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Portfólio      Cláudia M Lopes




Lembro-me de ter lido um poema lindo que falava de uma mesa e dos seus lugares
vazios. Não eram lugares por preencher, eram lugares vazios.
Lembro-me que quem o lia – apetece-me rir hoje – pensava que lugares vazios eram o
silêncio, mas não há nada mais duro que a ausência e essa não é o silêncio.
Esta apresentação fala de momentos, momentos esses que definem um
tempo que não é só o tempo de um indivíduo em particular mas sim esse
lugar que se estende e pertence à memória colectiva.
Importa pensar o significado de um espaço político, histórico e social que se
apresenta através de narrativas pessoais, muitas vezes autobiográficas, que
utilizam a fotografia como registo de um desaparecimento evidente. A
memória é um registo contínuo daquilo que é o esquecimento.
A utilização do arquivo como forma de testemunho, de presença e
representação do silêncio é um dos pontos fundamentais das obras que se
apresentam, encarando sempre o gesto de criação como um acontecimento
não só estético, mas fundamentalmente ético e político.
Toda a narração/acontecimento é um corte na realidade, é um
enquadramento em que fragmentos nos revelam pistas sobre uma ideia de
um Todo que funciona precisamente por ser descontínuo.
Nunca o efémero foi tão importante para falar do Tempo como na
contemporaneidade.
A avó mal comportada e a avó bem comportada, 2009
Calcogravura (ponta-seca sobre papel )e texto dactilografado
A avó mal comportada e avó bem comportada

Naquele dia podias ter dito e eu teria,
sem as dúvidas que hoje tenho, aceite que
 existe algo para além do nosso corpo.

Mas tu eras calada e permanecias por teimosia.
Ao teu lado caminhavam os teus passos, zangados.

Tu ias pelo caminho como quem parte a lenha
para uma fogueira. Sem cuidado, quebrando os
galhos, consumidos em fogo e longos serões.
Os teus passos ainda vão zangados. Sem palavras.

Não há palavras que cheguem para explicar
aquilo que está vazio onde antes tanto havia.




Lembro com uma perfeição tal que receio ser
antes lembrança sonhada que a verdade do que
realmente foi… Tu sempre foste a avó mal
comportada; e de noite tu não rezavas como
outra avó.
Corroías a tua memória em vinho como quem
tempera as lembranças gastas e procura
dar-lhes sabor.
Quando morresses eras para ser sepultada
com um pipo para que não te faltasse alegria
no outro mundo.
Foi assim que descobri que não é preciso
rezar a deus para se acreditar na vida eterna.     Texto presente na obra anterior
A avó mal comportada e a avó bem comportada

 Não te conheço e tudo o que recordo são ficções imaginadas para que fosses mais que
 um vulto pesado na minha memória consumida.
 Imagino que estejas em tua casa e que o cheiro das coisas te consuma por já não
 poderes nomeá-las com clareza. Como tu, tudo à tua volta envelheceu e a doença foi
 tolhendo a forma das coisas até que agora é o vazio que toma o lugar do que antes
 existia. E o vazio dói. Mas não o vazio de coisas que não existem mas sim daquelas que
 não permaneceram. Imagino que tenhas umas mãos velhas e usadas, e da mesma forma
 que os meus pés são sozinhos um com o outro na minha cama, as tuas mãos são
 sozinhas uma com a outra na tua solidão.
 Sempre conheci a avó mal comportada, que insistia em calçar meias de lã grossa nos
 chinelos e tinha cabelo como quem tem uma tempestade na cabeça. Como quem não
 sabe o lugar próprio daquilo que sente e isso transbordasse para fora de si. Tu eras como
 o túmulo das pessoas à tua volta porque sempre te conheci pelas palavras fétidas de
 vinho que andavam lado a lado com a tua presença. E o teu silêncio era teimoso contigo
 e insistia em ir calado para onde fosses. E sei que não gostavas.
 Tudo o que entre nós existe é esta forma de falar em que eu escrevo, sem tu saberes,
 uma memória ressequida de ti. E lamento não saber mais e tudo ser esta mentira.
 Quando te amaciavam o cabelo e te compunham e te tiravam o penico de louça que,
 com tanta devoção, te acompanhou toda a vida nas viagens que fizeste, tu ficavas triste.
 E não era triste como quem chora, era triste como quem lamenta ter tido asas uma vida
 inteira.

 Quando era pequena desejava ser como a avó que dormia e falava sozinha como quem
 falava com Deus.
 Jesus, pensa em mim quando vou dormir e guarda a minha alma nas tuas mãos para que,
 quando acorde, ela já não me pese. Rezo a ti a alma de todas as pessoas que conheço,
 mortas e vivas, não sei se por esta ordem, e encomendo os seus pecados para que sejam
 lavados. Na manhã seguinte tenho os pecados limpos, mas não deixam de ser pecados.
 Tinha medo daquela lista enorme de nomes que desfilava e escorria da sua boca para a
 minha almofada. E eu tentava lembrar-me das Ave-marias que me pudessem salvar
 daquela inundação de almas que se contorciam para caber no meu lado da cama. E ela
 continuava imune ao medo imenso que eu tinha de um dia ser apenas nome nessa lista
 e houvesse alguém que todas as noites rezasse para que eu vivesse em paz, comida por
 vermes e pó, debaixo da terra.

 A memória de um lugar é o espaço que sobra entre a existência do que lembramos e
 aquilo que desejávamos ser verdade.
 Entre as duas avós da mesma pessoa e a outra avó que rezava como quem falava sozinha
 existia um fosso profundo que só existe quando não há nada que possa preencher o
 lugar que ambas não ocuparam para chegar uma à outra.



A avó mal comportada e a avó bem comportada, 2009
texto dactilografado
No time is enough, 2011
Livro de artista
Caderno escolar Infante, 1 fotografia e texto dactilografado
Preciso falar dos silêncios, 2011 (lnstalação, Galeria do IPSAR, Roma)
Livro de artista
caderno escolar Infante, texto dactilografado, recortes da Necrologia do Jornal de Notícias, fita-cola, mesa, cadeira, candeeiro, lista de nomes recortados
Preciso falar dos silêncios

Todas as histórias são feitas de silêncios que guardam fundo as palavras. Guardam duro a
memória de um algo que persiste quase ancestralmente. Penso que fomos guardando por
dentro ao longo da vida os silêncios que nos definem… o silêncio da dor, o silêncio da
ausência, o silêncio do medo, o silêncio da vergonha. E o silêncio da morte. Quando
penso nas pessoas não me consigo furtar a estes silêncios, quase como se fossem mitos
imortalizados na nossa natureza.
Há pessoas que têm medo do silêncio dos que amam, as que receiam o silêncio dos que
odeiam. Eu tenho medo dos silêncios dos que ignoram, dos que não se compadecem, dos
que estão ausentes.
Os que nos amam têm silêncios doces, os que nos odeiam não conseguem ter silêncios
porque estão sempre pesados, mas os que estão ausentes têm sempre um silêncio duro
que caminha a par do nosso.
Faz-me pensar muito nas palavras que não dizemos e esperamos ter sempre um tempo
eterno para as dizer. Mas as pessoas partem, e deixamos de saber se nos ouvem. Porque
a vida eterna que nos prometem não parece ter palavras.




                                                        Texto presente na obra anterior
Tempo emprestado, 2011 (instalação, Galeria do IPSAR, Roma)                    A sobrinha da Tia Beatriz, 2011 e Auto-retrato, 2010 (texto dactilografado,
Caderno escolar, textos dactilografados, 2 fotografias, 1 caderno de desenho   fotografia e fita-cola; Calcogravura (ponta-seca e água-tinta sobre papel)
intervencionado com fotografias, fita-cola e outros objectos




       jjj
A sobrinha da Tia Beatriz
Quarenta e sete anos. Esta é a distância entre a infância da sobrinha da Tia Beatriz e a minha própria infância.
A minha casa, a casa dos meus olhos, a casa das paredes por mim riscadas vezes e vezes sem conta, a casa onde os sonhos foram meus e de meus
irmãos, os três sentados, as roupas inúmeras vezes cosidas e as palavras, também assim, remendadas pelas mesmas mãos.
Antes de mim, a sobrinha da Tia Beatriz. Não conheci a Tia Beatriz mas ouvi, da boca gasta da sua sobrinha, que existiu uma Tia Beatriz. A senhora
viveu na minha casa e a sobrinha brincou nos mesmos canteiros de terra que eu, regou plantas iguais às plantas que eu reguei, carregou pintos ao
colo e também ela lhes deu nomes incompatíveis com a sua condição – as galinhas são para se comer, tantas vezes ouvi enquanto as lágrimas me
engulhavam na garganta.

Tempo emprestado
Quando penso na mesa à qual me sentava aos seis anos para jantar ainda conto cinco pratos pousados; vejo a caneca de plástico azul que partilhava
com os meus irmãos, a toalha castanha com renda banca, roída, a debruá-la, e as mãos grandes, multiplicadas, imensas, de minha mãe.
Sou capaz de recuperar este momento milhares de vezes, de olhos abertos ou fechados, mesmo que as palavras não me cheguem para sustentar o
seu peso.
Esta presença da Pessoa sobre as coisas acontece para devolvê-las a uma outra existência, um tempo emprestado à memória e à ruína daquilo que
foi vivo. Ver é resgatar desse silêncio, ver é olhar de dentro para fora e falar de fora para dentro.

Não há nada que seja tão diverso como a natureza humana; todos somos de tamanhos e feitios diferentes,
tanto na parte de fora como na parte de dentro.
Passei muito do meu tempo a tentar perceber o que é ver. Ver realmente, para lá das camadas de pele e músculo das coisas. Passando as veias,
artérias e órgãos. Até chegar a algo parecido com uma alma. Durante esse longo processo, que há-de durar mais que a minha vida inteira, permito-
me desejar que esse ver não seja só científico ou técnico ou intelectual. E que não seja apenas com os olhos, mas que possa usar os ouvidos, e as
mãos, e a boca. E possa cheirar as coisas para as ver, e sentir-lhes o sabor em toda a pele. Que ver seja um acto sensual, que seja para além do
cérebro e da razão, mas que estes o reconheçam.
As demais palavras fomentam essa necessidade de perceber que as coisas, na sua integridade, têm de ser vistas e sentidas de todas as formas
possíveis, e até impossíveis. (Porque sonhar as coisas e para elas desejar é também vê-las.)




                                                                                                         Textos presentes na obra anterior
Sem título, 2011
texto dactilografado, 1 fotografia e fita-cola
Tempo emprestado, 2011 (instalação, Galeria do IPSAR, Roma)
30 fotografias e letras em vinil
O tempo desagrega tudo, 2008 -2011
(instalação, Galeria do IPSAR, Roma)
5 textos dactilografados, 6 fotografias, fita-cola e
fotocópias das obras expostas
D. Alice

            O tempo desagrega tudo.


            O tempo manda a poeira cobrir as coisas
            e parte os cântaros nas casas.
            A água deixa de secar a sede, a água é
            de barro e o barro é pó.
            Os pés deixam de andar e os caminhos
            de ser caminhados. E vem o tractor e
            semeia nos carreiros e a memória esquece
            o que lá existiu.
            As fontes são monumentos e não dão de beber.
            O tempo parte tudo e a memória esquece o que
            viu.

            A Dona Alice agora é uma vinha, já foi erva daninha
            Alice já foi pó, antes e depois foi carne.


            O tempo desagrega tudo.




O tempo desagrega tudo


                                               O tempo desagrega tudo
D. Alice


                    As crianças eram como meninos Jesus
                    com um ranho contínuo a correr pelos
                    bibes. Sentavam-se nas pedras junto ao rio
                    desmanchando, sem malícia, os sapos e
                    rãs que encontravam.
                    Quando era o tempo das festas tinham
                    berlindes dos meninos que vinham da cidade.
                    Os dias passavam, sempre uns atrás dos outros,
                    porque o tempo não anda ao contrário.
                    Quando fossem grandes iam aprender a ser
                    homens. As meninas continuariam
                    mulheres, não tinham de ir aprender.




O tempo desagrega tudo
D. Alice



                   “Apagaste essa candeia
                   Que estava no velador
                   Apagaste essa candeia
                   Que estava no velador


                   Agora vai-te deitar
                   Às escuras, meu amor
                   Agora vai-te deitar
                   Às escuras, meu amor.”




O tempo desagrega tudo
                                            O tempo desagrega tudo
D. Alice


         Quando findou o tempo, D. Alice
         que já era velha, prestou as suas
         e disse de sua vida.
         Era nova naquele tempo e gostava de
         cantar. Era moça.

                    “Anabela era linda e formosura
                    Era a moça mais bonita em todo o monte
                    Certa noite muito fria muito escura
                    Pegou na cantarinha e foi à fonte

                    Ao regressar a casa essa bela
                    Na fonte junto à azenha do moinho
                    Apareceu um lobo junto dela
                    Tapando-lhe a passagem do caminho

                    E os lobos nem sequer se incomodaram
                    Parece que eles até murmuraram
                    Que bela rapariga aqui passou

                    Se os lobos fossem homens, eu sei lá
                    Talvez se não pudesse arrepender
                    Que a tentação da carne é muito má
                    E há homens que são loucos por prazer.”




O tempo desagrega tudo
os dias de antes de ontem


  Naquele tempo não nos podíamos atrasar para jantar, seis e meia em minha
  casa. Meu pai chegava do seu ofício, como lhe chamava, e vinha sujo e suado.
  Antigamente chamavam-lhe arte ao acto de produzir estes objectos de uso diário.
  A água era fresca no barro, não havia frigorífico.
  As coisas tinham outro sabor.



  O tempo comeu a memória das coisas. Não há quem possa lembrar a presença que
  tinha o trabalho na vida das pessoas. O tempo existia para ser permanentemente
  ocupado por tarefas, obrigações e havia o prédio para cuidar.
  Ao Domingo havia romaria, depois de todos os pecados perdoados nas orações da
  manhã.




O tempo desagrega tudo
Comunhão, 2010                                       Rosa Maria, 2010
Calcogravura (Ponta-seca e Água-tinta sobre papel)   Calcogravura (Ponta-seca e Água-tinta sobre papel)
Caderno a dois retratos, 2009
Instalação – Sala das máquinas da Garagem Maiauto
Desenho a giz, 2 Calcogravuras (ponta-seca e água-tinta sobre papel)
Debaixo da terra não há céu, 2009
Calcogravura (ponta-seca e água-tinta sobre papel)
Colecção Privada I, 2007                              Colecção Privada II, 2007
Caixa com vidro, um caderno escolar e 6 fotografias   Caixa com vidro, um texto manuscrito e 10 fotografias
Deus ex machina, 2007 (instalação – Wall project da Galeria Plumba – Edifício Artes em Partes)
158 senhas de autocaaro da STCP, recortes da necrologia do JN, letras decalcáveis, papel de alumínio, poemas de José Régio
Desde pequena… ensinaram a orar por um anjo da guarda
que nos está destinado desde o primeiro ao último dia de
vida.
O anjo será tradicionalmente loiro carnudo, ocidental, criança
irrequieta brincando aos índios com Jesus, amigos desde a
infância do mundo.
A oração fala sempre da voz profunda mão funda que embala
o sono e o medo de não acordar.
Protegei-me anjo da guarda…
Deus fez-nos assim, barro dos barros, lama das lamas.
Vertebrados. Cientes da morte e tão cheios de esperança.
Cobardes.
À sua imagem e semelhança.
Odiamos porque Deus odiou e Deus é o nosso ódio dirigido.
É termos de ser perdoados a toda a hora por um Deus que
nos quis demasiado. Filhos pródigos.
Que nos prometeu a vida eterna sob o signo do Pai casmurro
e silencioso, do Filho escavado na cruz e do branco e burro
pombo que é o Espírito Santo.
E assim, Deus fez-nos ávidos de sangue, do seu filho em
sangue… do amor impossível, da redenção da carne, do seu
filho em sangue.
Corpo de Cristo, este é o sangue do meu filho.
Tomai e bebei-o!
Deus pariu a discórdia entre os homens porque os fez iguais a
seus olhos.
Se Jesus não tivesse morrido e se transformado em imagem
cravada na cruz, lenho pendurado no prego por cima da
porta, Jesus estaria no céu.



                                                                                                                                          Herança, 2006
 Texto do catálogo da exposição 10 artistas licenciados à procura de emprego,
                                                                                                                      Instalação, Calçada de Monchique
 Calçada de Monchique, Porto
                                                                                MDF, papel autocolante, frascos de vidro, sangue animal, tecido, elástico
Arquivo, 2005
          Instalação – Centro Comercial Alexandre Herculano
Fotografias, cadernos, álbuns, textos, mesas e outros objectos
Cadernos, 2005
                                             Livros de artista
Cadernos escolares, fotografias, fita-cola e outros objectos
O lugar da memória é o lugar onde as pessoas se ocupam daquilo que as faz viver.
Há um lugar que é constantemente redefinido pelas acções de quem o ocupa.
Resistência perante a passagem do tempo.
As obras apresentadas de seguida questionam o espaço enquanto construção colectiva,
que se faz pela operacionalização das memórias e dos actos quotidianos. Espaço público
é aquele que pertence à nossa esfera de referências, do qual partilhamos uma história e
no qual somos história e memória desses lugares. O espaço onde nos é permitido
acontecer.
Importa, mais uma vez, a génese ética e política do gesto de criação, na definição de um
espaço de acção que põe em evidência as fracturas do contemporâneo – que nos fala
do resíduo, do fragmento, da periferia por oposição a um centro, que nos narra o
inexprimível, o silêncio e seus ruídos.


A efemeridade e o precário como condição do contemporâneo.
(nada permanece mais do que o tempo exacto da sua existência. Importa reflectir que presença é essa,
que se materializa e desmaterializa por evocação da memória)
Oferece-se, 2003
Intervenção no espaço público, Porto
         Tinta, stencil, cola, cartazes
Lembras-te de mim?, 2003
Intervenção no espaço público, Porto (Rua Duque de Loulé)
                        Papel autocolante, tinta em spray




                    Sussurrei-te… perto e sem palavras, 2004
                       Intervenção no espaço público, Porto
                           Papel autocolante, tinta em spray
Ó Durão, tira a mão do meu bolso, carago!, 2004
Intervenção no espaço público, Porto
Stencil, tinta em spray
El carpio, 2004
Intervenção no espaço público, El Carpio, Espanha
Cartazes da Semana Santa, papel dourado, letras decalcáveis, papel manuscrito, cola
Cidade de Boas Festas, 2004
Intervenção no espaço público, Porto (Campo 24 de Agosto)
                                  Impressão digital 3mx4m
Cidade de Boas Festas, 2004
 Intervenção no espaço público, Porto (Campo 24 de Agosto)
                                   Impressão digital 3mx4m
Sopa dos Pobres, 2005
Intervenção no espaço público, Porto
                      Cartazes, cola
Vivenda Silva, 2005
     Intervenção no espaço público, Porto
Azulejo, tinta de vidro azul e amarela, cola
A arte é uma ferramenta para mudar o mundo, 2007
               Intervenção no espaço público, Porto
           Caderno de textos, stencil, tinta em spray
A arte é uma ferramenta para mudar o mundo, 2007
               Intervenção no espaço público, Porto
           Caderno de textos, stencil, tinta em spray
Nós portugueses, 2009
Intervenção no espaço público, Maia
                   Impressão digital

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Portfolio cláudia lopes 2011

  • 1. Portfólio Cláudia M Lopes Lembro-me de ter lido um poema lindo que falava de uma mesa e dos seus lugares vazios. Não eram lugares por preencher, eram lugares vazios. Lembro-me que quem o lia – apetece-me rir hoje – pensava que lugares vazios eram o silêncio, mas não há nada mais duro que a ausência e essa não é o silêncio.
  • 2. Esta apresentação fala de momentos, momentos esses que definem um tempo que não é só o tempo de um indivíduo em particular mas sim esse lugar que se estende e pertence à memória colectiva. Importa pensar o significado de um espaço político, histórico e social que se apresenta através de narrativas pessoais, muitas vezes autobiográficas, que utilizam a fotografia como registo de um desaparecimento evidente. A memória é um registo contínuo daquilo que é o esquecimento. A utilização do arquivo como forma de testemunho, de presença e representação do silêncio é um dos pontos fundamentais das obras que se apresentam, encarando sempre o gesto de criação como um acontecimento não só estético, mas fundamentalmente ético e político. Toda a narração/acontecimento é um corte na realidade, é um enquadramento em que fragmentos nos revelam pistas sobre uma ideia de um Todo que funciona precisamente por ser descontínuo. Nunca o efémero foi tão importante para falar do Tempo como na contemporaneidade.
  • 3. A avó mal comportada e a avó bem comportada, 2009 Calcogravura (ponta-seca sobre papel )e texto dactilografado
  • 4. A avó mal comportada e avó bem comportada Naquele dia podias ter dito e eu teria, sem as dúvidas que hoje tenho, aceite que existe algo para além do nosso corpo. Mas tu eras calada e permanecias por teimosia. Ao teu lado caminhavam os teus passos, zangados. Tu ias pelo caminho como quem parte a lenha para uma fogueira. Sem cuidado, quebrando os galhos, consumidos em fogo e longos serões. Os teus passos ainda vão zangados. Sem palavras. Não há palavras que cheguem para explicar aquilo que está vazio onde antes tanto havia. Lembro com uma perfeição tal que receio ser antes lembrança sonhada que a verdade do que realmente foi… Tu sempre foste a avó mal comportada; e de noite tu não rezavas como outra avó. Corroías a tua memória em vinho como quem tempera as lembranças gastas e procura dar-lhes sabor. Quando morresses eras para ser sepultada com um pipo para que não te faltasse alegria no outro mundo. Foi assim que descobri que não é preciso rezar a deus para se acreditar na vida eterna. Texto presente na obra anterior
  • 5. A avó mal comportada e a avó bem comportada Não te conheço e tudo o que recordo são ficções imaginadas para que fosses mais que um vulto pesado na minha memória consumida. Imagino que estejas em tua casa e que o cheiro das coisas te consuma por já não poderes nomeá-las com clareza. Como tu, tudo à tua volta envelheceu e a doença foi tolhendo a forma das coisas até que agora é o vazio que toma o lugar do que antes existia. E o vazio dói. Mas não o vazio de coisas que não existem mas sim daquelas que não permaneceram. Imagino que tenhas umas mãos velhas e usadas, e da mesma forma que os meus pés são sozinhos um com o outro na minha cama, as tuas mãos são sozinhas uma com a outra na tua solidão. Sempre conheci a avó mal comportada, que insistia em calçar meias de lã grossa nos chinelos e tinha cabelo como quem tem uma tempestade na cabeça. Como quem não sabe o lugar próprio daquilo que sente e isso transbordasse para fora de si. Tu eras como o túmulo das pessoas à tua volta porque sempre te conheci pelas palavras fétidas de vinho que andavam lado a lado com a tua presença. E o teu silêncio era teimoso contigo e insistia em ir calado para onde fosses. E sei que não gostavas. Tudo o que entre nós existe é esta forma de falar em que eu escrevo, sem tu saberes, uma memória ressequida de ti. E lamento não saber mais e tudo ser esta mentira. Quando te amaciavam o cabelo e te compunham e te tiravam o penico de louça que, com tanta devoção, te acompanhou toda a vida nas viagens que fizeste, tu ficavas triste. E não era triste como quem chora, era triste como quem lamenta ter tido asas uma vida inteira. Quando era pequena desejava ser como a avó que dormia e falava sozinha como quem falava com Deus. Jesus, pensa em mim quando vou dormir e guarda a minha alma nas tuas mãos para que, quando acorde, ela já não me pese. Rezo a ti a alma de todas as pessoas que conheço, mortas e vivas, não sei se por esta ordem, e encomendo os seus pecados para que sejam lavados. Na manhã seguinte tenho os pecados limpos, mas não deixam de ser pecados. Tinha medo daquela lista enorme de nomes que desfilava e escorria da sua boca para a minha almofada. E eu tentava lembrar-me das Ave-marias que me pudessem salvar daquela inundação de almas que se contorciam para caber no meu lado da cama. E ela continuava imune ao medo imenso que eu tinha de um dia ser apenas nome nessa lista e houvesse alguém que todas as noites rezasse para que eu vivesse em paz, comida por vermes e pó, debaixo da terra. A memória de um lugar é o espaço que sobra entre a existência do que lembramos e aquilo que desejávamos ser verdade. Entre as duas avós da mesma pessoa e a outra avó que rezava como quem falava sozinha existia um fosso profundo que só existe quando não há nada que possa preencher o lugar que ambas não ocuparam para chegar uma à outra. A avó mal comportada e a avó bem comportada, 2009 texto dactilografado
  • 6. No time is enough, 2011 Livro de artista Caderno escolar Infante, 1 fotografia e texto dactilografado
  • 7. Preciso falar dos silêncios, 2011 (lnstalação, Galeria do IPSAR, Roma) Livro de artista caderno escolar Infante, texto dactilografado, recortes da Necrologia do Jornal de Notícias, fita-cola, mesa, cadeira, candeeiro, lista de nomes recortados
  • 8. Preciso falar dos silêncios Todas as histórias são feitas de silêncios que guardam fundo as palavras. Guardam duro a memória de um algo que persiste quase ancestralmente. Penso que fomos guardando por dentro ao longo da vida os silêncios que nos definem… o silêncio da dor, o silêncio da ausência, o silêncio do medo, o silêncio da vergonha. E o silêncio da morte. Quando penso nas pessoas não me consigo furtar a estes silêncios, quase como se fossem mitos imortalizados na nossa natureza. Há pessoas que têm medo do silêncio dos que amam, as que receiam o silêncio dos que odeiam. Eu tenho medo dos silêncios dos que ignoram, dos que não se compadecem, dos que estão ausentes. Os que nos amam têm silêncios doces, os que nos odeiam não conseguem ter silêncios porque estão sempre pesados, mas os que estão ausentes têm sempre um silêncio duro que caminha a par do nosso. Faz-me pensar muito nas palavras que não dizemos e esperamos ter sempre um tempo eterno para as dizer. Mas as pessoas partem, e deixamos de saber se nos ouvem. Porque a vida eterna que nos prometem não parece ter palavras. Texto presente na obra anterior
  • 9. Tempo emprestado, 2011 (instalação, Galeria do IPSAR, Roma) A sobrinha da Tia Beatriz, 2011 e Auto-retrato, 2010 (texto dactilografado, Caderno escolar, textos dactilografados, 2 fotografias, 1 caderno de desenho fotografia e fita-cola; Calcogravura (ponta-seca e água-tinta sobre papel) intervencionado com fotografias, fita-cola e outros objectos jjj
  • 10. A sobrinha da Tia Beatriz Quarenta e sete anos. Esta é a distância entre a infância da sobrinha da Tia Beatriz e a minha própria infância. A minha casa, a casa dos meus olhos, a casa das paredes por mim riscadas vezes e vezes sem conta, a casa onde os sonhos foram meus e de meus irmãos, os três sentados, as roupas inúmeras vezes cosidas e as palavras, também assim, remendadas pelas mesmas mãos. Antes de mim, a sobrinha da Tia Beatriz. Não conheci a Tia Beatriz mas ouvi, da boca gasta da sua sobrinha, que existiu uma Tia Beatriz. A senhora viveu na minha casa e a sobrinha brincou nos mesmos canteiros de terra que eu, regou plantas iguais às plantas que eu reguei, carregou pintos ao colo e também ela lhes deu nomes incompatíveis com a sua condição – as galinhas são para se comer, tantas vezes ouvi enquanto as lágrimas me engulhavam na garganta. Tempo emprestado Quando penso na mesa à qual me sentava aos seis anos para jantar ainda conto cinco pratos pousados; vejo a caneca de plástico azul que partilhava com os meus irmãos, a toalha castanha com renda banca, roída, a debruá-la, e as mãos grandes, multiplicadas, imensas, de minha mãe. Sou capaz de recuperar este momento milhares de vezes, de olhos abertos ou fechados, mesmo que as palavras não me cheguem para sustentar o seu peso. Esta presença da Pessoa sobre as coisas acontece para devolvê-las a uma outra existência, um tempo emprestado à memória e à ruína daquilo que foi vivo. Ver é resgatar desse silêncio, ver é olhar de dentro para fora e falar de fora para dentro. Não há nada que seja tão diverso como a natureza humana; todos somos de tamanhos e feitios diferentes, tanto na parte de fora como na parte de dentro. Passei muito do meu tempo a tentar perceber o que é ver. Ver realmente, para lá das camadas de pele e músculo das coisas. Passando as veias, artérias e órgãos. Até chegar a algo parecido com uma alma. Durante esse longo processo, que há-de durar mais que a minha vida inteira, permito- me desejar que esse ver não seja só científico ou técnico ou intelectual. E que não seja apenas com os olhos, mas que possa usar os ouvidos, e as mãos, e a boca. E possa cheirar as coisas para as ver, e sentir-lhes o sabor em toda a pele. Que ver seja um acto sensual, que seja para além do cérebro e da razão, mas que estes o reconheçam. As demais palavras fomentam essa necessidade de perceber que as coisas, na sua integridade, têm de ser vistas e sentidas de todas as formas possíveis, e até impossíveis. (Porque sonhar as coisas e para elas desejar é também vê-las.) Textos presentes na obra anterior
  • 11. Sem título, 2011 texto dactilografado, 1 fotografia e fita-cola
  • 12. Tempo emprestado, 2011 (instalação, Galeria do IPSAR, Roma) 30 fotografias e letras em vinil
  • 13. O tempo desagrega tudo, 2008 -2011 (instalação, Galeria do IPSAR, Roma) 5 textos dactilografados, 6 fotografias, fita-cola e fotocópias das obras expostas
  • 14. D. Alice O tempo desagrega tudo. O tempo manda a poeira cobrir as coisas e parte os cântaros nas casas. A água deixa de secar a sede, a água é de barro e o barro é pó. Os pés deixam de andar e os caminhos de ser caminhados. E vem o tractor e semeia nos carreiros e a memória esquece o que lá existiu. As fontes são monumentos e não dão de beber. O tempo parte tudo e a memória esquece o que viu. A Dona Alice agora é uma vinha, já foi erva daninha Alice já foi pó, antes e depois foi carne. O tempo desagrega tudo. O tempo desagrega tudo O tempo desagrega tudo
  • 15. D. Alice As crianças eram como meninos Jesus com um ranho contínuo a correr pelos bibes. Sentavam-se nas pedras junto ao rio desmanchando, sem malícia, os sapos e rãs que encontravam. Quando era o tempo das festas tinham berlindes dos meninos que vinham da cidade. Os dias passavam, sempre uns atrás dos outros, porque o tempo não anda ao contrário. Quando fossem grandes iam aprender a ser homens. As meninas continuariam mulheres, não tinham de ir aprender. O tempo desagrega tudo
  • 16. D. Alice “Apagaste essa candeia Que estava no velador Apagaste essa candeia Que estava no velador Agora vai-te deitar Às escuras, meu amor Agora vai-te deitar Às escuras, meu amor.” O tempo desagrega tudo O tempo desagrega tudo
  • 17. D. Alice Quando findou o tempo, D. Alice que já era velha, prestou as suas e disse de sua vida. Era nova naquele tempo e gostava de cantar. Era moça. “Anabela era linda e formosura Era a moça mais bonita em todo o monte Certa noite muito fria muito escura Pegou na cantarinha e foi à fonte Ao regressar a casa essa bela Na fonte junto à azenha do moinho Apareceu um lobo junto dela Tapando-lhe a passagem do caminho E os lobos nem sequer se incomodaram Parece que eles até murmuraram Que bela rapariga aqui passou Se os lobos fossem homens, eu sei lá Talvez se não pudesse arrepender Que a tentação da carne é muito má E há homens que são loucos por prazer.” O tempo desagrega tudo
  • 18. os dias de antes de ontem Naquele tempo não nos podíamos atrasar para jantar, seis e meia em minha casa. Meu pai chegava do seu ofício, como lhe chamava, e vinha sujo e suado. Antigamente chamavam-lhe arte ao acto de produzir estes objectos de uso diário. A água era fresca no barro, não havia frigorífico. As coisas tinham outro sabor. O tempo comeu a memória das coisas. Não há quem possa lembrar a presença que tinha o trabalho na vida das pessoas. O tempo existia para ser permanentemente ocupado por tarefas, obrigações e havia o prédio para cuidar. Ao Domingo havia romaria, depois de todos os pecados perdoados nas orações da manhã. O tempo desagrega tudo
  • 19. Comunhão, 2010 Rosa Maria, 2010 Calcogravura (Ponta-seca e Água-tinta sobre papel) Calcogravura (Ponta-seca e Água-tinta sobre papel)
  • 20. Caderno a dois retratos, 2009 Instalação – Sala das máquinas da Garagem Maiauto Desenho a giz, 2 Calcogravuras (ponta-seca e água-tinta sobre papel)
  • 21. Debaixo da terra não há céu, 2009 Calcogravura (ponta-seca e água-tinta sobre papel)
  • 22. Colecção Privada I, 2007 Colecção Privada II, 2007 Caixa com vidro, um caderno escolar e 6 fotografias Caixa com vidro, um texto manuscrito e 10 fotografias
  • 23. Deus ex machina, 2007 (instalação – Wall project da Galeria Plumba – Edifício Artes em Partes) 158 senhas de autocaaro da STCP, recortes da necrologia do JN, letras decalcáveis, papel de alumínio, poemas de José Régio
  • 24. Desde pequena… ensinaram a orar por um anjo da guarda que nos está destinado desde o primeiro ao último dia de vida. O anjo será tradicionalmente loiro carnudo, ocidental, criança irrequieta brincando aos índios com Jesus, amigos desde a infância do mundo. A oração fala sempre da voz profunda mão funda que embala o sono e o medo de não acordar. Protegei-me anjo da guarda… Deus fez-nos assim, barro dos barros, lama das lamas. Vertebrados. Cientes da morte e tão cheios de esperança. Cobardes. À sua imagem e semelhança. Odiamos porque Deus odiou e Deus é o nosso ódio dirigido. É termos de ser perdoados a toda a hora por um Deus que nos quis demasiado. Filhos pródigos. Que nos prometeu a vida eterna sob o signo do Pai casmurro e silencioso, do Filho escavado na cruz e do branco e burro pombo que é o Espírito Santo. E assim, Deus fez-nos ávidos de sangue, do seu filho em sangue… do amor impossível, da redenção da carne, do seu filho em sangue. Corpo de Cristo, este é o sangue do meu filho. Tomai e bebei-o! Deus pariu a discórdia entre os homens porque os fez iguais a seus olhos. Se Jesus não tivesse morrido e se transformado em imagem cravada na cruz, lenho pendurado no prego por cima da porta, Jesus estaria no céu. Herança, 2006 Texto do catálogo da exposição 10 artistas licenciados à procura de emprego, Instalação, Calçada de Monchique Calçada de Monchique, Porto MDF, papel autocolante, frascos de vidro, sangue animal, tecido, elástico
  • 25. Arquivo, 2005 Instalação – Centro Comercial Alexandre Herculano Fotografias, cadernos, álbuns, textos, mesas e outros objectos
  • 26. Cadernos, 2005 Livros de artista Cadernos escolares, fotografias, fita-cola e outros objectos
  • 27. O lugar da memória é o lugar onde as pessoas se ocupam daquilo que as faz viver. Há um lugar que é constantemente redefinido pelas acções de quem o ocupa. Resistência perante a passagem do tempo. As obras apresentadas de seguida questionam o espaço enquanto construção colectiva, que se faz pela operacionalização das memórias e dos actos quotidianos. Espaço público é aquele que pertence à nossa esfera de referências, do qual partilhamos uma história e no qual somos história e memória desses lugares. O espaço onde nos é permitido acontecer. Importa, mais uma vez, a génese ética e política do gesto de criação, na definição de um espaço de acção que põe em evidência as fracturas do contemporâneo – que nos fala do resíduo, do fragmento, da periferia por oposição a um centro, que nos narra o inexprimível, o silêncio e seus ruídos. A efemeridade e o precário como condição do contemporâneo. (nada permanece mais do que o tempo exacto da sua existência. Importa reflectir que presença é essa, que se materializa e desmaterializa por evocação da memória)
  • 28. Oferece-se, 2003 Intervenção no espaço público, Porto Tinta, stencil, cola, cartazes
  • 29. Lembras-te de mim?, 2003 Intervenção no espaço público, Porto (Rua Duque de Loulé) Papel autocolante, tinta em spray Sussurrei-te… perto e sem palavras, 2004 Intervenção no espaço público, Porto Papel autocolante, tinta em spray
  • 30. Ó Durão, tira a mão do meu bolso, carago!, 2004 Intervenção no espaço público, Porto Stencil, tinta em spray
  • 31. El carpio, 2004 Intervenção no espaço público, El Carpio, Espanha Cartazes da Semana Santa, papel dourado, letras decalcáveis, papel manuscrito, cola
  • 32.
  • 33.
  • 34.
  • 35. Cidade de Boas Festas, 2004 Intervenção no espaço público, Porto (Campo 24 de Agosto) Impressão digital 3mx4m
  • 36.
  • 37. Cidade de Boas Festas, 2004 Intervenção no espaço público, Porto (Campo 24 de Agosto) Impressão digital 3mx4m
  • 38. Sopa dos Pobres, 2005 Intervenção no espaço público, Porto Cartazes, cola
  • 39. Vivenda Silva, 2005 Intervenção no espaço público, Porto Azulejo, tinta de vidro azul e amarela, cola
  • 40.
  • 41.
  • 42. A arte é uma ferramenta para mudar o mundo, 2007 Intervenção no espaço público, Porto Caderno de textos, stencil, tinta em spray
  • 43. A arte é uma ferramenta para mudar o mundo, 2007 Intervenção no espaço público, Porto Caderno de textos, stencil, tinta em spray
  • 44. Nós portugueses, 2009 Intervenção no espaço público, Maia Impressão digital