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Baixar para ler offline
1 
Brendan Walker sabia que o pacote estaria em casa às oito da manhã. 
Tinha escolhido o frete expresso no site, que era entregue de manhã 
bem cedinho; tinha confirmado que, para o seu endereço e CEP (na Sea 
Cliff, São Francisco), o “de manhã bem cedinho” queria dizer às oito da 
manhã. Tinha até acordado várias vezes durante a noite para atualizar a 
página de rastreio de objetos do site dos Correios. Se o pacote não chegas-se 
na hora prevista, como iria à escola? 
— Brendan! Desce aqui! 
Ele deixou o laptop e se encaminhou para o alçapão, a única saída do 
quarto. Às vezes achava estranho que seu quarto fosse, na verdade, o sótão 
de uma casa vitoriana de três andares, mas, na maior parte do tempo, acha-va 
aquilo um detalhe legal. Além do mais, era uma das coisas menos esqui-sitas 
na vida dele. 
Brendan abriu o ferrolho. A porta também se abriu, revelando degraus 
que conduziam até o corredor abaixo. O garoto desceu aos pulos e fechou a 
escada outra vez, guardando a corda que fica pendurada na portinhola para 
que não aparecesse tanto quanto de hábito. Assim, se alguém entrasse no 
quarto enquanto estivesse na escola, ele saberia. 
— Brendan! O café da manhã está esfriando! 
Ele correu em direção à voz da mãe. 
7
No corredor, passou por três fotografias dos antigos donos da casa: os 
Kristoff. Eles tinham construído a casa em 1907. Suas imagens estavam 
desbotadas, e cores em tom pastel que pareciam ter sido adicionadas anos 
mais tarde se sobrepunham a elas. Denver Kristoff, o pai, tinha rosto auste-ro 
e barba quadrada. A esposa, Eliza May, era bela e reservada. A filha, 
Dahlia, era um bebê lindinho, de aparência inocente nos retratos, mas 
Brendan a conhecia por um nome diferente, com habilidades diferentes. 
Era a Bruxa do Vento. E quase o matara meia dúzia de vezes. 
Felizmente, ela não tinha sido um problema nas últimas seis semanas. 
Estava... Como é mesmo que os policiais falam? “Desaparecida e dada como mor‑ta”, 
pensou ele. A irmãzinha de Brendan, Eleanor, usara um livro mágico 
pra bani‑la para o “pior lugar de todos”, e eles não tiveram notícias desde 
então. Isso provavelmente queria dizer que já era hora de tirar sua fotogra-fia 
da parede. Sempre que os pais tocavam no assunto, porém, o garoto 
protestava, junto a Eleanor e a irmã mais velha, Cordelia. 
— Mãe, nossa casa se chama a Mansão Kristoff. Você não pode tirar as 
fotos dos Kristoff — dissera Eleanor na outra semana, quando a Sra. Walker 
apareceu no corredor com alicates e massa. Eleanor tinha 9 anos e opiniões 
fortes. 
— Mas nós somos os donos da casa agora, Eleanor. Não foi você quem 
sugeriu que começássemos a usar o nome “Mansão Walker”? 
— É, mas agora acho que a gente devia respeitar os primeiros donos 
— retrucou a menina. 
— Dá integridade histórica ao lugar — concordou Cordelia. Ela era 
três anos mais velha do que Brendan, faltava pouco para completar 16 anos, 
embora falasse como se tivesse 30. — É o mesmo caso de quando mudam 
o nome de um estádio de beisebol para Billionaire Corporation Field. Fica 
totalmente falso. 
— Está bem. — suspirou a Sra. Walker. — A casa é de vocês. Eu só 
moro aqui mesmo. 
Ela saiu, deixando os irmãos conversarem mais livremente. Bastava 
olhar para os retratos que eles se transportavam de volta às aventuras fan-tásticas 
que viveram na Mansão Kristoff — aquele tipo de aventura nun-ca‑fale‑sobre‑elas‑porque‑vão‑colocá‑los‑em‑um‑hospício 
8 
e que são o 
próprio atestado de loucura. Aquelas sobre as quais Brendan pensou: Se
algum de nós se casar um dia e disser para as pessoas: “o melhor dia da minha vida 
foi o do meu casamento”, vai ser mentira. Porque o melhor dia de todos foi quan‑do 
voltamos seguros para casa, há seis semanas. 
— Faz mesmo sentido deixar os Kristoff aí — arrematou Cordelia. — 
Eles são os responsáveis por toda essa... situação. 
— Que situação? A gente ser rico? — indagou Eleanor. 
Era estranho dizer isso. Mas essa era a verdade. Ao fim das aventuras 
malucas dos Walker, quando Eleanor fizera o desejo no livro mágico (ou 
amaldiçoado, a bem da verdade) para banir a Bruxa do Vento, também tinha 
desejado que sua família fosse rica. Os pais terminaram com 10 milhões de 
dólares na poupança como um “acordo” feito em um processo em troca do 
silêncio do Dr. Walker. Agora a família vivia muito tranquila por conta disso. 
— Tem essa questão — disse Cordelia — e o fato de que a gente vive 
com um medo mortal porque a Bruxa do Vento pode voltar. — Ela olha 
para a fotografia de Denver Kristoff. — Ou o Rei da Tempestade. 
Brendan estremeceu. Não gostava de pensar naquela figura que Denver 
Kristoff assumiu depois de ter se tornado um feiticeiro todo deformado por 
causa de O livro da perdição e do desejo. O livro — o mesmo que dera aos 
Walker a recém‑adquirida fortuna — tinha as páginas todas em branco, 
mas, se alguém escrevesse um desejo em um pedacinho de papel e o colo-casse 
dentro dele, o desejo se realizaria. Como era de se imaginar, o uso 
prolongado de tal artefato mágico tinha efeitos terríveis na mente e no 
corpo, e, no caso do patriarca dos Kristoff, ele o transformara no monstru-oso 
Rei da Tempestade. Tudo isso já era assustador o bastante, mas o pro-blema 
verdadeiro era que o Rei tinha dado no pé — as crianças não faziam 
ideia de onde estava. 
Podia muito bem estar morando em Berkeley. 
— Vou dizer o que acho — declarou Brendan. — Durante esse mês, ou 
seja lá quanto tempo faz desde que a gente voltou, as fotos continuaram na 
parede, e a gente não teve que enfrentar os Kristoff de carne e osso. Será que 
é coincidência? Provavelmente. Mas, na nossa casa, nunca se sabe. Então é 
mais seguro deixar todas aí mesmo. 
Eleanor agarrou a mão do irmão. Ele, a de Cordelia. Por um breve mo-mento, 
fizeram um desejo mudo de que tudo tivesse acabado de verdade. 
9
Agora Brendan passava apressado pelos retratos para descer as esca-das 
em espiral até a cozinha. O cômodo já era bonito quando os Walker 
compraram a mansão, mas depois dos 10 milhões de dólares, a Sra. 
Walker enlouqueceu um pouquinho e escolheu um fogão francês chique 
que custara mais do que um carro de luxo japonês. 
— Aqui — falou a mãe, quando o menino se sentou entre as irmãs 
para tomar café no balcão de mármore ao mesmo tempo que estendia 
um prato de panquecas de mirtilo mornas. Brendan olhou para a esquer-da 
e para a direita: Cordelia folheava uma cópia da Teen Vogue; Eleanor 
jogava alguma coisa no iPhone da mãe. 
— Olha só quem decidiu acordar — comentou Cordelia. 
— É, o que você estava fazendo lá em cima? — perguntou Eleanor. 
Brendan atacou as panquecas. Estavam boas. Mas eram tão boas 
quanto as que comia no antigo apartamento. 
— Eshpeando uhm paote impotante — respondeu, de boca cheia. 
— Eca! Será que você não sabe que não é para mastigar e falar ao 
mesmo tempo? — repreendeu Eleanor. 
— Por quê? Quem está me vigiando? — Brendan engoliu tudo com 
um gole do leite de amêndoa. — A gente não está no refeitório da esco-la, 
está? Alguma das suas novas amiguinhas que tem todas as bonecas da 
linha American Doll vai me ver fazendo isso? 
— Não tem nada a ver — retruca a menina. — É só que você devia 
ter educação e boas maneiras, e você não tem. 
— Você nunca se importou — provocou Brendan. 
— Famílias ricas devem ser refinadas! 
— Ok, espera aí — interrompeu a Sra. Walker, olhando para os três 
filhos. De muitas maneiras, pareciam os mesmos de antes de se muda-rem 
para a mansão: Brendan, de cabelos espetados; Cordelia, com a 
franja que caía sobre os olhos como se fosse um escudo; Eleanor com o 
nariz franzido, pronta para aceitar um desafio... Mas todos pareciam 
diferentes. 
— Não quero ouvir você usando a palavra com r, Eleanor. Sei que as 
coisas mudaram desde que o seu pai aceitou o acordo... 
— Onde está o papai, aliás? — indagou Cordelia. 
10
— Saiu para dar uma corrida — respondeu a mãe — e... 
— A manhã toda? Ele está treinando para uma maratona? 
— Não muda de assunto! Mesmo que a gente esteja numa situação fi-nanceira 
melhor, continuamos sendo a mesma família de sempre. 
Os Walker se entreolharam e depois fitaram a mãe. Era difícil acreditar 
com ela parada ali em meio a tantos equipamentos de cozinha de luxo. 
— Isso quer dizer que nós nos respeitamos, então não comemos e fala-mos 
ao mesmo tempo. Mas também significa que somos gentis uns com os 
outros. Se alguma coisa nos ofende, pedimos com gentileza para a outra 
pessoa parar de fazer o que está incomodando. Fui clara? 
As duas meninas assentiram, embora Cordelia já estivesse ouvindo mú-sica 
outra vez — ela havia encontrado uma banda islandesa da qual gostava; 
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E Cordelia estava gostando de se sentir fria ultimamente. Anestesiada. 
Era uma das poucas formas que tinha para lidar com a loucura do que 
acontecera a ela. Jamais poderia contar a alguém o que passara — nem es-crever 
ou falar a respeito. Seria melhor esquecer que aconteceu. Não era 
fácil; por isso, tentava se distrair. Por exemplo, se existia uma TV no seu 
quarto. Primeiro, foi para acompanhar Brendan, que tinha tanto uma tele-visão 
quanto uma máquina automática de salgadinhos instaladas no sótão 
(ou, como Cordelia gostava de chamar, sua “caverna de quase homem”). 
Mas a TV acabara tornando‑se uma espécie de conforto para ela, com a 
música, pois lhe permitia anestesiar o turbilhão de emoções que sentia a 
respeito de onde estivera e do que fizera. A leitura costumava lhe oferecer 
esse refúgio, mas os livros tornaram‑se mais difíceis de apreciar — afinal, 
tinham sido eles que a meteram naquela encrenca pra começo de conversa! 
Estou mudando, pensou ela. E não tenho certeza se isso é uma coisa boa. No 
entanto, ela não podia ficar pensando nisso agora, pois Brendan avistara o 
caminhão dos Correios lá fora. 
— Brendan! Aonde você vai? 
O garoto disparou para fora da cozinha, passando pela armadura no 
corredor, debaixo do lustre, e saindo pelas grandes portas de entrada direto 
para o ar gelado de São Francisco, descendo o caminho em zigue-zague que 
contornava os gigantescos carvalhos no gramado intacto, e passando pelo 
11
local onde o pai estacionava a nova Ferrari... até chegar à avenida Sea Cliff, 
na qual um homem com o uniforme azul e laranja parara o caminhão. 
— Brendan Walker? 
— Eu mesmo! — respondeu o menino, assinando o formulário e abrin-do 
o pacote na calçada. Ele retirou o que estava dentro dele... e inspirou 
fundo. 
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Esperando o pacote expresso na Mansão Kristoff

  • 1. 1 Brendan Walker sabia que o pacote estaria em casa às oito da manhã. Tinha escolhido o frete expresso no site, que era entregue de manhã bem cedinho; tinha confirmado que, para o seu endereço e CEP (na Sea Cliff, São Francisco), o “de manhã bem cedinho” queria dizer às oito da manhã. Tinha até acordado várias vezes durante a noite para atualizar a página de rastreio de objetos do site dos Correios. Se o pacote não chegas-se na hora prevista, como iria à escola? — Brendan! Desce aqui! Ele deixou o laptop e se encaminhou para o alçapão, a única saída do quarto. Às vezes achava estranho que seu quarto fosse, na verdade, o sótão de uma casa vitoriana de três andares, mas, na maior parte do tempo, acha-va aquilo um detalhe legal. Além do mais, era uma das coisas menos esqui-sitas na vida dele. Brendan abriu o ferrolho. A porta também se abriu, revelando degraus que conduziam até o corredor abaixo. O garoto desceu aos pulos e fechou a escada outra vez, guardando a corda que fica pendurada na portinhola para que não aparecesse tanto quanto de hábito. Assim, se alguém entrasse no quarto enquanto estivesse na escola, ele saberia. — Brendan! O café da manhã está esfriando! Ele correu em direção à voz da mãe. 7
  • 2. No corredor, passou por três fotografias dos antigos donos da casa: os Kristoff. Eles tinham construído a casa em 1907. Suas imagens estavam desbotadas, e cores em tom pastel que pareciam ter sido adicionadas anos mais tarde se sobrepunham a elas. Denver Kristoff, o pai, tinha rosto auste-ro e barba quadrada. A esposa, Eliza May, era bela e reservada. A filha, Dahlia, era um bebê lindinho, de aparência inocente nos retratos, mas Brendan a conhecia por um nome diferente, com habilidades diferentes. Era a Bruxa do Vento. E quase o matara meia dúzia de vezes. Felizmente, ela não tinha sido um problema nas últimas seis semanas. Estava... Como é mesmo que os policiais falam? “Desaparecida e dada como mor‑ta”, pensou ele. A irmãzinha de Brendan, Eleanor, usara um livro mágico pra bani‑la para o “pior lugar de todos”, e eles não tiveram notícias desde então. Isso provavelmente queria dizer que já era hora de tirar sua fotogra-fia da parede. Sempre que os pais tocavam no assunto, porém, o garoto protestava, junto a Eleanor e a irmã mais velha, Cordelia. — Mãe, nossa casa se chama a Mansão Kristoff. Você não pode tirar as fotos dos Kristoff — dissera Eleanor na outra semana, quando a Sra. Walker apareceu no corredor com alicates e massa. Eleanor tinha 9 anos e opiniões fortes. — Mas nós somos os donos da casa agora, Eleanor. Não foi você quem sugeriu que começássemos a usar o nome “Mansão Walker”? — É, mas agora acho que a gente devia respeitar os primeiros donos — retrucou a menina. — Dá integridade histórica ao lugar — concordou Cordelia. Ela era três anos mais velha do que Brendan, faltava pouco para completar 16 anos, embora falasse como se tivesse 30. — É o mesmo caso de quando mudam o nome de um estádio de beisebol para Billionaire Corporation Field. Fica totalmente falso. — Está bem. — suspirou a Sra. Walker. — A casa é de vocês. Eu só moro aqui mesmo. Ela saiu, deixando os irmãos conversarem mais livremente. Bastava olhar para os retratos que eles se transportavam de volta às aventuras fan-tásticas que viveram na Mansão Kristoff — aquele tipo de aventura nun-ca‑fale‑sobre‑elas‑porque‑vão‑colocá‑los‑em‑um‑hospício 8 e que são o próprio atestado de loucura. Aquelas sobre as quais Brendan pensou: Se
  • 3. algum de nós se casar um dia e disser para as pessoas: “o melhor dia da minha vida foi o do meu casamento”, vai ser mentira. Porque o melhor dia de todos foi quan‑do voltamos seguros para casa, há seis semanas. — Faz mesmo sentido deixar os Kristoff aí — arrematou Cordelia. — Eles são os responsáveis por toda essa... situação. — Que situação? A gente ser rico? — indagou Eleanor. Era estranho dizer isso. Mas essa era a verdade. Ao fim das aventuras malucas dos Walker, quando Eleanor fizera o desejo no livro mágico (ou amaldiçoado, a bem da verdade) para banir a Bruxa do Vento, também tinha desejado que sua família fosse rica. Os pais terminaram com 10 milhões de dólares na poupança como um “acordo” feito em um processo em troca do silêncio do Dr. Walker. Agora a família vivia muito tranquila por conta disso. — Tem essa questão — disse Cordelia — e o fato de que a gente vive com um medo mortal porque a Bruxa do Vento pode voltar. — Ela olha para a fotografia de Denver Kristoff. — Ou o Rei da Tempestade. Brendan estremeceu. Não gostava de pensar naquela figura que Denver Kristoff assumiu depois de ter se tornado um feiticeiro todo deformado por causa de O livro da perdição e do desejo. O livro — o mesmo que dera aos Walker a recém‑adquirida fortuna — tinha as páginas todas em branco, mas, se alguém escrevesse um desejo em um pedacinho de papel e o colo-casse dentro dele, o desejo se realizaria. Como era de se imaginar, o uso prolongado de tal artefato mágico tinha efeitos terríveis na mente e no corpo, e, no caso do patriarca dos Kristoff, ele o transformara no monstru-oso Rei da Tempestade. Tudo isso já era assustador o bastante, mas o pro-blema verdadeiro era que o Rei tinha dado no pé — as crianças não faziam ideia de onde estava. Podia muito bem estar morando em Berkeley. — Vou dizer o que acho — declarou Brendan. — Durante esse mês, ou seja lá quanto tempo faz desde que a gente voltou, as fotos continuaram na parede, e a gente não teve que enfrentar os Kristoff de carne e osso. Será que é coincidência? Provavelmente. Mas, na nossa casa, nunca se sabe. Então é mais seguro deixar todas aí mesmo. Eleanor agarrou a mão do irmão. Ele, a de Cordelia. Por um breve mo-mento, fizeram um desejo mudo de que tudo tivesse acabado de verdade. 9
  • 4. Agora Brendan passava apressado pelos retratos para descer as esca-das em espiral até a cozinha. O cômodo já era bonito quando os Walker compraram a mansão, mas depois dos 10 milhões de dólares, a Sra. Walker enlouqueceu um pouquinho e escolheu um fogão francês chique que custara mais do que um carro de luxo japonês. — Aqui — falou a mãe, quando o menino se sentou entre as irmãs para tomar café no balcão de mármore ao mesmo tempo que estendia um prato de panquecas de mirtilo mornas. Brendan olhou para a esquer-da e para a direita: Cordelia folheava uma cópia da Teen Vogue; Eleanor jogava alguma coisa no iPhone da mãe. — Olha só quem decidiu acordar — comentou Cordelia. — É, o que você estava fazendo lá em cima? — perguntou Eleanor. Brendan atacou as panquecas. Estavam boas. Mas eram tão boas quanto as que comia no antigo apartamento. — Eshpeando uhm paote impotante — respondeu, de boca cheia. — Eca! Será que você não sabe que não é para mastigar e falar ao mesmo tempo? — repreendeu Eleanor. — Por quê? Quem está me vigiando? — Brendan engoliu tudo com um gole do leite de amêndoa. — A gente não está no refeitório da esco-la, está? Alguma das suas novas amiguinhas que tem todas as bonecas da linha American Doll vai me ver fazendo isso? — Não tem nada a ver — retruca a menina. — É só que você devia ter educação e boas maneiras, e você não tem. — Você nunca se importou — provocou Brendan. — Famílias ricas devem ser refinadas! — Ok, espera aí — interrompeu a Sra. Walker, olhando para os três filhos. De muitas maneiras, pareciam os mesmos de antes de se muda-rem para a mansão: Brendan, de cabelos espetados; Cordelia, com a franja que caía sobre os olhos como se fosse um escudo; Eleanor com o nariz franzido, pronta para aceitar um desafio... Mas todos pareciam diferentes. — Não quero ouvir você usando a palavra com r, Eleanor. Sei que as coisas mudaram desde que o seu pai aceitou o acordo... — Onde está o papai, aliás? — indagou Cordelia. 10
  • 5. — Saiu para dar uma corrida — respondeu a mãe — e... — A manhã toda? Ele está treinando para uma maratona? — Não muda de assunto! Mesmo que a gente esteja numa situação fi-nanceira melhor, continuamos sendo a mesma família de sempre. Os Walker se entreolharam e depois fitaram a mãe. Era difícil acreditar com ela parada ali em meio a tantos equipamentos de cozinha de luxo. — Isso quer dizer que nós nos respeitamos, então não comemos e fala-mos ao mesmo tempo. Mas também significa que somos gentis uns com os outros. Se alguma coisa nos ofende, pedimos com gentileza para a outra pessoa parar de fazer o que está incomodando. Fui clara? As duas meninas assentiram, embora Cordelia já estivesse ouvindo mú-sica outra vez — ela havia encontrado uma banda islandesa da qual gostava; sua música era... “Fria” é a melhor maneira de descrever, pensou ela. Eles têm a música mais fria que já ouvi. E Cordelia estava gostando de se sentir fria ultimamente. Anestesiada. Era uma das poucas formas que tinha para lidar com a loucura do que acontecera a ela. Jamais poderia contar a alguém o que passara — nem es-crever ou falar a respeito. Seria melhor esquecer que aconteceu. Não era fácil; por isso, tentava se distrair. Por exemplo, se existia uma TV no seu quarto. Primeiro, foi para acompanhar Brendan, que tinha tanto uma tele-visão quanto uma máquina automática de salgadinhos instaladas no sótão (ou, como Cordelia gostava de chamar, sua “caverna de quase homem”). Mas a TV acabara tornando‑se uma espécie de conforto para ela, com a música, pois lhe permitia anestesiar o turbilhão de emoções que sentia a respeito de onde estivera e do que fizera. A leitura costumava lhe oferecer esse refúgio, mas os livros tornaram‑se mais difíceis de apreciar — afinal, tinham sido eles que a meteram naquela encrenca pra começo de conversa! Estou mudando, pensou ela. E não tenho certeza se isso é uma coisa boa. No entanto, ela não podia ficar pensando nisso agora, pois Brendan avistara o caminhão dos Correios lá fora. — Brendan! Aonde você vai? O garoto disparou para fora da cozinha, passando pela armadura no corredor, debaixo do lustre, e saindo pelas grandes portas de entrada direto para o ar gelado de São Francisco, descendo o caminho em zigue-zague que contornava os gigantescos carvalhos no gramado intacto, e passando pelo 11
  • 6. local onde o pai estacionava a nova Ferrari... até chegar à avenida Sea Cliff, na qual um homem com o uniforme azul e laranja parara o caminhão. — Brendan Walker? — Eu mesmo! — respondeu o menino, assinando o formulário e abrin-do o pacote na calçada. Ele retirou o que estava dentro dele... e inspirou fundo. 12