Este documento apresenta o prólogo de um livro e descreve o nascimento e primeiros anos de vida de Simon Basset, o duque de Hastings. Seu pai fica desapontado ao descobrir que Simon tem gagueira e acredita que ele é tolo, enquanto a babá defende que ele é muito inteligente.
(Família bridgerton 01) julia quinn - o duque e eu
1. Julia Quinn
Disponibilização: Sahar, Circle, Dandelion, Laia Y Carmen
Tradução: Zel
Revisão: Edith
Rev. final e formatação: Iara
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RESUMO
Todos pareciam divertir-se naquele baile que reunia o mais seleto da
sociedade londrina. Todos, exceto eles dois.
Daphne, uma formosa jovem perturbada por uma mãe obcecada para lhe
encontrar um marido quanto antes, e Simon Basset, o novo duque do
Hastings, que não quer saber nada da vida social de Londres nem dos
esforços das elegantes damas de "caçá-lo" com uma de suas filhas.
Ao conhecerem-se, ocorreu-lhes o plano perfeito: um compromisso fictício
que mantenha afastadas às pretendentes do duque e tranqüila à mãe do
Daphne. Mas não seria simples, já que o irmão do Daphne, amigo do
Simon, não é fácil de enganar, nem tampouco o são as experientes damas
da alta sociedade. Embora o que complicará de verdade as coisas será a
aparição de um elemento que não estava previsto neste jogo de dois lados:
o amor.
Nota da Revisora Edith:
Gostei muito do livro. A autora tem um jeito divertido de escrever uma historia
também divertida. Uma família grande e buliçosa com uma mãe muito esperta.
A mocinha não é burra e consegue levar o mocinho numa boa.
Quanto ao mocinho... um pouco teimoso por conta de uma infância difícil. Ora
ele era gago! E o pai o repudia achando que ele era imbecil quando na verdade
era brilhante e um tudo de bom!
Prólogo
O nascimento do Simon Arthur Henry Fitzranulph Basset, conde do
Clyvedon, foi recebido com grandes celebrações. Os sinos repicaram
durante horas, houve champanha para todos festejar a chegada do
recém-nascido e todo o povo do Clyvedon deixou seus trabalhos para
unir-se à festa organizada pelo pai do jovem conde.
-Este não é um menino qualquer - lhe disse o padeiro ao ferreiro.
E não o era porque Simon Arthur Henry Fitzranulph Basset não
seria conde do Clyvedon para sempre. O título era pura cortesia. Simon
Arthur Henry Fitzranulph Basset, o menino com mais nomes dos que
qualquer menino pudesse necessitar, era o herdeiro de um dos ducados
2
3. mais antigos e ricos da Inglaterra. E seu pai, o duque do Hastings, tinha
estado esperando este momento durante anos.
Enquanto passeava com seu filho nos braços em frente do quarto de
sua mulher, não cabia o coração do duque no peito de quão orgulhoso
que estava. Passados os quarenta anos, tinha visto como todos seus
amigos duques e condes geraram herdeiros. Alguns tinham tido que ver
nascer várias filhas antes da chegada do esperado varão mas, no final,
todos tinham assegurado a linha sucessória, que seu sangue perduraria
nas próximas gerações da alta sociedade britânica.
Mas o duque do Hastings não. Apesar de sua mulher ter conseguido
conceber cinco filhos, só duas das gravidezes chegaram aos nove meses
e, em ambos os casos, os meninos nasceram sem vida. Depois da quinta
gravidez, que acabou no quinto mês com um aborto no qual a mãe
perdeu muito sangue, todos os médicos comunicaram aos duques que
não era aconselhável voltar a tentar conceber. A vida da duquesa corria
perigo. Estava muito fraca e possivelmente, segundo os médicos, era
muito velha. O duque teria que ir se fazendo à idéia de que o ducado do
Hastings deixaria de pertencer à família Basset.
A duquesa, entretanto, Deus a benza, conhecia perfeitamente qual
era seu papel e, depois de um período de recuperação de seis meses,
abriu a porta que comunicava os dois dormitórios, e o duque voltou a a
busca de um filho.
Cinco meses depois, a duquesa comunicou ao duque que estava
grávida. A euforia do primeiro momento ficou empanada pela firme
decisão do duque de que nada, absolutamente nada, truncasse esta
gravidez. A partir do mesmo momento em que a duquesa teve a primeira
falta, viu-se obrigada a guardar cama. Um médico ia visitá-la todo dia e,
na metade da gravidez, o duque localizou ao melhor doutor de Londres e
lhe ofereceu uma dinheirama para que abandonasse seu consultório e se
transladasse ao Clyvedon temporalmente.
Desta vez, o duque não estava disposto a correr nenhum risco. Teria
esse filho e o ducado ficaria na família Basset.
A duquesa começou a ter dores ao oitavo mês e as enfermeiras lhe
colocaram travesseiros debaixo do quadril. O doutor Stubbs lhes
explicou que a gravidade faria que o menino se mantivesse dentro.
Pareceu um argumento lógico ao duque e, quando o doutor partia à
noite, colocava outro travesseiro, deixando-a formando um ângulo de
vinte graus. E assim
permaneceu durante um mês.
E, por fim, chegou a hora da verdade. Todos rezavam pelo duque,
que tanto desejava um herdeiro, e poucos se lembraram da duquesa que,
à medida que lhe tinha crescido a barriga, tinha ido perdendo peso até
ficar nos ossos. Ninguém queria ser muito otimista porque, ao fim e ao
cabo, a duquesa e tinha dado a luz e sepultura a dois meninos. Além
disso, embora tudo saísse bem, podia perfeitamente ser uma menina.
Quando os gritos da duquesa foram mais fortes e freqüentes, o
3
4. duque, fazendo caso omisso das queixas do doutor, parteira e criada da
duquesa, entrou no quarto de sua mulher. Tudo estava cheio de sangue,
mas estava decidido a estar presente quando se conhecesse o sexo do
bebê.S
aiu a cabeça, logo os ombros. Todos se inclinaram para ver o fruto
dos dores e empurrões da duquesa e, então...
E então o duque soube que Deus existia e que estava com os Basset.
Deixou que a parteira o limpasse e logo agarrou ao menino nos braços e
saiu para -mostrá-lo a todo mundo.
-É um menino! -gritou-. Um menino perfeito!
E enquanto os criados o celebraram, o duque olhou ao pequeno
conde e lhe disse:
-É perfeito. É um Basset. E é meu.
Queria levá-lo fora para que todos vissem que tinha tido um varão
são e forte, mas estavam a princípio de abril e havia um pouco de frio
assim, no final, aceitou que a parteira o levasse com a mãe. O duque
montou no lombo de um cavalo castrado e saiu para celebrar, gritando a
todo aquele que quisesse escutar a boa notícia.
Enquanto isso, a duquesa, que desde do parto não tinha deixado de
sangrar, ficou inconsciente e, ao final, faleceu.
O duque sentiu muito por sua mulher. Sentiu com toda a alma. Não
a tinha amado, é claro, nem ela a ele, mas tinham mantido uma bonita
amizade desde a infância. Do matrimônio, o duque só esperava um filho
e herdeiro e, nesse aspecto, sua mulher tinha demonstrado ser um
exemplo de conduta. Deu ordens de que toda semana houvesse flores
frescas em sua tumba, todo ano, e levaram seu retrato do salão para o
vestíbulo, para um lugar proeminente em cima da escada.
E logo o duque se dedicou à tarefa de criar a seu filho.
Obviamente, o primeiro ano não pôde fazer quase nada. O bebê era
muito pequeno para os livros de administração das terras e
responsabilidades, assim o deixou aos cuidados da babá e foi para
Londres, onde continuou com a vida que levava antes de ser pai, salvo
que agora obrigava a todo mundo, inclusive o rei, a olhar o retrato em
miniatura que tinha feito de seu filho pouco depois de nascer.
Visitava Clyvedon de vez em quando e, para o segundo aniversário
do Simon, retornou com a intenção de encarregar-se pessoalmente da
educação do conde. Tinha-lhe comprado um pônei, uma pistola para
quando fosse maior e fosse à caça da raposa e tinha contratado a
professores para que lhe ensinassem tudo o que um homem pode saber.
-É muito jovem para tudo isto! - exclamou a babá Hopkins.
-Bobagem - respondeu o duque de um modo condescendente. -
Obviamente, não espero que se especialize em nenhuma destas matérias
nos próximos anos, mas nunca é muito cedo para iniciar a educação de
um duque.
-Não é um duque - disse a babá.
- Mas será.
4
5. Hastings lhe deu as costas e se agachou junto a seu filho, que
estava construindo um castelo assimétrico com uns blocos no chão. O
duque fazia meses que não ia ao Clyvedon e ficou encantado com o
muito que Simon tinha crescido. Era um menino são e forte, de cabelo
castanho e olhos azuis.
-O que está construindo, filho?
Simon sorriu e apontou.
Hastings olhou à babá Hopkins.
-Não fala?
Ela sacudiu a cabeça.
- Ainda não, senhor.
O duque franziu o cenho.
-Tem dois anos. Não deveria falar já?
-Alguns meninos custam mais que outros, senhor. Mas está claro
que é um menino brilhante.
-Claro que o é. É um Basset.
A babá assentiu. Sempre o fazia quando o duque falava da suposta
superioridade dos Basset.
- O melhor - sugeriu - não tem nada que dizer.
O duque não pareceu muito convencido, mas deu ao Simon um
soldado de brinquedo, acariciou-lhe a cabeça e foi montar a nova égua
que tinha comprado de lorde Worth.
Entretanto, dois anos depois não teve tanta paciência.
-por que não fala? - gritou.
-Não sei - respondeu a babá, retorcendo as mãos.
-O que lhe tem feito?
-Eu não lhe tenho feito nada!
-Si tivesse feito bem seu trabalho, meu filho - disse, assinalando ao
Simon com um enfurecido dedo-, falaria.
O menino, que estava praticando com as letras em sua pequena
escrivaninha, não perdia detalhe da conversa.
-Pelo amor de Deus, tem quatro anos - grunhiu o duque - supõe-se
que já deveria falar.
-Sabe escrever - se apressou a dizer a babá Hopkins-. Criei cinco
crianças, e nenhuma aprendeu a escrever tão rápido como o senhorzinho
Simon.
-Si não pode falar, vai precisar escrever muito - disse, e acrescentou,
dirigindo-se ao menino, com os olhos acesos. - Diga algo, maldição!
Simon se virou para trás, com os lábios trêmulos.
-Senhor! -exclamou a baba. - Está assustando-o.
Hastings deu meia volta para olhá-lo no rosto.
- No melhor dos casos é o que necessita. Talvez necessite de uma
boa dose de disciplina. Uma boa surra possivelmente sirva para lhe fazer
falar. Agarrou a escova de prata que a babá usava para pentear ao Simon
e se dirigiu para seu filho.
5
6. -Eu o farei falar, pequeno estúpido.
-Não!
A babá Hopkins conteve a respiração. O duque deixou cair à escova.
Foi a primeira vez que escutaram a voz do Simon.
-O que disse? - sussurrou o duque, com os olhos cheios de lágrimas.
Simon fechou os punhos e a mandíbula e começou a mover-se
quando disse:
-Não me b-b-b-b-b-b-b...
O duque empalideceu.
-O que está dizendo?
Simon voltou a tentar.
-N-n-n-n-n-n-n…
-Deus meu - sussurrou o duque, horrorizado-. É tolo.
-Não é tolo! - disse a babá, abraçando ao menino.
-N-n-n-n-n-n-n-não me b-b-b-b-b-b-b - Simon respirou fundo - bata.
Hastings se deixou cair em uma cadeira, com a cabeça entre as
mãos.
-O que fiz eu para merecer isto? O que poderia ter feito para...
-Deveria alegrar-se por ele! - recriminou a babá. - Está ha quatro
anos esperando que fale e, agora, quando o faz...
-É idiota! -gritou Hastings- Um maldito idiota!
Simon se se pôs a chorar.
-O condado de Hastings vai para mãos de um tolo - disse o duque -
Tantos anos esperando um herdeiro e tudo para nada. Deveria ter dado o
título a meu primo. - Lhe deu as costas a seu filho, que estava secando
as lágrimas com as mãos, tentando ser forte ante seu pai. – Não posso
olhá-lo. Nem sequer suporto olhá-lo.
E, então, saiu.
A babá abraçou o menino.
-Não é tolo - lhe sussurrou, furiosa - É o menino mais inteligente
que conheço. E se alguém pode aprender a falar corretamente, esse é
você.
Simon se aninhou em seu regaço e soluçou.
-Verá - disse a babá. - Terá que engolir suas palavras, embora seja a
última coisa que faça nesta vida.
A babá Hopkins se esforçou por cumprir sua palavra. Enquanto o
duque do Hastings se instalava em Londres e tentara fazer ver que não
tinha nenhum filho, ela passou cada minuto do dia com o Simon, lhe
ensinando letras e sons, elogiando-o quando fazia algo bem e lhe dando
palavras de ânimo quando falhava.
Os progressos eram lentos, mas, pouco a pouco, o discurso do
Simon foi melhorando. Aos seis anos, o "n-n-n-n-n-n-n-não" se converteu
em "n-n-não", e aos oito já dizia frases inteiras sem titubear. Entretanto,
quando estava nervoso ou zangado continuava tendo problemas, e a
babá Hopkins teve que lhe recordar que tinha que estar tranqüilo se
quisesse pronunciar as palavras inteiras.
6
7. Mas Simon estava decidido, era inteligente e, o mais importante, era
muito teimoso. Aprendeu a respirar fundo antes de cada frase e a pensar
o que ia dizer antes de abrir a boca. Memorizou a sensação que tinha na
boca quando falava bem e tentou analisar o que não funcionava quando
gaguejava.
E, ao final, aos onze anos, olhou à babá nos olhos, respirou fundo, e
disse:
- Creio que chegou à hora de ir ver meu pai.
A babá o olhou muito séria. O duque não tinha vindo ver seu filho
em sete anos. E tampouco tinha respondido a nenhuma das cartas que
Simon lhe tinha enviado. E foram perto de uma centena.
-Está seguro? - lhe perguntou.
Simon assentiu.
-Está bem. Direi que preparem a carruagem. Sairemos para Londres
amanhã pela manhã.
A viagem durou um dia e meio e, quando cruzaram a grade do
Basset House era quase de noite.
Simon observou maravilhado o ir e vir de carruagens nas ruas de
Londres enquanto subia a escada da entrada pela mão da babá Hopkins.
Nenhum dos dois tinha estado antes no Basset House assim, quando
chegaram à porta principal, à a babá só lhe ocorreu bater o trinco.
A porta se abriu em seguida e se viram observados por um mordomo
bem imponente.
-As entregas - disse, fechando a porta, - fazem-se pela porta detrás.
-Espere um segundo! - disse a babá, colocando um pé no umbral -
Não somos criados.
O mordomo olhou com desdém sua roupa.
-Bom, eu sim, mas ele não. -Pegou Simon pelo braço e o colocou
diante de dele. - É o conde Clyvedon e será melhor que o trate com um
pouco mais de respeito.
O mordomo ficou com a boca aberta e piscou várias vezes antes de
falar.
-Pelo que sei, o conde Clyvedon está morto.
-O que? -exclamou a babá.
-Asseguro-lhe que não estou morto! - disse Simon, com toda a
indignação que pode mostrar um menino de onze anos.
O mordomo o olhou e em seguida reconheceu o olhar dos Basset.
Fez eles entrarem.
-por que achava que estava m-morto? -perguntou Simon,
amaldiçoando-se por gaguejar, embora não lhe surpreendeu porque era o
que lhe acontecia quando se zangava.
-Não me corresponde responder a essa pergunta - respondeu o
mordomo.
- Claro que sim - disse a babá. - Não pode dizer algo assim a um
menino de sua idade e não explicar-lhe.
O mordomo ficou calado, e depois disse:
7
8. - O duque não o mencionou em anos. A última coisa que disse foi
que não tinha nenhum filho. Parecia muito afetado, assim ninguém lhe
fez mais perguntas. Nós, bom os criados, supusemos que tinha morrido.
Simon apertou a mandíbula e tentou acalmar a raiva que sentia em
seu interior.
-Se seu filho tivesse morrido, não teria estado luto? - perguntou a
babá. - Não lhe ocorreu pensar isso? Como pôde pensar que o menino
estava morto se seu pai não levava luto?
O mordomo encolheu os ombros.
-O duque costuma vestir-se de negro. O luto não teria alterado sua
maneira de vestir.
-Isto é uma ofensa - disse a babá. - Exijo que vá procurar ao duque
imediatamente.
Simon não disse nada. Estava fazendo um grande esforço para
tentar controlar suas emoções.
Tinha que fazê-lo. Só poderia falar com seu pai se acalmasse um
pouco.
O mordomo assentiu.
-Está lá em cima. Comunicarei sua chegada imediatamente.
A babá começou a caminhar furiosa de um lado a outro,
resmungando entre dentes e referindo ao duque em todas as palavras
ofensivas de seu extraordinariamente amplo vocabulário. Simon ficou no
meio da sala, com os braços ao lado do corpo, respirando fundo.
"Pode fazê-lo - dizia. - Pode fazê-lo"
A babá o olhou, viu que tentava controlar suas emoções e, em voz
baixa, disse-lhe:
-Respira fundo. E pensa nas palavras antes de falar. Se pode
controlar...
- Vejo que continua mimando-o como sempre - disse uma voz da
porta.
A babá se levantou e, lentamente, virou-se. Tentou encontrar algo
receoso que dizer. Mas, quando olhou ao duque, viu o Simon em seus
olhos e a invadiu a raiva. Pode ser que o duque se parecesse com seu
filho, mas não era um pai para ele.
-Você, senhor, é um ser desprezível - disse, afinal.
-E você, senhora, está despedida.
A babá retrocedeu.
-ninguém fala assim com duque do Hastings - disse. - Ninguém!
-Nem sequer o rei? - disse Simon.
Hastings se voltou, sem logo dar-se conta de que seu filho tinha
pronunciado perfeitamente essas palavras.
-Você - disse o duque, em voz baixa.
Simon assentiu. Tinha conseguido dizer bem uma frase, mas era um
curta e não queria tentar sua sorte. Não enquanto estivesse tão zangado.
Normalmente, podia falar durante dias sem gaguejar, mas agora...
A maneira como seu pai o olhava o fez se sentir um menino. Um
8
9. menino idiota.
E, de repente, sentiu a língua muito pesada.
O duque sorriu com crueldade.
-Diz-me, menino, o que tem que dizer? O que quer dizer?
-Não acontece nada, Simon - sussurrou-lhe a babá, lançando um
olhar envenenado ao duque-. Não deixe que o afete. Pode fazê-lo,
querido.
E, sem saber como, essas palavras de ânimo conseguiram o efeito
contrário. Simon tinha vindo a Londres para enfrentar a seu pai e a babá
o estava tratando como se fosse um bebê.
-O que acontece? - perguntou o duque - O gato lhe comeu a língua?
Os músculos do Simon se retesaram até tal ponto que começou a
tremer.
Pai e filho se olharam durante um momento, embora parecesse uma
eternidade, até que o duque começou a amaldiçoar a seu filho e se foi
pela porta.
-É meu maior fracasso - disse a seu filho. - Não sei que terei feito
para merecer este castigo, mas que Deus me socorra se algum dia volto a
olhar a seus olhos.
-Senhor! - exclamou a babá, indignada. Aquela não era forma de
falar com um menino.
-Tire-o de minha vista – gritou - Pode ficar com o trabalho desde que
o mantenha afastado de mim.
-Espera!
Lentamente, ao ouvir a voz do Simon, virou-se.
-Disse algo? - perguntou, arrastando as palavras.
Simon tomou ar pelo nariz três vezes, os lábios apertados pela raiva.
obrigou-se a relaxar a mandíbula e se arranhou a língua com a parte
superior do palato, tentando recordar a sensação de falar bem. Ao final,
justo quando o duque estava a ponto de voltar-se para rechaçá-lo, abriu
a boca e disse:
-Sou seu filho.
Escutou como a babá Hopkins soltava um bufo de alívio e nos olhos
de seu pai viu algo que não tinha visto nunca. Orgulho. Não muito mas,
no fundo, brilhava uma faísca de orgulho; isso deu ao Simon um pouco
de esperança.
-Sou seu filho - repetiu, um pouco mais alto -. E não q...
De repente, lhe fechou a garganta. E lhe entrou o pânico.
"Pode fazê-lo. Pode fazê-lo"
Mas notava um nó na garganta, a língua lhe pesava e lhe
começaram a fechar os olhos.
- E não q-q-q...
-Vá para casa - disse o duque, em voz baixa. - Aqui não há lugar
para você.
Simon sentiu a rejeição de seu pai até a medula, sentiu uma
pontada de dor que lhe invadia o coração. E, enquanto o ódio nascia em
9
10. seu interior e se refletia em seus olhos, fez uma reverência.
Se não podia ser o filho que seu pai queria, jurava Por Deus que
seria justamente o contrário...
CAPÍTULO 1
Os Bridgerton são, de longe, a família mais prolífica das de altas
esferas sociais de Londres.
Tanta produtividade por parte da viscondessa e o defunto visconde é
de agradecer-se, apesar da a escolha dos nomes só pode ser qualificada
de banal. Anthony, Benedict, Colin, Daphne, Eloise, Francesca, Gregory
e Hyacinth; a ordem alfabética, obviamente, é benéfica em todos os
aspectos, embora se poderia acreditar que os pais deveriam ser
suficientemente inteligentes para reconhecer a seus filhos sem
necessidade de alfabetizá-los.
E mais, quando alguém se encontra com a viscondessa e seus oito
filhos em uma sala, teme que esteja vendo dobro, triplo ou pior. Esta
autora nunca viu uma coleção de irmãos com tanta semelhança física
entre eles. Embora esta autora nunca se detivesse a observar a cor dos
olhos atentamente, os oito têm uma estrutura óssea muito similar e o
mesmo cabelo grosso e castanho.
Quando a viscondessa começar a procurar bons partidos para casar
suas filhas terá muita pena por não ter tido nem um só filho com uma
cor de cabelo mais extraordinária. Entretanto, tanta semelhança tem
suas vantagens; não há nenhuma dúvida que os oito são filhos legítimos.
Ah, querido leitor, sua devota autora quereria que em todas as
grandes famílias fosse igual.
REVISTA DE SOCIEDADE DO LADY WHISTLEDOWN,
26 de abril de 1813
-Oooooooooohhhhhhhhhh! - Violet Bridgerton, fez uma bola com a
folha de periódico e a atirou ao outro lado do elegante salão.
Inteligentemente, sua filha Daphne não fez nenhum comentário e fez
ver que estava concentrada no bordado.
- Leu o que está escrito? - lhe perguntou Violet - Leu?
Daphne olhou a bola de papel, que estava debaixo de uma mesinha
de mogno.
-Não pude fazê-lo antes que... mmm… a destroçasse.
-Pois lê-o - disse Violet, agitando o braço no ar. - Lê as calúnias que
essa mulher tem escrito sobre nós.
Tranqüilamente, Daphne deixou na poltrona o bordado e foi até a
mesinha. Estendeu a folha sobre o regaço e leu o parágrafo que falava de
sua família. Piscando, levantou o olhar.
-Não é tão mau, mãe. Em realidade, tendo em conta o que escreveu
a semana passada dos Featherington, isto é uma autêntica bênção.
10
11. -Como se supõe que vou encontrar lhe marido se essa mulher vai
difamando seu nome?
Daphne suspirou. Depois de duas temporadas nos bailes de
Londres, a palavra "marido" bastava para deixá-la nervosa. Queria casar-se,
claro que sim, e nem sequer albergava esperanças de casar-se por
amor. Mas era muito pedir casar-se com alguém por quem sentisse um
mínimo afeto?
Até esse momento, quatro homens tinham pedido sua mão, mas
quando Daphne se dispôs a passar o resto de sua vida ao lado de
qualquer deles, simplesmente não pôde. Havia muitos homens a quem
ela considerava razoavelmente aceitáveis como maridos, mas havia um
problema: nenhum deles parecia interessado. Sim, claro, todos a
apreciavam. Todo mundo o fazia. Todos pensavam que era graciosa,
amável e engenhosa, e ninguém pensava que não fosse atraente mas, ao
mesmo tempo, ninguém ficava maravilhado ante sua beleza, ninguém
ficava sem palavras ante sua presença ou escrevia poesia em sua honra.
Os homens, pensou ela, desgostosa, só se interessam pelas
mulheres que lhes davam medo.
Ninguém parecia interessado em cortejar a ela. Todos a queriam, ou
isso diziam, porque era muito fácil falar com ela e sempre parecia
entender o que os homens sentiam. Como disse um dos homens que ela
pensava que poderia ser um bom marido: "me acredite, Daff, não é como
as demais mulheres. É, no bom sentido da palavra, muito normal."
E o teria considerado um elogio se, imediatamente depois, ele não
fosse procurar alguma beleza loira.
Daphne baixou o olhar e viu que tinha a mão apertada em um
punho. Depois, levantou o olhar e viu que sua mãe a estava observando
e esperando, obviamente, que lhe dissesse algo. Como já tinha
suspirado, pigarreou e disse:
-Estou certa de que a coluna de lady Whistledown não vai arruinar
minhas possibilidades de matrimônio.
-Daphne, já passaram dois anos!
-E lady Whistledown só publica esta ridícula coluna há três meses,
assim não acredito que possamos jogar toda a culpa a ela.
-Lhe jogarei a culpa a quem quiser - disse Violet.
Daphne cravou as unhas nas Palmas das mãos para evitar
responder de má maneira a sua mãe. Sabia que só queria o melhor para
ela, e sabia que sua mãe lhe amava. E ela também a amava.
Em realidade, até que Daphne chegara à idade casadoura, Violet
tinha sido a melhor mãe do mundo. E continuava sendo, menos quando
se desesperava ante a realidade que, atrás de Daphne, tinha que casar a
três filhas mais.
Violet se colocou uma mão em cima do peito.
-Me põe em interdição sua origem nobre.
-Não - disse Daphne, lentamente. Sempre era recomendável ir com
cautela na hora de contradizer a sua mãe. - Em realidade, o que disse é
11
12. que não há nenhuma dúvida de que todos somos filhos legítimos. E isso
muito mais do que se pode dizer das demais famílias numerosas da alta
sociedade.
-Nem sequer deveria ter trazido à baila o assunto - falou Violet.
- Mãe, escreve uma coluna de fofocas. Seu trabalho é trazer à baila
assuntos como este.
-Nem sequer é uma pessoa real - acrescentou Violet, muito zangada.
Apoiou as mãos nos quadris, embora logo mudasse de opinião e começou
a agitar um dedo no ar. - Whistledown, já! Nunca ouvi falar de nenhum
Whistledown. Seja quem é esta depravada mulher, duvido muito que seja
um dos nossos. Ninguém com um mínimo de educação escreveria
semelhantes mentiras.
-Claro que é dos nossos - disse Daphne, a quem lhe notava nos
olhos que estava desfrutando com aquela conversa. - Se não fosse da alta
sociedade, seria impossível que soubesse tudo o que sabe. Pensava que
era alguma impostora que se dedicava a espiar pelas janelas e a escutar
atrás das portas?
-Não gosto desse tom, Daphne Bridgerton - disse Violet,
entrecerrando os olhos.
Daphne reprimiu um sorriso. A frase "Eu não gosto de seu tom" era
a resposta habitual de Violet quando um de seus filhos tinha razão em
uma discussão.
Entretanto, estava sendo muito bom para deixá-lo ali.
-Não me surpreenderia que lady Whistledown fosse uma de suas
amigas - disse Daphne, inclinando a cabeça.
-Tem cuidado, mocinha. Nenhuma de minhas amigas cairia tão
baixo.
-Está bem - disse Daphne - Talvez não seja nenhuma de suas
amigas, mas estou certa de que é alguém que conhecemos. Nenhum
intruso poderia conseguir a informação de que ela fala.
Violet cruzou os braços.
-Gostaria de descobrir e deixá-la sem trabalho.
-Se de verdade é o que quer - disse Daphne, sem poder resistir ao
comentário - não deveria apoiá-la comprando sua revista.
-E o que conseguiria com isso? - perguntou Violet - Todo mundo a
compra. Meu insignificante boicote só serviria para me deixar como uma
ignorante quando outros comentassem suas intrigas.
Nisso tinha razão, pensou Daphne. A alta sociedade de Londres
estava totalmente enganchada à Revista de sociedade de lady
Whistledown. A misteriosa publicação tinha aparecido na porta das
melhores casas de Londres há três meses. Durante duas semanas,
entregou-se de maneira gratuita as segundas-feiras, quarta-feira e sexta-feira.
E então, na terceira segunda-feira, os mordomos de toda Londres
esperaram em vão aos meninos da entrega porque para, surpresa de todo
o mundo, a revista se começou a vender ao exagerado preço de cinco
pennies o exemplar.
12
13. Daphne só podia admirar a astúcia da fictícia lady Whistledown.
Quando começou a vender suas intrigas, toda Londres estava já tão
presa a eles que todos desembolsavam os cinco pennies para lê-las
enquanto, em algum lugar, alguma senhora entremetida se estava
enchendo de ouro.
Enquanto Violet passeava pelo salão resmungando sobre aquele
"terrível desprezo" contra sua família, Daphne a olhou para assegurar-se
de que não lhe prestava atenção e aproveitou para continuar lendo os
relatos de lady Whistledown. A publicação era uma mescla de
comentários, notícias sociais, mordazes insultos e algum ou outro elogio.
O que a diferenciava de outras revistas similares é que a autora dava os
nomes completos dos protagonistas. Não ocultava as pessoas atrás de
abreviaturas como lorde S ou lady G. Se lady Whistledown queria
escrever sobre alguém, utilizava o nome completo. As pessoas bem
podiam gritar no céu mas, no fundo, estavam fascinadas por aquela
mulher.
Este último número era típico de lady Whistledown. Além da breve
coluna sobre os Bridgerton, que não era mais que uma descrição da
família, relatava as festas da noite anterior. Daphne não pôde ir porque
era o aniversário de sua irmã menor, e os Bridgerton sempre celebravam
os aniversários em família. E sendo oito irmãos, sempre estavam
celebrando algo.
-Está lendo essa sujeira? - disse Violet, em tom acusatório.
Daphne a olhou, sem nenhum sentimento de culpa.
-A coluna de hoje não está má. Ao que parece, Cecil Tumbley tomou
uma torre de taças de champanha ontem de noite.
-De verdade? - perguntou Violet, tentando dissimular seu interesse.
-Mmm-hmm - contestou Daphne-. Dá bastante conta do baile em
casa dos Middlethorpe. Quem falou com quem, que vestidos levavam as
senhoras...
-E suponho que sentiu a necessidade de dar sua opinião a esse
respeito, não é assim?
Daphne esboçou um sorriso malicioso.
-Veja, mamãe. Sabe tão bem como eu que a senhora Middlethorpe
nunca favoreceu o púrpura.
Violet tentou não sorrir. Daphne viu como a comissura dos lábios se
apertava enquanto sua mãe tentava manter a compostura própria de
uma viscondessa e mãe. Entretanto, depois de dois segundos estava
sorrindo e sentando-se ao lado de sua filha no sofá.
-Deixa-me ver - disse, tirando a revista das mãos de Daphne-.
Aconteceu algo mais? Perdemos algo importante?
-Mamá, de verdade, com uma repórter como lady Whistledown, já
não é preciso ir às festas – disse Daphne, agitando a revista - Isto é
quase como ter estado lá. Inclusive melhor. Estou certa que nós
comemos melhor que eles. E me devolva isso - gritou, tirando a revista
das mãos de sua mãe.
13
14. -Daphne!
Daphne lhe fez uma careta.
-Eu estava lendo.
-Está bem!
Violet se inclinou. Daphne leu:
-"O vivido antigamente conhecido como conde do Clyvedon decidiu,
ao fim, honrar a Londres com sua presença. Embora ainda não se
dignado a fazer sua apresentação oficial em nenhuma festa social, viram
ao novo duque do Hastings no White"s várias vezes e no Tattersall"s em
uma ocasião - fez uma pausa para respirar - O duque viveu no
estrangeiro os últimos seis anos. Será só uma coincidência que tenha
retornado agora, justo depois da morte do velho duque?"
Daphne levantou o olhar.
Meu - Deus, não se anda pelos ramos, não acha? Este Clyvedon, não
é amigo do Anthony?
-Agora se chama Hastings - disse Violet, de maneira automática - E
sim, acredito que ele e Anthony eram amigos em Oxford. E no Eaton
também, acho. - Levantou uma sobrancelha e entrecerrou os olhos. - Se
não recordo errado, era bastante revoltado. Sempre estava em desacordo
com seu pai, mas era um menino brilhante. Estou quase segura de que
Anthony disse que tirou nota de honra em matemática. E isso - disse,
com um olhar maternal - é mais do que posso dizer de algum de meus
filhos.
-Estou certa de que, se em Oxford aceitassem mulheres, eu também
tiraria notas excelentes - bradou Daphne.
Violet soltou um risinho.
-Corrigia seus deveres de aritmética quando a preceptor estava
doente, Daphne.
-De acordo, possivelmente em historia - disse Daphne, sorrindo.
Voltou a olhar o papel e relendo uma e outra vez o nome do novo duque.
- Parece interessante.
Violet a olhou, muito séria.
-Não é adequado para uma senhorita de sua idade.
-É curioso como, em um segundo, sou tão velha que se desespera
porque acha que não me vou casar com ninguém e, ao mesmo tempo,
sou muito jovem para conhecer os amigos do Anthony.
-Daphne Bridgerton, não me...
- Não gosta de meu tom, sei - disse Daphne, sorrindo - Mas me quer.
Violet também sorriu e abraçou a sua filha.
-É verdade.
Daphne deu um beijo na face de sua mãe.
-É a maldição da maternidade. Quer-nos inclusive quando a tiro do
sério.
Violet suspirou.
- Só espero que algum dia tenha...
-Filhos como eu, sei - disse Daphne, com um sorriso melancólico, e
14
15. apoiou a cabeça no ombro de sua mãe.
Sua mãe poderia ser muito curiosa e seu pai possivelmente esteve
mais interessado na caça que nas festas sociais, mas tinham tido um
casamento amável e bem concordante, cheio de amor, risadas e filhos.
-O pior que poderia fazer seria não seguir seu exemplo.
-Daphne, céu - disse Violet, com os olhos umedecidos - É uma das
coisas mais bonitas que já me disseram.
Daphne brincou com uma mecha castanha e sorriu, convertendo o
momento sentimental em gracioso.
-Seguirei seu exemplo no que se refere ao casamento e filhos se mãe,
desde que não tenha que ter oito.
Nesse mesmo momento, Simon Basset, o novo duque do Hastings e
antigo assunto de conversa das mulheres Bridgerton, estava sentado no
Whit"S. E estava acompanhado nem mais nem menos que pelo Anthony
Bridgerton, o irmão maior do Daphne. Eram bastante parecidos; os dois
altos, fortes e com o cabelo grosso e escuro. Entretanto, Anthony tinha
os olhos da mesma cor chocolate que sua irmã e Simon os tinha azul
intenso.
E, precisamente, era esse olhar frio que o antecedia. Quando olhava
a alguém diretamente nos olhos, os homens se sentiam desconfortáveis e
as mulheres começavam a tremer.
Mas Anthony não. Fazia anos que se conheciam, e Anthony se
limitava a sorrir quando Simon levantava uma sobrancelha e o olhava
fixamente.
- Esquece de que o vi com a cabeça metida em um urinol - lhe havia
dito Anthony-. Depois , disso custa-me levá-lo a sério.
-Sim, e se não recordo errado, foi você quem me segurava enquanto
levava aquele repugnante recipiente na cabeça. -Foi à resposta do Simon.
-Um dos melhores momentos de minha vida assegura-lhe. Sim, mas
na noite seguinte tomou a revanche em forma de doze enguias em minha
cama.
Simon sorriu ao recordar tanto o incidente como a conseguinte
conversa com o diretor. Anthony era um bom amigo, o tipo de homem
que alguém quereria ter ao lado em uma situação difícil.
Foi a primeira pessoa que Simon procurou quando voltou para a
Inglaterra.
-É um prazer voltá-lo a tê-lo aqui, Clyvedon - disse Anthony, uma
vez sentados nas poltronas do Whit"s - Mas suponho que agora insistirá
em que o chame de Hastings.
-Não - disse Simon, serio - Hastings será sempre o nome de meu pai.
Nunca respondia a nada mais. - Fez uma pausa - Herdarei seu título se
for necessário mas não aceitarei seu nome.
-Se for necessário? - Anthony abriu os olhos como pratos - Muitos
homens não estariam tão resignados ante a perspectiva de herdar um
ducado.
15
16. Simon passou a mão pelo cabelo. Sabia que se supunha que devia
estar contente por sua primogenitura e mostrar-se orgulhoso da
irrepreensível historia dos Basset, mas a verdade era que tudo aquilo o
punha doente. Toda a vida tinha tentado defraudar as expectativas de
seu pai, e agora lhe parecia ridículo fazer honra a seu nome.
-É uma maldita carga, isso é o que é - grunhiu , afinal.
-Pois será melhor que vá se acostumando - disse Anthony, a modo
de conselho - porque todos vão chamar por seu nome.
Simon sabia que era verdade, mas duvidava que algum dia pudesse
levar com dignidade aquele título.
-Bem, em qualquer caso - disse Anthony, respeitando a privacidade
de seu amigo em algo de que obviamente não gostava de falar - me alegro
de que haja voltado. Assim, por fim, encontrarei um pouco de paz na
próxima vez que acompanhar minha irmã até um baile.
Simon se virou e cruzou as longas e musculosas pernas pelos
tornozelos.
-Um comentário muito intrigante - disse.
Anthony levantou uma sobrancelha.
-E está certo de que lhe explicarei isso, não é assim?
-Claro.
-Deveria deixar que o adivinhasse por si mesmo, mas nunca fui um
homem cruel.
Simon riu.
-E isto diz quem me colocou a cabeça em um urinol?
Anthony agitou a mão no ar para lhe tirar importância.
-Era jovem.
-E agora é o exemplo do decoro e respeitabilidade?
Anthony sorriu.
-Totalmente.
-Então - disse Simon - me diga, exatamente, como vou contribuir
para que tenha uma existência mais pacífica?
-Supondo que tem intenção de assumir seu papel social.
-Supõe errado.
-Mas vai ao baile de lady Danbury esta semana - disse Anthony.
-Unicamente porque sinto um grande apreço por ela. Sempre diz o
que pensa e... - Os olhos de Simon pareceram alterados.
-E? - perguntou Anthony.
Simon sacudiu a cabeça.
-Nada. É que se comportou muito bem comigo de pequeno. Passei
algumas férias de verão em sua casa do Riverdale. Já sabe seu sobrinho.
Anthony assentiu
-Já vejo. Assim não tem intenção de se apresentar em sociedade.
Estou impressionado por sua determinação. Mas me permita que lhe
diga uma coisa: embora não queira ir aos bailes da alta sociedade, elas
virão a você.
Simon, que tinha escolhido esse momento para beber um gole de
16
17. brandy, engasgou-se ante o olhar do Anthony quando disse "elas".
Depois de um mau momento tossindo, disse:
-Quem são elas?
Anthony estremeceu.
-As mães.
-Como eu não tive, acredito que não o entendo.
-As mães, imbecil. Esses dragões que atiram fogo pelo nariz com
filhas, Deus nos atira, casadouras. Pode correr, mas não poderá se
esconder. E, devo avisá-lo, a minha é a pior de todas.
-Deus santo. E eu pensava que a África era perigosa.
Anthony lançou a seu amigo um compassivo olhar.
-Te seguirão e quando o encontrarem, se verá apanhado em uma
conversa com uma jovem pálida com um vestido branco que só sabe falar
do tempo, do baile anual no Almack"s e de fitas de cabelo.
Simon olhou a seu amigo divertido.
-Deduzo, de suas palavras, que enquanto estive fora, converteu-se
em uma espécie de bom partido, não?
-Não é que aspire a isso, asseguro-lhe. Se dependesse de mim,
evitaria os bailes como se fossem pragas. Mas minha irmã se apresentou
em sociedade o ano passado e, de vez em quando, vejo-me obrigado a
acompanhá-la aos bailes.
- Refere-se à Daphne, não é?
Anthony olhou ao Simon bastante surpreso.
-Chegaram a se conhecer?
-Não - disse Simon - Mas me lembro das cartas que lhe enviava ao
colégio; além disso, também me recordo que era a quarta, assim que seu
nome tem que começar por D e já sabe...
-Sim, claro - disse Anthony, revirando os olhos. - O método dos
Bridgerton para pôr nomes a seus filhos. Uma maneira de assegurar-se
que ninguém se esquece de quem é.
Simon riu.
-Mas funciona, não é assim?
-Simon - disse Anthony, de repente, inclinando-se para frente. -
Prometi a minha mãe. Que no fim de semana iria jantar com a família ao
Bridgerton House. Por que não vem comigo?
Simon levantou uma sobrancelha.
-Não acaba de me acautelar sobre as mães e suas filhas
casadouras?
Anthony riu.
-Avisarei minha mãe e, com respeito à Daff, não tem nada do que
preocupar-se. É a exceção que confirma a regra. Você adorará.
Simon franziu o cenho. Estaria Anthony jogando de casamenteira?
Não estava certo. Como se lhe tivesse lido o pensamento, Anthony riu.
-Meu Deus, acha que quero casá-lo com Daphne, não?
Simon não disse nada.
-Não encaixariam. É muito calado para seu gosto.
17
18. Ao Simon pareceu um comentário algo estranho, mas decidiu fazer
outra pergunta.
-Então, teve outras ofertas?
-Algumas. -Anthony bebeu de um trago o que ficava de brandy e
suspirou, satisfeito.
- Dei-lhe minha permissão para recusá-las.
-É um ato bastante indulgente de sua parte.
Anthony encolheu os ombros.
- Nesta época, esperar um matrimônio por amor possivelmente seja
muito, mas não vejo por que não deveria ser feliz com seu marido.
Recebemos ofertas de um homem que poderia ser seu pai, outro de um
que poderia ser o irmão de seu pai, e outra de um que era muito
tranqüilo para nosso buliçoso clã e, esta semana, Deus, este foi o pior!
-O que se passou? - perguntou Simon, muito curioso.
Anthony coçou a têmpora energeticamente.
-Era muito agradável, mas um pouco atrasado. Depois de nossos
anos libertinos, certamente pensava que era um homem sem
sentimentos.
-De verdade? - disse Simon, com um sorriso malicioso no rosto - por
que o diz?
Anthony franziu o cenho.
-Não desfrutei muito rompendo o coração a esse pobre tolo.
-Hmm, não o tinha feito Daphne?
-Sim, mas eu tinha que dizer-lhe. - Anthony voltou a encolher os
ombros, como si no pudesse imaginar outra maneira de tratar sua irmã.
-Não há muitos irmãos que demonstrem tanta permissividade com
as propostas de matrimônio de suas irmãs - disse Simon.
Anthony voltou a encolher os ombros, como se não pudesse
imaginar-se outra maneira de tratar a sua irmã.
-Tem sido uma boa irmã. É o menos que posso fazer por ela.
-Inclusive se isso implica acompanhá-la ao Almack"s? - disse Simon,
malicioso.
Anthony fez uma careta.
-Inclusive.
-Gostaria de consolá-lo dizendo-lhe que tudo isto terminará logo,
mas lhe recordo que tem três irmãs mais que vêm por trás.
Anthony se afundou na poltrona.
-A Eloise lhe toca dentro de dois anos, ao Frances um ano depois e
logo poderei tomar um descanso até que toque ao Hyacith.
Simon riu.
-Não lhe invejou essa responsabilidade.
Entretanto, inclusive quando pronunciou essas palavras, sentiu um
ponto de nostalgia e se perguntou como seria não estar tão só no mundo.
Não tinha intenção de formar uma família embora, se tivesse tido uma
quando pequeno, possivelmente tudo teria sido diferente.
-Então, Virá jantar? - disse Anthony, levantando- se -.Algo informal,
18
19. é claro. Nunca organizamos jantares formais quando estamos em família.
Simon tinha muitas coisas que fazer nesses dias mas, antes
inclusive de pensar no que tinha que arrumar, já estava dizendo:
-Será um prazer.
-Excelente. Mas primeiro o verei no baile dos Danbury, não?
Simon estremeceu.
-Não, se puder evitá-lo. Minha intenção é chegar, saudar e partir em
meia hora.
Levantando uma incrédula sobrancelha, Anthony perguntou:
-De verdade acredita que poderá chegar à festa, apresentar seus
cumprimentos a lady Danbury e partir?
Simon assentiu de maneira segura e contundente.
Entretanto, a risada zombadora do Anthony não foi muito
tranqüilizadora.
CAPÍTULO 2
O novo duque do Hastings é muito interessante. Apesar de sua
inimizade com seu pai sempre ter sido do domínio público, nem sequer
esta autora pôde descobrir a razão do distanciamento.
REVISTA DE SOCIEDADE DO LADY WHISTLEDOWN,
26 de abril de 1813
No final da semana, Daphne estava de pé no baile de lady Danbury,
bastante afastada da pista e dos grupos de gente. Estava mais
confortável assim. Em qualquer outra situação, teria desfrutado do baile
como qualquer garota de sua idade; entretanto, há umas horas Anthony
lhe tinha confessado que Nigel Berbrooke o tinha ido ver há dois dias e
lhe tinha pedido formalmente sua mão. Outra vez. Obviamente, Anthony
o tinha rechaçado, outra vez! Mas Daphne tinha o pressentimento de que
Nigel insistiria. Ao fim e a cabo, duas propostas de matrimônio em duas
semanas não eram próprias de um homem que aceitasse a derrota
facilmente.
Viu-o do outro lado do salão, olhando de um lado a outro, e aquilo
fez que Daphne se esfumasse mais entre as sombras.
Não tinha nem idéia de como tratá-lo. Não era muito inteligente mas
tampouco era rude nem tosco e, apesar de saber que tinha que acabar
com aquela teimosia, era muito mais fácil comportar-se como uma
covarde: simplesmente, evitava-o.
Enquanto considerava a possibilidade de ir esconder se na sala de
descanso das damas, escutou uma voz familiar a suas costas.
-Daphne, o que faz aqui escondida?
Ela se virou e viu seu irmão mais velho aproximando-se.
-Anthony - disse, tentando decidir se alegrava de vê-lo ou lhe
desgostava que tivesse vindo a meter-se em seus assuntos -. Não sabia
que você também viria.
-Mamá - disse, sorrindo.
19
20. Qualquer outra palavra sobrava.
-Ah - disse Daphne, com um compreensivo movimento de cabeça -
Não diga mais. Entendo-o perfeitamente.
-Fez uma lista de noivas potenciais. -Lançou a sua irmã um olhar de
agonia - . – Queremos a ela, não é verdade?
Daphne soltou um risinho.
-Sim, Anthony, queremo-la.
-É uma loucura temporária - disse- Tem que ser assim. Não há
outra explicação. Até que alcançou a idade casadoura, era uma mãe
perfeitamente razoável.
-Eu? - exclamou Daphne - Então, tudo é minha culpa? Você tem oito
anos mais que eu!
-Sim, mas esta febre matrimonial não tomou conta dela até agora.
Daphne riu.
-Perdoe-me que não sinta compaixão por você. Mas eu também
recebi uma lista o ano passado.
-De verdade?
-Claro. E ultimamente está ameaçando me dar uma toda semana.
Está me amolando sobre o matrimônio muito mais do que possa
imaginar. Os solteiros são uma provocação, mas as solteiras são
patéticas. E, se por acaso não se tinha dado conta, sou uma mulher.
Anthony soltou uma gargalhada.
-Sou seu irmão. Não me dou conta dessas coisas - disse, e a olhou
de soslaio. - Trouxe-a?
-A lista? Céus, não. No que está pensando?
O sorriso se fez mais amplo.
-Eu trouxe a minha.
Daphne conteve a respiração.
-Não acredito!
-De verdade. Só para torturar a mamãe. Porei a seu lado e a
estudarei atentamente; tirarei os óculos...
-Não usa óculos.
Anthony sorriu; o mesmo sorriso malicioso que parecia que todos os
homem Bridgerton dominavam.
-Comprei uns só para a ocasião.
-Anthony, não pode fazer isso. Matará-o. E depois encontrará a
maneira de jogar a mim a culpa.
-Sonho com isso.
Daphne o golpeou no ombro, provocando um grunhido
suficientemente forte para que várias pessoas que passavam por ali se
virassem a olhá-los.
-Una boa direita - disse Anthony, acariciando o braço.
-Una garota não pode sobreviver com quatro irmãos se não aprender
a golpear forte - disse,cruzando os braços - me deixe ver a lista.
-depois de me ter golpeado?
Daphne revirou os olhos e inclinou a cabeça em um gesto de
20
21. impaciência.
-Ah, está bem. - Meteu a mão no bolso do colete, tirou um papel
dobrado e lhe deu . - me diga o que lhe parece. Estou certo que não
economizará detalhes.
Daphne desdobrou o papel e leu os nomes escritos com a elegante
letra de sua mãe. A viscondessa Bridgerton tinha escrito os nomes de
oito mulheres. Oito mulheres solteiras e de muito boa família.
-Justo o que supunha - murmurou Daphne.
-É tão horrorosa como acredito?
-Pior. Philipa Featherington fala menos que uma ignorante.
-E as demais?
Daphne o olhou com as sobrancelhas arqueadas.
-Em realidade, você não queria se casar este ano, não é?
Anthony fez uma careta.
-E a sua, como era?
-hoje, graças a Deus, antiquada. Três dos cinco se casaram o ano
passado. Mamãe ainda briga por deixar que me escapassem.
Os dois irmãos sopraram de forma idêntica enquanto se apoiavam
na parede. Violet Bridgerton estava decidida a casar a seus filhos.
Anthony, o mais velho, e Daphne, a mais velha das garotas, tinham que
suportar toda a pressão, embora Daphne suspeitasse que sua mãe
casaria a pequena Hyacinth, de dez anos, se recebesse uma oferta
suficientemente boa.
-Por Deus, parecem duas almas penadas. O que fazem neste canto?
Outra voz, imediatamente reconhecível.
-Benedict - disse Daphne, olhando o de esguelha sem virar a
cabeça-. Não me diga que mamãe também tem feito você vir.
Benedict assentiu, com um sorriso no rosto.
-Começou a tentar me convencer com lamurias e depois usou a
arma da culpa.
Esta semana, já me recordou três vezes que terei que ser eu o pai do
futuro visconde se Anthony não fizer isso.
Anthony fez uma careta.
-E suponho que isso também explica seu distanciamento do baile,
não? Evitando a mamãe?
-Em realidade - disse Anthony - vi Daff, tratando de passar
despercebida, ee...
-Tratando de passar despercebida? - repetiu Benedict, mofando de
sua irmã.
Ela pôs má cara.
-Vim aqui para me esconder do Nigel Berbrooke - lhes explicou -
Deixei a mamãe em companhia de lady Pulôver, assim ainda estará
ocupada um bom tempo. Mas Nigel...
-É mais personagem que humano - disse Benedict, em brincadeira.
-Bem, eu não o diria assim, exatamente - disse Daphne, tentando
ser educada-, mas tampouco é nenhum brilhante e é mais fácil afastar-
21
22. se de seu caminho que ferir seus sentimentos. Embora, claro, agora que
os dois me encontraram não me vai ser fácil evitá-lo muito mais.
-Oh - disse Anthony.
Daphne olhou a seus irmãos mais velhos, os dois de mais de metro
oitenta, de costas largas e olhos castanhos. Tinham o cabelo castanho e
grosso, igual a ela, e nos bailes não podiam ir a nenhum lugar sem que
os seguisse um grupo de jovens tagarelando.
E onde havia um grupo de garotas jovens, ali estava Nigel
Berbrooke.
Daphne já via cabeças que se giravam para eles. As ambiciosas
mães agarravam a suas filhas pelo braço e apontavam os irmãos
Bridgerton, sem mais companhia que sua irmã.
-Sabia que deveria ter ido ao salão de mulheres - murmurou
Daphne.
-O que é esse papel que tem na mão, Daphne? - perguntou Benedict.
Sem pensar, deu-lhe a lista das possíveis esposas do Anthony.
Ante a gargalhada do Benedict, Anthony se cruzou de braços e disse:
-Tente não rir muito a minha custa. O ano que vem você receberá
sua própria lista.
-Estou certo - disse Benedict-. Não estranho que Colin - Abriu os
olhos, surpreendido - Colin!
Outro irmão Bridgerton se uniu ao grupo.
-Colin! - exclamou Daphne, abraçando-o com força. - Que alegria
voltar a vê-lo!
-Onde estava tanto entusiasmo quando chegamos nós? - lhe disse
Anthony a Benedict.
-Vejo-os todo dia - respondeu Daphne - Colin esteve fora um ano
inteiro. - E depois de lhe dar outro abraço, retrocedeu. - Não o
esperávamos até a semana que vem.
Levantou um ombro, um gesto que combinava com o sorriso torcido.
-París já não é divertido.
-Ah - disse Daphne, com um olhar perspicaz - Ficou sem dinheiro.
Colin riu e levantou as mãos.
-Culpa de todos os encargos.
Anthony abraçou ao seu irmão e disse:
-Estou muito contente de voltar a tê-lo em casa, Colin. Apesar de
que o dinheiro que lhe enviei deveria ter durado, ao menos, até...
-Basta - disse Colin, ainda rindo - Prometo-lhe que amanhã poderá
me dizer o que quiser. Esta noite só quero desfrutar da companhia de
minha querida família.
Beneditc soltou uma risada.
-Para nos chamar "querida família" deve estar completamente
arruinado - disse mas, ao mesmo tempo, avançou para abraçá-lo. - Bem-vindo
a casa.
Colin, o mais despreocupado da família, sorriu e os olhos verdes lhe
brilharam de alegria.
22
23. -É um prazer estar de volta em casa. Embora, devo reconhecer que o
tempo não tem nem ponto de comparação com o do continente. E quanto
às mulheres, bem, às inglesas custaria muito competir com as
senhoritas que...
Daphne lhe deu um golpe no braço.
-Recorde que há uma dama, mal educado.
Mas não parecia zangada. De todos seus irmãos, Colin era o mais
próximo a ela em idade, só tinha dezoito meses mais. De pequenos, eram
inseparáveis, e sempre estavam metidos em alguma confusão. Colin era
peralta por natureza e Daphne necessitava de muito pouco para lhe
seguir o jogo.
-Sabe mamãe que voltou? - lhe perguntou.
Colin negou com a cabeça.
-Quando cheguei e me encontrei com uma casa vazia...
-Sim, mamãe deitou aos pequenos cedo - interrompeu-o Daphne.
-Não gostava de ficar ali sem fazer nada, assim Humboldt me deu a
direção e vim.
Daphne sorriu largamente.
-Me alegra que o fizesse.
-Por certo, onde esta mamãe? - Perguntou Colin, estirando o pescoço
para olhar para o salão.
Igual a outros homens da família, era muito alto, assim não teve que
esticar-se muito.
-Na a esquina, com lady Pulôver - disse Daphne.
Colin encolheu os ombros.
- Esperarei que esteja um pouco mais cansada. Não quero que esse
dragão me esfole vivo.
-Falando de dragões - disse Benedict. Não moveu a cabeça, mas
apontou para o lado com os olhos.
Daphne olhou e viu que lady Danbury se dirigia lentamente para
eles. Usava bengala, mas Daphne engoliu em seco, muito nervosa, e
ficou rígida. O sarcástico engenho de lady Danbury era já conhecido por
todos. Daphne sempre tinha suspeitado que, debaixo daquela couraça,
pulsava um coração sensível mas, ainda assim, sempre se ficava nervosa
quando se aproximava.
-Não há saída - murmurou um dos irmãos.
Daphne o fez calar e sorriu timidamente para a senhora.
Lady Danbury levantou as sobrancelhas e quando estava a um
metro deles, parou-se e disse:
-Não dissimulem! Já me viram!
Continuando, deu um golpe tão forte com a bengala no chão que
Daphne deu um saltinho para trás e pisou em Benedict.
-Ai! - exclamou seu irmão.
Ante a repentina mudez de seus irmãos, exceto Benedict, embora
aquele gemido não podia considerar uma palavra articulada, Daphne
respirou fundo e disse:
23
24. -Espero não lhe haver dado essa impressão, lady Danbury, porque...
-Você não - disse lady Danbury, categoricamente. Levantou a
bengala e a segurou em posição horizontal, com a ponta perigosamente
perto do estômago do Colin - Eles.
Como resposta, obteve uma série de efusivas saudações.
Lady Danbury dedicou um breve olhar aos meninos e logo voltou a
dirigir-se à Daphne.
-O senhor Berbrooke estava procurando-a.
Ao Daphne lhe arrepiaram todos os cabelos.
-Ah, sim?
Lady Danbury assentiu.
-Senhorita Bridgerton, eu se fosse você cortaria isto pela raiz.
-Lhe disse onde estava?
Lady Danbury lhe mostrou um sorriso cúmplice.
-Sempre soube que gostaria. E não, não lhe disse.
-Obrigada - disse Daphne, agradecida.
-Sim amarasse a esse panaca, todos perderíamos a uma pessoa
muito sensata - disse lady Danbury-. E Deus sabe que a última coisa
que precisamos é estragar a pouca sensatez que nos rodeia.
-Muito obrigada - disse Daphne.
-E quanto a vocês - disse lady Danbury, agitando a bengala em
frente aos irmãos de Daphne - reservo-me a opinião. Você - disse,
dirigindo-se a Anthony-, me é simpático pelo mero fato de ter rechaçado
a oferta do Berbrooke pelo bem de sua irmã, mas outros Hmmmph.
E se foi.
-Hmmmph? - repetiu Beneditc - Hmmmph? Pretende quantificar
minha inteligência e o único que lhe ocorre é Hmmmph?
Daphne sorriu.
-Me aprecia.
-Lhe é agradável - resmungou Benedict.
-Foi muito amável ao pô-la de sobreaviso com Berbrooke -
reconheceu Anthony.
Daphne assentiu.
-Creio que isso quer dizer que tenho que ir. - Se virou para o
Anthony com um olhar de rogo.
- Se perguntar por mim...
-Eu me encarrego - disse seu irmão. - Não se preocupe.
-Obrigada.
E depois, com um sorriso, afastou-se de seus irmãos.
Enquanto Simon passeava tranqüilamente pelos salões da casa de
lady Danbury, deu-se conta de que estava de muito bom humor. E aquilo
era irônico, pensou, porque estava a ponto de entrar em um salão cheio
de gente e enfrentar aos horrores que Anthony Bridgerton lhe havia
relato aquela mesma tarde.
Entretanto, consolava-se pensando que, depois do baile dessa noite,
24
25. já não teria que voltar a participar desse circo nunca mais; como havia
dito ao Anthony, a única razão pela qual ia ao baile era por uma
estranha lealdade por lady Danbury que, apesar de suas maneiras algo
intratável, sempre se comportara muito bem com ele quando era
pequeno. Chegou à conclusão de que seu bom humor se devia ilusão que
o fazia voltar a estar na Inglaterra.
E não porque não tivesse desfrutado de suas viagens. Tinha cruzado
a Europa ao longo e largo,
tinha sulcado as deliciosas águas azuis do Mediterrâneo e se perdera
nos mistérios do norte da África. Dali foi a Terra Santa e depois, quando
suas informações lhe revelaram que ainda não tinha chegado o momento
de voltar para casa, cruzou o Atlântico e foi explorar as Índias
Ocidentais. Chegados a esse ponto, pensou em instalar-se nos Estados
Unidos da América, mas a jovem nação estava a ponto de entrar em
conflito com Grã-Bretanha, assim Simon se manteve afastado daquelas
terras. Além disso, foi naquela época quando recebeu a notícia de que
seu pai, depois de uma longa enfermidade, tinha morrido.
Realmente irônico. Simon não mudaria seus anos de exploração pelo
mundo por nada. Um homem tinha muito tempo para pensar em seis
anos, muito tempo para aprender o que significava ser um homem. E,
mesmo assim, a única razão que o tinha empurrado a partir aos vinte e
dois anos foi o repentino desejo de seu pai de, finalmente, aceitar a seu
filho.
Entretanto, Simon não tinha nenhum desejo de aceitar a seu pai,
assim se limitou a fazer as malas e partir do país, preferindo o exílio às
repentinas e hipócritas mostra de afeto do duque.
Tudo começou quando acabou em Oxford. A princípio, o duque não
queria pagar uma educação a seu filho; um dia, Simon viu uma carta
que seu pai tinha enviado a seu tutor lhe dizendo que não queria que o
idiota de seu filho deixasse em ridículo aos Basset no Eton. Entretanto,
era muito teimoso, assim ordenou que preparassem uma carruagem e foi
ao Eton, apresentou-se no escritório do diretor e anunciou sua presença.
Aquilo foi o mais espantoso que tinha feito em sua vida mas, de
algum jeito, conseguiu convencer ao diretor de que a confusão tinha sido
culpa da escola, que certamente havia perdido sua solicitude e o dinheiro
da matrícula. Copiou todos os gestos de seu pai; levantou uma arrogante
sobrancelha, ergueu o queixo, olhou por cima do nariz e, em geral,
transmitiu a sensação de que o mundo era dele.
Entretanto, processo ia por dentro. passou todo o tempo tremendo,
sofrendo se por acaso começasse a gaguejar e, em lugar de "Sou o conde
do Clyvedon, e vim começar minhas aulas", disse "Sou o conde do
Clyvedon e v-v-v-v-v-v…".
Mas não aconteceu nada e o diretor, que já levava muitos anos
educando elite da sociedade inglesa, reconheceu ao Simon como membro
da família Basset, e o aceitou imediatamente sem fazer perguntas. O
duque, que sempre estava muito ocupado em seus negócios, demorou
25
26. vários meses em inteirar-se da nova situação e residência de seu filho. E
quando o fez, Simon já estava totalmente instalado no Eton e se
decidisse tirar o menino do colégio sem nenhum motivo seria mal visto.
E o duque não gostava de ser mal visto.
Simon sempre se perguntou por que o duque não se aproximou dele
nessa época. Obviamente, ao Simon as coisas foram muito bem no Eton;
se não tivesse podido seguir o ritmo dos estudos, o diretor teria
comunicado ao duque. Às vezes, ainda encalhava em alguma palavra,
mas tinha desenvolvido a suficiente habilidade para dissimulá-lo com
uma oportuna tosse ou, se estava comendo, com um gole de leite ou chá.
Mas o duque jamais lhe escreveu uma carta. Simon supôs que já
estava tão acostumado a ignorá-lo que nem sequer importava que
estivesse demonstrando que ele não era nenhuma vergonha para a
família Basset.
Depois do Eton, Simon continuou a progressão natural para Oxford,
onde ganhou a reputação de estudioso e vivaz. Para ser totalmente
honesto, não merecia a etiqueta de vivaz mais que qualquer outro dos
meninos jovens da universidade, mas o caráter distante do Simon
alimentou a lenda.
Sem saber muito bem como, foi dando conta de que seus
companheiros ansiavam sua aprovação.
Era inteligente e atlético mas, ao que parecia, o que provocava tanta
admiração era sua forma de ser.
Como não gostava de falar se não fosse necessário, as pessoas
achavam que era arrogante como devia ser um futuro duque. Como
preferia rodear-se só daqueles amigos com os que realmente se sentia
confortável, as pessoas diziam que era excessivamente seleto na hora de
escolher companhia, como devia ser um futuro duque.
Não era muito falador, mas quando dizia algo, costumava ser direto
e, as vezes, irônico, algo que lhe assegurava a atenção de todos a cada
uma de suas palavras. E como não estava sempre falando, como era
habitual nos círculos sociais em que se movia, as pessoas se obcecavam
ainda mais com o que dizia.
Tacharam-no não de "extremamente seguro de si mesmo", "tão
bonito que tirava o fôlego" e "o espécime perfeito da raça inglesa". Os
homens lhe pediam sua opinião sobre todo tipo de assuntos.
E as mulheres desmaiavam a sua passagem.
Simon nunca chegou a acreditar em tudo aquilo, mas desfrutada de
sua situação, aceitando tudo o que lhe ofereciam, fazendo loucuras com
seus amigos e degustando a companhia de jovens viúvas e cantoras de
ópera que chamavam sua atenção. E cada aventura era mais deliciosa
sabia que seu pai as desaprovaria todas.
Entretanto, resultou que seu pai não desaprovava de todo seu
comportamento. Sem que Simon se inteirasse, o duque do Hastings se
começou a interessar pelo progresso de seu único filho.
Começou a pedir relatórios acadêmicos universidade e contratou a
26
27. um detetive do Bow Street para que o mantivesse informado das
atividades ociosas do Simon. E, ao final, deixou de esperar que cada
carta que recebia detalhasse episódios da estupidez de seu filho.
Seria impossível estabelecer com exatidão quando se produziu a
mudança, mas um dia o duque se deu conta de que, depois de tudo, seu
filho não tinha saído tão mal.
O duque se inchou de orgulho. Como sempre, ao final o sangue que
corria pelas veias tinha acabado triunfando. Deveria ter sabido que
ninguém de seu sangue podia ser imbecil.
Quando acabou a universidade com menção honrosa em
matemática, Simon voltou para Londres com seus amigos. Obviamente,
instalou-se em seus aposentos de solteiro, porque a última coisa que
gostava era viver sob o mesmo teto que seu pai. Quando começou a ir a
festas, cada vez mais gente interpretou mal suas pausas como
arrogância e seu reduzido círculo de amigos como caráter exclusivo.
Entretanto, acabou de selar sua reputação no dia que Beu
Brummel, que naquela época era o líder da alta sociedade, fez-lhe uma
pergunta bastante complicada sobre alguma nova e corriqueira moda.
Brummel utilizou um tom bastante condescendente e sua intenção era,
obviamente, deixar em ridículo ao jovem conde. Como toda Londres
sabia, a afeição do Brummel era ridicularizar elite britânica. E assim o
tinha tentado com o Simon, lhe pedindo sua opinião ao terminar a
pergunta com um "Não acha, milord?"
Enquanto ao seu redor se reunia uma multidão de curiosos que não
se atreviam nem a respirar,
Simon, que não podia ter estado menos interessado no novo nó da
gravata do príncipe do Gales, simplesmente cravou seu azul olhar no
Brummel e disse:
-Não.
Sem dar mais explicações, sem mais elaborações; simplesmente
"Não".
E se foi.
No dia seguinte, Simon já teria podido converter no rei da sociedade,
se tivesse querido. A ironia era bastante desconcertante. A Simon não
importava Brummel ou seu tom, e certamente lhe teria dado uma
resposta mais extensa se tivesse estado seguro de fazê-lo sem gaguejar.
E, entretanto, nessa situação menos tinha resultado ser mais, e a direta
resposta do Simon resultou ser mais letal que qualquer elaborado
discurso que tivesse pronunciado.
Naturalmente, a inteligência e o êxito do herdeiro do Hastings
chegou aos ouvidos do duque. E, embora não fosse procurar seu filho
imediatamente, Simon começou a escutar rumores sobre que a distante
relação com seu pai poderia mudar. O duque soltou uma gargalhada
quando se inteirou do incidente com o Brummel e disse:
-Naturalmente. É um Basset.
Alguém inclusive comentou que o duque ia presumindo a menção
27
28. honrosa de seu filho em Oxford.
E chegou o dia que os dois se viram em frente em um baile em
Londres.
O duque não ia permitir que Simon lhe virasse a cara. Embora
Simon tentasse. Tentou seriamente. Mas ninguém tinha a capacidade
para diminuir sua confiança como seu pai, e quando o olhou, e viu seu
próprio reflexo, embora mais velho, não pôde mover-se nem pensar.
Notou a língua pesada, tinha uma sensação estranha na boca, como
se a gagueira não só lhe tivesse invadido a boca, mas também todo o
corpo.
O duque aproveitou aquela situação e o abraçou pronunciando um
sentido "Filho".
No dia seguinte, Simon abandonou o país.
Sabia que seria impossível evitar de todo a seu pai se ficasse na
Inglaterra. E se negou a jogar o papel de filho depois de lhe ter negado
durante tantos anos um pai.
Além disso, ultimamente se estava começando a cansar da vida
selvagem que levava em Londres. Deixando parte a reputação de vivido,
realmente Simon não tinha temperamento para ser um autêntico
libertino. Tinha desfrutado das festas noturnas da cidade tanto como
qualquer de seus amigos, mas depois de três anos em Oxford e um em
Londres começava a estar, bom, um pouco cansado.
E se foi.
Entretanto, agora se alegrava de ter voltado. Estar em casa o
tranqüilizava. E depois de viajar sozinho pelo mundo durante seis anos,
era fantástico reencontrasse com amigos.
Avançou em silencio pelos corredores em direção ao baile. Queria
evitar que o anunciassem;
A última coisa que desejava era um pregão público anunciando sua
presença. A conversa daquela tarde com o Anthony Bridgerton tinha
reafirmado sua idéia de não participar de forma ativa na vida social de
Londres.
Não queria casar-se. Nunca. E não tinha sentido freqüentar os bailes
se não procurava esposa.
Ainda assim, pensou que devia certa lealdade a lady Danbury depois
do bem que teve com ele de pequeno e, para ser honesto, tinha que
reconhecer que sentia um grande carinho por aquela senhora que falava
sem disfarces. Rechaçar seu convite teria sido de muito má educação,
sobre tudo tendo em conta que tinha chegado acompanhada de uma
nota pessoal lhe dando a boas-vindas a casa.
Como conhecia a casa, entrou pela porta lateral. Se tudo fosse bem,
poderia aproximasse de lady Danbury tranqüilamente, saudá-la e partir.
Entretanto, ao virar uma esquina, escutou vozes e se deteve em
seco.
Conteve um gemido. Tinha interrompido um encontro de
apaixonados.
28
29. Maldição. Como escapulir-se sem ser visto? Se o descobrissem, a
conseguinte cena estaria cheia de histrionismo, vergonhas e um sem fim
de emoções aborrecidas que não poderia resistir. Seria melhor ficar ali
escondido entre as sombras e deixar que os amantes seguissem seu
caminho.
Entretanto, quando se dispunha a retroceder pausadamente,
escutou algo que lhe chamou a atenção.
-Não.
Não? Alguém tinha levado a uma dama a um solitário corredor
contra sua vontade?
Simon não tinha grande desejo de ser o herói de ninguém, mas nem
sequer ele podia permitir tal insulto a uma dama. Esticou o pescoço e
inclinou a cabeça, para escutar melhor. Ao fim e ao cabo, talvez não
tivesse escutado bem. Se ninguém estava em apuros, o que não ia fazer
era intrometer-se.
-Nigel - disse a garota - não deveria me ter seguido até aqui.
-Mas eu a quero! - exclamou o homem, muito apaixonado. - Só
quero que seja minha esposa.
Simon conteve uma gargalhada. Pobrezinho. Era doloroso escutá-lo
falar assim.
-Nigel - repetiu ela, com uma voz surpreendentemente amável e
paciente - Meu irmão já lhe disse que não me posso casar com você.
Espero que possamos continuar sendo amigos.
-Mas seu irmão não entende!
-Sim - disse ela, com tom firme - Sim entende.
-Maldita seja! Se não se casar comigo, quem o fará?
Simon piscou, surpreso. Dentro do leque de proposições, esta não
entraria no compartimento das românticas.
Ao que parecia, a garota tampouco gostou.
-Bem - disse algo contrariada - Não é que seja a única garota no
baile de lady Danbury. Estou certa de que alguma estaria encantada de
casar-se com você.
Simon se inclinou um pouco para tentar ver algo da cena. A garota
estava na sombra, mas pôde ver o homem bastante bem. Parecia
abatido, com os braços pendendo dos lados. Devagar, sacudiu a cabeça.
-Não - disse, muito triste - Não é verdade. Não o vê? Elas... elas...
Simon sofria em silêncio enquanto Nigel tentava encontrar as
palavras adequadas. Sua hesitação era devido à emoção, mas nunca era
agradável ver alguém que não conseguia acabar uma frase.
-nenhuma é tão agradável como você - disse Nigel, por fim -. É a
única que me sorri.
-Oh, Nigel - disse a garota, suspirando profundamente - Estou certa
de que isso não é verdade.
Mas Simon sabia que só o dizia por ser amável. E, quando ela voltou
a suspirar, ficou claro que não necessitava que a resgatassem. Parecia
ter a situação sob controle e, embora Simon sentisse pena pelo pobre
29
30. Nigel, sabia que não podia fazer nada.
Além disso, começava a sentir-se como um voyeur.
Começou a retroceder, com o olhar fixo em uma porta que sabia
dava biblioteca. Do outro lado da biblioteca havia outra porta que
comunicava com o jardim de inverno. dali, poderia ir à entrada principal
e voltar para o baile. Não seria tão discreto como o atalho dos corredores
traseiros mas, ao menos, o pobre Nigel não saberia que alguém mais
tinha presenciado sua humilhação.
Mas então, perto da fuga, ouviu a garota gritar.
-Tem que se casar comigo! - gritou Nigel - Tem que fazê-lo! Nunca
encontrarei a ninguém...
-Nigel, basta!
Simon deu meia volta, resmungando. Ao que parecia, afinal teria
que ir ao resgate da garota.
Retornou até a esquina, respirou fundo e adotou uma expressão
séria, ducal. Tinha as palavras "Acredito que a dama lhe pediu que a
deixasse em paz" na ponta da língua e estava a ponto de pronunciá-las
mas, ao que parecia, aquela não era a noite para ser um herói porque
antes que pudesse dizer algo, a jovem levantou o braço direito e deu um
surpreendentemente e efetivo murro ao Nigel na mandíbula.
Nigel caiu ao chão, agitando os braços no ar enquanto caía. Simon
ficou aí, de pé, observando incrédulo como a garota se ajoelhava junto a
ele.
-Deus meu - disse, com voz trêmula - Nigel, está bem? Não queria
golpeá-lo tão forte.
Simon riu. Não pôde evitá-lo.
A garota levantou o olhar, surpreendida.
Simon conteve a respiração. Não a tinha visto até agora, e o olhava
fixamente com uns enormes e escuros olhos. Tinha a boca maior e
exuberante que Simon tinha visto na vida, e tinha o rosto triangular.
Segundo os estritos padrões sociais, não podia considerar-se bonita, mas
tinha algo que o deixou sem respiração.
Olhava-o com o cenho franzido.
-Quem é você? -perguntou, demonstrando que não se alegrava o
mínimo de vê-lo.
CAPITULO 3
Chegou aos ouvidos desta autora que Nigel Berbrooke foi joalheria
Moreton para comprar um anel com um precioso diamante. É possível
que muito em breve conheçamos a futura senhora Berbrooke?
REVISTA DE SOCIEDADE DO LADY WHISTLEDOWN,
28 de abril de 1813
Nesse momento, Daphne pensou que a noite não podia ser pior.
Primeiro se tinha visto quase obrigada a passar a noite em um escuro
rincão do baile, coisa nada fácil porque lady Danbury apreciava as
30
31. qualidades estéticas e lumisticas das velas; depois, enquanto tentava
fugir, tinha tropeçado com o pé da Philipa Featherington e caiu, e isso
provocou que Philipa, uma das garotas mais escandalosas que conhecia,
exclamasse: "Daphne Bridgerton! Fiz-lhe mal?".
Nigel deve tê-la ouvido porque levantou a cabeça como um pássaro
assustado e começou a percorrer o salão com o olhar procurando-a.
Daphne desejou, não rezou, que pudesse chegar ao salão das damas
antes que ele a encontrasse, mas não pôde. Nigel a encurralou naquele
lugar e começou a lhe confessar seu amor entre choramingões.
Tudo aquilo já era suficientemente vergonhoso, mas agora tinha
aparecido esse homem, um estranho incrivelmente bonito e elegante, que
tinha visto tudo. E o que era pior, estava rindo!
Daphne o olhou enquanto ele ria a suas custas. Não o tinha visto
nunca, assim teria que ser novo em Londres. Sua mãe se assegurou de
lhe apresentar ou lhe fazer notar a presença de qualquer homem solteiro
da cidade. Embora, é claro, este cavalheiro poderia ser casado e,
portanto, não era candidato a entrar na lista de Violet mas,
instintivamente, Daphne sabia que esse homem não podia estar muito
tempo na cidade sem que todos falassem dele.
Tinha um rosto que se aproximava da perfeição. Não era preciso
muito tempo para dar-se conta de que as estátuas do Miguel Anjo não
lhe chegavam às solas dos sapatos. Tinha uns olhos muito intensos e
azuis que quase brilhavam. Tinha o cabelo negro e grosso e era muito
alto, igual a seus irmãos, e isso não era muito comum.
Daphne pensou que isso sim que era um homem capaz de conseguir
que as garotas que sempre perseguiam os irmãos Bridgerton olhassem a
ele.
O que não sabia é por que lhe incomodava tanto. Talvez fosse porque
sabia com certeza que um homem assim nunca se fixaria em uma garota
como ela. Ou porque ali, em frente a ele, sentia-se a criatura menor do
mundo. Talvez simplesmente, era porque ele estava ali rindo como se ela
fosse algum entretenimento circense.
Fosse pelo que fosse, nasceu nela uma ira pouco comum, franziu o
cenho, e disse:
-Quem é você?
Simon não sabia por que não tinha respondido sua pergunta
diretamente, mas algo em seu interior lhe fez dizer:
-Primeiro minha intenção foi resgatá-la, mas ficou claro que você
não necessitava de meus serviços.
-Oh - disse ela, um pouco mais calma. Apertou ligeiramente os
lábios pensando muito as palavras que ia dizer.
- Bom, muito obrigada, suponho. É uma lástima que não aparecesse
dez segundos antes. Assim não teria que lhe ter golpeado.
Simon olhou ao homem que estava estendido no chão. Já lhe estava
começando a aparecer um hematoma no queixo e, gemendo, disse:
31
32. -Laffy, OH, Laffy. Quero-a, Laffy.
-Supondo que você deve ser Laffy - disse Simon, olhando-a nos
olhos.
Realmente, era uma jovem bastante atraente e, desde esse ângulo, o
corpete do vestido parecia descaradamente decotado.
Daphne fez uma careta, obviamente sem dar-se conta de que o olhar
dele estava pousado em partes de sua anatomia que não era seu rosto.
-O que vamos fazer com ele? – lhe perguntou.
-Vamos? - repetiu Simon.
Ela franziu o cenho.
-Não disse que tinha vindo me resgatar?
-Assim é - disse ele. Aproximou uma mão da boca e começou a
estudar a situação. - Quer que o atire na rua?
-O que? Não! - exclamou ela - Pelo amor de Deus, ainda não parou
de chover.
-Minha querida senhorita Laffy - disse Simon, sem dar-se muita
conta do tom condescendente que estava usando - Não acredita que sua
preocupação está um pouco deslocada? Este homem tentou atacá-la.
-Não é verdade - respondeu ela-. Ele só... Só... De acordo, tentou me
atacar. Mas nunca teria me feito mal.
Simon levantou uma sobrancelha. De verdade, as mulheres eram as
criaturas mais estranhas do mundo.
-E como pode estar tão certa?
Observou-a enquanto ela procurava as palavras mais adequadas.
-Nigel é incapaz de machucar alguém - disse Daphne, lentamente -.
Só é culpado de interpretar mal meus sentimentos.
-Então, você é uma alma muito mais generosa que eu - disse Simon.
A garota suspirou; um som suave que, de algum jeito, Simon notou
em todo seu corpo.
-Nigel não é má pessoa - disse ela, com dignidade-. O que acontece é
que nem sempre entende bem as coisas e, talvez, confundiu minha
amabilidade com algo que não é.
Simon sentiu uma grande admiração por essa garota. A estas
alturas, a maioria das mulheres que conhecia já estariam histéricas mas
ela, quem quer que fosse, tinha mantido a situação sob controle e agora
demonstrava uma generosidade de espírito que era surpreendente. Que
ainda pensasse em defender a esse tal Nigel era algo que ele não
entendia.
Daphne se levantou e sacudiu a saia de seda verde. Tinham-lhe
recolhido o cabelo de modo que lhe caía uma mecha em cima do ombro,
frisando-se de maneira muito sedutora em cima dos seios. Simon sabia
que deveria estar escutando-a, falava sem parar, como quase todas as
mulheres, mas não podia afastar o olhar daquela mecha. Era como uma
fita de seda ao redor de seu pescoço de cisne, e Simon sentiu uma
urgente necessidade de aproximar-se dela e percorrer o rastro do cabelo
com a boca.
32
33. Nunca tinha perdido o tempo com as garotas inocentes, mas entre
todos já lhe tinham pendurado a etiqueta de vivido. O que poderia
acontecer? Não é que fosse violá-la. Só queria um beijo. Só um beijo.
Esteve tentado. Deliciosa e loucamente tentado.
-Senhor! Senhor!
A contra gosto, afastou o olhar do decote e o dirigiu ao rosto da
garota. Mas como, é claro, era outro prazer em si mesmo, custava lhe
achá-lo atraente quando estava franzindo o cenho.
-Me está escutando?
-Claro - mentiu ele.
-Não é verdade.
-Não - disse Simon.
Do fundo da garganta do Daphne surgiu uma espécie de rugido.
-Então, por que há dito que sim?
Ele encolheu os ombros.
-Pensei que era o que queria escutar.
Simon a observou, fascinado, como suspirava e resmungava algo.
Não pôde ouvir o que disse, embora duvidasse que fosse um elogio.
Afinal, com uma voz quase cômica, Daphne disse:
-Se não pensa me ajudar, rogo-lhe que parta.
Simon decidiu que já era hora de agir como um grosseiro, e disse:
-Peço desculpas. Claro que a ajudarei.
Ela suspirou e olhou ao Nigel, que continuava no chão a articulando
sons incoerentes.
Simon também o olhou e, durante uns segundos, os dois ficaram ali,
observando aquele homem inconsciente, até que ela disse:
-Em realidade, o golpe tampouco foi tão forte.
-Talvez bebeu mais da conta.
Ela o olhou, duvidosa.
-De verdade? O fôlego cheirava a licor, mas jamais o havia visto
ébrio.S
imon não tinha nada mais que acrescentar, assim lhe perguntou:
-Bem, o que quer fazer?
-Suponho que poderíamos deixá-lo aqui - disse Daphne, embora
com os olhos dizia que não o deixava tão claro.
Ao Simon pareceu uma idéia brilhante, mas era claro que ela
preferia assegurar-se um pouco mais de que aquele homem estava bem.
E Deus lhe assistisse, mas ele sentia o irrefreável impulso de fazê-la feliz.
-Vamos fazer o seguinte - disse, bruscamente, contente de poder
ocultar atrás do tom de voz a ternura que sentia nesse momento - irei
procurar minha carruagem - Perfeito - interrompeu ela - Em realidade,
não queria deixá-lo aqui. Parecia-me muito cruel.
Simon pensou que era muito considerada com o Nigel, tendo em
conta que tinha estado a ponto de atacá-la, mas guardou sua opinião e
seguiu com o plano.
-Você esperará na biblioteca até que volte.
33
34. -Na biblioteca? Mas...
-Na a biblioteca - repetiu ele, com firmeza. - Com a porta fechada. Se
alguém entrar aqui por acaso, não quererá que a encontrem com o corpo
do Nigel estendido no chão, não é?
-Seu corpo? Deus santo, senhor, não é necessário que o diga como
se estivesse morto.
-Como ia dizendo - continuou Simon, ignorando-a por completo -
você ficará na biblioteca. Quando eu voltar, agarraremos ao Nigel e o
levaremos até a carruagem.
-E como vamos fazê-lo?
Simon lhe sorriu, um sorriso torcido capaz de desarmar a qualquer
um.
-Não tenho nem a menor idéia.
Por um segundo, Daphne se esqueceu de respirar. Justo quando
tinha decidido que seu salvador potencial era um arrogante, teve que lhe
sorrir assim. Foi um sorriso infantil, dos que derretem os corações das
damas em um raio de dez quilômetros.
E ainda por cima, para mais desgraça, era terrivelmente difícil
continuar irritada com alguém sob a influência daquele sorriso. Depois
de criar-se com quatro irmãos, e todos com a capacidade de seduzir a
qualquer dama, Daphne achava que ela seria imune aos encantos
masculinos.
Mas, ao que parecia, estava equivocada. Sentia um comichão no
peito o estômago lhe dava saltos de alegria e, de repente, tinha os joelhos
flácidos como se fossem de manteiga.
-Nigel - sussurrou, desesperada e, obrigando-se a concentrar sua
atenção longe do homem anônimo que estava em frente a ela. - Tenho
que ver como está Nigel. - Se agachou e o sacudiu pelo ombro de um
modo bastante pouco delicado - Nigel? Nigel? Nigel, tem que despertar.
-Daphne – grunhiu - OH, Daphne.
Simon se girou de repente.
-Daphne? Disse Daphne?
Ela retrocedeu um pouco, desconcertada pela pergunta tão direta e
pelo intenso olhar em seus olhos.
-Sim.
-Se chama Daphne?
Então começou a perguntar-se se esse homem era tolo.
-Sim.
Simon fez uma careta.
-Não será Daphne Bridgerton?
Daphne ficou totalmente surpreendida.
-A própria.
Simon retrocedeu. De repente, começou a sentir-se mal enquanto
seu cérebro compreendeu que tinha o cabelo escuro e grosso. O famoso
cabelo dos Bridgerton. E isso para não falar do nariz, maçãs do rosto e...
Pelo amor de Deus, a irmã do Anthony!
34
35. Maldita seja.
Entre amigos havia certas regras, não, melhor mandamentos, e o
mais importante era: Não Desejasse À Irmã De Seu Amigo.
Enquanto a observava, certamente com expressão de idiota, ela pôs
os braços na cintura e perguntou:
-E você quem é?
-Simon Basset - disse ele.
-O duque? - exclamou ela.
Simon assentiu com um sorriso.
-Oh, Meu deus.
Simon presenciou horrorizado, como empalidecia.
-Por favor, senhorita, não irá desmaiar, não é?
Em realidade, Simon não sabia muito bem por que teria que fazê-lo,
mas Anthony, seu irmão, passou quase toda a tarde lhe advertindo sobre
os efeitos que um duque jovem e solteiro poderia produzir entre as jovens
solteiras de Londres. Anthony lhe tinha deixado claro que Daphne era a
exceção que confirmava a regra mas, ainda assim, estava muito pálida.
- Não é verdade? - repetiu, quando viu que ela não dizia nada – vai
desmaiar?
Ela parecia ofendida de que lhe tivesse passado essa idéia pela
cabeça.
-Claro que não!
-Bem.
-É que...
-O que? - perguntou Simon, com receio.
-Bem - disse Daphne, encolhendo os ombros - Puseram-me de
sobreaviso com respeito a você.
Aquilo já era muito.
-Quem? - perguntou.
Ela o olhou como se fora imbecil.
-Todo o mundo.
-Isso, que...
Notou algo na garganta, como se fosse gaguejar, assim respirou
fundo e tratou de acalmar-se.
Converteu-se em todo um perito neste tipo de controle de si mesmo.
Ela veria um homem que tentava tranqüilizar-se um pouco. Além disso,
tendo em conta o tom que estava adquirindo a conversa, aquela imagem
não estava muito afastada da realidade.
-Querida senhorita Bridgerton - disse Simon, com uma voz mais
controlada - Custa-me bastante acreditar.
Ela voltou a encolher os ombros, e ele teve a irritante sensação de
que se estava divertindo com sua angústia.
-Pense o que quiser - disse ela, risonha. - Mas isso é o que estava
hoje no periódico.
-O que?
-Em Whistledown - disse ela, como se isso explicasse tudo.
35
36. -Whistle o que?
Daphne o olhou desconcertada até que recordou que acabava de
chegar à cidade.
-Claro, não deve conhecê-la - disse, suavemente, com um malicioso
sorriso. - Me alegro.
O duque deu um passo adiante e a olhou de maneira bastante
ameaçadora.
-Senhorita Bridgerton, devo lhe advertir que estou a ponto de
agarrá-la pelo pescoço e lhe surrupiar a informação.
-É uma revista de intrigas - respondeu ela, retrodecendo -. Em
realidade, é bastante estúpida, mas todo mundo a lê.
Simon não disse nada, só arqueou uma sobrancelha.
Daphne se apressou a acrescentar:
-Na segunda-feira havia uma resenha de sua volta a Londres.
-E o que era - entrecerrou os olhos perigosamente - exatamente
-agora o olhar era gélido-, o que dizia?
-Não muito exatamente - disse Daphne.
Tentou retroceder um pouco mais, mas se deu conta de que já
estava tocando a parede. Se tentasse dar um passo atrás, teria que ficar
nas pontas dos pés. O duque parecia mais que furioso, e ela começou a
pensar em escapar correndo e deixá-lo ali com o Nigel. Em realidade,
pareciam feitos o um para o outro; os dois igualmente loucos. Homens!
-Senhorita Bridgerton - disse, a modo de advertência.
Daphne decidiu ter piedade dele porque, ao fim e ao cabo, era novo
na cidade e ainda não tinha tido tempo de adaptar-se ao novo mundo
segundo Whistledown. Em realidade, não podia lhe jogar a culpa por ter
se zangado tanto porque alguém tivesse escrito sobre ele no periódico.
Também lhe custou bastante digeri-lo a primeira vez, apesar de que
tinha podido preparar-se durante o primeiro mês de publicação da
revista. Quando lady Whistledown escreveu a respeito do Daphne, foi
quase uma decepção.
-Não tem por que zangar-se - disse Daphne, tentando soar
compassiva, embora não o conseguindo de todo - Só disse que era você
um vivido, algo que estou segura de que não me negará, porque com os
anos aprendi que os homens inclusive gostam que o digam.
Fez uma pausa e lhe deu a oportunidade de negá-lo. Não o fez.
-E logo minha mãe, a quem estou certa que deverá conhecer em um
momento ou outro antes de ir de viagem, confirmou-me isso tudo.
-Ah sim?
Daphne assentiu.
-E me proibiu de me mostrar publicamente em sua companhia.
-De verdade? - disse, arrastando as palavras.
Havia algo no tom de sua voz, e a maneira tão intensa em que a
olhava, que a fazia sentir-se terrivelmente desconfortável, e a única coisa
que podia fazer era fechar os olhos.
Negou-se completamente a permitir que ele visse como a tinha
36
37. afetado.
Simon esboçou um leve sorriso.
-Vamos ver se o entendi bem. Sua mãe lhe disse que sou um homem
muito mau e que não deveria permitir, sob nenhuma circunstância, que
a vissem comigo.
Aturdida, Daphne assentiu.
-Então - disse, fazendo uma longa pausa - o que acredita que diria
sua mãe ante esta situação?
Aturdida, Daphne piscou.
-Como diz?
-Bem, excetuando ao Nigel - disse, agitando a mão para o homem
estendido inconsciente no solo - ninguém a viu comigo. E, ainda assim -
e o deixou aí, porque se estava divertindo muito observando a variedade
de emoções que se acumulavam em seu rosto para acrescentar algo
mais.
Obviamente, essas emoções eram mesclas de irritação e angústia,
mas aquilo acrescentou ternura ao momento.
-E, ainda assim?
Simon se inclinou, reduzindo a centímetros a distância que os
separava.
-E, ainda assim - disse, suavemente, sabendo que ela sentiria seu
fôlego no rosto - aqui estamos, completamente sozinhos.
-E Nigel - acrescentou Daphne.
Simon dirigiu o mais breve dos olhares ao homem e logo voltou a
concentrar-se no Daphne.
-Não estou muito preocupado pelo Nigel – sussurrou - E você?
Simon a observou enquanto ela olhava para Nigel. Tinha que ficar
claro que se ele decidisse começar uma ação amorosa, seu pretendente
rechaçado não poderia fazer nada por ela. Não é que fosse começar algo,
claro. Era a irmã mais nova do Anthony. Talvez tivesse que recordar-lhe
mais freqüentemente do que quereria, mas estava certo de que não o
esqueceria.
Simon sabia que tinha que terminar com esse jogo. Não é que
temesse que ela se o fosse explicar ao Anthony; no fundo sabia que não o
diria a ninguém, que o guardaria para com, talvez, e isso era o que ele
desejava, um pouco de ilusão.
Entretanto, apesar de saber que tinha que terminar com esse flerte e
voltar para assunto que os ocupava: tirar daí Nigel, não pôde reprimir
um último comentário. Possivelmente era a maneira em que apertava os
lábios quando estava zangada. Ou possivelmente era a maneira como os
abria quando se surpreendia. Só sabia que, ante essa mulher, não podia
evitar dar uma mão de sua natureza libertina.
Assim se inclinou e, com os olhos entrecerrados e sedutores, disse:
-Acho que sei o que diria sua mãe.
Daphne parecia aturdida por aquele arremesso mas, ainda assim,
conseguiu pronunciar um desafiador:
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38. -Ah sim?
Simon assentiu lentamente e lhe tocou o queixo com um dedo.
-Lhe diria que tivesse muito, muito medo.
Produziu-se um silêncio e, então, Daphne abriu os olhos. Apertou os
lábios, como se estivesse calando algo, encolheu os ombros e então...
E então se pôs a rir.
-Oh, Deus meu – exclamou - foi muito engraçado.
Simon não achou nenhuma graça.
-Sinto muito - disse Daphne, entre risos - Sinto muito mas,
sinceramente, não deveria ficar tão melodramático. Não vai bem com
você.
Simon se irritava bastante que uma menina como essa mostrasse
tão pouco respeito por sua autoridade. Ser considerado um homem
perigoso tinha suas vantagens, e uma delas era intimidar as senhoritas.
-Bem, devo admitir que, em realidade, vai bem com você -
acrescentou Daphne, ainda rindo-se dele - Parecia bastante perigoso. E
muito bonito, claro. - Quando ele não disse nada, ela pareceu
desconcertada, e perguntou - Porque essa era sua intenção, não é assim?
Ele permaneceu calado, assim ela continuou:
-Claro que sim. Embora deva lhe dizer que com qualquer outra
mulher teria tido êxito, mas não comigo.
A esse comentário não pôde resistir.
-por que não?
-Tenho quatro irmãos - disse, e encolheu os ombros como se isso
explicasse tudo. – Sou imune a todos esses jogos.
-Ah sim?
Daphne lhe deu uma batidinha no ombro.
-Mas sua tentativa foi realmente admirável. E, sinceramente, adula-me
que tenha acreditado que era merecedora de tal demonstração de
libertinagem ducal. - E lhe sorriu, um sorriso amplo e sincero.
Simon acariciou o queixo, pensativo, tentando recuperar o ânimo de
depredador.
-Senhorita Bridgerton, sabia que é uma criatura muito
impertinente?
Mostrou-lhe o mais impertinente de seus sorrisos.
-A maioria acha que sou a amabilidade personificada.
-A maioria - disse Simon, sem rodeios - são estúpidos.
Daphne inclinou a cabeça para um lado, obviamente considerando
aquelas palavras. Depois olhou ao Nigel e suspirou:
-Temo que, por muito que me doa, tenho que lhe dar razão.
Simon reprimiu um sorriso.
-Dói-lhe me dar a razão ou que outros sejam estúpidos?
-As duas coisas - disse, sorrindo outra vez; um sorriso encantador
que tinha uns estranhos efeitos no coração do Simon - Mas basicamente
o primeiro.
Simon soltou uma gargalhada e se surpreendeu ao perceber como
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39. lhe era alheio aquele som. Era um homem que costumava sorrir, às
vezes inclusive ria, mas já não recordava a última vez que tinha
experimentado uma explosão de júbilo como essa.
-Minha querida senhorita Bridgerton - disse, esfregando os olhos, se
você for a amabilidade personificada, o mundo deve ser um lugar muito
perigoso.
-Não o duvide - respondeu ela - Sobre tudo, se o descreve minha
mãe.
-Não entendo como não posso me lembrar dela - sussurrou Simon -
porque parece um personagem inesquecível.
Daphne levantou uma sobrancelha.
-Não se lembra dela?
Ele sacudiu a cabeça.
-Então não a conhece.
-Se parece com você?
-Essa é uma pergunta muito estranha.
-Não tanto - respondeu Simon, pensando que Daphne tinha razão.
Era uma pergunta muito estranha e não sabia por que a tinha feito.
Entretanto, como já o havia dito, acrescentou: - Ao fim e ao cabo, ouvi
que todos os Bridgerton se parecem.
Daphne franziu o cenho, só um pouco, e ao Simon pareceu um gesto
muito misterioso.
-É certo. Parecemo-nos todos, exceto minha mãe. É bastante pálida
e tem os olhos azuis. Nosso cabelo escuro é herança de meu pai.
Entretanto, dizem-me que tenho o sorriso de minha mãe.
Produziu-se uma incômoda pausa. Daphne mudava o peso de um pé
ao outro, sem saber que mais dizer ao duque quando, pela primeira vez
em sua vida Nigel apareceu no momento oportuno.
-Daphne? - disse, piscando como se não visse de todo bem. -
Daphne, é você?
Meu Deus, senhorita Bridgerton - exclamou Simon - Tão forte lhe
golpeou?
-O suficiente para fazê-lo cair, mas só isso, juro - disse levantando
as sobrancelhas-. Talvez esteja ébrio.
-Oh, Daphne - grunhiu Nigel.
O duque se agachou junto a ele e justo depois retrocedeu, tossindo.
-Está ébrio? -perguntou Daphne.
O duque se levantou.
-Deve ter bebido uma garrafa de uísque inteira para reunir a
coragem de lhe propor casamento.
-Quem ia pensar que poderia ser tão intimidadora? - sussurrou
Daphne, pensando em todos aqueles homens que só a viam como uma
boa amiga e nada mais. - É maravilhoso.
Simon a olhou como se estivesse louca, e logo sussurrou:
-Não vou fazer nenhum comentário a respeito.
Daphne o ignorou.
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40. -Não deveríamos começar a pôr o plano em marcha?
Simon apoiou as mãos nos quadris e voltou a estudar a situação.
Nigel estava tentando ficar de pé, mas ao Simon parecia que não tinha
muitas possibilidades de obtê-lo a curto prazo.
Entretanto, certamente estava suficientemente lúcido para lhes criar
problemas e, sobre tudo, suficientemente lúcido para fazer ruído, algo
que já estava fazendo. E bastante, além disso.
-Oh, Daphne. Fico tanto, Daffery - disse Nigel, que conseguiu ficar
de joelhos e avançou para ela arrastando as pernas de modo que parecia
mais um penitente pedindo clemência que um enamorado - Por favor,
Daffne, case-se comigo. Tem que fazê-lo.
- Levante-se homem - disse Simon, agarrando-o pela gola da
camisa-. Isto começa a ser embaraçoso. - Virou-se para Daphne - vou ter
que tirá-lo fora. Não podemos deixá-lo aqui. É possível que comece a
grunhir como uma vaca doente.
-Achava que já tinha começado - disse Daphne.
Simon notou que levantava um pouco a comissura dos lábios e
sorria. Pode ser que Daphne Bridgerton fosse uma garota casadoura e,
portanto, um desastre se vista com um homem como ele, mas realmente
era muito divertida.
Em realidade, pensou, era a classe de pessoa que escolheria como
amigo se fosse um homem. Mas, como era tremendamente claro, tanto
aos olhos como ao corpo, que não era um homem, Simon decidiu que era
melhor para os dois terminar com esse jogo o antes possível. Se os
descobrissem, a reputação de Daphne ficaria danificada por toda vida
mas, além disso, Simon não estava certo de poder controlar-se e evitar
acariciá-la muito mais tempo.
Aquela era uma sensação muito estranha. Especialmente para um
homem que valorizava tanto sua capacidade de controlar-se. O controle o
era tudo. Sem ele, nunca lhe teria podido fazer frente a seu pai nem teria
conseguido uma menção de honra na universidade. Sem ele, ainda...
Sem ele, pensou divertido, ainda falaria como um idiota.
-Tirarei ele daqui - disse, de repente - Você volta para o baile.
Daphne franziu o cenho e olhou por cima do ombro para o corredor
que levava ao salão.
-Está seguro? Achava que queria que fosse à biblioteca.
-Isso era quando íamos deixá-lo aqui enquanto ia procurar a
carruagem. Mas agora não podemos fazê-lo assim porque está acordado.
Daphne assentiu, e perguntou:
-Está certo que poderá? Nigel é bastante grande.
-Eu mais.
Daphne inclinou a cabeça. O duque, embora magro, tinha uma
compleição forte, era largo de costas e tinha umas pernas muito
musculosas. Sabia que se supunha que não devia fixar-se nessas coisas
mas que culpa tinha ela de que os ditados da moda tivessem imposto
umas calças tão justas? Tinha certo ar predatório, com o queixo alto,
40
41. algo que pressagiava uma força e um poder muito bem controlados.
Daphne chegou conclusão de que poderia levantar o Nigel
perfeitamente.
-Muito bem - disse, aceitando. - E muito obrigado. É muito amável
por me ajudar.
-Não estou acostumado a ser muito amável - disse ele entre dentes.
-Seriamente? - perguntou ela, permitindo-se esboçar um sorriso. - É
estranho. Não me teria ocorrido nenhuma outra palavra para definir seu
comportamento. Mas, claro, aprendi que os homens...
-Parece ser uma perita em homens - disse ele, em um tom algo
mordaz, e logo grunhiu enquanto punha ao Nigel de pé.
Nigel se inclinou para o Daphne, pronunciando seu nome
virtualmente entre soluços. Simon teve que agarrá-lo com força para que
não investisse nela.
Daphne retrocedeu um pouco.
-Sim, bom, tenho quatro irmãos. Não acredito que haja melhor
educação que essa.
Ficou sem saber se o duque queria lhe responder por que Nigel
escolheu esse instante para recuperar as forças, mas não o equilíbrio,
soltou-se dos braços do Simon e se jogou sobre Daphne com sons
incoerentes. Se ela não tivesse estado junto à parede, teria ido parar ao
chão. Mas, ao estar de pé, deu-se um forte golpe contra a parede que a
deixou sem ar uns instantes.
-Deus meu - disse Simon, bastante aborrecido. Afastou Nigel, virou-se
para Daphne e perguntou-: Posso golpeá-lo?
-Sim, por favor - respondeu ela, quase sem ar.
Tinha tentado ser amável e generosa com seu pretendente, mas
aquilo já passava dos limites.
O duque grunhiu algo parecido a "Bem" e deu um surpreendente e
poderoso murro ao Nigel no queixo.
Nigel caiu desabado ao chão.
Daphne o olhou com equanimidade.
- Desta vez não acredito que se levante.
Simon abriu a mão para relaxar o punho depois do golpe.
-Não.
Daphne piscou e levantou o olhar.
- Obrigada.
-Foi um prazer - disse Simon, olhando de esguelha ao Nigel.
-E agora o que vamos fazer? - disse, e os dois olharam ao homem
que jazia, desta vez totalmente inconsciente, no chão.
-Voltemos ao plano original - disse Simon - Deixamo-lo aqui e você
vai à biblioteca. Não quero movê-lo até que não tenha a carruagem na
porta.
Daphne assentiu.
-Necessita de ajuda para levantá-lo ou quer que vá diretamente à
biblioteca?
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42. O duque ficou calado um momento. A cabeça ia de um lado a outro
enquanto estudava a posição do Nigel.
-Em realidade, agradeceria muito um pouco de ajuda.
-De verdade? -perguntou Daphne, surpreendida - Estava convencida
de que diria que não.
Aquilo fez que o duque a olhasse divertido.
-E por isso o perguntou?
-Não, é claro que não - respondeu Daphne, ofendida - Não sou tão
estúpida para oferecer minha ajuda se não tiver a intenção de dá-la. Só
ia dizer que os homens, pela minha experiência...
-Tem muita experiência - disse o duque, em voz baixa.
-Desculpe?
-Rogo que me perdoe - disse ele. - Acredita que tem muita
experiência.
Daphne o olhou fixamente nos olhos.
- Isso não é verdade; além disso, quem é você para dizê-lo?
-Não, tampouco queria dizer isso - disse Simon, refletindo,
ignorando por completo a reação tão furiosa dela - Acredito que seria
mais apropriado dizer que acredito que acredita que tem muita
experiência.
-Mas...Você... - Daphne não conseguia dizer nada coerente mas isso
costumava acontecer quando estava zangada.
E agora estava muito zangada.
Simon encolheu os ombros, aparentemente calmo ante o furioso
olhar dela.
-Querida senhorita Bridgerton...
-Se me volta a chamar assim, juro-lhe que gritarei.
-Não, não o fará - disse ele, com um malvado sorriso. - Isso atrairia
muita gente e, se recordar, não quer que a vejam comigo.
-estou expondo correr esse risco - disse Daphne, pondo muita ênfase
em cada palavra.
Simon cruzou os braços e se apoiou na parede.
-De verdade? – disse - Eu gostaria de vê-lo.
Daphne esteve a ponto de levantar os braços em gesto de rendição.
- Esqueça. Esqueça-me. Esqueça-se desta noite. Vou embora.
Girou mas, antes que pudesse dar um passo, a voz do duque a
deteve.
-Pensei que ia ajudar me.
Maldição! Não tinha saída. Lentamente, virou-se outra vez.
-Claro que sim - disse, com falsa educação -. Será um prazer.
-Bem - disse Simon, inocentemente - Se queria me ajudar, não
deveria ter...
-Disse-lhe que o ajudarei - interrompeu ela.
Simon sorriu. Era muito fácil fazê-la zangar.
- Isto é o que vamos fazer – disse - Levantarei-o e passarei seu braço
direito por cima de minhas costas. Você ficará detrás de mim e o
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