SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 12
Baixar para ler offline
Abelardo Rodrigues




Dados biográficos

     Abelardo Rodrigues nasceu em Monte Azul Paulista-SP, a 10 de Outubro de
1952. É co-fundador do Quilombhoje, juntamente com Cuti, Oswaldo Camargo e
Paulo Colina, grupo que tem como objetivo divulgar a produção literária dos afro-
descendentes e incentivar os estudos sobre a cultura e a literatura afro-brasileira.
Em sua auto-apresentação, no volume 2 de Cadernos Negros, declara: “sou
mulato. Entendi-me como negro em São Paulo e lancei meu primeiro livro de
poemas – Memória da noite – em São José dos Campos em 1978”.O autor
acrescenta que a consciência étnica e cultural, a preocupação com “o ser, o sentir
negro no mundo”, é “anterior aos poemas”. Comentando a edição dos Cadernos
Negros, destaca a relação entre a heterogeneidade dos textos e o traço comum
representado pela “força” com que se afirma a consciência afro-descendente:
“essa unidade que somos, embora”. (1979, p. 5). Abelardo Rodrigues teve poemas
traduzidos e publicados na Alemanha e nos Estados Unidos. Benedita
Damasceno, em análise do livro de estréia do autor, comenta:

                    “Em seus poemas, ele procura gritar e mostrar ao mundo sua
                    ‘Memória da Noite’, a longa e penosa noite que foi e ainda é a
                    história do negro no Brasil. Ele deseja retirar de si, como se
                    opera um cancro, os complexos de inferioridade que as teorias
                    do branco lhe incutiram, transformando sua poesia no grito de
                    protesto contra esses preconceitos.” (Damaceno: 1988)
Por outro lado, Rodrigues afirma em Cadernos Negros 3 sua preocupação
com a forma: “acredito que o conteúdo será melhor demonstrado quando se
conhecer a poesia em todas as suas formas e variações. (...) Toda poesia me
interessa na medida em que por ela eu possa desenvolver o que mais me
interessa, um melhor resultado de conteúdo expresso no poema.” (1980, p. 12)


Comentário Crítico


A literatura marginal de Abelardo Rodrigues: resgate da memória e olhar
crítico sobre o presente.

                                                          Danielle da Costa Rocha*


                                        A lembrança é em larga medida uma
                                        reconstrução do passado com ajuda de
                                        dados emprestados do presente e, além
                                        disso, preparada por outras reconstruções
                                        feitas em épocas anteriores e onde a
                                        imagem de outrora já se manifestou bem
                                        alterada.
                                                                      Halbawachs


        É de conhecimento geral que a literatura afro-brasileira tem sido ignorada e
posta à margem por alguns críticos conservadores, no entanto, também está se
tornando uma prática o resgate de tais textos. Acredito que no atual momento
histórico em que vivemos, começamos a perceber que o “outro” está deixando de
ser apenas um conceito teórico, passando a enunciador de sua história. Com esse
novo papel, tal sujeito começa a refletir sobre questões que dizem respeito a si e
aos seus pares.

       Uma das características da literatura afro-brasileira é a presença de um eu-
enunciador que não se vê mais com olhos alheios, mas sim com seus próprios.
Nessa escrita, há uma (re)construção da memória e, conseqüentemente, da
identidade afro-descendente, já que se propõe, através da linguagem, a romper
estereótipos relacionados aos negros. O uso desta é capaz de promover
ressignificações e a quebra de paradigmas, conforme ressaltou Leyla Perrone-
Moisés:

             Combater os estereótipos é pois uma tarefa essencial, porque, neles,
             sob o manto da naturalidade, a ideologia é vinculada, a inconsciência
             dos seres falantes com relação a sua verdadeiras condições de fala
             (de vida) é perpetuada. (Apud Barthes, 1978, 58)
Portanto, uma pesquisa na qual o objeto de análise seja uma obra afro-
brasileira é de fundamental importância, pois essa escrita, ao trabalhar memórias
e identidades, mostra como o afro-descendente se sentia “um estranho dentro da
própria casa”, conforme ressaltou certa vez o pensador norte-americano Du Bois
(1999, 53). Sendo assim, este viés da literatura não pode continuar sendo
ignorado e posto à margem dos textos ditos canônicos.

        Diante dessas questões, propus-me a pesquisar a obra de Abelardo
Rodrigues, um contista e poeta que nasceu em Monte Azul Paulista -SP, em 10 de
Outubro de 1952. O escritor também é co-fundador do Quilombhoje, juntamente
com Luiz Silva [Cuti], Oswaldo Camargo, Mário Jorge Lescano e Paulo Colina, que
tinham como objetivo divulgar a produção literária dos afro-descendentes e
incentivar os estudos sobre a cultura e a literatura afro-brasileira. Os materiais
analisados neste trabalho são o livro de poesias Memória da Noite (1978) e as
participações de Rodrigues, como contista e poeta, em Cadernos Negros 2 (1979)
e 3 (1980), publicados pelo Quilombhoje. Ressalta-se, ainda, que na escrita do
poeta “é o eco de suas vivências que se faz palavra” (1978, 5), o que aponta,
portanto, que o lugar de enunciação de tais obras na análise desse estudo é de
total relevância, pois o ponto de vista adotado pelo autor indicará o conjunto de
valores que fundamentaram as escolhas de linguagem.

       A partir da análise do conto “O último trem”, publicado em Cadernos Negros
2, já podemos observar tal lugar de enunciação. Encontramos, nesse texto, um
narrador em primeira pessoa que relata a história, utilizando uma linguagem
coloquial. Este narrador-personagem é um homem negro que, enquanto espera o
horário do seu embarque, numa estação, relata-nos uma história que é sua e de
seus irmãos de cor. Seus pensamentos e cogitações conformam a matéria do
conto. Durante a leitura deste, seu nome não é revelado, o que faz com que o
leitor não se prenda a uma individualidade, a um vínculo particular, mas a um
ponto de vista coletivo. É como se, pela falta do nome desse personagem, o autor
tivesse por objetivo falar das dificuldades de uma comunidade mais ampla, no
caso a afro-descendente.

         O passageiro está na estação à espera do último trem e indaga a todo
instante como vai contar para Rosa, sua esposa, o fato de ter perdido o emprego,
o que ilustra o pensamento de Du Bois, ao afirmar: “o problema do século XX é o
problema da barreira social” (1999, 64). É possível perceber explicitamente nos
textos de Rodrigues a abordagem de tal assunto, pois, através das divagações do
personagem, o texto critica a desigualdade social, que produz ilhas de riqueza
cercadas de miséria. Em determinado momento do conto, o narrador se vê
confuso e sem saída entre os luminosos da cidade. Estes, comuns nas
metrópoles, acendem e apagam a todo instante, demarcando os signos e lugares
da sociedade de consumo. Além disso, remetem metaforicamente ao sistema
opressor, que gera exclusão e não constrói “saída” alguma para os que não
tiveram oportunidade de um trabalho digno.
Nesse contexto de denúncia social, notamos que há um resgate da memória
afro-brasileira, através das mensagens de esperança alicerçadas na história de
heróis do passado. Um deles, Zumbi, é alçado a modelo de luta e resistência: “...
mas eu acredito que é preciso uma atitude contra a pobreza e coisa assim (...)
fazer como fez nosso Zumbi. Eu respeito muito nossos heróis negros”.(Cadernos
Negros 2: 1979, 10). Quando Abelardo traz para seu texto um herói afro-brasileiro,
ele quebra um ciclo de propagação de esquecimento da História oficial que coloca
muitas vezes à margem alguns personagens negros, como o próprio Zumbi. Não
queremos aqui pregar contra a historiografia oficial, mas sim ressaltar que
paralelamente a ela, há outras histórias, conforme apontou Seligman-Silva: “no
que tange à dicotomia história e memória creio que um registro não deve apagar o
outro” (2003, 62).

         O autor do conto, ao trabalhar memória e história, mostra consciência da
inexistência de uma neutralidade. Sabemos que junto ao lugar de enunciação
sempre haverá um ponto de vista que coincide ou com os vitoriosos ou com os
vencidos. O poeta, como ato de resistência ao apagamento da memória afro-
brasileira, toma para si o papel de reconstruir, via literatura, trajetórias individuais e
coletivas, procurando reagir contra uma dinâmica do esquecimento. Indo mais
além, afirmo, também, que há uma reformulação da identidade do afro-brasileiro
na escrita de Rodrigues e que, no texto, se constrói a partir de uma história de
ancestralidade africana, já que podemos partir do pressuposto que não existe
identidade sem memória.

          Observa-se, ainda, que em diversos momentos, o autor conduz o leitor a
vivenciar, através de seus textos, a realidade do negro na contemporaneidade.
Nesse mesmo conto, o narrador trata das dificuldades que atingem o afro-
brasileiro, como se comprova na seguinte passagem: “o meu compadre Antonio,
acha que nós devemos nos contentar com as coisas da vida que só acontecem
aos pobres como nós...” (Cadernos Negros 2: 1979, 10). Quando o narrador diz:
“aos pobres como nós” ele direciona os olhos do leitor para uma realidade que
exclui a pessoa não só pela condição financeira, mas também pela cor da pele,
pois não são quaisquer pobres, são “como nós”, ou seja, negros, já que é este o
lugar de fala do narrador.

        O olhar do narrador, já que se encontra marcado pela memória e pela
história, possibilita a ele ter sobre a realidade uma visão crítica ao apontar os
problemas que cerceiam o negro no presente e perceber que estes não surgiram
de uma hora para outra, vejamos:

                       Agora essa coisa de escravo e negro, é um troço bem
                       complicado; nós saímos dela há uns oitenta e cacetada de
                       anos, e segundo disse o Carlos, um dos mulatos (o mais
                       escurinho): ainda temos todos os sofrimentos no sangue, são
                       coisas (quatro séculos são coisas?) que não podem ser
                       esquecidas, porque nos marcaram, estão em nossos olhos,
                       em nossos gestos, nos gestos de muitos brancos que
chegaram até por último e já botam banca nos seus carros
                     nas suas firmas. (Cadernos Negros 2: 1979, 11).

        De maneira lúcida, o texto indica ao leitor reflexões que podem desfazer
todo um pensamento hegemônico: a de que o negro está em uma situação social
inferior porque não gosta de trabalhar (quem nunca ouviu falar da famosa imagem
do negro malandro?). Essa passagem nos relembra que tudo seria conseqüência
de um passado no qual houve uma exploração da mão de obra africana e afro-
brasileira escravizada, sendo depois lançada à própria sorte. Portanto, a memória,
que é subjetiva e seletiva, é utilizada como instrumento de desmistificação das
idéias que até então eram incontestáveis.

          Além do resgate da memória e de seu posicionamento crítico sobre a
condição do negro no presente, Abelardo Rodrigues trabalha com os signos no
texto de maneira consciente, fazendo inversões de linguagem, deixando evidente
que o ponto de vista direcionado é daquele que está à margem da sociedade:
“agora os jornais estão noticiando... vai ser o maior tendéu se acontecer isso
também nas outras fábricas, então eu acho que as coisas vão ficar brancas”
(Cadernos Negros 2: 1979, 9). Como sabemos, na literatura, o ponto de vista é o
fio condutor das escolhas de linguagem e, nessa passagem, é possível comprovar
isso. Com um certo tom de ironia e promovendo ressignificações, o autor utiliza a
expressão “as coisas vão ficar brancas”, ao invés do mais usual “as coisas vão
ficar pretas”. A troca realizada pelo escritor substitui a expressão carregada de
sentido pejorativo pela outra, num exercício lingüístico de combate aos
estereótipos. Nesta passagem, o autor deixa perceptível seu olhar periférico e o
seu lugar de fala afro-brasileiro, utilizando a linguagem a fim de um propósito, o
que dialogaria com a afirmação de Barthes de que “a língua entra a serviço de um
poder” (1978,14).

      A simplicidade da linguagem do conto contrasta com o trabalho estético mais
elaborado dos poemas analisados tanto em Cadernos Negros 3, quanto em
Memória da Noite. Pode-se perceber, através dos poemas, que o eu-lírico deseja
tirar seu receptor de uma posição inerte, ao lançar mão de signos mais
rebuscados cujo entendimento exige um maior esforço do leitor para entendê-los.
No poema selecionado de Cadernos Negros 3, o leitor passa a um papel ativo na
busca pela compreensão do texto:

                             À Procura de Palmares

                                      Como voz de faca
                                      em vôo
                                      derrubando pássaros antigos
                                      ou vento de homens
                                      que sopram desejos
                                      de velhos risos perdidos
                                      em correntes,
                                      é preciso que o punho
seja espelho de nossa fé.

                                            E que meus olhos tremidos
                                            estejam ainda na penumbra
                                            da razão negada,
                                            é preciso que se galgue
                                            a poeira levantada
                                            e se ache
                                            entre palmeiras
                                                            lanças
                                                                   guerreiras
                                                                             inta
                     ctas.

                                                   (Cadernos Negros 3: 1980,13)

           Para uma melhor interpretação dos poemas de Abelardo Rodrigues,
necessitamos ter em mente o lugar de enunciação do autor. Este é e se quer
negro, portanto sua fala é representativa da coletividade negra, uma vez que traz
à tona, em seus textos, temas relacionados à afro-brasilidade, tais como: a
discriminação, a desigualdade, a resistência e a necessidade de luta. No poema
citado, o eu-lírico vê a linguagem como instrumento imprescindível à batalha: “voz
de faca” capaz de derrubar “pássaros antigos”. Pode-se inferir que esta expressão
remete ao preconceito e ao racismo que estão presentes, ainda, na sociedade
contemporânea. O escritor ressalta as necessidades da luta, e não do
conformismo. Esta deve ser “a nossa fé” e a de quem não deseja ter sua voz
silenciada: a “razão negada”. O eu-lírico conclui dizendo que é preciso resgatar
lanças guerreiras intactas, signos de uma memória afro-descendente onde
encontra renovo para sua força. Portanto, o leitor percebe que a opção pela cor da
escrita de Abelardo Rodrigues é negra, pois esta se identifica com as glórias e
problemas dos afro-descendentes.

       Em outro poema, de Memórias da Noite, o eu-enunciador evidencia seu
lugar de enunciação:



                                 Quero expelir a dor do meu sangue
                                           dizer

                                  em gritos coagulados em senzalas
                                                calados

                                 em transbordantes rubros de bisturis
                                            cálices

                                 estuprando a eterna pureza de idéias
brancas
                                                    (...)

                                                              (Rodrigues, 1978, 15)


       Nesse poema, em nenhum momento é posto explicitamente algo sobre o
negro. Porém, são utilizados símbolos que nos remetem à sua história, como por
exemplo, “senzalas”. Analisando esse trecho, percebemos que o eu-lírico expõe a
dor que o acompanha e aqueles que tem seu sangue, ou seja, os afros-
descendentes. Sendo assim, ele deseja “expelir/dizer” os gritos que foram
“coagulados/calados” nos anos de senzala. Neste sentido, mais uma vez, a
linguagem é capaz de quebrar o silenciamento imposto aos negros, pela literatura
e pela historiografia oficiais. Essa voz que se quer negra deseja fazer-se ouvir não
importando se seus dizeres violentarão a “eterna pureza de idéias brancas”.

        Depois dessa pequena análise, podemos falar que os textos de Rodrigues
dialogam com a história e propõem uma atitude menos passiva politicamente. Tal
diálogo se dá nas referências à temática e à memória do afro-brasileiro, num
exercício de resgate da sua trajetória e na denúncia do rebaixamento social de
que é vítima esse segmento da população. O poeta sempre retorna ao passado,
mas não com nostalgia, cabe ressaltar, mas para tomar seus antepassados como
exemplos a serem seguidos e, com isso, tirar forças para poder continuar a luta
por mudanças. Já a proposta política, nos textos de Rodrigues, dá-se através das
referências aos problemas sociais que afetam a comunidade em questão, o que
impele o leitor a sair de sua atitude passiva diante das dificuldades do presente.
Sua literatura é, portanto, negra ou afro-brasileira, pois nesta “o negro articula uma
linguagem literária própria, rompe o discurso da cultura oficial e se manifesta como
um elemento de resistência à sua marginalização social” (Ianni, 1988,8).

          Além disso, um traço perceptível nos textos do autor é que este não se
prende a uma forma de escrever. Em seu conto, “O último trem”, por exemplo,
trabalha com uma linguagem simples e coloquial enquanto, em seus poemas,
percebemos um rebuscamento na linguagem e um trabalho estético mais
elaborado. Embora a forma de escrever seja diversificada, o ponto de enunciação
do tema é o mesmo: o negro e sua realidade. Nesse conto, o autor vai expondo
uma realidade, muitas vezes desconhecida ou ignorada, que é a pobreza e o
preconceito racial. Assim como não encontramos em seus poemas versos sem
ligação com a realidade étnica e social. O escritor, então, trabalha com a
linguagem a fim de conscientizar o leitor da realidade afro-brasileira. E vai mais
além, pois observamos que sua escrita traduz em palavras o sentir, o pensar e o
existir negro, pois em todos os textos analisados notamos que o eu-enunciador ou
o narrador possui um ponto de vista identificado com a história dos negros.
Abelardo Rodrigues, então, elege uma parte importante da consciência social do
negro e a organiza.
Observa-se, portanto, que a literatura de Abelardo Rodrigues é negro/afro-
brasileira, pois, tanto no conto “O último trem” publicado em Cadernos Negros 2,
quanto em seus poemas publicados em Memórias da Noite e Cadernos Negros 3,
o autor se assume como negro. Este adota um ponto de vista que é aquele que
está na periferia da sociedade, não somente resgatando o passado de seus
ancestrais, bem como tratando do negro e das suas dificuldades na
contemporaneidade. Conclui-se, então, que à margem da literatura canônica
encontram-se os textos desse poeta. Ele utiliza a memória como uma arma de
resistência e luta, indo mais além, pois seu olhar crítico sobre o presente e o
passado instiga o leitor a reflexões e questionamentos que geram, num primeiro
momento, inquietação, e num segundo contestação das idéias hegemônicas. Ler a
obra desse poeta é, então, perceber como “suas palavras erguem-se
verticalmente para exprimir uma realidade que se desenha nítida no seu universo
interior” (Rodrigues, Apresentação de Memória da Noite, 1978).


* Graduanda em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Referências

BARTHES, Roland. Aula. São paulo: Ed.Cultrix, 1978

Cadernos Negros 2. São Paulo: Quilombhoje, 1979.

Cadernos Negros 3. Poemas. São Paulo: Quilombhoje, 1980.

DU BOIS, W.E.B.. As Almas da Gente Negra. Trad. Heloísa Toller Gomes. Rio de
Janeiro: Lacerda Editores,1999.

IANNI, Octávio. In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. Ed. Comemorativa
do Centenário da abolição da Escravatura. SP, No 28, 1988.

SELIGMANN-SILVA, Márcio(Org.). História, Memória, Literatura: o testemunho na
era das Catástrofes. – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.

RODRIGUES, Abelardo. Memória da Noite. São José dos Campos-SP: Ed. do
autor, 1978. (poesia)



Bibliografia

Obra individual
Memória Da Noite. São José dos Campos-SP: Ed. do Autor,1978. (poesia)
Poê...Poemar. [S/I]: [s/n], 1982. (poesia)
Enterro. [S/I]: [s/n],1982. (contos)
Antologias
Cadernos Negros 2. São Paulo: Quilombhoje, 1979.
Cadernos Negros 3. Poemas. São Paulo: Quilombhoje, 1980.
Axé – Antologia Contemporânea de poesia negra brasileira. São Paulo: Global,
1982.


Fontes de consulta

COLINA, Paulo (Org.). Antologia contemporânea da poesia negra brasileira. São
Paulo: Global, 1982.
DAMACENO, Benedita Gouveia. Poesia negra no modernismo brasileiro.
Campinas-SP: Fontes Editores, 1988.p.112-4.


Links do autor

www.quilombhoje.com.br


Textos selecionados

Dança Movimento

E não podemos gritar
do alto de nossos olhos
a maresia,
que atracou em nossas palmas?

              Agora,
              quem varre a cozinha
              de velhas piratarias?

              O começo é necessário
              mesmo que seja um piscar
              para inflar-nos os pulmões
              do ar puro
              das ruas sociais.


Garganta

Hoje

é preciso que tua garganta

do existir
esteja limpa

para que jorre

teu negrume.



     Uma garganta não é corpo

               flácido

     É sangue escorrendo

     em

          leilão de cais.

Sua garganta,irmão

          É uma quarta-feira

                 de cinzas.



      (In: Cadernos Negros 3. Poemas. São Paulo: Quilombhoje, 1980.)


Ser Negro

Até quando, amigo?
até que o mar volte a ser o que era?
até que os corpos voltem ‘a praia
e se amotinem em negreiras naus
desses tempo?

Há,
um alvo
onde nossas forças recapeadas de fraquezas
brancas
possam medir e serem
torrentes
de uma dor prostrada
violentada
mas que na Primavera será
um dardo
uma lança
um raio laser

      (In: Memória da Noite. São José dos Campos, 1978).


Posição

     Ferir essa terra em céu de chama
       buscar cânticos encalhados
  em carnes estouradas em ouro e açucar
        em vermelhas gotas de café
levantar brados que perfurem a mão do timoneiro
                    e
             virar o barco
             virar o barco


                (In: Memória da Noite. São José dos Campos, 1978).




Identidade

   Nestas pernas abertas
 apontam um novo corpo
e mal saiu já pede a si mesmo

 Nada mais precisa

          (In: Memória da Noite. São José dos Campos, 1978).



Zumbi

As palavras estão como cercas
em nossos braços
Precisamos delas.
Não de ouro,
mas da Noite
do silêncio no grito
em mão feito lança
na voz feito barco
no barco feito nós
no nós feito eu.
             No feto

        Sim,
20 de novembro
      é uma canção
       guereira.

          (In: Cadernos Negros; Os melhores poemas,pág 25)

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Literatura afro brasileira
Literatura afro brasileiraLiteratura afro brasileira
Literatura afro brasileiraangelamariagomes
 
O médico e o monstro artigo
O médico e o monstro artigoO médico e o monstro artigo
O médico e o monstro artigoAngeli Nascimento
 
Exercícios literatura escolas literárias (3)
Exercícios literatura   escolas literárias (3)Exercícios literatura   escolas literárias (3)
Exercícios literatura escolas literárias (3)Edcléia Xavier
 
Segunda prova do ENEM-2010: Literatura
Segunda prova do ENEM-2010: LiteraturaSegunda prova do ENEM-2010: Literatura
Segunda prova do ENEM-2010: Literaturama.no.el.ne.ves
 
PEB II - PORTUGUÊS - SIMULADO DIGITAL PARA CONCURSOS PÚBLICOS
PEB II - PORTUGUÊS  -  SIMULADO DIGITAL PARA CONCURSOS PÚBLICOSPEB II - PORTUGUÊS  -  SIMULADO DIGITAL PARA CONCURSOS PÚBLICOS
PEB II - PORTUGUÊS - SIMULADO DIGITAL PARA CONCURSOS PÚBLICOSValdeci Correia
 
ENEM-2015 resolvido e comentado: Literatura
ENEM-2015 resolvido e comentado: LiteraturaENEM-2015 resolvido e comentado: Literatura
ENEM-2015 resolvido e comentado: Literaturama.no.el.ne.ves
 
VESTIBULAR UFPE 2014 - PROVA DE LITERATURA - TODOS OS TIPOS
VESTIBULAR UFPE 2014 - PROVA DE LITERATURA - TODOS OS TIPOSVESTIBULAR UFPE 2014 - PROVA DE LITERATURA - TODOS OS TIPOS
VESTIBULAR UFPE 2014 - PROVA DE LITERATURA - TODOS OS TIPOSIsaquel Silva
 
Negritude e Mestiçagem
Negritude e MestiçagemNegritude e Mestiçagem
Negritude e Mestiçagemnatashafm
 
Revisão ENEM - Linguagens, Códigos, Ciências Humanas e suas tecnologias
Revisão ENEM - Linguagens, Códigos, Ciências Humanas e suas tecnologiasRevisão ENEM - Linguagens, Códigos, Ciências Humanas e suas tecnologias
Revisão ENEM - Linguagens, Códigos, Ciências Humanas e suas tecnologiasThiago Coelho
 
Roteiro de vidas secas
Roteiro de vidas secasRoteiro de vidas secas
Roteiro de vidas secasBriefCase
 
A Influência do Local no Ato de Criação Literária por clarice Lispector
A Influência do Local no Ato de Criação Literária por clarice LispectorA Influência do Local no Ato de Criação Literária por clarice Lispector
A Influência do Local no Ato de Criação Literária por clarice LispectorEllen Oliveira
 
Do legado de nossa miséria ao espólio de depurada ironia bruna - professora...
Do legado de nossa miséria ao espólio de depurada ironia   bruna - professora...Do legado de nossa miséria ao espólio de depurada ironia   bruna - professora...
Do legado de nossa miséria ao espólio de depurada ironia bruna - professora...Isabella Silva
 
Simulado de literatura brasileira
Simulado de literatura brasileiraSimulado de literatura brasileira
Simulado de literatura brasileiraJesrayne Nascimento
 
Aula 06 barroco no brasil
Aula 06   barroco no brasilAula 06   barroco no brasil
Aula 06 barroco no brasilJonatas Carlos
 
Machado de Assis, um diálogo entre histórias
Machado de Assis, um diálogo entre históriasMachado de Assis, um diálogo entre histórias
Machado de Assis, um diálogo entre históriasEmerson Mathias
 

Mais procurados (19)

APOSTILA DE LITERATURA
APOSTILA DE LITERATURAAPOSTILA DE LITERATURA
APOSTILA DE LITERATURA
 
Literatura afro brasileira
Literatura afro brasileiraLiteratura afro brasileira
Literatura afro brasileira
 
O médico e o monstro artigo
O médico e o monstro artigoO médico e o monstro artigo
O médico e o monstro artigo
 
A Matéria do Nada
A Matéria do NadaA Matéria do Nada
A Matéria do Nada
 
Exercícios literatura escolas literárias (3)
Exercícios literatura   escolas literárias (3)Exercícios literatura   escolas literárias (3)
Exercícios literatura escolas literárias (3)
 
Segunda prova do ENEM-2010: Literatura
Segunda prova do ENEM-2010: LiteraturaSegunda prova do ENEM-2010: Literatura
Segunda prova do ENEM-2010: Literatura
 
PEB II - PORTUGUÊS - SIMULADO DIGITAL PARA CONCURSOS PÚBLICOS
PEB II - PORTUGUÊS  -  SIMULADO DIGITAL PARA CONCURSOS PÚBLICOSPEB II - PORTUGUÊS  -  SIMULADO DIGITAL PARA CONCURSOS PÚBLICOS
PEB II - PORTUGUÊS - SIMULADO DIGITAL PARA CONCURSOS PÚBLICOS
 
ENEM-2015 resolvido e comentado: Literatura
ENEM-2015 resolvido e comentado: LiteraturaENEM-2015 resolvido e comentado: Literatura
ENEM-2015 resolvido e comentado: Literatura
 
VESTIBULAR UFPE 2014 - PROVA DE LITERATURA - TODOS OS TIPOS
VESTIBULAR UFPE 2014 - PROVA DE LITERATURA - TODOS OS TIPOSVESTIBULAR UFPE 2014 - PROVA DE LITERATURA - TODOS OS TIPOS
VESTIBULAR UFPE 2014 - PROVA DE LITERATURA - TODOS OS TIPOS
 
Negritude e Mestiçagem
Negritude e MestiçagemNegritude e Mestiçagem
Negritude e Mestiçagem
 
Revisão ENEM - Linguagens, Códigos, Ciências Humanas e suas tecnologias
Revisão ENEM - Linguagens, Códigos, Ciências Humanas e suas tecnologiasRevisão ENEM - Linguagens, Códigos, Ciências Humanas e suas tecnologias
Revisão ENEM - Linguagens, Códigos, Ciências Humanas e suas tecnologias
 
Roteiro de vidas secas
Roteiro de vidas secasRoteiro de vidas secas
Roteiro de vidas secas
 
A Influência do Local no Ato de Criação Literária por clarice Lispector
A Influência do Local no Ato de Criação Literária por clarice LispectorA Influência do Local no Ato de Criação Literária por clarice Lispector
A Influência do Local no Ato de Criação Literária por clarice Lispector
 
Linguagensrevisão
LinguagensrevisãoLinguagensrevisão
Linguagensrevisão
 
Literatura
LiteraturaLiteratura
Literatura
 
Do legado de nossa miséria ao espólio de depurada ironia bruna - professora...
Do legado de nossa miséria ao espólio de depurada ironia   bruna - professora...Do legado de nossa miséria ao espólio de depurada ironia   bruna - professora...
Do legado de nossa miséria ao espólio de depurada ironia bruna - professora...
 
Simulado de literatura brasileira
Simulado de literatura brasileiraSimulado de literatura brasileira
Simulado de literatura brasileira
 
Aula 06 barroco no brasil
Aula 06   barroco no brasilAula 06   barroco no brasil
Aula 06 barroco no brasil
 
Machado de Assis, um diálogo entre histórias
Machado de Assis, um diálogo entre históriasMachado de Assis, um diálogo entre histórias
Machado de Assis, um diálogo entre histórias
 

Destaque (7)

Nomenclatura de alquinos
Nomenclatura de alquinosNomenclatura de alquinos
Nomenclatura de alquinos
 
Distintivo empresarial
Distintivo empresarialDistintivo empresarial
Distintivo empresarial
 
Writing mdb to excel
Writing mdb to excelWriting mdb to excel
Writing mdb to excel
 
Eddie Bauer 2
Eddie Bauer 2Eddie Bauer 2
Eddie Bauer 2
 
Dsc0947
 Dsc0947 Dsc0947
Dsc0947
 
Corpo humano inglês
Corpo humano inglêsCorpo humano inglês
Corpo humano inglês
 
Blog informativo
Blog informativoBlog informativo
Blog informativo
 

Semelhante a Abelardo Rodrigues: resgate da memória e crítica social

3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase
3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase
3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fasejacsonufcmestrado
 
Aula 26 modernismo no brasil - 3ª fase
Aula 26   modernismo no brasil - 3ª faseAula 26   modernismo no brasil - 3ª fase
Aula 26 modernismo no brasil - 3ª faseJonatas Carlos
 
Recontarhistoriasereinventarmemorias
 Recontarhistoriasereinventarmemorias Recontarhistoriasereinventarmemorias
RecontarhistoriasereinventarmemoriasNegrafrancis Francis
 
Trabalho de português 2ª tarefa
Trabalho de português 2ª tarefaTrabalho de português 2ª tarefa
Trabalho de português 2ª tarefa1998-0206
 
Artigos livres 23.3_memorias_de_emilia_mail_marques_azevedo_samara_roggenbach
Artigos livres 23.3_memorias_de_emilia_mail_marques_azevedo_samara_roggenbachArtigos livres 23.3_memorias_de_emilia_mail_marques_azevedo_samara_roggenbach
Artigos livres 23.3_memorias_de_emilia_mail_marques_azevedo_samara_roggenbachCarlos Magalhães
 
Graciliano ramos
Graciliano ramosGraciliano ramos
Graciliano ramosRafael Lima
 
Complexo de ze carioca notas sobre uma identidade mestiça e malandra
Complexo de ze carioca notas sobre uma identidade mestiça e malandraComplexo de ze carioca notas sobre uma identidade mestiça e malandra
Complexo de ze carioca notas sobre uma identidade mestiça e malandraIzaac Erder
 
IV Simpósio Internacional sobre Literatura Brasileira Contemporânea: autoria,...
IV Simpósio Internacional sobre Literatura Brasileira Contemporânea: autoria,...IV Simpósio Internacional sobre Literatura Brasileira Contemporânea: autoria,...
IV Simpósio Internacional sobre Literatura Brasileira Contemporânea: autoria,...Estudos Lusofonos
 
Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]
Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]
Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]GIOVANE LIMA
 
Prova de literatura enem.
Prova de literatura   enem.Prova de literatura   enem.
Prova de literatura enem.Ajudar Pessoas
 
Aula 27 produções contemporâneas em portugal e no brasil
Aula 27   produções contemporâneas em portugal e no brasilAula 27   produções contemporâneas em portugal e no brasil
Aula 27 produções contemporâneas em portugal e no brasilJonatas Carlos
 
Intertextualidade e linguagem Catia Delatorre
Intertextualidade e linguagem   Catia DelatorreIntertextualidade e linguagem   Catia Delatorre
Intertextualidade e linguagem Catia DelatorreCatia Delatorre
 
Aula 19 pré - modernismo - brasil
Aula 19   pré - modernismo - brasilAula 19   pré - modernismo - brasil
Aula 19 pré - modernismo - brasilJonatas Carlos
 
17-Estudos-culturais-e-qual-antropologia.pdf
17-Estudos-culturais-e-qual-antropologia.pdf17-Estudos-culturais-e-qual-antropologia.pdf
17-Estudos-culturais-e-qual-antropologia.pdffrancisca123roca
 
analise a hora da estrela
analise a hora da estrela analise a hora da estrela
analise a hora da estrela LuciBernadete
 
2º tarefa do facegrupo
2º tarefa do facegrupo2º tarefa do facegrupo
2º tarefa do facegrupoGabriel Mendes
 
Memórias Póstumas de Brás Cubas
Memórias Póstumas de Brás  Cubas Memórias Póstumas de Brás  Cubas
Memórias Póstumas de Brás Cubas Cláudia Heloísa
 

Semelhante a Abelardo Rodrigues: resgate da memória e crítica social (20)

3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase
3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase
3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase
 
Aula 26 modernismo no brasil - 3ª fase
Aula 26   modernismo no brasil - 3ª faseAula 26   modernismo no brasil - 3ª fase
Aula 26 modernismo no brasil - 3ª fase
 
Recontarhistoriasereinventarmemorias
 Recontarhistoriasereinventarmemorias Recontarhistoriasereinventarmemorias
Recontarhistoriasereinventarmemorias
 
Modernismo
ModernismoModernismo
Modernismo
 
Trabalho de português 2ª tarefa
Trabalho de português 2ª tarefaTrabalho de português 2ª tarefa
Trabalho de português 2ª tarefa
 
Artigos livres 23.3_memorias_de_emilia_mail_marques_azevedo_samara_roggenbach
Artigos livres 23.3_memorias_de_emilia_mail_marques_azevedo_samara_roggenbachArtigos livres 23.3_memorias_de_emilia_mail_marques_azevedo_samara_roggenbach
Artigos livres 23.3_memorias_de_emilia_mail_marques_azevedo_samara_roggenbach
 
Graciliano ramos
Graciliano ramosGraciliano ramos
Graciliano ramos
 
Complexo de ze carioca notas sobre uma identidade mestiça e malandra
Complexo de ze carioca notas sobre uma identidade mestiça e malandraComplexo de ze carioca notas sobre uma identidade mestiça e malandra
Complexo de ze carioca notas sobre uma identidade mestiça e malandra
 
IV Simpósio Internacional sobre Literatura Brasileira Contemporânea: autoria,...
IV Simpósio Internacional sobre Literatura Brasileira Contemporânea: autoria,...IV Simpósio Internacional sobre Literatura Brasileira Contemporânea: autoria,...
IV Simpósio Internacional sobre Literatura Brasileira Contemporânea: autoria,...
 
Cidade das Palavras
Cidade das PalavrasCidade das Palavras
Cidade das Palavras
 
Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]
Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]
Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]
 
Prova de literatura enem.
Prova de literatura   enem.Prova de literatura   enem.
Prova de literatura enem.
 
Aula 27 produções contemporâneas em portugal e no brasil
Aula 27   produções contemporâneas em portugal e no brasilAula 27   produções contemporâneas em portugal e no brasil
Aula 27 produções contemporâneas em portugal e no brasil
 
Intertextualidade e linguagem Catia Delatorre
Intertextualidade e linguagem   Catia DelatorreIntertextualidade e linguagem   Catia Delatorre
Intertextualidade e linguagem Catia Delatorre
 
Aula 19 pré - modernismo - brasil
Aula 19   pré - modernismo - brasilAula 19   pré - modernismo - brasil
Aula 19 pré - modernismo - brasil
 
17-Estudos-culturais-e-qual-antropologia.pdf
17-Estudos-culturais-e-qual-antropologia.pdf17-Estudos-culturais-e-qual-antropologia.pdf
17-Estudos-culturais-e-qual-antropologia.pdf
 
A geração de 45
A geração de 45A geração de 45
A geração de 45
 
analise a hora da estrela
analise a hora da estrela analise a hora da estrela
analise a hora da estrela
 
2º tarefa do facegrupo
2º tarefa do facegrupo2º tarefa do facegrupo
2º tarefa do facegrupo
 
Memórias Póstumas de Brás Cubas
Memórias Póstumas de Brás  Cubas Memórias Póstumas de Brás  Cubas
Memórias Póstumas de Brás Cubas
 

Mais de culturaafro

Educação de Jovens e Adultos
Educação  de  Jovens e AdultosEducação  de  Jovens e Adultos
Educação de Jovens e Adultosculturaafro
 
Projeto de curso em ambiente virtual
Projeto de  curso em ambiente  virtualProjeto de  curso em ambiente  virtual
Projeto de curso em ambiente virtualculturaafro
 
Sistema de tutoria no Lante
Sistema de  tutoria  no LanteSistema de  tutoria  no Lante
Sistema de tutoria no Lanteculturaafro
 
ferramenta Moodle
ferramenta Moodleferramenta Moodle
ferramenta Moodleculturaafro
 
EXPERIÊNCIAS NEGATIVAS NA MODALIDADE DE EAD
EXPERIÊNCIAS NEGATIVAS NA MODALIDADE DE EADEXPERIÊNCIAS NEGATIVAS NA MODALIDADE DE EAD
EXPERIÊNCIAS NEGATIVAS NA MODALIDADE DE EADculturaafro
 
Situações problema que fazem parte do cotidiano de um tutor.
Situações  problema que  fazem parte do cotidiano de um  tutor.Situações  problema que  fazem parte do cotidiano de um  tutor.
Situações problema que fazem parte do cotidiano de um tutor.culturaafro
 
Apresentacaopucpde
ApresentacaopucpdeApresentacaopucpde
Apresentacaopucpdeculturaafro
 
Sistemas de avaliação na educação presencial e a distância
Sistemas de avaliação na educação presencial e a distânciaSistemas de avaliação na educação presencial e a distância
Sistemas de avaliação na educação presencial e a distânciaculturaafro
 
Produção pedagógica sobre a internet e o ensino da história e cultura afr...
Produção  pedagógica sobre  a  internet e o ensino da  história e cultura afr...Produção  pedagógica sobre  a  internet e o ensino da  história e cultura afr...
Produção pedagógica sobre a internet e o ensino da história e cultura afr...culturaafro
 
A internet e o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana
A internet e o ensino da história e cultura  afro-brasileira e  africanaA internet e o ensino da história e cultura  afro-brasileira e  africana
A internet e o ensino da história e cultura afro-brasileira e africanaculturaafro
 
Formação do professor em relação a lei 10639
Formação  do  professor   em  relação  a  lei 10639Formação  do  professor   em  relação  a  lei 10639
Formação do professor em relação a lei 10639culturaafro
 
Orientações curriculares expectativas de aprendizagem educação étnico racial[1]
Orientações curriculares expectativas de aprendizagem educação étnico racial[1]Orientações curriculares expectativas de aprendizagem educação étnico racial[1]
Orientações curriculares expectativas de aprendizagem educação étnico racial[1]culturaafro
 
Eles tem a cara preta
Eles tem a cara preta Eles tem a cara preta
Eles tem a cara preta culturaafro
 
Modos de interagir
Modos de interagirModos de interagir
Modos de interagirculturaafro
 
história e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africanahistória e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africanaculturaafro
 
história e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africanahistória e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africanaculturaafro
 
história e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africanahistória e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africanaculturaafro
 
história e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africanahistória e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africanaculturaafro
 

Mais de culturaafro (20)

Educação de Jovens e Adultos
Educação  de  Jovens e AdultosEducação  de  Jovens e Adultos
Educação de Jovens e Adultos
 
Projeto de curso em ambiente virtual
Projeto de  curso em ambiente  virtualProjeto de  curso em ambiente  virtual
Projeto de curso em ambiente virtual
 
Sistema de tutoria no Lante
Sistema de  tutoria  no LanteSistema de  tutoria  no Lante
Sistema de tutoria no Lante
 
ferramenta Moodle
ferramenta Moodleferramenta Moodle
ferramenta Moodle
 
EXPERIÊNCIAS NEGATIVAS NA MODALIDADE DE EAD
EXPERIÊNCIAS NEGATIVAS NA MODALIDADE DE EADEXPERIÊNCIAS NEGATIVAS NA MODALIDADE DE EAD
EXPERIÊNCIAS NEGATIVAS NA MODALIDADE DE EAD
 
Situações problema que fazem parte do cotidiano de um tutor.
Situações  problema que  fazem parte do cotidiano de um  tutor.Situações  problema que  fazem parte do cotidiano de um  tutor.
Situações problema que fazem parte do cotidiano de um tutor.
 
Apresentacaopucpde
ApresentacaopucpdeApresentacaopucpde
Apresentacaopucpde
 
Sistemas de avaliação na educação presencial e a distância
Sistemas de avaliação na educação presencial e a distânciaSistemas de avaliação na educação presencial e a distância
Sistemas de avaliação na educação presencial e a distância
 
Produção pedagógica sobre a internet e o ensino da história e cultura afr...
Produção  pedagógica sobre  a  internet e o ensino da  história e cultura afr...Produção  pedagógica sobre  a  internet e o ensino da  história e cultura afr...
Produção pedagógica sobre a internet e o ensino da história e cultura afr...
 
A internet e o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana
A internet e o ensino da história e cultura  afro-brasileira e  africanaA internet e o ensino da história e cultura  afro-brasileira e  africana
A internet e o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana
 
Formação do professor em relação a lei 10639
Formação  do  professor   em  relação  a  lei 10639Formação  do  professor   em  relação  a  lei 10639
Formação do professor em relação a lei 10639
 
Orientações curriculares expectativas de aprendizagem educação étnico racial[1]
Orientações curriculares expectativas de aprendizagem educação étnico racial[1]Orientações curriculares expectativas de aprendizagem educação étnico racial[1]
Orientações curriculares expectativas de aprendizagem educação étnico racial[1]
 
Eles tem a cara preta
Eles tem a cara preta Eles tem a cara preta
Eles tem a cara preta
 
Modos de interagir
Modos de interagirModos de interagir
Modos de interagir
 
Modos de sentir
Modos de sentirModos de sentir
Modos de sentir
 
Modos de ver
Modos de verModos de ver
Modos de ver
 
história e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africanahistória e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africana
 
história e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africanahistória e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africana
 
história e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africanahistória e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africana
 
história e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africanahistória e cultura afro brasileira e africana
história e cultura afro brasileira e africana
 

Abelardo Rodrigues: resgate da memória e crítica social

  • 1. Abelardo Rodrigues Dados biográficos Abelardo Rodrigues nasceu em Monte Azul Paulista-SP, a 10 de Outubro de 1952. É co-fundador do Quilombhoje, juntamente com Cuti, Oswaldo Camargo e Paulo Colina, grupo que tem como objetivo divulgar a produção literária dos afro- descendentes e incentivar os estudos sobre a cultura e a literatura afro-brasileira. Em sua auto-apresentação, no volume 2 de Cadernos Negros, declara: “sou mulato. Entendi-me como negro em São Paulo e lancei meu primeiro livro de poemas – Memória da noite – em São José dos Campos em 1978”.O autor acrescenta que a consciência étnica e cultural, a preocupação com “o ser, o sentir negro no mundo”, é “anterior aos poemas”. Comentando a edição dos Cadernos Negros, destaca a relação entre a heterogeneidade dos textos e o traço comum representado pela “força” com que se afirma a consciência afro-descendente: “essa unidade que somos, embora”. (1979, p. 5). Abelardo Rodrigues teve poemas traduzidos e publicados na Alemanha e nos Estados Unidos. Benedita Damasceno, em análise do livro de estréia do autor, comenta: “Em seus poemas, ele procura gritar e mostrar ao mundo sua ‘Memória da Noite’, a longa e penosa noite que foi e ainda é a história do negro no Brasil. Ele deseja retirar de si, como se opera um cancro, os complexos de inferioridade que as teorias do branco lhe incutiram, transformando sua poesia no grito de protesto contra esses preconceitos.” (Damaceno: 1988)
  • 2. Por outro lado, Rodrigues afirma em Cadernos Negros 3 sua preocupação com a forma: “acredito que o conteúdo será melhor demonstrado quando se conhecer a poesia em todas as suas formas e variações. (...) Toda poesia me interessa na medida em que por ela eu possa desenvolver o que mais me interessa, um melhor resultado de conteúdo expresso no poema.” (1980, p. 12) Comentário Crítico A literatura marginal de Abelardo Rodrigues: resgate da memória e olhar crítico sobre o presente. Danielle da Costa Rocha* A lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com ajuda de dados emprestados do presente e, além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e onde a imagem de outrora já se manifestou bem alterada. Halbawachs É de conhecimento geral que a literatura afro-brasileira tem sido ignorada e posta à margem por alguns críticos conservadores, no entanto, também está se tornando uma prática o resgate de tais textos. Acredito que no atual momento histórico em que vivemos, começamos a perceber que o “outro” está deixando de ser apenas um conceito teórico, passando a enunciador de sua história. Com esse novo papel, tal sujeito começa a refletir sobre questões que dizem respeito a si e aos seus pares. Uma das características da literatura afro-brasileira é a presença de um eu- enunciador que não se vê mais com olhos alheios, mas sim com seus próprios. Nessa escrita, há uma (re)construção da memória e, conseqüentemente, da identidade afro-descendente, já que se propõe, através da linguagem, a romper estereótipos relacionados aos negros. O uso desta é capaz de promover ressignificações e a quebra de paradigmas, conforme ressaltou Leyla Perrone- Moisés: Combater os estereótipos é pois uma tarefa essencial, porque, neles, sob o manto da naturalidade, a ideologia é vinculada, a inconsciência dos seres falantes com relação a sua verdadeiras condições de fala (de vida) é perpetuada. (Apud Barthes, 1978, 58)
  • 3. Portanto, uma pesquisa na qual o objeto de análise seja uma obra afro- brasileira é de fundamental importância, pois essa escrita, ao trabalhar memórias e identidades, mostra como o afro-descendente se sentia “um estranho dentro da própria casa”, conforme ressaltou certa vez o pensador norte-americano Du Bois (1999, 53). Sendo assim, este viés da literatura não pode continuar sendo ignorado e posto à margem dos textos ditos canônicos. Diante dessas questões, propus-me a pesquisar a obra de Abelardo Rodrigues, um contista e poeta que nasceu em Monte Azul Paulista -SP, em 10 de Outubro de 1952. O escritor também é co-fundador do Quilombhoje, juntamente com Luiz Silva [Cuti], Oswaldo Camargo, Mário Jorge Lescano e Paulo Colina, que tinham como objetivo divulgar a produção literária dos afro-descendentes e incentivar os estudos sobre a cultura e a literatura afro-brasileira. Os materiais analisados neste trabalho são o livro de poesias Memória da Noite (1978) e as participações de Rodrigues, como contista e poeta, em Cadernos Negros 2 (1979) e 3 (1980), publicados pelo Quilombhoje. Ressalta-se, ainda, que na escrita do poeta “é o eco de suas vivências que se faz palavra” (1978, 5), o que aponta, portanto, que o lugar de enunciação de tais obras na análise desse estudo é de total relevância, pois o ponto de vista adotado pelo autor indicará o conjunto de valores que fundamentaram as escolhas de linguagem. A partir da análise do conto “O último trem”, publicado em Cadernos Negros 2, já podemos observar tal lugar de enunciação. Encontramos, nesse texto, um narrador em primeira pessoa que relata a história, utilizando uma linguagem coloquial. Este narrador-personagem é um homem negro que, enquanto espera o horário do seu embarque, numa estação, relata-nos uma história que é sua e de seus irmãos de cor. Seus pensamentos e cogitações conformam a matéria do conto. Durante a leitura deste, seu nome não é revelado, o que faz com que o leitor não se prenda a uma individualidade, a um vínculo particular, mas a um ponto de vista coletivo. É como se, pela falta do nome desse personagem, o autor tivesse por objetivo falar das dificuldades de uma comunidade mais ampla, no caso a afro-descendente. O passageiro está na estação à espera do último trem e indaga a todo instante como vai contar para Rosa, sua esposa, o fato de ter perdido o emprego, o que ilustra o pensamento de Du Bois, ao afirmar: “o problema do século XX é o problema da barreira social” (1999, 64). É possível perceber explicitamente nos textos de Rodrigues a abordagem de tal assunto, pois, através das divagações do personagem, o texto critica a desigualdade social, que produz ilhas de riqueza cercadas de miséria. Em determinado momento do conto, o narrador se vê confuso e sem saída entre os luminosos da cidade. Estes, comuns nas metrópoles, acendem e apagam a todo instante, demarcando os signos e lugares da sociedade de consumo. Além disso, remetem metaforicamente ao sistema opressor, que gera exclusão e não constrói “saída” alguma para os que não tiveram oportunidade de um trabalho digno.
  • 4. Nesse contexto de denúncia social, notamos que há um resgate da memória afro-brasileira, através das mensagens de esperança alicerçadas na história de heróis do passado. Um deles, Zumbi, é alçado a modelo de luta e resistência: “... mas eu acredito que é preciso uma atitude contra a pobreza e coisa assim (...) fazer como fez nosso Zumbi. Eu respeito muito nossos heróis negros”.(Cadernos Negros 2: 1979, 10). Quando Abelardo traz para seu texto um herói afro-brasileiro, ele quebra um ciclo de propagação de esquecimento da História oficial que coloca muitas vezes à margem alguns personagens negros, como o próprio Zumbi. Não queremos aqui pregar contra a historiografia oficial, mas sim ressaltar que paralelamente a ela, há outras histórias, conforme apontou Seligman-Silva: “no que tange à dicotomia história e memória creio que um registro não deve apagar o outro” (2003, 62). O autor do conto, ao trabalhar memória e história, mostra consciência da inexistência de uma neutralidade. Sabemos que junto ao lugar de enunciação sempre haverá um ponto de vista que coincide ou com os vitoriosos ou com os vencidos. O poeta, como ato de resistência ao apagamento da memória afro- brasileira, toma para si o papel de reconstruir, via literatura, trajetórias individuais e coletivas, procurando reagir contra uma dinâmica do esquecimento. Indo mais além, afirmo, também, que há uma reformulação da identidade do afro-brasileiro na escrita de Rodrigues e que, no texto, se constrói a partir de uma história de ancestralidade africana, já que podemos partir do pressuposto que não existe identidade sem memória. Observa-se, ainda, que em diversos momentos, o autor conduz o leitor a vivenciar, através de seus textos, a realidade do negro na contemporaneidade. Nesse mesmo conto, o narrador trata das dificuldades que atingem o afro- brasileiro, como se comprova na seguinte passagem: “o meu compadre Antonio, acha que nós devemos nos contentar com as coisas da vida que só acontecem aos pobres como nós...” (Cadernos Negros 2: 1979, 10). Quando o narrador diz: “aos pobres como nós” ele direciona os olhos do leitor para uma realidade que exclui a pessoa não só pela condição financeira, mas também pela cor da pele, pois não são quaisquer pobres, são “como nós”, ou seja, negros, já que é este o lugar de fala do narrador. O olhar do narrador, já que se encontra marcado pela memória e pela história, possibilita a ele ter sobre a realidade uma visão crítica ao apontar os problemas que cerceiam o negro no presente e perceber que estes não surgiram de uma hora para outra, vejamos: Agora essa coisa de escravo e negro, é um troço bem complicado; nós saímos dela há uns oitenta e cacetada de anos, e segundo disse o Carlos, um dos mulatos (o mais escurinho): ainda temos todos os sofrimentos no sangue, são coisas (quatro séculos são coisas?) que não podem ser esquecidas, porque nos marcaram, estão em nossos olhos, em nossos gestos, nos gestos de muitos brancos que
  • 5. chegaram até por último e já botam banca nos seus carros nas suas firmas. (Cadernos Negros 2: 1979, 11). De maneira lúcida, o texto indica ao leitor reflexões que podem desfazer todo um pensamento hegemônico: a de que o negro está em uma situação social inferior porque não gosta de trabalhar (quem nunca ouviu falar da famosa imagem do negro malandro?). Essa passagem nos relembra que tudo seria conseqüência de um passado no qual houve uma exploração da mão de obra africana e afro- brasileira escravizada, sendo depois lançada à própria sorte. Portanto, a memória, que é subjetiva e seletiva, é utilizada como instrumento de desmistificação das idéias que até então eram incontestáveis. Além do resgate da memória e de seu posicionamento crítico sobre a condição do negro no presente, Abelardo Rodrigues trabalha com os signos no texto de maneira consciente, fazendo inversões de linguagem, deixando evidente que o ponto de vista direcionado é daquele que está à margem da sociedade: “agora os jornais estão noticiando... vai ser o maior tendéu se acontecer isso também nas outras fábricas, então eu acho que as coisas vão ficar brancas” (Cadernos Negros 2: 1979, 9). Como sabemos, na literatura, o ponto de vista é o fio condutor das escolhas de linguagem e, nessa passagem, é possível comprovar isso. Com um certo tom de ironia e promovendo ressignificações, o autor utiliza a expressão “as coisas vão ficar brancas”, ao invés do mais usual “as coisas vão ficar pretas”. A troca realizada pelo escritor substitui a expressão carregada de sentido pejorativo pela outra, num exercício lingüístico de combate aos estereótipos. Nesta passagem, o autor deixa perceptível seu olhar periférico e o seu lugar de fala afro-brasileiro, utilizando a linguagem a fim de um propósito, o que dialogaria com a afirmação de Barthes de que “a língua entra a serviço de um poder” (1978,14). A simplicidade da linguagem do conto contrasta com o trabalho estético mais elaborado dos poemas analisados tanto em Cadernos Negros 3, quanto em Memória da Noite. Pode-se perceber, através dos poemas, que o eu-lírico deseja tirar seu receptor de uma posição inerte, ao lançar mão de signos mais rebuscados cujo entendimento exige um maior esforço do leitor para entendê-los. No poema selecionado de Cadernos Negros 3, o leitor passa a um papel ativo na busca pela compreensão do texto: À Procura de Palmares Como voz de faca em vôo derrubando pássaros antigos ou vento de homens que sopram desejos de velhos risos perdidos em correntes, é preciso que o punho
  • 6. seja espelho de nossa fé. E que meus olhos tremidos estejam ainda na penumbra da razão negada, é preciso que se galgue a poeira levantada e se ache entre palmeiras lanças guerreiras inta ctas. (Cadernos Negros 3: 1980,13) Para uma melhor interpretação dos poemas de Abelardo Rodrigues, necessitamos ter em mente o lugar de enunciação do autor. Este é e se quer negro, portanto sua fala é representativa da coletividade negra, uma vez que traz à tona, em seus textos, temas relacionados à afro-brasilidade, tais como: a discriminação, a desigualdade, a resistência e a necessidade de luta. No poema citado, o eu-lírico vê a linguagem como instrumento imprescindível à batalha: “voz de faca” capaz de derrubar “pássaros antigos”. Pode-se inferir que esta expressão remete ao preconceito e ao racismo que estão presentes, ainda, na sociedade contemporânea. O escritor ressalta as necessidades da luta, e não do conformismo. Esta deve ser “a nossa fé” e a de quem não deseja ter sua voz silenciada: a “razão negada”. O eu-lírico conclui dizendo que é preciso resgatar lanças guerreiras intactas, signos de uma memória afro-descendente onde encontra renovo para sua força. Portanto, o leitor percebe que a opção pela cor da escrita de Abelardo Rodrigues é negra, pois esta se identifica com as glórias e problemas dos afro-descendentes. Em outro poema, de Memórias da Noite, o eu-enunciador evidencia seu lugar de enunciação: Quero expelir a dor do meu sangue dizer em gritos coagulados em senzalas calados em transbordantes rubros de bisturis cálices estuprando a eterna pureza de idéias
  • 7. brancas (...) (Rodrigues, 1978, 15) Nesse poema, em nenhum momento é posto explicitamente algo sobre o negro. Porém, são utilizados símbolos que nos remetem à sua história, como por exemplo, “senzalas”. Analisando esse trecho, percebemos que o eu-lírico expõe a dor que o acompanha e aqueles que tem seu sangue, ou seja, os afros- descendentes. Sendo assim, ele deseja “expelir/dizer” os gritos que foram “coagulados/calados” nos anos de senzala. Neste sentido, mais uma vez, a linguagem é capaz de quebrar o silenciamento imposto aos negros, pela literatura e pela historiografia oficiais. Essa voz que se quer negra deseja fazer-se ouvir não importando se seus dizeres violentarão a “eterna pureza de idéias brancas”. Depois dessa pequena análise, podemos falar que os textos de Rodrigues dialogam com a história e propõem uma atitude menos passiva politicamente. Tal diálogo se dá nas referências à temática e à memória do afro-brasileiro, num exercício de resgate da sua trajetória e na denúncia do rebaixamento social de que é vítima esse segmento da população. O poeta sempre retorna ao passado, mas não com nostalgia, cabe ressaltar, mas para tomar seus antepassados como exemplos a serem seguidos e, com isso, tirar forças para poder continuar a luta por mudanças. Já a proposta política, nos textos de Rodrigues, dá-se através das referências aos problemas sociais que afetam a comunidade em questão, o que impele o leitor a sair de sua atitude passiva diante das dificuldades do presente. Sua literatura é, portanto, negra ou afro-brasileira, pois nesta “o negro articula uma linguagem literária própria, rompe o discurso da cultura oficial e se manifesta como um elemento de resistência à sua marginalização social” (Ianni, 1988,8). Além disso, um traço perceptível nos textos do autor é que este não se prende a uma forma de escrever. Em seu conto, “O último trem”, por exemplo, trabalha com uma linguagem simples e coloquial enquanto, em seus poemas, percebemos um rebuscamento na linguagem e um trabalho estético mais elaborado. Embora a forma de escrever seja diversificada, o ponto de enunciação do tema é o mesmo: o negro e sua realidade. Nesse conto, o autor vai expondo uma realidade, muitas vezes desconhecida ou ignorada, que é a pobreza e o preconceito racial. Assim como não encontramos em seus poemas versos sem ligação com a realidade étnica e social. O escritor, então, trabalha com a linguagem a fim de conscientizar o leitor da realidade afro-brasileira. E vai mais além, pois observamos que sua escrita traduz em palavras o sentir, o pensar e o existir negro, pois em todos os textos analisados notamos que o eu-enunciador ou o narrador possui um ponto de vista identificado com a história dos negros. Abelardo Rodrigues, então, elege uma parte importante da consciência social do negro e a organiza.
  • 8. Observa-se, portanto, que a literatura de Abelardo Rodrigues é negro/afro- brasileira, pois, tanto no conto “O último trem” publicado em Cadernos Negros 2, quanto em seus poemas publicados em Memórias da Noite e Cadernos Negros 3, o autor se assume como negro. Este adota um ponto de vista que é aquele que está na periferia da sociedade, não somente resgatando o passado de seus ancestrais, bem como tratando do negro e das suas dificuldades na contemporaneidade. Conclui-se, então, que à margem da literatura canônica encontram-se os textos desse poeta. Ele utiliza a memória como uma arma de resistência e luta, indo mais além, pois seu olhar crítico sobre o presente e o passado instiga o leitor a reflexões e questionamentos que geram, num primeiro momento, inquietação, e num segundo contestação das idéias hegemônicas. Ler a obra desse poeta é, então, perceber como “suas palavras erguem-se verticalmente para exprimir uma realidade que se desenha nítida no seu universo interior” (Rodrigues, Apresentação de Memória da Noite, 1978). * Graduanda em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais. Referências BARTHES, Roland. Aula. São paulo: Ed.Cultrix, 1978 Cadernos Negros 2. São Paulo: Quilombhoje, 1979. Cadernos Negros 3. Poemas. São Paulo: Quilombhoje, 1980. DU BOIS, W.E.B.. As Almas da Gente Negra. Trad. Heloísa Toller Gomes. Rio de Janeiro: Lacerda Editores,1999. IANNI, Octávio. In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. Ed. Comemorativa do Centenário da abolição da Escravatura. SP, No 28, 1988. SELIGMANN-SILVA, Márcio(Org.). História, Memória, Literatura: o testemunho na era das Catástrofes. – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003. RODRIGUES, Abelardo. Memória da Noite. São José dos Campos-SP: Ed. do autor, 1978. (poesia) Bibliografia Obra individual Memória Da Noite. São José dos Campos-SP: Ed. do Autor,1978. (poesia) Poê...Poemar. [S/I]: [s/n], 1982. (poesia) Enterro. [S/I]: [s/n],1982. (contos)
  • 9. Antologias Cadernos Negros 2. São Paulo: Quilombhoje, 1979. Cadernos Negros 3. Poemas. São Paulo: Quilombhoje, 1980. Axé – Antologia Contemporânea de poesia negra brasileira. São Paulo: Global, 1982. Fontes de consulta COLINA, Paulo (Org.). Antologia contemporânea da poesia negra brasileira. São Paulo: Global, 1982. DAMACENO, Benedita Gouveia. Poesia negra no modernismo brasileiro. Campinas-SP: Fontes Editores, 1988.p.112-4. Links do autor www.quilombhoje.com.br Textos selecionados Dança Movimento E não podemos gritar do alto de nossos olhos a maresia, que atracou em nossas palmas? Agora, quem varre a cozinha de velhas piratarias? O começo é necessário mesmo que seja um piscar para inflar-nos os pulmões do ar puro das ruas sociais. Garganta Hoje é preciso que tua garganta do existir
  • 10. esteja limpa para que jorre teu negrume. Uma garganta não é corpo flácido É sangue escorrendo em leilão de cais. Sua garganta,irmão É uma quarta-feira de cinzas. (In: Cadernos Negros 3. Poemas. São Paulo: Quilombhoje, 1980.) Ser Negro Até quando, amigo? até que o mar volte a ser o que era? até que os corpos voltem ‘a praia e se amotinem em negreiras naus desses tempo? Há, um alvo onde nossas forças recapeadas de fraquezas brancas possam medir e serem torrentes de uma dor prostrada violentada mas que na Primavera será
  • 11. um dardo uma lança um raio laser (In: Memória da Noite. São José dos Campos, 1978). Posição Ferir essa terra em céu de chama buscar cânticos encalhados em carnes estouradas em ouro e açucar em vermelhas gotas de café levantar brados que perfurem a mão do timoneiro e virar o barco virar o barco (In: Memória da Noite. São José dos Campos, 1978). Identidade Nestas pernas abertas apontam um novo corpo e mal saiu já pede a si mesmo Nada mais precisa (In: Memória da Noite. São José dos Campos, 1978). Zumbi As palavras estão como cercas em nossos braços Precisamos delas. Não de ouro, mas da Noite do silêncio no grito em mão feito lança na voz feito barco no barco feito nós
  • 12. no nós feito eu. No feto Sim, 20 de novembro é uma canção guereira. (In: Cadernos Negros; Os melhores poemas,pág 25)