1) O clima frio produz pessoas mais corajosas e fortes, enquanto o clima quente produz pessoas mais tímidas e fracas;
2) Nos climas frios, os sentidos são menos sensíveis do que nos climas quentes, onde até os prazeres e a dor são mais intensamente sentidos;
3) Enquanto nos climas frios as pessoas se dedicam mais à caça, guerra e esportes, nos quentes a paixão e o amor dominam completamente.
1. História – Módulo 15
Trecho 1
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Terceira Parte
Livro Décimo Quarto
CAPITULO I
Idéia geral
Se é verdade que o caráter do espírito e as paixões do coração são
extremamente diferentes nos diversos climas, as 1eis devem ser relativas à
diferença dessas paixões e à diferença desses caracteres.
CAPITULO II
Como os homens são diferentes nos diversos climas.
O ar frio1
comprime as extremidades das fibras externas de nosso corpo; isso
aumenta sua energia e favorece o retorno do sangue das extremidades para o
coração. Ele diminui a extensão2
dessas mesmas fibras; portanto, aumenta
também com isso sua força. O ar quente, ao contrário, relaxa as extremidades
das fibras e as alonga: diminui, portanto, sua força e energia.
Tem-se, assim, mais vigor nos climas frios. A ação do coração e a reação das
extremidades das fibras efetuam-se melhor, os licores estão em melhor
equilíbrio, o sangue é mais bem orientado para o coração e, reciprocamente, o
coração é mais potente. Esta força maior deve produzir muitos efeitos. Por
exemplo: mais confiança em si mesmo, isto é, mais coragem; mais
conhecimento de sua superioridade, isto é, menos desejo de vingança; mais
certeza de sua segurança, isto é, mais franqueza, menos suspeitas, menos
política, menos malícia. Enfim, isso deve formar caracteres bem diferentes.
Colocai um homem num lugar quente e fechado e ele sofrerá, pelos motivos
que acabo de expor, um grande enfraquecimento do coração. Se, nessa
circunstância, lhe propusermos uma ação ousada, creio que ele estará muito
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pouco disposto; sua fraqueza atual desencorajará sua alma; temerá tudo
porque sentirá que nada pode. Os povos das regiões quentes são tímidos
como os anciões; os das regiões frias são corajosos como os jovens. Se
prestarmos atenção às últimas3
guerras, que são as que mais temos sob a
vista e nas quais podemos melhor perceber certos efeitos superficiais,
imperceptíveis de longe, perceberemos claramente que os povos do Norte,
transportados para as regiões do Sul4
, aí não praticaram tão belas ações como
seus compatriotas que, combatendo em seu próprio clima, desfrutavam de toda
a sua coragem.
A força das fibras dos povos do Norte faz com que os sucos mais grosseiros
sejam extraídos dos alimentos. Isso acarreta duas coisas: primeiro, as partes
do quilo ou da linfa são mais apropriadas, por sua extensa superfície, para
serem aplicadas sobre as fibras e nutri-las; segundo, são elas menos
apropriadas, porque são grosseiras, a dar uma certa sutileza ao suco nervoso.
Esses povos serão, portanto, grandes de corpo e de pouca vivacidade.
Os nervos que confinam, de todos os lados, no tecido de nossa pele formam,
cada um, um feixe de nervos. Geralmente, não é todo o nervo que é excitado,
mas uma parte infinitamente pequena. Nos países quentes, em que o tecido da
pele está relaxado, as extremidades dos nervos estão desabrochadas e
expostas à mais pequena ação dos mais fracos objetos. Nos países frios, o
tecido da pele está retraído, e os mamilos comprimidos; as minúsculas borlas
estão, de algum modo, paralisadas; a sensação quase só atinge o cérebro
quando é extremamente forte e quando pertence ao nervo no seu conjunto.
Porém é de um número infinito de pequenas sensações que dependem a
imaginação, o gosto, a sensibilidade, a vivacidade.
Observei o tecido externo da língua de um carneiro na parte em que ela
aparece, a olho nu, coberta de mamilos. Vi, com um microscópio, sobre esses
mamilos, pequenos pelos ou uma espécie de penugem; entre os mamilos havia
pirâmides, que formavam na extremidade como que pequenos pincéis. É muito
provável que essas pirâmides sejam o principal órgão do paladar.
Mandei gelar a metade dessa língua, e encontrei, a olho nu, os mamilos
consideravelmente diminuídos; algumas séries dos mamilos tinham mesmo
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afundado em suas bainhas. Examinei-lhes o tecido com o microscópio e não
mais vi as pirâmides. À medida que a língua se degelava, os mamilos, a olho
nu, pareceram levantar-se e, no microscópio, as minúsculas borlas começaram
a reaparecer.
Esta observação confirma o que disse: nas regiões frias, as borlas nervosas
são menos desabrochadas; entranham-se nas suas bainhas, onde estão ao
abrigo da ação dos objetos exteriores. As sensações são, portanto, menos
vivas.
Ter-se-á, nas regiões frias, pouca sensibilidade para os prazeres; ela será
maior nas regiões temperadas; nas regiões quentes, será exagerada. Tal como
diferenciamos os climas pelos graus de latitude, poderíamos diferenciá-los, por
assim dizer, pelos graus de sensibilidade. Assisti a óperas na Inglaterra e na
Itália; eram as mesmas peças e os mesmos personagens, mas a própria
música produz efeitos tão diferentes sobre as duas nações: uma é tão calma e
a outra tão arrebatada, que isso parece inconcebível.
Acontece a mesma coisa com a dor; ela é excitada em nós pelo dilaceramento
de alguma fibra de nosso corpo. O autor da Natureza estabeleceu que essa dor
seria mais forte à medida que as perturbações fossem maiores. Ora, é evidente
que os grandes corpos e as fibras grosseiras dos povos do Norte são menos
capazes de perturbações do que as fibras delicadas das regiões quentes.
Naqueles, portanto, a alma é menos sensível à dor. É necessário escorchar um
moscovita para dar-lhe sentimento.
Com a delicadeza de órgão que há nas regiões quentes, a alma é
soberanamente comovida por tudo que diz respeito à união dos dois sexos;
tudo leva a esse objetivo.
Nos climas do Norte. a física do amor mal tem força para se tornar bem
sensível. Nos climas temperados, o amor, acompanhado de mil acessórios,
torna-se agradável pelas coisas que inicialmente parecem ser ele próprio, e
que ainda não o são; nos climas mais quentes, ama-se o amor em si; ele é a
única causa da felicidade; é a vida.
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Nos países do Sul, uma máquina delicada, fraca mas sensível, entrega-se a
um amor que, num serralho, nasce e acalma-se incessantemente, ou se
entrega a um amor que, deixando às mulheres grande independência, está
sujeito a mil perturbações. Nos países do Norte, uma máquina sadia e bem
constituída, mas rude, encontra seus prazeres em tudo que pode colocar os
espíritos em movimento: a caça, as viagens, a guerra, o vinho. Encontrareis,
nos climas do Norte5
, povos que têm poucos vícios, muitas virtudes,
sinceridade e franqueza. Aproximai-vos dos países do Sul e acreditareis
afastar-vos da própria moral: as paixões mais ardentes multiplicarão os crimes;
cada um procurará tomar sobre os demais todas as vantagens que podem
favorecer essas mesmas paixões. Nas regiões temperadas, vereis povos
inconstantes em suas maneiras, nos próprios vícios e em suas virtudes. O
clima não possui uma qualidade assaz determinada para fixá-los em si
mesmos.
O calor do clima pode ser tão excessivo quê o corpo ficará totalmente sem
força. Então, o desânimo atingirá o próprio espírito; nenhuma curiosidade,
nenhum nobre empreendimento, nenhum sentimento generoso; as disposições
serão todas passivas; a preguiça será a felicidade, a maioria dos castigos
serão menos difíceis de sustentar do que a ação da alma, e a servidão menos
insuportável do que a força do espírito que é necessária para conduzir a si
mesmo.
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1. Isso é mesmo visível: no frio parecemos mais magros. (N. do A.)
2. Sabe-se que ele diminui o ferro. (N. do A.)
3. As guerras pela sucessão da Espanha. (N. do A.)
4. Na Espanha, por exemplo. (N. do A.)
5. Montesquieu entende por "climas do Norte" a Inglaterra, a Alemanha e a Holanda; por "países do Sul",
a Itália e a Espanha; a região "temperada" lhe é representada pela França.