Este documento é uma sentença judicial que determina: 1) A Caixa Econômica Federal é parte legítima para processos sobre o FGTS; 2) O índice de correção monetária do FGTS deve refletir fielmente a inflação para preservar o valor real dos direitos dos trabalhadores, conforme a Constituição; 3) A Taxa Referencial não reflete adequadamente a inflação e deve ser substituída pelo IPCA ou INPC para corrigir as contas do FGTS.
Sentença favorável do fgts inpc - campo grande - ms
1. 2014/620100014670-98578-JEF
PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL PREVIDENCIÁRIO DA 3ª REGIÃO
TERMO Nr: 6201002414/2014 SENTENÇA TIPO: B
PROCESSO Nr: 0003952-32.2013.4.03.6201
AUTUADO EM 16/10/2013
ASSUNTO: 010801 - FGTS/FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO - ENTIDADES
ADMINISTRATIVAS/ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CLASSE: 1 - PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL
AUTOR: ENIO MACHADO DE OLIVEIRA
ADVOGADO(A)/DEFENSOR(A) PÚBLICO(A): MS016303 - ARTHUR ANDRADE FRANCISCO
RÉU: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR(A)/REPRESENTANTE:
DISTRIBUIÇÃO ORDINÁRIA POR SORTEIO ELETRÔNICO EM 17/10/2013 16:40:52
JUIZ(A) FEDERAL: HERALDO GARCIA VITTA
SENTENÇA
DATA: 18/02/2014
LOCAL: Juizado Especial Federal Cível Campo Grande, SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE-MS, à Rua 14 de Julho,
356, Campo Grande/MS.
I - RELATÓRIO
A parte autora ajuizou a presente ação em face à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, objetivando a
substituição do índice de correção monetária aplicado às contas vinculadas do FGTS (Taxa Referencial - TR)
pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC ou pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA,
com o pagamento das diferenças decorrentes da alteração.
II - FUNDAMENTO
Questões Prévias
Da ilegitimidade passiva da CEF e do litisconsórcio passivo necessário - União e BACEN.
Afasto a preliminar de ilegitimidade passiva ad causan. A Caixa Econômica Federal, como agente
operador e único depositário do FGTS (art. 4º da lei 8036/90), está legitimada para todas as ações em que se discutem matérias
atinentes ao fundo, sua remuneração, hipóteses de levantamento e demais litígios entre os beneficiários e o FGTS.
A matéria encontra-se pacificada em nossos tribunais, tendo sido sumulada pelo E. STJ, no seguinte
teor:
'Súmula nº 249: A Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva para integrar processo em que se
discute correção monetária do FGTS.'
Igualmente, no que concerne à legitimidade passiva, não há que se falar em litisconsórcio passivo
necessário da União e do BACEN, pois, ainda que sejam os agentes normativos do FGTS, a
inconstitucionalidade/nulidade das normas citadas (leis 8.036/90 e 8.177/91 e resoluções do CMN/BACEN) foi
veiculada apenas como fundamento jurídico incidenter tantum e não como pedido principal. O pedido principal
é a recomposição das contas vinculadas, geridas e operadas pela CEF, única legitimada, portanto, para este
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processo.
Desta feita, a CEF é parte legítima, como único ente legitimado passivamente para a causa, motivo pelo
qual afasto as alegações.
Mérito
A princípio, deve-se destacar ponto importante da leitura do Texto Constitucional. O FGTS é um dos
direitos dos trabalhadores, assegurados constitucionalmente, no artigo 7º, III; encontra-se no Capítulo II,
pertinente aos DIREITOS SOCIAIS (art.6º), especificamente no Título II - DOS DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS, da Constituição da República.
Assim, o FGTS é TAMBÉM DIREITO INDIVIDUAL. Como diz Bobbio:
“...não há nenhuma Constituição democrática que não pressuponha a existência de direitos individuais,
ou seja, que não parta da idéia de que primeiro vem a liberdade dos cidadãos singularmente
considerados, e só depois o poder do governo, que os cidadãos constituem e controlam através de suas
liberdades.” (A Era dos Direitos, p.130., Campus, trad. Carlos Nelson Coutinho, 2004. Grifos nossos )
Os direitos sociais constituem direitos fundamentais; José Afonso da Silva expõe:
“Certa corrente concebe os direitos sociais não como verdadeiros direitos, mas como garantias
institucionais, negando-lhes a característica de direitos fundamentais. A doutrina mais conseqüente,
contudo, vem refutando essa tese, e reconhece neles a natureza de direitos fundamentais, ao lado dos
direitos individuais, políticos e do direito à nacionalidade. São direitos fundamentais do homem-social, e
até ‘se estima que, mais que uma categoria de direitos fundamentais, constituem um meio positivo para
dar um conteúdo real e uma possibilidade de exercício eficaz a todos os direitos e liberdades.’[Pérez
Luño, “Delimitación conceptual de los derechos humanos”, Derechos humanos, p.217].”
(Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p.151, Malheiros Editores, 2008. Grifos originais.)
Na verdade, o FGTS é direito fundamental do trabalhador; cujas normas devem atender à finalidade
para a qual foram instituídas, ou seja, elas existem, têm sentido, para beneficiarem o trabalhador. Basta referir
a dois dispositivos constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana (art.1º, III), fundamento da
República; e o artigo 85, III, segundo o qual configura crime de responsabilidade do Presidente da República a
prática de atos que atentem contra a Constituição, especialmente, o ‘exercício dos direitos políticos, individuais
e sociais.’(g.n.).
Um dos princípios da atividade econômica é a busca do pleno emprego (art.170, VIII). Correlato a essa
norma é a garantia do salário-mínimo, para as necessidades básicas do ser humano (trabalhador) (art.7º, IV).
Mesmo porque, segundo o artigo 170, “caput”, da CF, a ordem econômica está fundada, dentre outros vetores,
na valorização do trabalho humano.
Aliás, a rigor, as contas vinculadas ao FGTS são absolutamente impenhoráveis (art.2º, §2º, Lei 8.036, de
11 de maio de 1990; e devem ser aplicados, nos saldos, atualização monetária e juros, de modo a assegurar a
cobertura de suas obrigações (cf.art.2º, “caput”).
Assim, qualquer lei ou ato administrativo que contrarie a ‘garantia’ do FGTS ao trabalhador será írrita,
inconstitucional, pois atinge a essência da Constituição do Brasil, a proteção dos direitos fundamentais
(sociais).
Por conseguinte, o índice de correção monetária do FGTS deve ser aquele que atende fielmente aos
dispositivos constitucionais referidos, vale dizer, o que reflete, de fato, a inflação do período correspondente.
Pois, o Direito não existe por si só; ela regula ações e relações humanas, visa ao bem-estar na sociedade.
Um pseudo-índice de correção, a Taxa Referencial (TR), por evidência não é suficiente à mantença do
valor do FGTS, que é direito fundamental do trabalhador, assegurado na Constituição. O próprio STF já
decidiu, na ADI 493-0DF, não ser a TR índice de correção monetária, pois não constitui índice que reflita a
variação do poder aquisitivo da moeda.
Ademais, inúmeras vezes, governantes manipulam este ou aquele índice oficial de correção monetária,
ante os reflexos que advém na economia nacional. Manipulações essas nem sempre percebidas pela população,
e até mesmo por economistas. Com efeito, explica o Professor de Economia, Dércio Garcia Munhoz:
“...Lembrando que diferente caminhos deveriam levar a conclusões idênticas, assinalamos que ‘...o que
se observa, em realidade, é que nas ciências econômicas isso nem sempre tem ocorrido. O que é
surpreendente, levando à única conclusão possível, de que um dos processos revela-se inadequado
à investigação pretendida, impedindo o verdadeiro diagnóstico.’”(Uma visão não ortodoxa da
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inflação brasileira, Entre Crises, p.116, Thesaurus, 2012.Grifos originais)
O entendimento segundo o qual o magistrado deve seguir apenas os índices oficiais (pseudo-índices) de
correção monetária, porque o FGTS tem natureza institucional, nada impedindo a alteração dos seus elementos
caracterizadores, inclusive quanto à atualização monetária, não tem o menor sentido diante das citadas normas
constitucionais, protetoras dos direitos dos trabalhadores.
É bem verdade, a lei pode alterar os elementos conformadores das contas vinculadas ao FGTS. Contudo,
o princípio da razoabilidade impede desvios da atividade legislativa, a qual deve ser ponderada diante dos
princípios, valores e bens protegidos na Carta Magna. A lei não pode tudo. Deve respeitar o Texto
Constitucional, a matéria, o conteúdo das normas e dos princípios insculpidos nele. Caso contrário, onde ficaria
o princípio da segurança jurídica, que decorre do regime democrático de Direito (“Hoje tal princípio
[segurança jurídica] encontra-se normativamente inserido [na área federal] no art.2º, “caput”, da Lei 9.784, de
29.1.1999; decorre, porém, do Estado Democrático de Direito...” )? Ou o da moralidade administrativa, que
exige, como perfilhamos, o dever de boa-administração(Idem, ibidem, p.90.)? Aliás, o princípio da eficiência
(art.37, “caput”, da CF, com redação da EC 19/98) é face do dever da boa-administração, inerente no regime
democrático de direito, adotado no país (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo,
p.125, 30ªed., Malheiros, 2013; Heraldo Garcia Vitta, Aspectos..., cit., p.93.).
Dentre os aspectos do ‘postulado da razoabilidade’, relatados por Humberto Ávila, destaque-se a
‘razoabilidade como congruência’, isto é, exige-se harmonização das normas com suas condições externas de
aplicação. Explica o autor:
“A interpretação das normas exige o confronto com parâmetros externos a elas. Daí se falar em dever
de congruência e de fundamentação na natureza das coisas (Natur der Sache). Os princípios
constitucionais do Estado de Direito (art.1º) e do devido processo legal (art.5º, LIV) impedem a
utilização de razões arbitrárias e a subversão dos procedimentos institucionais utilizados. Desvincularse da realidade é violar os princípios do Estado de Direito e do devido processo legal.” (Teoria dos
Princípios, p.158, 10ªed., Malheiros, 2009. Grifos não-originais.)
No regime brasileiro, o magistrado detém o monopólio da jurisdição; somente a decisão jurisdicional
comporta ‘res judicata’, propriamente (art.5º, XXXV, CF: princípio da inafastabilidade da jurisdição). Assim,
compete ao juiz analisar o plexo de princípios e normas da ordenação normativa; deve o juiz confrontar a lei à
Constituição; essa é a tarefa maior do Judiciário.
Celso Antônio Bandeira de Mello explica, com a peculiar proficiência:
“A interpretação que o Legislativo faz da Lei Maior é simples condição do exercício de sua missão
própria: legislar dentro dos termos permitidos. Nisto não se diferencia da interpretação das leis que o
Executivo necessita fazer para cumpri-las. Porém, nem um nem outro têm a função jurídica de
interpretar normas. A interpretação que fazem é itinerário lógico irremissível para o cumprimento de
outras funções, Diferentemente, o único a quem assiste - e monopolisticamente - a função de interpretar
normas, para aplicá-las aos casos concretos, é o Poder Judiciário.” (Eficácia das Normas Constitucionais e
Direitos Sociais, p.52, Malheiros Editores, 2009.Grifos originais.)
Logo, o juiz pode ‘desprezar’ índice de correção monetária, que não atende aos comandos contidos na
Carta Magna; tem dever jurídico de confrontar a lei ao Texto Constitucional; e assim, determinar a aplicação de
outro índice, que melhor reflita a inflação do período. É se ‘solar evidência’; a TR, em face do IPCA-E e do
INPC, é significativamente menor. Tornou-se fato público e notário!
Com a TR ostentando índices quase zerados, desde 2009, os saldos das contas do FGTS acabaram
remunerados somente pelos juros anuais de 3%, previstos no artigo 13, da Lei 8.036/90. Uma aberração! Pobre
trabalhador!
De acordo com informações oficiais, a partir de 1999, os índices da TR quase sempre ficaram abaixo
dos do IPCA, chegando ao final com TR muito próxima de 0%. Isso ocorreu, basicamente, a partir da
metodologia iniciada pela Resolução CMN 2.604, de 23.04.99, com efeitos a partir de 01º.06.99. Assim, o
artigo 13, da Lei 8.036/90 (os depósitos do FGTS são corrigidos com base na atualização dos saldos dos
depósitos de poupança e capitalização de juros de 3%a.a.) não garante a recomposição das perdas inflacionárias.
(cf.sentença procedente, da Justiça Federal de Pouso Alegre/MG, proferida pelo Juiz Federal Titular, Márcio
José de Aguiar Barbosa).
Ademais, conforme informa o Juiz Federal Substituto, Diego Viegas Véras, de Foz do Iguaçu (PR), em
sentença procedente, (Juizado Especial Cível 5009533-35.2013.404.7002/PR), a taxa cobrada no programa
habitacional “Minha casa melhor”, é de 5% a/a, e no “Minha casa minha vida’, de 5% a 8,66% a/a.
Assim, no momento de utilizar o saldo do FGTS (art.20, V, da L.8.036/90 permite o saque), para
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4. 2014/620100014670-98578-JEF
financiamento habitacional, o trabalhador sofrerá a triste sina de pagar juros superiores àqueles com os quais a
conta DO FGTS foi remunerada. Uma incongruência!
Como base jurídica, o melhor caminho é a utilização do INPC, índice que corrige salários e benefícios
previdenciários; não se pode descurar: se o salário mínimo é corrigido por esse índice, o depósito do FGTS
também deve sê-lo, por estar, umbilicalmente, ligado àquele.
<# DISPOSITIVO
Posto isto, JULGO PROCEDENTE o pedido autoral para declarar a inconstitucionalidade parcial
superveniente do art. 13 da lei 8.036/90 c/c arts. 1º e 17 da lei 8.177/91, desde 01/06/1999, pela não vinculação
da correção monetária do FGTS a índice que venha recompor a perda de poder aquisitivo da moeda, e condenar
a CEF a:
1) no caso dos depósitos do FGTS não levantados até a data da recomposição:
a) recalcular a correção do FGTS desde 01/06/1999, substituindo a atualização da TR pelo INPC,
mantendo-se os juros remuneratórios de 3% ao ano previstos no art. 13 da lei 8.036/90, depositando as
diferenças corrigidas na(s) conta(s) vinculada(s) respectiva(s);
b) pagar juros moratórios de 1% ao mês sobre as diferenças corrigidas apuradas no item “a”, desde a
citação até a data da recomposição da(s) conta(s) vinculada(s), depositando os juros na(s) conta(s) vinculada(s)
respectiva(s);
2) no caso dos depósitos do FGTS levantados entre 01/06/1999 até a data da recomposição:
a) recalcular a correção do FGTS desde 01/06/1999, substituindo a atualização da TR pelo INPC,
mantendo-se os juros remuneratórios de 3% ao ano previstos no art. 13 da lei 8.036/90, até a data do
levantamento a partir da qual a diferença deverá ser corrigida unicamente pelo INPC até o depósito em juízo
nos termos do art. 475-J do CPC;
b) pagar juros moratórios de 1% ao mês sobre as diferenças corrigidas do item “a” desde a citação até a
data do depósito em juízo nos termos do art. 475-J do CPC.
Proceda-se a retificação do complemento do assunto para fazer constar correção/atualização
INPC/IPCA/ Outro Índice.
Sem custas e sem honorários nesta instância judicial, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95.
Oportunamente, proceda-se à baixa dos autos.
P.R.I.#>
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