelares dos casos 
encaminhados pelas unidades de saúde; 10% destacam a necessidade de 
atualização da lista de telefones celulares; relação de novos conselhos criados, 
6% esperam melhor orientação sobre os casos nos quais a orientação se faz 
necessário, 6% sugerem que os celulares estejam permanentemente ligados, 
6% esperam que haja maior esclarecimento quanto às características de cada 
unidade, 6% acreditam que seja necessário maior capacitação dos demais 
profissionais de saúde e 6% defendem que haja maior presença dos 
conselheiros na unidade. 
A concentração de indicação da necessidade de maior intercâmbio com os 
Conselhos Tutelares (70%) pode estar associada à motivação para a adesão 
da equipe à proposta de realização do levantamento junto aos Conselhos 
Tutelares e do Seminário já referido na introdução deste trabalho. Cabe 
ressaltar que a maioria da equipe visitou os Conselhos pelos seus meios 
próprios e, alguns, durante o seu horário de folga. 
5 – Considerações finais. 
A oportunidade de aproximação com os Conselhos Tutelares pode favorecer a 
constatação de que os avanços jurídicos conquistados a partir da promulgação 
do ECA tornam-se incompatíveis com a atual condição de funcionamento 
desses importantes espaços na busca de aplicação da lei.
O descomprometimento do poder público, em particular dos Prefeitos, com o 
aparelhamento adequado dos Conselhos; manutenção dos equipamentos; 
melhor remuneração dos conselheiros; bem como com a ampliação do número 
de Conselhos existentes, fica bastante evidenciado no levantamento 
realizado .A falta de vontade política e a tendência ao tratamento da política 
pública enquanto mérito do executivo ou legislativo, nos moldes da cultura 
política tradicional, é a tendência que se verifica, com poucas exceções. 
A inexistência das Redes de Proteção Social nos moldes proposto pelo 
Ministério da Saúde4 na maioria dos municípios, inclusive no do Rio de 
Janeiro, é o retrato da ausência de políticas públicas, em particular, das 
voltadas para o segmento infanto-juvenil. 
Por outro lado, cabe à sociedade civil reassumir o seu protagonismo na defesa 
de políticas públicas inclusivas, mobilizando-se e participando dos espaços 
políticos conquistados a fim de pressionar o poder público ao cumprimento de 
seu papel. 
A acentuação dos níveis de exclusão social e, conseqüentemente, o 
crescimento da violência, as quais atingem prioritariamente as crianças e 
adolescentes, configuram a urgência no enfrentamento dos dilemas 
apresentados. 
Considerando-se a violência enquanto relevante questão de saúde pública, e 
as repercussões da mesma para o desenvolvimento físico e emocional do frágil 
segmento de crianças e adolescente, acredita-se que caiba aos serviços de 
saúde o estabelecimento de uma política institucional mais abrangente, 
articulada, especializada , com ênfase nas ações de prevenção e promoção da 
saúde. 
O Serviço Social no Hospital Estadual Getúlio Vargas espera estar fazendo a 
sua parte na busca de parceria com os Conselhos Tutelares, a exemplo da 
organização dos levantamentos explicitados e do “I Seminário sobre a atuação 
do Serviço Social junto aos Conselhos Tutelares da Região Metropolitana” em 
25.05.2004. O evento contou com a presença de conselheiros e técnicos 
representando 09 Conselhos Tutelares, além de profissionais e estagiários de 
diversas áreas atuando no HEGV. Consideramos limitado o número de 
Conselhos presentes, mas, certamente, um passo significativo nesta 
caminhada. 
6– Referências bibliográficas. 
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adolescentes: um passo a mais na cidadania em saúde. 2a ed.rev. Brasília: 
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CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL – 7a. REGIÃO. “ECA – 10 
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____________________Prevenir a violência. Um desafio para profissionais de 
saúde. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz, 1997. 
HONORATO, César. “Modernidade a Jeca Tatu: um ensaio de reflexão acerca 
das políticas sociais no Estado do Rio de Janeiro”. In: Em pauta. V.9, p. 139- 
151, 1996. 
MENDES, Alessandra G. e MATOS, Maurílio C. “Uma agenda para os 
Conselhos Tutelares. Rio de Janeiro”. (mimeo). 2004. 
Notas: 
1 Assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio Vargas, atuando na 
enfermaria de Pediatria. 
2 A equipe é composta de 21 assistentes sociais, sendo que: 9 atuam nas 
enfermarias, incluindo CTI e triagem na sala do Serviço Social; 8 atuam no 
setor de emergência durante o dia; e 4, no setor de emergência, durante a 
noite. Destes, 19 atuam em regime de plantão e 2 são diaristas, atuando nas 
enfermarias. 
3 DESLANDES, Suely F. “Prevenir a violência. Um desafio para profissionais 
de saúde”. Rio de Janeiro:ENSP/Fiocruz, 1997. 
4 BRASIL. Ministério da Saúde. Notificação de maus-tratos contra crianças e 
adolescentes: um passo a mais na cidadania em saúde. 2a ed.rev. 
Brasília: Ministério da Saúde. 2002.

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  • 1. “DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL DO HOSPITAL ESTADUAL GETÚLIO VARGAS NA AÇÃO JUNTO AOS CONSELHOS TUTELARES DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO’’. Tereza Cristina Silva Geórgia Thais L. Cordeiro (*)1 1 - Introdução. As situações que envolvem maus-tratos contra crianças e adolescentes são demandas cada vez mais presentes aos assistentes sociais nos serviços de saúde. Tais profissionais atuam no sentido de dimensionar os aspectos sociais associados, identificando os caminhos possíveis a serem adotados, seja na orientação e educação da família; seja no encaminhamento junto à rede assistencial disponível, envolvendo, necessariamente, a relação com os órgãos oficiais de proteção às crianças e adolescentes, em particular, com os Conselhos Tutelares. Os Conselhos Tutelares representam, historicamente, importante conquista, a partir da aprovação do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, em 1990, já que, enquanto órgão autônomo e representativo, atuam como instrumento de fiscalização e aplicação dessa lei. Entretanto, no cotidiano de interlocução do Serviço Social com os Conselhos Tutelares, registram-se observações sobre entraves a serem enfrentados, seja pela própria diferenciação de papéis, ou pelas circunstâncias dos âmbitos institucionais respectivos, o que exige a aproximação e reconhecimento sistemático sobre essa complexidade. Tal contradição, coloca-se enquanto limitação do espaço de parceria necessário para a prestação da assistência de qualidade, sobretudo, considerando a conduta ética esperada entre profissionais e conselheiros e entre estes e os usuários. O presente trabalho resulta, assim, da inquietação da equipe de Serviço Social do Hospital Estadual Getúlio Vargas, a partir da inspiração das assistentes sociais que atuam na enfermaria de Pediatria, sendo consubstanciada na realização do “I Seminário sobre a atuação do Serviço Social do HEGV junto aos Conselhos Tutelares da Região Metropolitana” em 25.05.2004. A organização do evento foi precedida de dois levantamentos: “Organização funcional e condições de infra-estrutura dos Conselhos Tutelares da região metropolitana do Rio de Janeiro” e “Perspectiva dos assistentes sociais do HEGV sobre a atuação junto aos Conselhos Tutelares” e Ambos envolveram cerca de 90% da equipe de assistentes sociais, as quais, disponibilizaram seus recursos próprios para visitarem os 20 Conselhos Tutelares pesquisados. O evento representou um passo inicial para o melhor reconhecimento sobre a condição de exercício do papel de ambos os segmentos – Conselhos Tutelares e Serviço Social do HEGV – , no sentido de explicitar as respectivas realidades e ressaltar as formas de contribuição mútuas para que a defesa dos direitos das crianças e adolescentes possa ir além da tarefa burocrática e rotineira de emissão da notificação compulsória de maus-tratos (a qual incide sobre a saúde já afetada), podendo constituir-se em uma política institucional mais abrangente, articulada, especializada e com maiores possibilidades de impacto sobre os
  • 2. vários níveis assistenciais, na perspectiva de superação da limitação da ação curativa para a relevância das iniciativas de promoção da saúde, conforme preconiza a legislação em vigor. 2 - Contexto de implantação dos Conselhos Tutelares. A idealização dos Conselhos Tutelares tem como marco a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, aprovado em 13.07.1990 (Lei 8080), o qual regulamenta o dispositivo constitucional previsto no artigo 227 da Constituição Federal. O ECA introduz uma concepção que supera a visão estigmatizada e discriminatória permeada pelo então “Código de Menores”, que focalizava as parcelas consideradas “em situação irregular” e os adolescentes autores de ato infracional. Difunde o conceito de “sujeitos de direitos”, definindo a perspectiva na prestação da assistência, a partir de um sistema integrado de garantia de direitos, prevendo atribuições do Estado e da sociedade civil nas várias esferas de poder. Os Conselhos Tutelares compõem-se de cinco representantes da sociedade civil, eleitos para um mandato de 03 anos, devendo funcionar de forma permanente, autônoma e não jurisdicional, zelando pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes. As instalações e as demais condições concretas de funcionamento devem ser previstas na Lei municipal e orçamentária. Trata-se de uma conquista que envolveu amplas parcelas da sociedade civil organizada, a qual, sobretudo durante a segunda metade da década de 70, mobilizou-se contra o modelo político e econômico do Regime Militar. A luta pela redemocratização do país ampliou-se para a defesa de políticas setoriais universais, provocando o reordenamento do Estado acerca do padrão de proteção social, marcado pela centralização, burocratização e seletividade. Assim, aliando-se técnicos progressistas das instituições voltadas para infância e juventude; segmentos da igreja católica; das universidades; ONG’s...os movimento sociais interferem, ativamente, nos debates da Assembléia Nacional Constituinte, resultando na incorporação do conceito de “cidadania infanto-juvenil” na Constituição promulgada em 1988 e, posteriormente, no ECA (Mendes, et alii, 2004). Entretanto, os avanços introduzidos na norma jurídica, em si, não deram conta do dilema de convivência entre participação política e exclusão social. Se, por um lado, a década de 80 foi marcada pela ampliação dos espaços democráticos, por outro lado, a crise econômica, agravada desde a crise do petróleo, bem como as transformações pelas quais passava o Capitalismo (desaquecimento das atividades produtivas, crise inflacionária...), provocaram a redução da oferta de bens e serviços públicos, enquanto fizeram crescer as demandas sociais (Honorato, 1996), particularmente, sobre o frágil segmento de crianças e adolescentes. Contraditoriamente, o processo de descentralização, nem sempre foi acompanhado de desconcentração de recursos, mas sim de atribuições.o que limita, na prática, o poder de resolutividade dos municípios para ampliação dos serviços públicos. Cabe ressaltar que, a determinação de novos espaços de decisões compartilhadas, a partir da instalação dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares, provoca tensão com os mandatos executivos e legislativos, estes marcados pela cultura política “clientelista”, sobretudo, nos municípios do interior, nos quais a participação tende a ser tutelada por prefeitos e vereadores. Assim, a natureza de independência de tais espaços, considerando-se suas atribuições de controle, fiscalização e aplicação de medidas, potencialmente, colidem com velhas práticas políticas. Considera-se assim, que os Conselhos Tutelares representam espaços inéditos na formação político-cultural da sociedade brasileira, podendo favorecer a construção de uma nova cultura política. Entretanto, a atividade dos conselheiros deve ser repartida pelas outras formas de organização da sociedade civil, inclusive com as que tratam das políticas setoriais. A
  • 3. autonomia preconizada na lei, não deve ser confundida com isolamento, já que pode dificultar as articulações com outras instâncias de participação e reduzir o desempenho adequado do seu papel histórico e legal. 3 – Análise sobre a condição atual dos Conselhos Tutelares da região metropolitana. O levantamento realizado pela equipe de assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio Vargas, junto aos Conselhos Tutelares da região metropolitana visou identificar a organização administrativa e as condições de infra-estrutura destes, delineando também os dilemas apresentados pelos conselheiros na busca do entrosamento necessário para a melhor qualificação da assistência prestada. O processo de coleta de dados contou com a participação de 15 assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio Vargas, as quais visitaram 20 Conselhos Tutelares (10 no município do Rio de Janeiro e os demais entre a os municípios da Baixada Fluminense, Niterói e São Gonçalo), entrevistando os conselheiros ou profissionais da equipe técnica, durante o período de 03 a 17.05.04. O instrumento utilizado, continha nove eixos principais:1- composição da equipe técnica; 2- infra-estrutura; 3- rede de proteção social; 4- capacitação para conselheiros e equipe técnica; 5- tratamento dos dados sobre o atendimento; 6- média de atendimento e origem das denúncias; 7- dificuldades encontradas na intervenção; 8- entraves na relação com o HEGV; 9- sugestões para melhoria dessa relação. Cabe ressaltar que a coleta foi prejudicada por ter envolvido muitos profissionais (pesquisadores), o que não garantiu a sintonia da abordagem, sobretudo por ter sido trabalhado com questionário aberto. Não houve discussão prévia da equipe antes da coleta. 3.1 - Análise sobre o conteúdo dos questionários. Quanto à composição da equipe técnica, observa-se que todos o Conselhos já estão com suas equipes implantadas. Todos possuem,o profissional de Serviço Social (55% com 1 ou 2, e 45% com 3 ou 4); 95% posuem 1 psicólogo e alguns possuem pedagogos e advogados (25% e 20%, respectivamente). Em relação à infra-estrutura, foi possível perceber que a maioria dos Conselhos está minimamente, equipados (linha telefônica, fax, computador, etc), porém há falta de manutenção desses aparelhos, o que impede o bom funcionamento do órgão. O cotidiano de trabalho dos conselheiros é marcado, por esses problemas: salas inadequadas ao atendimento, mobiliário insuficiente, telefonia com problemas, dificuldades para locomoção/visitas, poucos funcionários administrativos, entre outros. Outro aspecto observado, é a diferença acentuada, no investimento realizado no município do Rio de Janeiro e Niterói em relação aos municípios periféricos, sobretudo os da Baixada Fluminense. Identificou-se como dado relevante que enquanto alguns municípios ampliam o nº de Conselhos, o município de Belford Roxo reduziu, mantendo apenas um em funcionamento, no limite da lei. Anteriormente já mantinha os técnicos, viatura e o espaço físico, sendo dividido pelos 2 Conselhos. Tal fato vem de encontro com o que é apontado por Bazílio (2003: 33), quando este avalia que, em alguns casos, pode-se supor que a Prefeitura e a Câmara de Vereadores não contemplam estas estruturas com orçamento porque ”temem” o fortalecimento deste ator ou duvidam de sua legitimidade. Acrescenta ainda, que o Movimento Social que promoveu a redação/aprovação do Estatuto não tem pressionado as autoridades locais a fim de que se garanta o funcionamento deste órgão importante de defesa de direitos. Verificamos que, em relação à rede de proteção social, no município do Rio de Janeiro não há nenhuma iniciativa. Ao contrário do município de Niterói e alguns da Baixada Fluminense (Duque de Caxias e Nova Iguaçu) onde se observam experiências neste sentido. A relação com as instituições representativas da comunidade ainda é residual, limitando-se a algumas palestras, para as quais os Conselhos (50%) são convidados. Ainda não existem iniciativas
  • 4. comuns no sentido da prevenção ou articulação para a ação integrada, o que comprova a hipótese inicial de isolamento dos Conselhos. Quanto à capacitação, a maioria dos Conselhos (90%) apontou que somente participaram do treinamento inicial, após a posse. 60% revelaram que buscam por iniciativa própria algum aprimoramento, através de cursos, seminários, palestras, etc. Apenas 15% disseram ter participado de mais de um treinamento oficial. Sobre o tratamento de dados de atendimento, 75% afirmam não fazer nenhuma estatística. Os 25% que fazem a estatística, não realizam reconhecimento epidemiológico desta população. No que se refere à média anual de atendimento e a origem das denúncias, constata-se que 35% registram até 2000 atendimentos; 30% de 2001 a 3000 atendimentos; 20% mais de 3000 atendimentos e 15% não souberam informar. Foi observada a fragilidade no que diz a respeito ao registro e armazenamento deste dado, o que os torna pouco confiáveis. A maioria das denúncias provém dos hospitais (60%), seguidos de 50% provenientes das escolas e disque-denúncias, além de 40% da família. É importante considerar que as citações não são excludentes. Os Conselhos destacaram como principais dificuldades na intervenção os seguintes pontos: 70% alegam a falta de recursos internos (material de consumo e patrimonial, falta de manutenção nos equipamentos e viaturas) e a falta de recursos na rede assistencial; 30% registram a falta de capacitação e dificuldade na relação com o Ministério Público e Juizado da Infância e da Juventude (morosidade e cobranças irreais); 20% revelam a falta de sensibilidade dos profissionais de saúde ou de educação sobre a situação de abuso com a criança e adolescente e sobre o papel do Conselho Tutelar; 15% fazem referência à dificuldade para realizar a visita domiciliar em local de risco e destacam o nº reduzido de Conselhos no município, em função muita demanda; 10% lembram a dificuldade de acesso à assistência psicológica e em localizar o endereço referente à denúncia e 5% apontam falta de investimento do poder público na política da Infância e da Juventude. Dos 70% de Conselhos Tutelares que já atenderam encaminhamentos do HEGV, nenhum declarou ter dificuldades na relação com o mesmo. Cerca de 30%, nunca receberam qualquer encaminhamento, advindo desta unidade. As propostas para a melhoria na relação com o HEGV partiram daqueles Conselhos que já mantiveram contato com o mesmo. Assim, 35% não apresentaram propostas. 30% destacam a necessidade de maior integração com o CT; 20% deram ênfase à importância de mais iniciativas como a do Seminário realizado. 20% propuseram treinamento para melhor preenchimento da ficha de notificação compulsória;10% enfatizam a necessidade de ampliação da rede assistencial, 10% apontam a importância de fornecer mais subsídios, por parte dos técnicos notificantes, sobre a situação da criança e adolescente abusada, tal como o relatório ou a ficha de notificação compulsória mais detalhada; 10% defendem a realização reuniões trimestrais; além de lembrarem, no mesmo percentual, a importância de maior detalhamento no endereço fornecido, visto que alguns pais informam o endereço fictício; 5% ressaltam maior provimento de recursos necessários aos Conselhos Tutelares e, o mesmo percentual, sugere o contato telefônico prévio a notificação. Considerando-se que o instrumento de coleta de dados foi o questionário aberto, foi possível perceber no depoimento de alguns conselheiros o anseio pela definição de uma carga horária, já havendo a proposta de 30 horas semanais, já que o dispositivo do ECA que prevê o funcionamento permanente (24 horas) não é compatível com a falta de investimento do poder público, que não amplia o número de Conselhos, além de não oferecer o suporte necessário ao funcionamento dos já existentes. Assim, a carga horária torna-se excessiva para o
  • 5. funcionamento em horário permanente, diante de uma vasta área a ser atendida e da crescente demanda apresentada. 4 – Perspectiva dos assistentes sociais do HEGV sobre a atuação junto aos Conselhos Tutelares. O levantamento realizado entre a equipe de assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio Vargas teve o intuito de sistematizar os principais aspectos da ação destes profissionais juntos aos Conselhos Tutelares da região metropolitana, visando possibilitar a construção de estratégias comuns, na busca da necessária parceria e entrosamento com os mesmos. O estudo englobou 19 assistentes sociais, representando mais de 90% da equipe do Hospital Estadual Getúlio Vargas, os quais responderam ao questionário aberto, durante o período de 12 a 25.04.04, incluindo cinco itens: 1- Principais situações de maus-tratos vivenciadas no cotidiano profissional; 2- Forma de atuação e procedimentos adotados; 3- Principais dificuldades vivenciadas junto aos Conselhos Tutelares; 4 - Conselhos Tutelares com os quais encontra maiores dificuldades; 5- Sugestões para melhoria na relação com os Conselhos Tutelares. Trata-se da perspectiva destes profissionais sobre sua própria atuação, já que tal levantamento não se baseou em estudo sobre fontes primárias, e sim no depoimento dos mesmos. A atuação junto às situações de maus-tratos contra crianças e adolescentes é bastante diferenciado entre a equipe de assistentes sociais do HEGV2, já que estes estão inseridos em setores com características diversas. Os que atuam no setor de emergência estabelecem o contato inicial com tal demanda, com as características peculiares de tal condição, na maioria dos casos, de forma efêmera, além de serem absorvidas por demais demandas do setor. As duas que atuam na enfermaria de Pediatria dão seguimento aos atendimentos realizados no setor de emergência, já que este é a principal porta de entrada. Atendem, especificamente, crianças. Poucos casos recebem atendimento inicial. É possível o estabelecimento de maior vínculo com os usuários e, conseqüentemente, o aprofundamento sobre o conhecimento da dinâmica que envolve a demanda. As assistentes sociais que atuam nas demais enfermarias, convivem apenas esporadicamente com tais situações, restringindo-se aos adolescentes. Geralmente, o contato com os Conselhos Tutelares, quando necessário, são para seguimento de situações já notificadas no setor de emergência. Conforme o quadro exposto, constata-se que 64% da equipe estabelecem contatos regulares com os Conselhos Tutelares, enquanto que 41% mantém apenas contatos eventuais. 4.1 - Principais situações de maus-tratos vivenciadas no cotidiano profissional. As referências sobre as principais situações de maus-tratos vivenciadas no cotidiano profissional foram bastante diversificadas, não se limitando às formas mais acentuadas de violência, o que denota o amadurecimento da equipe para
  • 6. publicizar questões que vão além dos sintomas aparentes e imediatos da demanda mais agravada, buscando atuar também sobre aspectos voltados para prevenção primária da violência. A forma de maus-tratos mais citada foi a “negligência”, em suas várias manifestações (65%); seguida da “violência urbana” (59%), a qual atinge, particularmente, aos adolescentes; “abuso sexual” (59%); “abuso físico” (53%); e “auto-agressão” (23%). Englobada nas várias expressões de “negligência”, a “falta de Registro de nascimento” obteve 64% das citações dos assistentes sociais, representando o esforço atual da equipe, com êxitos significativos, em viabilizar o documento antes da alta hospitalar. Outras formas de negligência citadas foram: falta de higiene (53%); falta de vínculo com a rede de ensino (35,3%); quedas (29,4%); acidentes de trânsito (29,4%); acidentes domésticos (23,5%); situação de rua (23,5%); desnutrição (23,5%); cartão de vacinação desatualizado ou inexistente (23,5%); falta de puericultura ou outra forma de assistência médica (23,5%); desmame precoce (6%); trabalho infantil (6%) e alta à revelia (6%). Considerando-se a associação existente entre as várias formas de maus-tratos, conforme indica a literatura específica3, a observação e atuação dos profissionais sobre tal forma de maus-tratos podem contribuir para a identificação precoce das situações de risco social. 4.2 - Formas de atuação e procedimentos adotados. As citações dos assistentes sociais referentes às formas de atuação e procedimentos adotados durante o atendimento às situações de maus-tratos contra crianças e adolescentes revelam algumas contradições perpassadas na forma pela qual se organiza o processo de trabalho do Serviço Social no HEGV. Considerando-se que as respostas correspondem ao ponto de vista imediato e empírico, observa-se que a maioria dos assistentes social destaca sua atuação pelas diretrizes estabelecidas nas rotinas instituídas. Assim, 76,5% afirmam que emitem a Notificação Compulsória regularmente ou eventualmente, enquanto que 23,5 não necessitam de tal procedimento em suas ações cotidianas. 65% enfatizam a necessidade dos encaminhamentos aos recursos institucionais em seus atendimentos, e 47% ressaltam as ações de educação e saúde, bem como a importância do estabelecimento do contato prévio ou de seguimento com os Conselhos Tutelares. 35,3% lembram de fazer referência à relevância do esclarecimento aos usuários sobre o papel da notificação e do Conselho Tutelar. 29,4% referem-se à elaboração de sumários sociais complementares à notificação enquanto prática cotidiana. 23,5% registram a preocupação em encaminhar os responsáveis ao Conselho Tutelar no ato da notificação. Apenas 18% destacam a ação do acolhimento aos usuários e o mesmo percentual preocupa-se em realizar perfil sócio-familiar. 12% referem-se à importância de emitirem parecer e só 6% ressaltam o papel da ação interdisciplinar. Percebe-se que poucos profissionais fizeram referências às atividades de caráter educativas, informativas, acolhedor e assistencial. Tal contradição pode
  • 7. ser decorrente de fatores diversos, os quais ultrapassam o objetivo do presente trabalho. Entretanto, acredita-se que a atual cultura institucional hegemônica traduz-se em rotinas institucionais esvaziantes do sentido ampliado de saúde, tal qual possibilitasse a assistência para além do caráter curativo e emergencial das enfermidades, e, conseqüentemente, favorecendo as ações de promoção da saúde. Assim, o profissional de Serviço Social, como diria Vasconcelos (2002), acaba sendo envolvido em ações paliativas, imediatas e de grande sobrecarga, as quais, nem sempre, o competem, mas que o subordinam mais ao atendimento das demandas institucionais e de outros segmentos profissionais, em detrimento da intervenção de maior impacto sócio-educativo. Evidência mais constante de tal perspectiva, pode ser localizada na institucionalização da atribuição, quase exclusiva, de notificação compulsória de maus-tratos aos assistentes sociais. 4.3 - Principais dificuldades vivenciadas junto aos Conselhos Tutelares. A natureza dos diversos tipos de intervenção do Serviço Social, resultantes das várias formas de inserção dos assistentes sociais na equipe (emergência dia/noite, enfermaria de Pediatria e demais enfermarias), definirá também a forma de relacionamento com os Conselhos Tutelares, podendo ser eventuais e voltadas para soluções de questões imediatas, ou constantes, pretendendo inclusive participar do encaminhamento efetivo das situações de maus-tratos notificadas. A equipe de Serviço Social, de modo geral, localiza os entraves vivenciados junto aos Conselhos Tutelares em aspectos bastante pulverizados, em virtude das formas diferenciadas de intervenção Assim, verifica-se que a maioria da equipe localizou a principal dificuldade no acesso aos Conselhos Tutelares fora do horário comercial (35,3%), experiência essa, característica dos plantonistas de final de semana e do horário noturno. 29,4% reclamam da falta de retorno dos casos encaminhados, dado encontrado no posicionamento de assistentes sociais de vários setores. O mesmo percentual diz a respeito à falta de postura ética dos conselheiros para com os profissionais. 23,5% sinalizam a relação unilateral dos conselheiros em relação aos casos atendidos. Destaca-se a citação de 17,6% sobre a falta de definição nas orientações dos conselheiros, bem como da ausência de preparo técnico. Um percentual menor (11,8%) de assistentes sociais referiu-se a desorganização no processo de trabalho dos Conselhos, incluindo a demora no encaminhamento dos casos. O mesmo percentual ressaltou a falta de infra-estrutura (fax, viatura, linha telefônica, etc.). A minoria dos assistentes sociais (6%) enfatizou o abuso de poder; a omissão de alguns conselheiros sobre suas atribuições e a falta de reconhecimento pelos Conselhos sobre as características das diversas unidades. A definição da equipe de Serviço Social sobre os entraves vivenciados junto aos Conselhos Tutelares evidencia a falta de sintonia entre ambos os segmentos, os quais ignoram as contradições dos respectivos universos institucionais. Tal limitação restringe também a necessária parceria desses
  • 8. segmentos na defesa e na promoção dos direitos da criança e do adolescente, já que a própria legislação específica ressalta a necessária ação articulada entre os vários segmentos da sociedade civil. 4.4 - Conselhos Tutelares com os quais encontra maior dificuldade de relacionamento. O Conselho Tutelar de Ramos, por abranger os bairros dos quais provém a maioria dos usuários do HEGV, é aquele com o qual a equipe mantém mais contato, sendo apontado também como aquele de maior dificuldade de relacionamento (64%), seguido pelo Conselho Tutelar de Madureira (47%) e pelo Conselho Tutelar de Duque de Caxias (23%). Apenas 23% dos membros da equipe afirmam não terem tido qualquer dificuldade na relação com os Conselhos Tutelares. Cabe considerar nos percentuais referidos que alguns profissionais citaram mais de um Conselho. 4.5 - Sugestões para melhoria na relação com os Conselhos Tutelares: O item referente às sugestões para a melhoria na relação com os Conselhos Tutelares foi o que revela maior convergência entre os assistentes sociais, independentemente da forma de inserção na equipe. Assim, 70% defendem maior intercâmbio dos Conselhos Tutelares com profissionais de saúde; 40% defendem a necessidade de encontros ou seminários regulares; 30% dos assistentes sociais sugerem a capacitação sistemática dos conselheiros; 17% propõem um relatório mensal emitido pelos Conselhos Tutelares dos casos encaminhados pelas unidades de saúde; 10% destacam a necessidade de atualização da lista de telefones celulares; relação de novos conselhos criados, 6% esperam melhor orientação sobre os casos nos quais a orientação se faz necessário, 6% sugerem que os celulares estejam permanentemente ligados, 6% esperam que haja maior esclarecimento quanto às características de cada unidade, 6% acreditam que seja necessário maior capacitação dos demais profissionais de saúde e 6% defendem que haja maior presença dos conselheiros na unidade. A concentração de indicação da necessidade de maior intercâmbio com os Conselhos Tutelares (70%) pode estar associada à motivação para a adesão da equipe à proposta de realização do levantamento junto aos Conselhos Tutelares e do Seminário já referido na introdução deste trabalho. Cabe ressaltar que a maioria da equipe visitou os Conselhos pelos seus meios próprios e, alguns, durante o seu horário de folga. 5 – Considerações finais. A oportunidade de aproximação com os Conselhos Tutelares pode favorecer a constatação de que os avanços jurídicos conquistados a partir da promulgação do ECA tornam-se incompatíveis com a atual condição de funcionamento desses importantes espaços na busca de aplicação da lei.
  • 9. O descomprometimento do poder público, em particular dos Prefeitos, com o aparelhamento adequado dos Conselhos; manutenção dos equipamentos; melhor remuneração dos conselheiros; bem como com a ampliação do número de Conselhos existentes, fica bastante evidenciado no levantamento realizado .A falta de vontade política e a tendência ao tratamento da política pública enquanto mérito do executivo ou legislativo, nos moldes da cultura política tradicional, é a tendência que se verifica, com poucas exceções. A inexistência das Redes de Proteção Social nos moldes proposto pelo Ministério da Saúde4 na maioria dos municípios, inclusive no do Rio de Janeiro, é o retrato da ausência de políticas públicas, em particular, das voltadas para o segmento infanto-juvenil. Por outro lado, cabe à sociedade civil reassumir o seu protagonismo na defesa de políticas públicas inclusivas, mobilizando-se e participando dos espaços políticos conquistados a fim de pressionar o poder público ao cumprimento de seu papel. A acentuação dos níveis de exclusão social e, conseqüentemente, o crescimento da violência, as quais atingem prioritariamente as crianças e adolescentes, configuram a urgência no enfrentamento dos dilemas apresentados. Considerando-se a violência enquanto relevante questão de saúde pública, e as repercussões da mesma para o desenvolvimento físico e emocional do frágil segmento de crianças e adolescente, acredita-se que caiba aos serviços de saúde o estabelecimento de uma política institucional mais abrangente, articulada, especializada , com ênfase nas ações de prevenção e promoção da saúde. O Serviço Social no Hospital Estadual Getúlio Vargas espera estar fazendo a sua parte na busca de parceria com os Conselhos Tutelares, a exemplo da organização dos levantamentos explicitados e do “I Seminário sobre a atuação do Serviço Social junto aos Conselhos Tutelares da Região Metropolitana” em 25.05.2004. O evento contou com a presença de conselheiros e técnicos representando 09 Conselhos Tutelares, além de profissionais e estagiários de diversas áreas atuando no HEGV. Consideramos limitado o número de Conselhos presentes, mas, certamente, um passo significativo nesta caminhada. 6– Referências bibliográficas. BAZÍLIO, Luiz C. et alii. Infância, educação e direitos humanos.São Paulo:Cortez, 2003. BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lei federal 8069 de 13.07.69.
  • 10. BRASIL. Ministério da Saúde. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes: um passo a mais na cidadania em saúde. 2a ed.rev. Brasília: Ministério da Saúde. 2002. CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL – 7a. REGIÃO. “O projeto de profissão e a prática na área de saúde”. In: Práxis. Informativo bimensal, ano II, n.7, p. 6-9, maio/2000. CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL – 7a. REGIÃO. “ECA – 10 anos. Uma legislação inovadora que esbarra em práticas conservadoras”. In: Práxis. Informativo bimensal, ano II, n.8, p. 5-7, julho/2000. DESLANDES, S. F. “O atendimento às vítimas de violência na emergência: prevenção numa hora dessas?”. Revista Ciência e Saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO. V.1, n.1, p.81-94, 1999. ____________________Prevenir a violência. Um desafio para profissionais de saúde. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz, 1997. HONORATO, César. “Modernidade a Jeca Tatu: um ensaio de reflexão acerca das políticas sociais no Estado do Rio de Janeiro”. In: Em pauta. V.9, p. 139- 151, 1996. MENDES, Alessandra G. e MATOS, Maurílio C. “Uma agenda para os Conselhos Tutelares. Rio de Janeiro”. (mimeo). 2004. Notas: 1 Assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio Vargas, atuando na enfermaria de Pediatria. 2 A equipe é composta de 21 assistentes sociais, sendo que: 9 atuam nas enfermarias, incluindo CTI e triagem na sala do Serviço Social; 8 atuam no setor de emergência durante o dia; e 4, no setor de emergência, durante a noite. Destes, 19 atuam em regime de plantão e 2 são diaristas, atuando nas enfermarias. 3 DESLANDES, Suely F. “Prevenir a violência. Um desafio para profissionais de saúde”. Rio de Janeiro:ENSP/Fiocruz, 1997. 4 BRASIL. Ministério da Saúde. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes: um passo a mais na cidadania em saúde. 2a ed.rev. Brasília: Ministério da Saúde. 2002.